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Crianças soropositivas e escolas
Sonia Cotrim
Consultora executiva do Núcleo Rio do Projeto Aids e a Escola, de 1994 a 2001
Diante da realidade do HIV/Aids, ainda é um desafio fazer com que a escola continue cumprindo o seu papel, honrando sua responsabilidade institucional na sociedade e permanecendo no seu lugar, sem ser abalada como atingida por um terremoto, diante do fato de saber que, entre seus alunos, há uma criança/adolescente soropositivo. Esse desafio tem que ser enfrentado com muita informação, especialmente com base na legislação, que diz ser garantida a matrícula de alunos soropositivos na rede escolar e que o sigilo à sua condição é inegável.
A desinformação da comunidade escolar, especialmente dos profissionais da escola e os responsáveis pelos alunos, sobre as formas de transmissão do HIV/Aids é uma das maiores barreiras ao avanço das questões relacionadas a crianças soropositivas e escolas. Entretanto, apenas informação não é suficiente para garantir que haja uma compreensão por parte dos atores que compõem a escola, de como atuarem na "escola em tempos de HIV/Aids". Parece que esta instituição não está ainda preparada para se defrontar com muitos outros desafios que ultrapassam os muros escolares, os quais estão no mundo e em nós mesmos.
A rede pública do município do Rio de Janeiro tem 1.040 escolas e é a maior rede da América Latina. Nessa rede, composta por dez coordenadorias regionais, o "Projeto Aids e a Escola"/2a Coordenadoria Regional de Educação (CRE) capacitou, entre 1994 e 2001, 80 das 113 escolas que compõem a coordenadoria para lidar com as temáticas que estão relacionadas ao HIV/Aids, tais como sexualidade, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), gravidez precoce e uso abusivo de drogas. A justificativa para a implantação do projeto foi que, no início dos anos 90, a área da 2a CRE tinha sido apontada como a de maior avanço no número de casos notificados de Aids (Secretaria de Estado de Saúde/RJ). No conjunto de escolas contempladas com o projeto, havia desde a educação infantil até a oitava série do ensino fundamental, abrangendo os bairros da Zona Sul e parte da Zona Norte da cidade.
As dificuldades mais frequentes das escolas, ao se depararem com a realidade do HIV/Aids, giram em torno das questões do dia-a-dia: ferimentos originados por mordidas ou tombos, troca de objetos, toalhinhas, talheres, chupetas, compartilhar merendas (sanduíches e canudinhos) e, até mesmo, beijos, abraços e afagos. Não é incomum o fato de consultores serem chamados para solucionar problemas quando responsáveis, alunos ou profissionais da escola (incluindo professores, coordenadores, diretores, manipuladores de alimentos e pessoal de limpeza) ficam sabendo da existência de soropositivos no grupo. Há uma variedade de situações envolvendo o preconceito: professores que se recusam a reger turmas, diretores que relutam em matricular alunos (especialmente na rede particular onde a pressão dos responsáveis pagantes é grande), responsáveis que retiram sua criança da escola, temor pela merenda preparada no espaço escolar.
Ainda não é fácil respeitar a condição de sigilo sobre a soropositividade e, ao mesmo tempo, garantir que essa criança/adolescente possa fazer uso de medicamentos no ambiente escolar ou justificar as suas faltas por imposição do tratamento médico. Há dificuldade em oferecer alternativas viáveis e dignas para que esse aluno não interrompa seu processo educativo.
Paradoxalmente, alguns alunos soropositivos são identificados por viverem em instituições que os apoiam, especialmente quando chegam à escola nos carros oficiais dessas instituições; da mesma maneira, são equivocadas as tentativas de superproteção aos alunos soropositivos, como lhes oferecer várias repetições de merenda. Também é difícil cobrar da escola que as crianças soronegativas não frequentem o espaço escolar quando apresentam infecções (muitas vão à escola com gripe e catapora).
O que realmente a escola deve fazer quando nela ingressam alunos (ou quaisquer integrantes da comunidade escolar) soropositivos? Trabalhar muito para que nela não haja lugar para o estigma e o preconceito, para que não seja uma escola que exclua.
A Aids na escola
A divulgação dada à Aids já chegou às escolas e esse é um tema sobre o qual muitos pais e mães podem ter preconceitos e pouca informação. As escolas e outros espaços educativos podem contribuir para a prevenção do HIV difundindo conhecimentos que equilibrem a incompleta ou incorreta informação que possa ter sido adquirida em outras fontes.
De um ponto de vista preventivo seria importante explicar às crianças e adolescentes a natureza da infecção por HIV, sua forma de transmissão e a incidência que a doença pode ter sobre o conjunto da sociedade.
É importante destacar que, apesar da epidemia, os contatos sociais entre crianças nas escolas, ou em suas próprias casas, em condições higiênicas normais, não têm originado qualquer tipo de transmissão.
Os docentes deverão avaliar com um critério pedagógico o fato de que os ensinamentos sobre o HIV/Aids requerem especial cuidado e sensibilidade para harmonizar as explicações importantes com a maturidade das crianças às quais for dirigida a informação.
As crianças que vivem com HIV não representam risco algum para as demais, levando-se em conta que é apenas no sangue, no sêmen e nas secreções vaginais que o vírus se apresenta em quantidade suficiente para produzir infecção.
- Uma criança sadia não corre riscos por:
- assoar o nariz com o mesmo lenço;
- compartilhar camisetas esportivas;
- compartilhar doces ou chicletes;
- dar um beijo;
- receber arranhões produzidos durante uma brincadeira;
- ser mordida;
- compartilhar piscinas, banheiras ou chuveiros;
- colocar na boca um lápis que se imagina que tenha sido chupado antes por uma criança que vive com HIV;
- misturar suas lágrimas com as de uma criança que vive com HIV.
Os contatos entre as crianças no período escolar são muito superficiais, embora às vezes pareça o contrário.
Todos devemos ter conhecimentos sobre educação para a saúde, fundamentalmente o conceito de considerar a saúde "não apenas como a ausência de doença, mas como a sua prevenção".
Fonte: tirado de folheto informativo da Fundação Argentina Pró-ajuda à Criança com Aids.
E-mail: ayudaalninioconsida@ciudad.com.ar
Fonte: Boletim Ação Antiaids, n. 49, ago./set. 2003. Publicado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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