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Cultura iorubá: da África para o Novo Mundo
Kola Abimbola
O que levou ao colapso o velho império Oyo? Uma versão popular da história oral é que o império caiu porque o alafim Awole (1789-c.1796), fraquíssimo imperador que sucedeu ao alafim Abiodun (c.1774-1789), rogou uma praga no povo iorubá!
Awole fora removido do cargo e, como previsto pela constituição do império, teve que cometer suicídio. Segundo a lenda, seus chefes o depuseram do cargo porque queriam que o império começasse a participar do lucrativo comércio de escravos. A constituição do império demandava a unanimidade entre o imperador e o Oyo Mèsì (seu importante Conselho de Chefes). Oyo Mèsì tinha oito membros e não sete como erroneamente foi informado por muitos escritores, estes são: Basorun, Agbakin, Samu, Alápìíni, Lágùnà, Akinnikú, Asípa e Onàa-Modéékè.
Qualquer imperador que não pudesse conseguir a unanimidade entre ele e Oyo Mèsì era deposto e tinha que cometer suicídio. Essa previsão fora inserida na constituição como uma medida "democrática" para proteção contra a autocracia real. Ainda segundo a lenda, antes de cometer suicídio, Awole proferiu a maldição: "o povo será escravizado por toda a Terra". Após proferir a maldição, ele disparou uma flecha para o Norte, Leste e Oeste e esmagou no chão um pote contendo poderes ocultos. "Assim como ninguém remenda o pote esmagado, ninguém será capaz de reverter minha maldição sobre o povo iorubá". Isto é o que se conhece por Ègún Awóle, a irreversível maldição de Awóle.
Há, naturalmente, uma melhor explicação para o porque do colapso do império. Essa explicação diz respeito a vários problemas constitucionais inerentes ao império.
A constituição continha certas medidas que tornavam difícil, senão impossível, para um dirigente fraco sobreviver muito tempo como imperador. Para começar, embora os títulos de alafim e da Oyo Mèsì fossem hereditários, a constituição continha tendências democráticas que estavam em conflito com esses cargos hereditários. Por exemplo, suponha-se que os membros da Oyo Mèsì fossem a "boca" do povo porque suas opiniões eram moderadas e formadas por vários grupos sociais e organizações dentro da sociedade. Uma dessas organizações era a poderosa sociedade Ogbóni. Os Ogbónis eram mais ou menos cortes de apelação em cada cidade-estado do império. Embora a cidade de Oyo fosse a capital, ela também funcionava como qualquer outra dentro da confederação que era o império. A cidade de Velho Oyo tinha seu próprio Ogbóni que limitava os poderes do Oyo Mèsì.
Depois, as decisões do Oyo Mèsì e do alafim tinham que ser tomadas unanimemente, muito embora o alafim não fosse, estritamente falando, um membro do conselho executivo. Isso acontecia porque o Oyo Mèsi deliberava independentemente do imperador, somente depois que chegavam às suas conclusões eles as apresentariam ao imperador. Se houvesse uma disputa irreconciliável entre o alafim e o Oyo Mésí, o alafim seria deposto do cargo porque o Oyo Mèsì era visto como a voz do povo.
Ademais, no dia-a-dia os assuntos do império eram conduzidos por eunucos que a literatura inapropriadamente se refere como "escravos". Estes eunucos, chamados Ìlàrí, eram dirigidos por três eunucos muito poderosos: Ona Efá (eunuco do meio), Otun Efá (eunuco da direita) e Òsì Efá (eunuco da esquerda). Em todas as questões essenciais, estes eunucos eram mais poderosos que a Oyo Mèsì porque eram responsáveis pelas questões administrativas do império. Eles também eram coletores de impostos e enviados que viajavam por todo o império (ver Law, 1971-1977, para mais detalhes dos problemas constitucionais do velho império Oyo).
Outra lacuna do poder é que não havia separação real entre religião e Estado. O imperador e o Oyo Mèsì eram os mais altos líderes das divindades mais importantes da religião iorubá. O alafim era reverenciado como representante de Xangô, o deus iorubá do trovão, do raio e da justiça. Cada um dos oito membros do Oyo Mèsì eram também líderes de uma importante divindade iorubá. Por exemplo, o Basorun, que era o líder do Oyo Mèsì, era também o sumo sacerdote de Orun. Orun era a divindade pessoal de todos os imperadores Oyo. Porém, perto do fim do império, alguns chefes de alta patente aceitaram versões radicais e fanáticas do islã.
Portanto, havia um conflito em sua lealdade para com a estrutura político-religiosa do império. Por um lado, eram cobrados pelo islã a renunciar e forçosamente a derrubar a religião iorubá e todas as suas instâncias. Porém, por outro lado, em razão de seus cargos tinham o dever de manter as medidas constitucionais e religiosas que se fundavam em uma religião que eles não mais aceitavam!
Um dos mais importantes inimigos do alafim Awole e que orquestrou sua deposição era Àfonjá, o Bale (governante) da cidade de Ìlorin. Àfonjá era também Are-Ona-Kaka-n-fo, quer dizer líder do exército provincial do império.
Porque Àfonjá descendia, por parte de mãe, de uma das famílias reais de Oyo, ele nutrira a ambição de tornar-se alafim no lugar do fraco Awole. Infelizmente para Àfonjá, apesar de ter apoio do Oyo Mèsì em seu golpe de Estado contra o alafim Awole e de ser a seleção de novos imperadores uma de suas principais responsabilidades, a Oyo Mèsì não selecionou Àfonjá como imperador após o suicídio de Awole. Ao contrário, selecionou Adébo, um dos príncipes de Awole.
Contudo, a escolha de Adébo era inconstitucional! A constituição não permitia príncipes que fossem sucessores diretos de seus pais no trono. De fato, nos tempos antigos, o príncipe mais velho teria que cometer suicídio toda vez que o imperador reinante morria. A razão era muito simples. Todo alafim era visto como um semideus - especificamente o representante de Xangô (deus do raio, do trovão e da justiça). Como semideus, o alafim era reverenciado e ele raramente aparecia em público. Nestas raras ocasiões, sua face era sempre envolta por um véu de pelotas de sua coroa pesadamente adornada.
Por ser o alafim um semideus que não estava em contato com seus cidadãos, o filho mais velho, todo alafim reinante tinha o importante título de Aremo. O Aremo, para todos fins e propósitos, tinha mais influência na sociedade em que seu pai era o imperador porque ele era a face pública do governante, da autoridade e do poder. Ele também era os "olhos" e "ouvidos" de seu pai, o alafim, na sociedade. Em muitos casos, o Aremo era mais temido que o próprio alafim. Era por esta razão que, nos tempos antigos, todo Aremo deveria cometer suicídio quando seu pai morresse. O novo imperador seria selecionado então de uma das casas governantes de Oyo.
Àfonjá não aceitara docilmente a eleição de Adébo. Como ele era o Are-Ona-Kaka-n-fo, comandava um exército que era maior que o permanente da capital. Junto com alguns de seus aliados, Àfonjá repudiou sua lealdade à autoridade do alafim como líder do velho império Oyo. O império finalmente foi tomado por guerras civis. Entre a deposição do alafim Awole (por volta de 1796) e o colapso final do império, em torno de 1840, não houve nada menos que doze guerras civis de grandes proporções no império.
O significado desse meio século de guerras para a dispersão do povo iorubá não deve ser perdido de vista. Antes de 1789, quando Awole sobe ao trono de velho Oyo, os povos iorubás não foram escravizados em números significativos porque a "confederação" de cidades-estado e reinos que formavam o império tinham um dos exércitos mais fortes da África Ocidental. Porém, entre mais ou menos 1800 e 1870, os iorubás tornaram-se o maior número de escravos a serem "exportados" das costas da África. Pois, além do fato de muitos senhores da guerra iorubá venderem seus cativos (que também eram iorubás) como escravos, os Nupe e os Bariba (que eram vizinhos dos iorubás a Norte e a Nordeste) também capturaram e venderam um incontável número de iorubás como escravos. Jihadistas também pilharam cidades iorubás em busca de escravos.
Esses terríveis anos de incessante guerra civil são, de fato, duplamente significativos. Embora a exportação de escravos africanos para as Américas terminasse por volta de 1870-1875, um incontável número de iorubás foi vendido como escravo entre essas datas. Primeiro, muitos foram capturados como escravos durante os 50 anos das guerras civis iorubás (±1790-1840). Além disso, a queda final império fez da terra dos iorubás território livre para caçadores de escravos que vinham da Europa e dos Estados africanos vizinhos. E, na verdade, houve senhores da guerra iorubá e sùmomí (sequestradores profissionais) que pilharam as cidades e aldeias atrás de cativos que eram vendidos aos europeus como escravos. De fato, a captura de iorubás como escravos continuou até bem depois da abolição oficial do comércio transatlântico de escravos.
De maneira simples, os iorubás foram exportados em grandes números para fora da África Ocidental um pouco antes, durante e um pouco depois dos últimos dias do comércio de escravos - para a controvérsia em torno das estimativas sobre o número de africanos exportados como escravos ver Inikori (1976a e 1976b) e Curtin (1969 e 1976).
Trecho do livro Yoruba Culture: A Philosophical Account, escrito por Kola Abimbola (Iroko Academic Publishers Ltd). Tradução de Leonardo Soares Quirino da Silva.
Publicado em 2 de agosto de 2005
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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