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Da pele morena ao branco total

Marcos A. Pimenta

Departamento de Física, Universidade Federal de Minas Gerais

Introdução

A descoberta da radiação no infravermelho pelo astrofísico alemão Friedrich W.Hershel (1738-1822), em 1800, causou grande impacto na comunidade científica.Entusiasmado com esse feito e convencido da existência de uma simetria no espectro da radiação, Johann Wilhelm Ritter decidiu investigar a possível existência de outra forma de radiação invisível, no lado oposto do espectro da luz visível, além do violeta. Pouco depois, em 1801, ele descobriria a radiação no ultravioleta. Embora esse tipo de radiação possa ser prejudicial aos seres vivos, são muitos os benefícios oriundos de seu emprego. Lâmpadas de luz ultravioleta, por exemplo, são usadas para esterilizar equipamentos hospitalares e desinfetar produtos alimentícios.

Em seus estudos pioneiros no campo da eletroquímica, Johann Ritter observou que o cloreto de prata (AgCl) se decompunha quando exposto ‡ luz e que os Ìons Ag+ liberados na reação escureciam uma placa transparente. Mais tarde essa reação veio a se tornar a base da fotografia. Em 1801, Ritter investigou a velocidade de decomposição do AgCl sob a ação de luzes de diferentes cores. Ao passar um raio de luz solar através de um prisma (que separa as diferentes cores do espectro da luz do Sol), ele verificou que a luz azul escurecia uma placa transparente mais depressa que a luz vermelha. Com satisfação, notou que a placa se tornava mais escura ainda em uma região próxima da cor violeta, onde não se via luz alguma. Foi assim que Ritter demonstrou a existência da radiação invisível, além do violeta, chamada ultravioleta (UV). Essa descoberta deu notoriedade a Johann Ritter, mas não foi sua única contribuição ao campo das ciências naturais (ver "Talentoso e polêmico").

Johann Wilhelm Ritter

Talentoso e polêmico

Nascido na Silésia (hoje parte do território polonês) em 1776, Johann Wilhelm Ritter começou sua carreira como farmacêutico. Aos 20 anos decidiu estudar física e medicina na Universidade de Jena (Alemanha), tendo dedicado grande parte de seu tempo ao estudo da eletroquímica e da eletrofisiologia. Em 1800, descobriria a técnica da eletrodeposição ao aplicar uma fina camada metálica sobre um substrato de cobre usado como eletrodo em uma célula eletrolítica. No ano seguinte, investigou os efeitos elétricos observados na junção de dois metais diferentes, antecipando a termoeletricidade, descoberta 20 anos mais tarde por Thomas J. Seebeck (1770-1831). Em 1801, Ritter se tornou conhecido pela descoberta da radiação no ultravioleta. Construiu a primeira pilha elétrica a seco, em 1802, e, no ano seguinte, a primeira pilha recarregável.

Com o emprego de suas novas pilhas, fez várias observações sobre efeitos fisiológicos associados a estímulos elétricos, tendo constatado, por exemplo, que os músculos se contraem quando uma corrente elétrica aplicada aumenta de forma abrupta. Ele costumava usar o próprio corpo durante suas experiências eletrofisiológicas, sujeitando-se às vezes a altas voltagens.

Embora fosse um pesquisador ativo, Ritter escreveu poucos artigos científicos, muitos dos quais eram obscuros e às vezes incompreensíveis a outros cientistas. A partir de 1805, começou a envolver-se com ciências ocultas, e sua reputação foi bastante questionada pela comunidade científica. Com a saúde abalada, morreu em Munique, Alemanha, aos 34 anos, em meio a sérios problemas financeiros.

A teoria eletromagnética - desenvolvida em meados do século 19 a partir dos trabalhos de James C. Maxwell (1831-1879) - veio mostrar que a luz visível e as radiações no ultravioleta e no infravermelho são apenas uma pequena parte do espectro da radiação eletromagnética. Mostrou também que a cor estava relacionada à frequência da onda e que essa frequência crescia do infravermelho para o ultravioleta.

Em 1905 o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) demonstrou que a radiação eletromagnética se compõe de pacotes indivisíveis de energia (quantas de energia), denominados fótons. Einstein mostrou ainda que a energia de um fóton È proporcional à frequência da onda (E = hf, onde E é a energia do fóton, f a frequência da onda e h a constante de Planck, que vale 6,62 x 1034 J.seg). Assim, um fóton ultravioleta tem mais energia que um fóton visível ou um fóton no infravermelho, já que a frequência da radiação aumenta do infravermelho para o ultravioleta.

Os raios ultravioleta

Chamamos de ultravioleta a região do espectro eletromagnético onde o comprimento de onda dos raios luminosos se situa entre 400 nm e 15 nm (1 nanômetro = um bilionésimo do metro). Radiações cujos comprimentos de onda têm menos de 15 nm fazem parte dos raios X ou dos raios gama.

A radiação ultravioleta divide-se em três categorias - UV-A, UVB e UV-C -, de acordo com o comprimento de onda: 400-320 nm (UV-A), 320-280 nm (UV-B) e 280-15 nm (UV-C). Como a frequência da radiação eletromagnética É inversamente proporcional a seu comprimento de onda, quanto menor este último maior a frequência da radiação e, consequentemente, maior sua energia, já que a energia de um fóton é proporcional à sua frequência. Assim, os fótons no UV-C têm mais energia que os fótons no UVB, e estes mais energia que os fótons no UV-A.

Segundo a teoria quântica, desenvolvida na primeira metade do século 20, os elétrons nos materiais se localizam em níveis de energia estacionários. Embora prefiram ocupar níveis de energia mais baixa, eventualmente podem "saltar" para um nível de energia mais alto que esteja vazio. Para realizar esse "salto", o elétron requer uma quantidade de energia que corresponde à diferença entre a energia do nível que pretende atingir (nível final) e a energia do nível em que está (nível inicial). Para transitar de um nível inicial para um nível final, o elétron pode absorver um fóton, usando sua energia para alcançar o nível pretendido.

Na maioria das vezes, a energia das transições eletrônicas corresponde à energia de fótons no ultravioleta e nos raios X. Assim, quando uma radiação UV atravessam meio material (sólido, líquido ou gás), os fótons ultravioleta são absorvidos pelos elétrons. O meio material se torna portanto opaco à radiação UV. O vidro de uma janela, por exemplo, È transparente à luz visível mas opaco a grande parte do espectro de radiações no ultravioleta.

Cerca de 98% da radiação ultravioleta e pequenos comprimentos de onda (UV-B e UV-C) emitida pelo Sol são absorvidos pela camada de ozônio na atmosfera terrestre. São essas, aliás, as regiões do espectro UV que mais prejudicam os seres vivos, sobretudo diante da redução da camada de ozônio, provocada pela ação poluentes na atmosfera. UV-B e UV-C são absorvidos também por vidros de janelas ou impurezas no ar (água, poeira ou fumaça). A região do espectro UV de menor energia (UV-A) È pouco absorvida tanto pela camada de ozônio quanto pelo vidro de janela. Essa região do espectro UV é conhecida também como luz negra. Uma exposição excessiva à radiação UV-A também pode ser danosa para os seres vivos.

Efeitos da radiação UV sobre os seres vivos

A radiação ultravioleta é responsável pelo bronzeamento da pele de banhistas. No entanto, uma superexposição aos raios ultravioleta pode causar sérios danos à saúde. O DNA das células absorve radiação UV de alta energia, e a energia absorvida pode romper ligações químicas da molécula. As células da epiderme são danificadas e podem, em caso extremo, dar origem a um câncer de pele. O protetor solar reduz esse risco graças às substâncias que contém, capazes de absorver radiação UV. Altas doses de UV podem também ser prejudiciais aos olhos, uma vez que o cristalino È um bom absorvedor de UV. Alterações provocadas nas proteínas do cristalino podem levar à formação de catarata.

Mas a radiação no UV não é inteiramente prejudicial à saúde. A vitamina D, necessária à boa saúde dos animais, é produzida quando a pele é irradiada por pequenas doses de UV. O tratamento do raquitismo inclui a exposição do paciente a doses de luz ultravioleta, natural ou artificial. A radiação UV é utilizada ainda para matar vírus e bactérias. Lâmpadas de UV esterilizam equipamentos hospitalares, tecidos humanos expostos, a água e o ar das salas de cirurgia, além de desinfetar produtos da indústria farmacêutica e alimentícia.

O UV na ciência e nas artes

A luz ultravioleta absorvida por uma substância induz, como vimos, transição de elétrons para níveis de energia mais alta. Quando retomam seu nível inicial, eles emitem fótons no ultravioleta e eventualmente no visível. Como cada substância tem um conjunto distinto de níveis de energia, o espectro da luz ultravioleta emitido é uma marca individual dessa substância. Foi a partir de tal constatação que se desenvolveu a espectroscopia no ultravioleta, técnica experimental usada em laboratórios de pesquisa para caracterizar diferentes tipos de materiais. A espectroscopia UV, vale lembrar, foi uma ferramenta fundamental na descoberta do caráter quântico da matéria, no início do século 20.

Quando expostas à luz ultravioleta, substâncias como minerais, pigmentos, vitaminas e óleos naturais se tornam fluorescentes. Elas emitem luz no visível e começam a brilhar. A fotografia que utiliza fluorescência de UV fornece dados valiosos sobre a natureza de diferentes materiais que não podem ser revelados por fotografias de luz visível. Por meio de uma fotografia de UV, é possível determinar se uma obra de arte foi restaurada ou repintada. Diferentes pigmentos podem ser distinguidos em UV, uma vez que a fluorescência depende da composição química de cada um deles.

Detectores de radiação no ultravioleta instalados em satélites artificiais são usados também em astronomia. Eles captam imagens de objetos estelares que não podem ser obtidas na superfície da Terra, já que a camada de ozônio absorve grande parte da radiação UV emitida pelos corpos celestes. A astronomia em UV gera informações sobre a composição química, densidade e temperatura da poeira e dos gases interestelares. A composição de estrelas jovens com temperaturas extremamente altas na superfície (de 50.000 a 100.000 K) È determinada pela astronomia UV, uma vez que elas emitem radiação fortemente centrada no ultravioleta.

Branco total

Muitas substâncias, como alguns sabões em pó, se tornam fluorescentes quando expostas à radiação no UV. Elas absorvem UV e emitem luz no visível. A luz solar refletida por um tecido branco tende a ser levemente amarelada, já que a luz do Sol tem essa cor. Se o sabão em pó contém produtos químicos que emitem radiação de fluorescência no azul, a luz refletida terá mais componentes de cor azul. Essa fluorescência faz com que o tecido branco pareça menos amarelo e mais azul, dando origem ao que as marcas de sabão em pó vendem como "branco total". Algumas marcas de creme dental também contém substâncias que se tornam fluorescentes quando expostas ao UV, fazendo com que os dentes pareçam mais brancos.

Fonte: Revista Ciência Hoje, dezembro de 2001 - vol. 30 - nº 178

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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