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De Erico Veríssimo para Clarice Lispector

Mara Lúcia Martins

"Não te escrevi sobre o teu livro de contos ( Laços de Família- seu primeiro livro de contos) por puro encabulamento de te dizer o que penso dele. Aqui vai: é a mais importante coleção de histórias publicadas neste país na era pós-machadiana."
Erico Verissimo, escritor e amigo de Clarice Lispector

No ano do centenário de nascimento de Erico Verissimo escolhemos alguns escritores que também nasceram neste mês para homenageá-los - tanto Erico como os outros. Foi também uma forma de agrupar nesta homenagem por período mais uma grande escritora que também nasceu - 10 de dezembro de 1920 - e morreu 9 de dezembro de 1977 neste mês: Clarice Lispector (coincidentemente a minha predileta). Quer dizer: dezembro tem muito a nos oferecer em termos de datas marcantes com fatos envolvendo esses dois escritores.

Não sei ao longo de suas carreiras e de suas vidas como escritores renomados como foi essa convivência, mas eles tiveram a ligação "mais-do-que-perfeita" quando o assunto abordado era a boa escrita, e puderam se corresponder por intermédio de seus romances e de suas obras - a cada lançamento é muito comum os escritores se conhecerem mais. Cada um com seu estilo e nuances: Erico com uma obra mais enraizada nos temas brasileiros e teatralizada, que mais tarde rendeu bons frutos nas várias minisséries que foram muito bem aproveitadas na TV; e Clarice com suas chamadas "pulsações", romances e principalmente os contos. Aliás, o seu primeiro livro de contos - "Laços de Família", de 1960 - é o que temos aqui para contar com mais detalhe e até do ponto de vista de Verissimo, que fez questão de mandar para Clarice sua opinião sobre o livro e está reproduzida acima na epígrafe deste texto.

O primeiro livro de contos

O "Laços de Família", de Clarice, é um livro de contos - 13 contos para ser mais exata - que se entrelaçam na dor de sentir, característica muito peculiar da escritora, que com sensibilidade se descobre na difícil arte de conviver. Cada sujeito passa a ser o outro, o que é válido para qualquer outro, mas ditando mesmo assim, a particularidade de cada sentir as convivências e as vivências de nós mesmos com o outro.

Já na orelha do livro o editor dá seu depoimento de não estar exagerando ao dizer que este livro de contos contém algumas das obras-primas do conto brasileiro. Clarice já tinha publicado três romances em cinco anos de carreira, e seus primeiros contos foram publicados em uma edição dos Cadernos de Cultura do Ministério da Educação e Cultura. A coletânea foi, mais tarde, ampliada e formou o volume com os 13 contos. Seu forte como escritora ficou ali registrado como uma marca indelével de sua escrita.

Os contos, quase todos narrados na terceira pessoa - somente alguns estão na primeira pessoa, estão aqui resumidos com a intenção de mostrar um pouco e abrir o desejo de querer saber mais, porque vale muito a pena. O resumo foi retirado do site Sociedade Literária e resumido um pouco mais.

Laços de família

Os contos, pela ordem que eles aparecem no livro, são: Devaneio e embriaguez de uma rapariga, narrado em uma aparente terceira pessoa, com uma personagem que se "descobre" filtrando as suas diversas facetas, geradas a partir do conflito entre mundo exterior e mundo interior; Amor, mostra a dona de casa Ana em seu cotidiano familiar: marido, filhos... - tudo transcorrendo como o desejado, com filhos crescendo, fogão enguiçado, pagamento da prestação da casa - o mundo funcionava mecanicamente - e o problema era a tarde, quando os membros da família estavam em suas funções e ela deparava-se consigo mesma e vinha como um alívio; Uma galinha, que retrata, aparentemente, a história de uma galinha que deveria virar almoço da família no domingo e todo o seu destino modifica-se quando a mesma sai pelos telhados e a família é avisada; Imitação da rosa, conto com a visão calcada na personagem Laura - mulher frágil, insegura, sem filhos - tentando buscar a perfeição e segurança por meio de um distanciamento da vida, com alta estima baixa, preocupada com a visão que os outros têm dela; Feliz Aniversário, gira em torno do aniversário da matriarca de uma família numerosa - Anita - que está completando 89 anos, e mora com a filha Zilda e para cumprir a aparência de uma família feliz, todos cumprem a obrigação de ir ao aniversário da mãe da sogra, da avó...; A Menor Mulher do Mundo, é um conto onde o explorador francês Marcel Prete, caçador e homem do mundo deparou-se na África Equatorial com uma tribo de pigmeus extremamente pequena; O Jantar, narrado em uma primeira pessoa que observa uma terceira pessoa que entrou no restaurante - um homem idoso, aparentemente de negócio, com algum problema, segundo as observações do narrador que vai contando as impressões que tem desse homem no decorrer de seu jantar; em Preciosidade, uma personagem adolescente às voltas com seus conflitos - tem quinze anos e não era bonita -, dona de uma vida banal, levantava-se cedo, tinha contato só com a empregada, partia para a escola, ainda escuro, fechava a cara para não ser notada ou importunada pelos operários no ônibus; Laços de Família, uma família, composta por Antônio, Catarina e o filho do casal leva uma vida comum, construída no banal cotidiano de tantas outras; Laços de Família, encontramos uma família composta por Antônio, Catarina e o filho do casal. Uma vida comum, construída no banal cotidiano de tantas outras; Mistério em São Cristóvão, talvez um dos mais metafóricos e complexos, admite diferentes leituras, que de forma simples poderia ser resumido em mais uma história de família em uma noite de maio, com os jacintos rígidos perto da vidraça; O crime do professor de matemática, relata as angústias de um professor de matemática que ao mudar de cidade é convencido pela família a abandonar o cachorro José que tanto amava; e o conto  O Búfalo, coloca-nos frente a uma mulher que tendo sido abandonada por alguém que não a ama, tenta encontrar nos olhos dos bichos o ódio que precisa ter para sobreviver.

Escrita fina

Se você nunca leu antes estes contos, ficará encantado e seduzido por eles, tanto quanto Erico Verisimo e tantos outros grandes escritores e leitores. É a oportunidade certa para vagar em apreciar o estilo de uma surpreendente leveza e sabedoria que parece dar à língua portuguesa uma escrita fina.

Erico e Clarice, a esta altura do campeonato, estão, provavelmente juntos, comemorando o mês de dezembro, onde os seus nascimentos trouxeram para nós muito mais do que o princípio: dezembro trouxe-nos a certeza de um mês abençoado pelo sentir da escrita mais requintada e querida. Compre o livro - uma ótima referência paras os presentes de final de ano -, leia aqui no Portal da Educação Pública o conto que deu título ao livro - Os Laços de Família.

Publicado em 13/12/2005

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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