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Einstein e a divulgação científica

Ildeu de Castro Moreira

Graduado e doutor em Física e professor do Instituto de Física e da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia (COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Nelson Studart

Graduado e doutor em Física e professor do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos, São Paulo.

Einstein foi uma figura mítica do século XX. Ao atingir a fama mundial em 1919, sua popularidade passou a atrair os meios de comunicação e o público em geral em todo o mundo. Uma faceta pouco conhecida de seu trabalho é a atividade de divulgador científico com estilo elegante e, sobretudo, originalíssimo. Sua própria figura carismática prestou-se admiravelmente à difusão da ciência pela capacidade de chamar a atenção do grande público. Sem a preocupação de exaurir o tema, analisamos aspectos da divulgação científica de Einstein no contexto de suas respostas a reações da comunidade científica a suas ideias e teorias, suas conferências ao redor do mundo, seus artigos científicos de revisão, artigos na imprensa e aos dois livros voltados para o público não especializado, "Introdução à Teoria de Relatividade Especial e Geral", de 1916, e "A Evolução da Física", em parceria com Leopold Infeld, de 1938. Vale lembrar ainda a sua concepção de divulgação científica e o papel que esta desempenhou na formação do jovem Einstein.

Introdução

Embora a atividade de divulgação científica não seja muito valorizada no meio acadêmico, sendo, ao contrário, frequentemente vista com suspeita por uma parcela da comunidade científica, ela granjeou sempre o interesse de grandes cientistas. Apesar das limitações e dificuldades, a preocupação com a difusão de suas ideias para um público não restrito à própria especialidade mereceu, da parte de grandes físicos e de cientistas de outras especialidades, uma atenção particular a ponto de consumirem parte de seu tempo fazendo conferências e escrevendo livros, artigos e cartas destinados a uma difusão ampla.

Entre os físicos que se envolveram nessa atividade, podemos citar a iniciativa pioneira de Galileu com o Sidereus Nuncius (1610). O livro teve enorme repercussão ao exibir os primeiros desenhos, provenientes de observações com o telescópio, da superfície lunar cheia de crateras, vales e montanhas, além de registrar a existência de satélites de Júpiter e a estrutura estelar da Via Láctea. O Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo, publicado em 1632, tornou-se também um clássico, tanto científico quanto marco retórico na difusão das ideias heliocêntricas. Kepler escreveu também uma obra de ficção científica menos conhecida, Somnium (1634). Outro livro que pode ser considerado de divulgação e que teve impacto muito grande na ciência e na cultura foi Micrographia (1665), de Robert Hooke. Nele, Hooke expôs muitas de suas observações originais com o microscópio, em uma série de pranchas belíssimas; ali deixou registrada a famosa imagem sobre as "células" existentes na cortiça e em outros materiais vegetais. Pouco depois, na França, Fontenelle escreveria seu influente Ensaio sobre a Pluralidade dos Mundos (1686).

No século XVIII, começaram a surgir de forma mais intensa livros de divulgação das novas práticas e ideias científicas. Citemos apenas dois, com maior destaque: as Leçons de Physique Expérimentale (1745), do Abade Nollet, e as Cartas a uma Princesa da Alemanha sobre Diversos Temas de Física e de Filosofia, escrito por Euler, em 1786; traduzido para várias línguas, este livro teve enorme impacto na difusão da física newtoniana. Neste período, Voltaire se destacou também como divulgador das novas ideias científicas, numa antecipação dos comunicadores profissionais da ciência, como Camille Flammarion, que surgiriam na Europa na segunda metade do século XIX. Nesse século, Faraday se sobressaiu pela extraordinária atuação na difusão da experimentação e dos conceitos físicos e químicos. As conferências populares que dirigiu durante décadas no Royal Institution tornaram-se modelo para muitas outras que se espalharam pelo mundo. Algumas de suas conferências se transformaram em livros excelentes, como a História Química de uma Vela (1861). Maxwell, por sua vez, escreverá Matter and Motion e vários excelentes verbetes para a Enciclopédia Britânica (1875) sobre conceitos físicos, como átomo e ação à distância. Interessantes e influentes foram também os escritos populares de Helmholtz, Mach e Boltzmann, no continente. O início do século XX viu o surgimento de uma divulgação científica de alta qualidade, permeada por considerações filosóficas sobre o significado e a prática da ciência, realizada por Poincaré. Reconheça-se que às vezes não é fácil distinguir corretamente qual das obras já citadas tinha, de fato, um caráter de divulgação científica no contexto de sua época. É bom lembrar, no entanto, que a divulgação científica abrange audiências bastante diversificadas, desde colegas de outras áreas científicas até o grande público sem maior formação científica.

Quase todos os criadores da física quântica, como Planck, Bohr, Born, Schrödinger e Heisenberg, escreveram artigos e livros de divulgação científica. Mesmo Dirac, um físico mais voltado para o trabalho solitário, escreveu vários artigos desse gênero para revistas como Scientific American. Nos Estados Unidos, um nome de grande destaque foi certamente Feynman, com suas conferências e textos provocativos; do mesmo modo, Carl Sagan exerceu enorme influência com seus livros e seus programas para a TV sobre astronomia, astrofísica e cosmologia. Atualmente, podem ser encontrados nas livrarias muitos textos escritos por físicos ou matemáticos renomados, como Hawking, Penrose, Gell-Mann, Mandelbrot, Weinberg, Brian Greene e outros. Alguns cientistas, como Gould e Sagan, tornaram-se mesmo eméritos especialistas no domínio da comunicação pública da ciência. Não se desconsidere o fato de que livros de divulgação científica de grandes cientistas podem alcançar, às vezes, altas tiragens com retornos financeiros significativos para seus autores.

Albert Einstein se destaca, nesse particular, porque, além de um grande cientista e uma figura mítica da nossa cultura, teve a preocupação, ao longo de sua vida, de buscar difundir o conteúdo de suas teorias revolucionárias na física entre o público especializado e o leigo. Einstein dedicou parte de seu tempo à popularização de suas ideias através de ensaios, artigos de revisão e palestras, especialmente após alcançar fama mundial em 1919, quando as observações da deflexão da luz pelo Sol, em Sobral e na Ilha do Príncipe, foram reconhecidas pela Royal Society de Londres como a comprovação definitiva da teoria da relatividade geral. Fez isso de forma não sistemática e respondendo frequentemente às solicitações decorrentes de sua situação de homem público e famoso. No entanto, no que tange à relatividade, desde 1915 desenvolveu esforços para difundi-la não só entre os pares, mas também para um público ilustrado. Escreveu também muitos artigos de divulgação científica e redigiu textos nos quais discutia a contribuição de grandes cientistas como Newton, Planck, Lorentz. Alguns de seus artigos de divulgação, incorporados a reflexões sobre temas tão variados quanto ciência, religião, questões éticas e sociais foram publicadas nos livros Mein Weltbild (1934)1, Out of My Later Years (1950)2, Ideas and Opinions (1954).

Para analisar em que contexto Einstein se envolveu na divulgação científica, é preciso considerar também o espectro bastante amplo de reações às suas ideias e teorias. Alguns de seus escritos de divulgação frequentemente abrangeram comentários a críticas de cientistas, filósofos e intelectuais sobre sua obra. Era contestado tanto pelas dificuldades de compreensão dos novos conceitos e teorias, quanto por oposições aos fundamentos científicos e filosóficos de suas teorias. O enorme interesse despertado por suas novas ideias sobre o espaço e o tempo, conduziram-no também a escrever no afã de deixar mais claras suas concepções e para contrapor-se a distorções e interpretações errôneas. Apesar das dificuldades das questões físicas e matemáticas com as quais tratava, e talvez mesmo em parte por causa disto, Einstein granjeou o fascínio do público; suas conferências em vários países atraíam grande número de pessoas. A admiração popular se expressava também em grandes concentrações públicas à sua volta e no assédio constante da imprensa3.

Apresentaremos a seguir alguns dos artigos, livros e atividades de Einstein ligadas à divulgação científica, sem a preocupação de sermos exaustivos diante da multiplicidade de trabalhos escritos por ele. Limitar-nos-emos a destacar alguns de seus textos que nos parecem mais significativos e representativos neste domínio. Nosso objetivo primordial é chamar a atenção para essa faceta pouco explorada de Einstein.

A influência de livros de divulgação na formação inicial de Einstein

Iniciemos pela questão inversa: como os livros de divulgação científica tiveram um interessante papel motivador sobre Einstein quando criança. É muito difundido o fato, descrito por ele em suas Notas Autobiográficas4, de que o primeiro evento a despertar seu interesse pela ciência teria surgido quando seu pai lhe mostrou uma bússola. Tal experiência lhe causou forte impressão: "Conheci um tal milagre aos quatro ou cinco anos quando meu pai me mostrou uma bússola. O fato da agulha se comportar de maneira tão determinada não correspondia ao curso usual das coisas (...). Lembro-me ainda hoje - ou pelo menos creio que me lembro - que tal acontecimento me deixou uma impressão profunda e duradoura".

Os livros de divulgação científica tiveram importância na formação de suas concepções iniciais sobre a natureza e sobre sua visão de mundo: "a leitura de livros científicos populares convenceu-me de que a maioria das histórias da Bíblia não podia ser real. A consequência foi uma orgia positivamente fantástica de livre-pensamento, combinada com a impressão de que a juventude é decididamente enganada pelo Estado, com mentiras; foi uma descoberta esmagadora". Ainda no Ginásio Luitpold em Munique, Einstein começou a ler livros populares sobre a ciência que lhe foram sugeridos por um estudante de medicina chamado Max Talmud. Einstein e Talmud passavam horas discutindo esses livros. Em sua autobiografia, Einstein assinala: "Tive também a chance de iniciar-me nos métodos e resultados essenciais do conjunto das ciências da natureza em uma excelente obra de divulgação científica que se limitava quase exclusivamente a uma exposição qualitativa das coisas (trata-se do livro popular sobre as ciências da natureza de Bernstein, publicado em cinco ou seis volumes) que eu devorava quase sem respirar"5.

Artigos de revisão sobre a relatividade e o quantum de luz

Façamos um salto no tempo e vamos encontrar agora Einstein em 1907, um cientista ainda jovem, mas que já dera uma extraordinária contribuição à ciência com seus cinco artigos de 1905. Einstein adquirira a consciência de que suas ideias e conceitos deveriam ser difundidos com rigor científico, mas de maneira clara e num estilo elegante, mesmo que para o público especializado de cientistas. A leitura desses artigos de 1905 não deixa dúvidas quanto a isto6. Nos primeiros anos, após a publicação de seus trabalhos principais, ele vai, por meio de artigos e conferências, difundir suas teorias e concepções para um público um pouco mais amplo do que apenas os especialistas em física teórica; tenta alcançar pares de outros domínios da física, bem como colegas de áreas científicas próximas. Nesse sentido, em 1907, aceitou o convite de Johannes Stark para escrever uma monografia para o periódico Jarrbuch der Radioaktivität sobre a teoria da relatividade especial intitulado Sobre o princípio da Relatividade e Conclusões Extraídas a Partir Dele. A introdução contém informação valiosa sobre a história do princípio da relatividade, referindo-se, diferentemente do artigo original, à experiência de Michelson-Morley e à teoria eletrodinâmica de Maxwell-Lorentz. A memória analisa com mais detalhes os princípios cinemáticos básicos, uma mecânica relativística revisitada e a termodinâmica inspirada em trabalho de Planck do mesmo ano, discussões renovadas sobre os conceitos de massa e energia e, ao final e mais importante, a conexão entre um sistema acelerado e a gravidade (pergunta: É concebível que o princípio da relatividade seja válido também para sistemas acelerados relativos entre si?) que o levaria à teoria da relatividade geral em 1915.

Numa palestra feita no Japão7, muitos anos depois, Einstein declarou: "Enquanto estava escrevendo o artigo, me conscientizei de que todas as leis da natureza, exceto a lei da gravidade, poderiam ser discutidas dentro do arcabouço da teoria da relatividade especial. Gostaria de achar a razão disto, mas não pude atingir este objetivo facilmente. O ponto mais insatisfatório era o seguinte: Embora a relação entre massa e energia fosse dada explicitamente na teoria da relatividade especial, a relação entre inércia e peso, ou energia do campo gravitacional, não era evidente".

Um outro artigo de revisão/divulgação para especialistas resultou de uma palestra apresentada no congresso realizado em Salzburgo, em setembro de 1909, intitulada Sobre o desenvolvimento de nossa visão sobre a natureza e constituição da radiação. O evento foi de suma importância para Einstein por ser a sua primeira aparição pública face a face com renomados físicos, entre eles Planck e Sommerfeld. Os temas centrais da conferência eram os problemas da radioatividade de um lado e o princípio da relatividade do outro. A estrutura da palestra é muito interessante. Einstein discute a teoria da relatividade e sua influência na concepção sobre a luz, indicando alguns fenômenos de difícil explicação de acordo com a teoria ondulatória e culminando com algumas concepções sobre a natureza da radiação. Nesta palestra que, segundo Wolfgang Pauli, pode ser vista como um dos turning points na evolução da física teórica, Einstein apresenta a sua concepção dualística da radiação, prevendo que "a próxima fase do desenvolvimento em física teórica nos trará uma teoria da luz que possa ser interpretada como uma espécie de fusão da teoria ondulatória e da teoria da emissão da luz".

Quando chegou em Berlim, já famoso nos meios acadêmicos, Einstein foi convidado a escrever um artigo, Sobre o princípio da relatividade, para o jornal alemão de maior tiragem Die Vossische Zeitung8. Ao final do artigo, questionou se a teoria apresentada, a teoria da relatividade restrita, estava completa ou se era apenas o primeiro passo na direção de uma teoria mais geral. Anteriormente, havia divulgado suas ideias em publicações científicas não especializadas, como o Archives des Sciences Physiques et Naturelles (1910) e no Vierteljahresschrift der Naturforschende Gesellschaft Zürich (1911, Die Relativitätstheorie.). Contribui ainda com dois artigos sobre relatividade e atomismo, o primeiro muito semelhante ao publicado no Vossische Zeitung, na enciclopédia Die Kultur der Gegenwart: Ihre Entwicklung und ihre Ziele  [A cultura atual. Seu desenvolvimento e objetivos] (1914).

O livro de introdução à teoria da relatividade

Em janeiro de 1916, Einstein, após ter chegado às equações básicas da relatividade geral, escreveu a Lorentz dizendo que atingira seu objetivo, mas que as deduções de suas equações ainda estavam muito complicadas e que deveriam ser simplificadas. Sugeriu, em seguida, que Lorentz fizesse isso: "Eu próprio poderia fazê-lo, pois tudo está claro para mim. Infelizmente, porém, a natureza negou-me o dom da comunicação, de modo que o que escrevo está certamente correto, mas é completamente impossível de digerir". Lorentz propôs que o próprio Einstein expusesse seus princípios de uma forma tão simples quanto possível, de modo que os físicos pudessem se familiarizar com a teoria. Einstein escreveu, então, um artigo de revisão, Fundamentos da Teoria da Relatividade Geral9. A boa aceitação desse artigo teria levado Einstein, segundo Abraham Pais, a escrever um texto que pudesse atingir um público ainda mais amplo10. Para Fölsing11, foi o livro de divulgação sobre a relatividade, escrito por Max Born no início de 1916, que teria levado Einstein a buscar uma apresentação geral da teoria, tanto quanto possível, com pouca matemática. Também em 1916 Erwin Freunlich publicou um livreto contendo as ideias fundamentais da relatividade com um mínimo de matemática. No breve prefácio, Einstein recomendou o livro porque o autor "tornou as ideias básicas da teoria acessíveis a qualquer um que tenha alguma espécie de familiaridade com os métodos de raciocínio das ciências exatas".

Em algum momento, no primeiro semestre de 1916, Einstein decidiu escrever um livro, destinado a um público com formação de ensino médio (no contexto alemão da época), que conteria tanto a teoria da relatividade especial quanto a teoria da relatividade geral. Dizia, então, em carta a seu amigo Michele Besso: "Por outro lado, se eu não o fizer, a teoria, simples como basicamente ela é, não será entendida assim". Einstein percebera que, para a aceitação de sua teoria junto à própria comunidade científica, era necessário que suas ideias centrais se tornassem palatáveis para um público mais amplo. Por outro lado, julgava importante a difusão de um conhecimento que achava necessário para o aprimoramento da cultura científica geral. Estava imbuído de uma certeza profunda na validade da teoria, o que justificava o esforço de apresentá-la de um ponto de vista "ao alcance de todos", embora pretendesse de fato atingir um público com formação média. O título que o livro recebeu foi: Über die spezielle und die allgemeine Relativitätstheorie (Gemeinverstanändlich), ou seja, A teoria da relatividade especial e geral (uma exposição popular). Mais tarde Einstein diria, sobre seu esforço de divulgação, que deveria ter sido chamado de gemeinunverständlich ("incompreensível"), em vez de gemeinverständlich ("popular", "ao alcance de todos").

Apesar disso, o livro teve um sucesso grande, sendo publicado em várias línguas e atingido mais de trinta reimpressões na língua inglesa. Transformou-se também em um paradigma para centenas de livros sobre a relatividade, escritos nos anos seguintes. Esse livro de Einstein, segundo vários depoimentos, teria influenciado muitos jovens, que se tornaram posteriormente cientistas conhecidos, a se dedicarem à pesquisa em física e em matemática. O livro foi finalizado em dezembro de 1916, portanto alguns meses após a conclusão de seus artigos fundamentais sobre a teoria da relatividade geral.

No prefácio, Einstein deixa claros seus propósitos e comenta sobre o formato da exposição:

Este livro pretende dar uma ideia, a mais exata possível, da Teoria da Relatividade àqueles que, de um ponto de vista geral científico e filosófico, se interessam pela teoria mas não dominam o aparato matemático da física teórica. A leitura pressupõe que o leitor tenha formação equivalente à do ensino médio e - apesar da brevidade do livro - paciência e força de vontade. O autor não poupou esforços para apresentar as ideias principais de maneira particularmente clara e simples, respeitando, em geral, a sequência e o contexto em que elas surgiram na realidade. No interesse da clareza, foi inevitável repetir-me muitas vezes, sem preocupação com a elegância da apresentação; pautei-me, escrupulosamente, pela norma do genial físico teórico Ludwig Boltzmann, que deixava as questões de elegância a cargo de alfaiates e sapateiros. Julgo não haver ocultado ao leitor as dificuldades inerentes ao assunto. Já os fundamentos físicos empíricos da teoria, conscientemente tratei-os com certa negligência, para evitar que o leitor menos familiarizado com a física fizesse como aquele caminhante que, de tantas árvores, não conseguiu enxergar a floresta. Que este pequeno livro possa proporcionar a muitos leitores algumas horas de estímulo intelectual12.

Em artigo anterior, um dos autores do presente artigo analisou algumas das características básicas deste livro, em particular as estratégias das transformações sofridas pelos textos originais sobre a relatividade especial e a relatividade geral, ao serem "acomodados" por Einstein para a forma de um livro de divulgação13. Mencionemos alguns dos pontos principais ali destacados. Notemos, de início, os cuidados de Einstein no prefácio ao apontar as omissões, escolhas e limitações do livro, o que é raro em se tratando de livros de divulgação científica. A obra praticamente não contém deduções matemáticas; uma exceção maior é a dedução simplificada das transformações de Lorentz-Poincaré, transferida para o apêndice. As fórmulas principais são apresentadas, com alguma justificação, e seu significado físico discutido. Do ponto de vista da ordem das informações apresentadas, Einstein mantém, com pequenas variações, aproximadamente a mesma sequência de argumentação no livro e nos artigos científicos. Segundo ele mesmo, busca oferecer ao leitor ilustrado uma linha lógica de raciocínio próxima à desenvolvida por ele originalmente (embora o caminho real tenha sido bastante mais tortuoso). Surge aqui uma diferença significativa em relação a textos de divulgação de outros autores, particularmente em jornais e revistas, onde as argumentações e enfoques costumam diferir muito da linha de construção seguida pelo cientista. No livro, Einstein não dá muito destaque às comprovações empíricas da teoria. Os experimentos vão ser decisivos, após a montagem do arcabouço teórico, na verificação (ou não) das previsões feitas.

Nos artigos da relatividade especial, Einstein não utilizou qualquer figura. No livro, existem, na parte referente à relatividade especial, três figuras, todas bastante esquemáticas. Quanto à relatividade geral, o artigo original traz apenas uma figura, pouco expressiva, na seção referente ao desvio da luz em campo gravitacional. No livro são colocadas duas ilustrações: a primeira delas mostra o esquema das coordenadas gaussianas em uma superfície bidimensional e a segunda (em um dos apêndices) mostra, de forma simplificada, o desvio da trajetória da luz de uma estrela ao passar nas vizinhanças do Sol. As figuras do livro não são de fato muito enriquecedoras, sendo um reflexo do tipo de ilustração simplificada que muitos manuais de física exibiam na época.

O estilo que adota pretende ser de conversação direta com o leitor. Em várias passagens refere-se diretamente ao leitor, seja para animá-lo a enfrentar as dificuldades do texto, seja para colocar perguntas e questões inteligentes em sua boca e tentar, em seguida, convencê-lo de suas ideias ou questionar (pre)conceitos bem estabelecidos. Em alguns momentos, utiliza frases interrogativas, usadas com o propósito de estimular a reflexão do leitor e de colocar dúvidas em sua mente. Uma das características marcantes é o uso dos experimentos imaginados (gedanken). Nos artigos originais da relatividade especial não aparece o famoso experimento mental dos dois observadores, um colocado dentro de um trem e outro na plataforma da estação. No livro esse experimento gedanken, ainda hoje discutido sob várias formas, é utilizado em vários momentos. Um segundo experimento gedanken, que ficou famoso, é introduzido no livro na parte referente à relatividade geral: o experimento da caixa (ou aposento) no espaço livre e que é puxada com uma aceleração constante. Nele se escora a discussão do princípio da equivalência e da deflexão da luz em campo gravitacional. Tais experimentos mentais voltarão posteriormente a ser utilizados no livro A Evolução da Física.

Nota

É interessante ressaltar que o experimento mental que ficou conhecido como o “trem de Einstein”, introduzido originalmente para discutir a relatividade da simultaneidade, foi abordado por A. I. Janis para obter resultados quantitativos e qualitativos básicos da cinemática relativística [“Simultaneidade e cinemática relativística especial”. Am. J. Phys., 51 (3), 209 (1983)]. Este artigo está incluído na lista dos “Memorable papers of AJP” [Editorial, AJP, 59 (3), 201 (1991)].

Viagens, conferências e artigos (1922-1955)

Em 1918, Einstein escreveu um artigo de divulgação, Diálogo sobre as objeções opostas à teoria da relatividade14, no qual utiliza um diálogo envolvendo dois debatedores: o Criticus e o Relativista. Nesse artigo, ele discute o paradoxo dos gêmeos e aproveita também para refutar algumas críticas de Lenard ao princípio da relatividade geral. O ano de 1919 foi um marco divisório na atividade de divulgação científica de Einstein, quando foi "canonizado" pela comunidade de cientistas, na metáfora usada por Pais. No auge de sua exposição à mídia, aumentaram os pedidos feitos a Einstein para escrever artigos explicativos para os jornais. Inicia com um artigo no Times de Londres de 28 de novembro de 1919. Einstein afirma ali: "aceito com prazer e saúdo esta oportunidade de expressar meus sentimentos com alegria e gratidão aos astrônomos e físicos da Inglaterra depois da lamentável paralisação no velho e ativo intercâmbio". Neste artigo, com o título de Minha Teoria, ele classifica as teorias físicas entre as construtivas (a maioria delas), como a teoria cinética dos gases, e as "teorias baseadas em princípios", categoria a que se enquadra a teoria da relatividade. Depois de expor as ideias gerais da relatividade, conclui com a observação de que "a nova teoria da gravitação diverge consideravelmente, no que tange aos princípios, da teoria de Newton", mas que os resultados são praticamente os mesmos, exceto pelas previsões da precessão das órbitas planetárias em torno do Sol, da deflexão dos raios luminosos por ação de campos gravitacionais e no deslocamento para o vermelho do espectro da luz que nos chega de grandes estrelas. Ao final, uma nota irônica em que "para deleite do leitor segue mais uma aplicação do princípio da relatividade. Hoje na Alemanha sou considerado como um 'sábio alemão' e na Inglaterra como um 'judeu suíço'. Se algum dia vier a ser retratado como uma bête noire, certamente me tornarei um 'judeu suíço' para os alemães e um 'sábio alemão' para os ingleses!" Em 1919, Einstein escreveu ainda um artigo interessante de caráter geral: Indução e dedução em física, publicado no dia de Natal no jornal de grande circulação Berliner Tageblatt.

Em 1920, Einstein fez uma conferência na Universidade de Leiden sobre o éter e a teoria da relatividade para o público que assistia à cerimônia de sua nominação como professor extraordinário daquela universidade. O texto seria editado em Berlim e depois traduzido para o francês, tendo sido publicado pela Gauthier-Villars em 1921 (sairia em inglês no livro Sidelights of Relativity, Londres, Methuen, 1922). Procura mostrar ali que, com a teoria da relatividade geral, pode-se voltar a falar em um éter, mas em sentido diferente do éter material do século XIX. Em 1921, faria também a conferência A geometria e a Experiência, na sessão pública da Academia de Ciências que homenageava o nascimento de Frederico II.

Depois que atingiu a fama mundial, Einstein realizou viagens por todo o mundo e em todas elas realizou palestras, ministrou cursos etc., nos Estados Unidos e Itália (1921), França (1922), Japão e Espanha (1922-1923), América do Sul (Brasil, Argentina e Uruguai, em 1925). Nessas viagens, como a da América do Sul, realizou conferências, a maioria sobre a relatividade, que foram reproduzidas - às vezes de forma pouco cuidadosa - por jornais locais (por exemplo, MOREIRA, I. C. & Videira, A. A. P. (orgs.). Einstein e o Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1995.). As quatro palestras ministradas em sua visita a Princeton em maio de 1921 foram transcritas para o livro The Meaning of Relativity, com inúmeras traduções e várias edições; a última revisão deste livro técnico é considerada a derradeira obra científica de Einstein publicada em 1956 (a última reimpressão é de 2003). Einstein, ao longo de sua vida, continuou a divulgar suas teorias em inúmeras conferências, e por ocasião de visitas a países e a instituições de prestígio.

Nos anos seguintes às suas viagens pelo mundo, Einstein faria muitas outras conferências similares e escreveria artigos de caráter geral sobre aspectos específicos de suas teorias e sobre os métodos da ciência, a responsabilidade do cientista, a educação, aspectos éticos e religiosos etc. Alguns exemplos: Religião e Ciência (Berliner Tageblatt, 1930), A exigência moral e sua origem (1938); Sobre a metodologia da física teórica (Herbert Spencer Lecture, 1933), Generalidades sobre a escola (Conferência, 1936), A Física e Outras Ciências (1950); O Avilissement do cientista (em Impact, revista da UNESCO, 1950). Física e Realidade constitui-se em um artigo geral particularmente interessante pela sua densidade e pelo fato de ser talvez o texto einsteiniano que oferece uma síntese mais completa de suas reflexões sobre a ciência. Apareceu no Franklin Institute Journal, em 1936. Nele, Einstein insiste, contrariamente à opinião de muitos filósofos da ciência, que a ciência não difere essencialmente do pensamento comum: "a ciência nada mais é do que um refinamento do pensamento cotidiano". No Techion Journal de Nova York (1946) apresentou uma simples, didática e original Derivação Elementar da Equivalência entre Massa e Energia baseada na lei da conservação do momento, na expressão para o momento da radiação e na fórmula da aberração estelar. Trata-se, talvez, da dedução de Einstein mais acessível, para o público de nível médio, da mais famosa equação da Física, E = mc2.

Sobre cientistas e filósofos, Einstein escreveu vários textos publicados em livros comemorativos ou revistas. São, em geral, artigos curtos nos quais buscava destacar os aspectos centrais das obras e os traços característicos das personalidades consideradas: Planck (1913); Mach (1916); Kant (1924); Lorentz (1928); Maxwell (1931); Newton (1927); Spinoza (1932); Ehrenfest (1933); Nernst (1942); Galileu (1953). A maioria desses artigos e notas biográficas foi republicada em Escritos da Maturidade e Como vejo o Mundo, já referenciados.

A evolução da Física

Como dizíamos no início, escrever um livro de divulgação científica pode, em certos casos, levar a resultados econômicos não desprezíveis para seu autor. E não foi outra a motivação do segundo livro de divulgação científica do qual Einstein é coautor, embora o interesse não tenha sido ajudar a si mesmo financeiramente - sua situação econômica era tranquila àquela hora. Tratava-se de uma proposta de seu auxiliar Leopold Infeld, que passava por dificuldades dessa ordem.

Em 1934, Einstein, que havia atendido o pedido de Infeld, escreveu uma introdução curta para a edição inglesa do livro de divulgação científica de Infeld intitulado The World in Modern Science. O editor Gollanz acreditava que as vendas aumentariam dez vezes se Einstein fizesse uma apreciação inicial sobre o livro. Einstein afirmou em carta que "tinha tido muito prazer em ler o livro por causa de sua expressividade, clareza e simplicidade". Deste modo, para Einstein, Infeld já revelara talento para escrever livros populares de ciência.

Em 1936, com Infeld trabalhando em Princeton, Einstein não conseguiu recursos do Instituto para mantê-lo por um segundo ano. Infeld propôs então escrever um livro de divulgação científica em colaboração com Einstein, certo de que assim resolveria os problemas financeiros de mais um ano de estadia. Em sua autobiografia Quest15, Infeld narra a reação de Einstein: "Esta não é, afinal, uma ideia estúpida... Vamos fazê-lo." Segundo Infeld: "a ideia original para o material do livro partiu de Einstein. Sua intenção era escrever um livro popular contendo as principais ideias da Física e seu desenvolvimento lógico. Seu ponto era que existem poucas ideias admiráveis em física e elas podem ser representadas por palavras. Como disse, 'nenhum cientista pensa por fórmulas [....] É um drama, um drama de ideias que deve ser absorvente e altamente interessante para todos que gostam de ciência'". Einstein acompanhou a elaboração do livro em discussões mantidas regularmente a cada duas semanas. Enquanto Einstein curtia férias de verão, Infeld concluiu o livro. Recebeu o imprimatur de Einstein em carta de 27 de agosto de 1937: "Fico maravilhado com a energia com que você trouxe nosso boneco ao mundo e o equipou".

O livro se transformou no segundo grande sucesso de divulgação científica de Einstein: The Evolution of Physics - From early concepts to Relativity and Quanta. Foi publicado simultaneamente nos EUA, Inglaterra e Holanda em 193816. No prefácio, os autores anunciam que não pretendem "um curso sistemático de fatos e teorias físicas elementares", mas objetivam uma exposição de como as ideias da relatividade e dos quanta entram na ciência para "dar alguma ideia da eterna batalha da mente inventiva humana para um entendimento mais completo das leis que governam os fenômenos físicos". Ressalte-se um aspecto essencial da obra. Os autores repetem o método usual - uma contribuição revolucionária de Einstein - de avaliar os mesmos fenômenos físicos sob a perspectiva de dois observadores.

O livro é formado por quatro capítulos. Inicialmente, a ascensão do paradigma newtoniano - o conceito de um universo mecânico -, o modelo de que todos os fenômenos físicos podem ser descritos em termos de forças de atração e repulsão entre partículas, atuando a distância, que formam fluidos de calor, elétricos e magnéticos. Uma longa seção é incluída sobre a teoria cinética da matéria, com uma descrição do movimento browniano (há fotografias tiradas por Perrin e ilustração do movimento randômico das partículas no meio). A discussão é pródiga em analogias - conceitos de potencial elétrico versus temperatura e carga elétrica versus calor, por exemplo - e metáforas (o cientista como um leitor ávido a buscar soluções no livro da natureza), mas fica claro em todas as oportunidades que as analogias são restritas a algumas situações.

Na segunda parte, o declínio do universo mecânico, discutem-se as dificuldades de adaptar o conceito mecânico a inúmeros fenômenos, como a deflexão de um ímã pela passagem da corrente elétrica (Oersted), o enigma da luz (experiências de difração e polarização). Na terceira parte - Campo, Relatividade - o conceito de campo, como uma representação da realidade, é usado na descrição dos fenômenos eletromagnéticos e ópticos. Discute-se a teoria eletromagnética de Maxwell, que descreve a estrutura do campo atuando em todo o espaço, e que as perturbações de campo são transmitidas na forma de ondas eletromagnéticas com velocidade igual à velocidade da luz. Uma discussão elegante e clara é introduzida para ressaltar as diferenças entre a descrição do movimento na mecânica newtoniana (sistemas de coordenadas galileanas no espaço e tempo absolutos) e a propagação da luz no éter. É um dos pontos altos do livro. Diferentes alternativas são propostas, argumentos são detalhados, suposições são levantadas e confrontadas com a experiência, contradições tornam-se evidentes em prol da suposição adotada: os dois postulados básicos da relatividade restrita. Neste aspecto, o livro amplia consideravelmente e com maior clareza a discussão feita no livro de 1917, onde apenas a seção 7 - "a aparente incompatibilidade entre a lei de propagação da luz e o princípio da relatividade" - toca nos problemas cruciais que levaram à construção da teoria da relatividade restrita. A partir daí, os conceitos de relatividade do tempo e distância, a equivalência entre massa e energia e o contínuo do espaço-tempo são analisados.

O "trem de Einstein" transforma-se aqui em duas salas envidraçadas em movimento com observadores interno e externo. O livro recorre ao antigo e tradicional estilo de apresentar os tópicos através de diálogos entre um físico antigo e um físico moderno. Os autores haviam recorrido, no capítulo anterior, a este expediente numa pertinente discussão entre Newton e Huyghens sobre a natureza corpuscular ou ondulatória da luz. Na apresentação da teoria da relatividade geral, as experiências mentais consistem de um elevador em queda livre e de um elevador sendo puxado para cima por uma força constante. Os movimentos, vistos por dois observadores dentro e fora do elevador, são analisados com a finalidade de concluir sobre a equivalência entre a massa inercial e gravitacional e a deflexão da luz pelo campo gravitacional. Com relação a medidas de comprimentos e tempos na relatividade geral e a questão da geometria euclidiana e não-euclidiana, recorre-se ao disco giratório como na obra de 1917, mas com um nível de profundidade maior. O livro discute também as verificações experimentais da teoria da relatividade geral.

Ao final do capítulo, o pensamento de Einstein acerca do sucesso de uma teoria de campo unificado no futuro é assim expresso:

Não podemos construir a Física somente com base no conceito de matéria. Mas a divisão em matéria e campo é, após o reconhecimento da equivalência entre massa e energia, algo artificial que não está claramente definido. Não poderíamos rejeitar o conceito de matéria e construir uma Física puramente de campo? O que impressiona os nossos sentidos é, na realidade, uma grande concentração de energia em um espaço relativamente pequeno. Poderíamos considerar a matéria como sendo as regiões do espaço em que o campo é extremamente forte. Dessa maneira poderia ser criada uma nova base filosófica. Sua meta final seria a explicação de todos os acontecimentos da natureza por leis estruturais sempre válidas em toda parte. Uma pedra que se lança é, sob esse ponto de vista, um campo em alteração, em que os estados de maior campo caminham pelo espaço com a velocidade da pedra. Não haveria, em nossa nova Física, lugar para campo e matéria juntos, sendo o campo a única realidade. Esse novo ponto de vista é sugerido pelas grandes realizações da Física de campo, por nosso êxito em expressar as leis da eletricidade, do magnetismo e da gravitação, sob a forma de leis estruturais, e finalmente pela equivalência entre massa e energia. O nosso problema final seria modificar nossas leis de campo de tal maneira que elas não ruíssem para as regiões nas quais a energia esteja enormemente concentrada.

O quarto capítulo trata dos quanta, sendo que claramente a ideia do fóton é mais reforçada do que os outros conceitos e interpretações do mundo quântico. É a parte menos empolgante e mais frágil do livro. Talvez a longa disputa sobre a interpretação da mecânica quântica e as inúmeras tentativas de gerar alternativas a ela, feitas por Einstein, tenham contribuído para que essa parte não tenha o brilho e a clareza que caracterizavam a análise de suas ideias.

Uma faceta interessante de Einstein, e que o distingue de muitos cientistas atuais, é a sua característica de responder de próprio punho a muitas cartas que lhe eram enviadas. Entre elas existe um número grande de cartas remetidas por crianças e jovens, que frequentemente faziam as perguntas mais variadas. Essas cartas de Einstein constituem um outro lado de sua atividade de divulgação. Vamos citar apenas dois exemplos e remeter o leitor para referências que tratam disto particularmente17. Em uma dessas cartas, explicou o funcionamento do telégrafo e do rádio com uma analogia curiosa: "O telégrafo com fio é uma espécie de gato muito, muito comprido. Você puxa o rabo dele em Nova York e ele mia em Los Angeles. Você entendeu? Uma rádio funciona exatamente do mesmo modo: você manda sinais aqui, eles os recebem lá longe. A única diferença é que, agora, não há um gato".

Em outra ocasião, respondeu assim a uma criança de uma escola de Nova York que lhe escreveu perguntando se os cientistas rezavam e, se o faziam, o que pediam:

Tentei responder à sua pergunta da forma mais simples que pude. (...) A pesquisa científica é baseada na ideia de que tudo o que acontece é determinado por leis da natureza e, portanto, isso também se aplica aos atos das pessoas. Por essa razão, um cientista dificilmente tenderá a pensar que os acontecimentos possam ser influenciados por uma oração, ou seja, por um desejo expresso a um ser sobrenatural. Entretanto, deve-se admitir que nosso conhecimento presente dessas leis é imperfeito e fragmentado, de modo que, na verdade, a crença na existência de leis básicas e universais da natureza também repousa sobre uma espécie de fé. Mesmo assim, essa fé tem sido amplamente justificada, até agora, pelo sucesso da pesquisa científica. (...) A atividade científica leva a um sentimento religioso de um tipo especial, que é, na verdade, bem diferente da religiosidade de alguém mais cândido18.

A divulgação científica segundo Einstein

Em algumas ocasiões, Einstein fez considerações sobre a divulgação científica que merecem ser citadas. Elas contribuem para um melhor entendimento de seus propósitos e escolhas e de sua visão sobre essa atividade.

Em 1948, comentava com um editor sobre a qualidade dos livros de popularização da ciência:

A maioria dos livros sobre ciência (que se dizem destinados ao leigo) procura mais impressionar o leitor ["espantoso!", "como já progredimos!" etc.] do que explicar clara e lucidamente os objetivos e métodos elementares. Depois que um leigo inteligente tenta ler alguns desses livros, ele fica completamente desanimado. Sua conclusão é: sou idiota demais, é melhor eu desistir. Toda a descrição é feita, na maioria das vezes, de uma maneira sensacionalista que também repele um leigo sensato. Em uma palavra: Não são os leitores que estão errados, mas os autores e editores. Minha proposta é: nenhum livro "popular" de ciência deveria ser publicado antes que fosse comprovado que ele pode ser entendido e apreciado por um leitor inteligente e judicioso19.

Em carta ao Popular Science Monthly, em 1952, respondendo a um leitor que indagara se Einstein "resolveria os segredos do universo", criticou os exageros e sensacionalismos às vezes presentes na mídia e em livros de divulgação: "Não é culpa minha se os leigos têm a impressão exagerada da importância dos meus esforços. Isto se deve muito mais aos escritores de ciência popular e, em particular, aos correspondentes de jornal que apresentam tudo da forma mais sensacional possível"20.

Em sua visita Brasil, em maio de 1925, Einstein ressaltou, numa alocução radiofônica, a importância do novo meio para a difusão da ciência, mas enfatizou também a importância da divulgação científica ser exercida por pessoas com conhecimento de causa:

Após minha visita a esta Rádio Sociedade, não posso deixar de mais uma vez admirar os esplêndidos resultados a que chegou a ciência aliada à técnica, permitindo aos que vivem isolados os melhores frutos da civilização. É verdade que o livro também poderia fazer e o tem feito; mas não com a simplicidade e segurança de uma exposição cuidada e ouvida de viva voz. O livro tem que ser escolhido pelo leitor, o que por vezes traz dificuldades. Na cultura levada pela radiotelefonia, desde que sejam pessoas capacitadas as que se encarreguem das divulgações, quem ouve recebe além de uma escolha judiciosa, opiniões pessoais e comentários que aplainam os caminhos e facilitam a compreensão: esta é a grande obra da Rádio Sociedade21.

Finalizemos com algumas considerações de Einstein sobre o papel da ciência e do cientista. Para ele o pesquisador deve servir à ciência por ela mesma, sem se preocupar com os resultados práticos. Por outro lado, a ciência deve estar referenciada a seu papel social. Einstein atribui à comunidade científica uma tarefa educativa do grande público sobre temas de ciência e destaca, de forma forte e incisiva, que a ciência não tem o direito de existir por si mesma. Este texto apareceu como introdução a um artigo de divulgação publicado no Berliner Tageblatt, em 1924, no qual ele discutia a experiência de Compton:

A comunidade dos pesquisadores é uma espécie de órgão do corpo da humanidade: alimentado por seu sangue, esse órgão secreta uma substância essencial à vida que deve ser fornecida a todas as partes do corpo, na falta da qual ele perecerá. Isso não quer dizer que cada ser humano deva ser atulhado de saberes eruditos e detalhados, como ocorre frequentemente em nossas escolas nas quais [o ensino das ciências] vai até o desgosto. Não se trata também de o grande público decidir sobre questões estritamente científicas. Mas é necessário que cada homem que pensa tenha a possibilidade de participar com toda lucidez dos grandes problemas científicos de sua época e isso, mesmo se sua posição social não lhe permite consagrar uma parte importante de seu tempo e de sua energia à reflexão científica. É somente quando cumpre essa importante missão que a ciência adquire, do ponto de vista social, o direito de existir22.

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Referências bibliográficas

1 EINSTEIN, A. Como vejo o mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

2 EINSTEIN, A. Escritos da maturidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.

3 PAIS, A. Einstein viveu aqui. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

4 EINSTEIN, A. Notas Autobiográficas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

5 BERNSTEIN, Aaron. Aus dem Reiche Naturwissenschaft, Für Jederman aus dem Volke, em 12 volumes. Berlim, 1853-1857; reedição aumentada em 1867-1870, em 20 volumes, sob o título Naturwissenschaftliche Volksbücher.

6 STACHEL, J. O Ano Miraculoso de Einstein. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2002.

7 EINSTEIN, A. How I created the theory of relativity, tradução da palestra de Kyoto de 14 de dezembro de 1922, por Yoshimasa A. Ono. Physics Today, August 1982, p. 45.

8 EINSTEIN, A. Von Relativitätsprinzip. Die Vossische Zeitung, 29 de abril de 1914.

9 EINSTEIN, A. The foundations of the general theory of relativity. In: Einstein, A.; Lorentz, H. A.; Weyl H. & Minkowski, H. The Principle of Relativity. New York: Dover, 1952. p. 111-164.

10 PAIS, A. Sutil é o Senhor... A ciência e a vida de Albert Einstein. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

11 FÖLSING, A. Albert Einstein. New York: Penguin Books, 1998.

12 EINSTEIN, A. A teoria da relatividade especial e geral. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.

13 MASSARANI, L. M. & Moreira, I. C. A retórica e a ciência – Dos artigos originais à divulgação científica. Ciência & Ambiente 23, 31-47, julho-dezembro de 2001.

14 EINSTEIN, A. Die Naturwissenschaften, 1918. p. 697-702.

15 INFELD, L. Quest: An autobiography. New York: Chelsea Publ. Co., 1980.

16 EINSTEIN, A. & Infeld,  L. The evolution of Physics: The growth of ideas from early concepts to relativity and quanta. New York: Simon and Schuster, 1938. No Brasil, a tradução da primeira edição foi feita por Monteiro Lobato, em 1939, para a Companhia Editora Nacional com o título A Evolução da Física – desenvolvimento das ideias desde os primitivos conceitos até a Relatividade e os Quanta. A quarta edição foi traduzida por Giasone Rebuá para a Zahar Editores, em 1980. A última edição do livro no Brasil, pela Guanabara Koogan (1988), está esgotada, assim como as anteriores.

17 MOREIRA, I. C. Criança pergunta... Einstein responde. Ciência Hoje das Crianças n. 80, 2-5, 1998; Calaprice, A. Dear Professor Einstein. Albert Einstein’s letters to and from children. New York: Prometheus Books, 2002.

18 CALAPRICE, A. Dear Professor Einstein. Albert Einstein’s letters to and from children. New York: Prometheus Books, 2002.

19 DUKAS, H. & Hoffman, B. Einstein: o lado humano. Brasília: Editora da UnB, 1979.

20 DUKAS, H. & Hoffman, B. Einstein: o lado humano. Brasília: Editora da UnB, 1979.

21 MASSARANI, L. M. & MOREIRA, I. C. A retórica e a ciência – Dos artigos originais à divulgação científica. Ciência & Ambiente 23, 31-47, julho-dezembro de 2001.

22 EINSTEIN, A. Berliner Tageblatt, 20 de abril de 1924.

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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