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Estilo familiar, escola e educação infantil
Armando Correa de Siqueira Neto
Psicólogo e professor
Comumente se vê a dificuldade de incontáveis pais na tentativa de educar os filhos. O esgotamento e a frustração diante de tamanho obstáculo e pouco resultado percebido podem causar não apenas culpa, mas raiva acerca de si mesmo e das circunstâncias, além do sentimento de impotência e vontade de “jogar a toalha no chão”, num gesto desesperado de desistência ante o “impossível”.
Sabe-se, contudo, que a educação é um exercício possível de se empreender, cujos resultados podem chegar a bom termo desde que sejam considerados alguns aspectos relevantes demandados por ela: amor, estabelecimento de limites, conhecimento, responsabilidade, acompanhamento, persistência e força de vontade. E, conforme o tipo da criança a ser educada, decorre a necessidade de maior ou menor número dessas intervenções a fim de alcançar êxito, tanto em relação a seu desenvolvimento quanto ao adequado convívio social. É, decerto, um trabalho dedicado, que se articula através da combinação de fatores ora mais ora menos exigidos durante o processo da educação.
Vale a pena recorrer a estudos realizados sobre a família e a educação, com a finalidade de avaliar mais amplamente a situação pessoal e, no caso de querer algum tipo de mudança, agir com ponderação e, sobretudo, compreensão daquilo que se pretende. Para tanto, é apresentada a tabela do estilo familiar, elaborada a partir da categorização de dimensões das famílias, proposta por Eleanor Maccoby e John Martin.
Tipo | Estilo familiar | Resultados /tendências |
---|---|---|
A – Ditatorial | Níveis elevados de exigência e controle com níveis relativamente baixos de afeto ou reação. | Baixa autoestima, submissão ou forte agressividade. |
B – Permissivo | Níveis elevados de permissividade ou indulgência. | Agressividade, Imaturidade, menor probabilidade de assumir responsabilidade, maior dependência. |
C – Negligente | Níveis baixos de envolvimento, negligência. Ausência de estabelecimento de conexão emocional com o filho. | Distúrbio nas relações, impulsividade e comportamento antissocial, baixo comprometimento com metas. |
D – Controle e afeto | Níveis elevados de controle e afeto, estabelecimento de limites claros, com boa reação às necessidades individuais dos filhos. | Autoestima maior, bom nível de independência, autoconfiança, altruísmo, foco nas metas estabelecidas. |
Percebe-se, ao observar os estilos familiares, que há uma tendência a ter como resultado certo tipo de comportamento na criança e, posteriormente, na vida adulta. O tipo de estilo familiar A (Ditatorial), cujos pais controlam sobremaneira e oferecem pouco afeto, tende a dificultar o desenvolvimento de um autoconceito mais adequado, além de estimular a radicalização de comportamentos por meio de dois extremos: ser submisso ou agressivo de modo comprometedor.
A permissividade, todavia, cuja complacência é a marca registrada do item B, é causadora de outros tipos de efeitos inadequados, como o baixo nível de responsabilidade e boa dose de imaturidade, haja vista o modelo de educação não contemplar o controle e a exigência necessários. Falta o estabelecimento de limites que, embora causem desagrado e aflição, são capazes de colaborar na boa formação durante a infância. Um exemplo de tal situação encontra-se na afirmação do filósofo Aristóteles sobre a moral: “O bom resultado relaciona-se com prazer e sofrimento”. “É por causa do prazer que praticamos más ações, é por causa do sofrimento que deixamos de praticar ações nobres”. Ou ainda ao citar Platão: “Deveríamos ser educados desde a infância de maneira a nos deleitarmos e sofrermos com as coisas certas; assim deve ser a educação correta”. A criança que se encontra sob o estilo permissivo, portanto, tende a não amadurecer o necessário para a sua vida adulta, cujas relações sociais requerem a autonomia daquele que responde pelo que pensa e faz.
O tipo C (Negligente) é notadamente perigoso, pois as relações humanas emocionalmente sadias são construídas através de trocas afetivas que se desenvolvem pela proximidade. No entanto, nos casos em que haja comprometimento de tal intercâmbio, pode acontecer o comportamento antissocial, deixando a pessoa à mercê da impulsividade, ao invés de controles (mínimos que sejam) de convivência.
E, finalmente, cumpre-se analisar o tipo de estilo familiar que reúne controle e afeto em níveis consideráveis, além de focalizar e atender certas necessidades particulares da criança. O resultado é, felizmente, neste caso, maior autoestima e confiança em si, autonomia e concretização de tarefas que tendem a se aperfeiçoar com a prática.
Entende-se então que é prudente se dedicar à oferta de afeto e limites aos filhos para que a educação alcance melhores níveis de entrosamento familiar e obtenção de resultados que sejam interessantes.
No artigo “Socorro! Está impossível educar o meu filho”, na revista Linha Aberta com Jesus, faço algumas considerações acerca de estabelecer limites na educação infantil: “Algumas regras colaboram no processo da educação infantil:
- Esteja disposto a certos sacrifícios.
- Mantenha comunicação constante. As conversas fazem parte da educação.
- Não atenda às birras, mas aos pedidos.
- Exponha à criança que só será atendida se pedir em tom de voz normal.
- Evite usar os personagens de televisão para amedrontar ou punir os filhos; faz mais sentido alegar que são os pais ou cuidadores que estão educando.
- Não volte atrás.
- Ofereça algum tempo diário para dedicar aos filhos através de carinho, brincadeiras etc.
- Evite a contradição entre o que é dito pelos pais. A criança se sente confusa e dividida.
- Lembre que os pais são o modelo a ser seguido. Pense sobre que tipo de modelo é o seu.
- Não acredite que o tempo, por si só, dará jeito na situação. Não haveria sentido em existir a educação.”
Urge incluir ainda nesta análise a figura do mestre. Segundo Al-Ghazzali, pensador muçulmano, “o professor deve cuidar do bem-estar dos estudantes com a mesma ou maior devoção com que um pai ou uma mãe cuidam de seus filhos. [...] O professor, ao dissuadir o estudante de seus maus hábitos, deveria fazê-lo através de sugestões e não de modo aberto, com simpatia e não com repreensões ofensivas”. Ou, no questionamento reflexivo de Paulo Freire: “Como ser educador se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade aos educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou parte?” E, ainda, na sua afirmação: “A liberdade sem limite é tão negada quanto a liberdade asfixiada ou castrada”. O estabelecimento de limites alicerça o terreno pelo qual transitam aluno e educador em busca da construção do saber. Philippe Perrenoud aponta que “da Lei não derivam todas as regras: resta fazer um importante trabalho normativo para organizar a coexistência em sala de aula e as atividades de ensino e de aprendizagem”.
Em suma, família e escola fazem parte do universo capaz de colaborar na adequada formação educacional infantil. Por conseguinte, o projeto de educação que almeja melhores resultados para as crianças requer o esforço conjunto (cuja maior parcela de responsabilidade pertence aos pais) de competências que devem ser desenvolvidas através do convívio afetivo e do estabelecimento de limites.
Trata-se de uma convivência recheada de intervenções que devem ser adotadas somente a cada percepção de sua equivalente necessidade, e não aleatoriamente. Não se trata de sorte ou jogo de azar. É claro que os erros fazem parte da construção, pois não haveria sentido a existência da aprendizagem. Entretanto, eles são a oportunidade de mudança e ajuste das coordenadas durante a trajetória. O que se torna inviável, contudo, do ponto de vista da qualidade em tal projeto, é o baixo nível de contato que possa existir e a consequente falta de visão sobre a condução participativa, o erro e a correção.
É preciso, no mínimo, que ocorra proximidade entre a criança e quem cuida dela. É preciso ponderar a respeito do estilo familiar existente, da escola e do tipo de futuro que se almeja para os filhos. A decisão, por ora, ainda é sua.
Publicado em 07 de julho de 2009.
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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