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Globalização: algumas reflexões
Anderson Barboza de Souza
Bacharel em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Mestrando pelo Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Resumo
Este artigo tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre o processo de globalização. Para tanto, primeiramente expomos a origem do termo globalização e algumas das tentativas no meio acadêmico de chegar a uma definição que abarque a complexidade com que esse processo se manifesta em nossa sociedade. Em seguida, questionamos a ideia de homogeneização mundial, bem como a de perda da importância da escala local. Abordamos a importância das diferenças culturais entre as civilizações na construção de fronteiras entre os povos, como um elemento de exclusão e união num mundo "pseudoglobalizado". Finalmente, questionamos o mito da sociedade emancipada pela informação, que longe de integrar o mundo torna-se mais um agente de exclusão social em diferentes escalas espaciais de análise.
Palavras-chave:
Globalização; informação; exclusão.
1- Globalização
De acordo com Galvão (1998a), a ideia de globalização está associada a uma sensação de ruptura temporal: o momento atual não seria apenas decorrência e consequência do passado, mas um novo momento, fruto de uma reorganização produtiva internacional e de uma maior importância dos mercados financeiros, decorrente de sua maior integração e crescimento.
Nos meados da década passada, o termo globalização passa a ter sua relevância reconhecida no meio acadêmico. Contudo, devemos destacar que o debate e a popularização do termo efetivou-se principalmente na década em que vivemos. Anteriormente, essa sensação de ruptura podia ser observada nas análises teóricas realizadas durante as décadas de 70 e 80 que enfocavam principalmente termos como dependência e interdependência.
Para Ianni (1996, p. 11), a globalização é resultado do avanço do capitalismo não só como um modo de produção, mas também como um processo civilizatório, resultando na emergência de uma complexa e contraditória sociedade global.
Para Wolf, a globalização está associada à expansão do capital e da tecnologia, sendo resultado da crescente interdependência econômica dos países em todo mundo, gerada pela expansão no volume e variedade das transações de bens e serviços entre eles, dos fluxos de capital, bem como pela difusão mais rápida e abrangente da tecnologia (Wolf, apud Galvão, 1998a, p. 37).
Do ponto de vista etimológico, a palavra global possui dois significados: o primeiro referindo-se à Terra como um planeta, e o segundo referindo-se à noção de totalidade. Desta forma, o neologismo globalização tende a juntar os dois significados, dando a ideia de homogeneidade mundial (Cox, apud Galvão, 1998a, p.47).
Entretanto, o termo globalização, associado à ideia de homogeneidade mundial, é inadequado para definir o momento em que vivemos. O cotidiano das pessoas está interligado em uma teia de relações mundiais, mas tais relações não condicionam uma homogeneidade social. Ao contrário, ressaltam as diferenças, criando e recriando especificidades que alimentam essa teia de relações mundiais.
Na realidade, a busca por uma definição do que é o processo de globalização é uma tarefa árdua. O processo de globalização, longe de poder ser descrito e simplificado em meia dúzia de linhas, é extremamente complexo, pois lida com diferentes escalas espaciais de análise, com geopolíticas minuciosas e contraditórias e com dinâmicas culturais em choque. Devendo ainda ser acrescentado o fato de que, ainda o estamos vivendo, o que dificulta mais sua real apreensão, e de que prever suas futuras consequências nada mais é do que um exercício de futurologia, que pode ou não incorrer em erros. Contudo, o cenário acadêmico se angustia em teorias que tentam fornecer um "rosto" a esse processo, que na maioria das vezes apresenta-se "embaçado ou desfigurado" em suposições e divagações que hora o enaltecem, hora duvidam de sua real dimensão, e hora o criticam.
A dúvida se vivemos um novo momento histórico, um rompimento com a modernidade, uma pós-modernidade que traz consigo novos valores e dinâmicas de sociais, ou se estamos na realidade vivendo um acirramento da modernização, resultado de sua maior expansão e alastramento pelo mundo, subjugando, desenraizando e entrando em choque com culturas não ocidentais, impondo o capitalismo como modo de produção, é um dos pontos altos do debate sobre o tema. Autores como Featherstone, por exemplo, argumentam que entender a globalização como uma extensão da modernidade é deixar "de lado não apenas a variabilidade cultural de nações-estado e civilizações não ocidentais, mas também a especificidade do complexo cultural da modernidade ocidental" (Featherstone, 1996, p.10).
Nesse contesto, Galvão (1998a) destaca o papel de nomes como Robertson e Giddens como referências na literatura sobre globalização.
Robertson encara a globalização não apenas como fruto do processo de expansão da modernidade ocidental, mas como um conceito que "refere-se ao mesmo tempo à 'compreensão do mundo' e à consciência do 'mundo como um todo'" (apud Galvão, 1998a, p. 40), em que o conhecimento e a exposição do outro é um fator de afirmação da própria identidade.
Giddens vê a globalização como uma parte da modernidade e, nesse sentido, o momento em que vivemos seria o momento em que as consequências da modernidade se materializam e se radicalizam (apud Galvão, 1998a). Giddens define globalização "como a intensificação das relações sociais de alcance mundial, que vinculam lugares distantes de tal forma que acontecimentos locais são influenciados por eventos remotos, e vice-versa", ou seja, os acontecimentos locais são influenciados e influenciam acontecimentos distantes (apud Galvão, 1988a, p.44).
Contudo, segundo a tese de Galvão, podemos dividir os autores que tratam do tema em três categorias genéricas. A primeira categoria engloba "os arautos", que divulgam a ideia de que vivemos em um mundo novo baseado em uma nova fase do capitalismo. Já a segunda, representada pelos "céticos", não acredita na perda de poder político dos Estados-nação na forma como se organizam as relações internacionais que formam o cenário mundial. A última categoria, "os críticos", veem o momento atual como uma renovação e expansão do capitalismo, cujas lógica e consequências devem ser denunciados e combatidos (Galvão, 1998a; 1998b).
O fato é que o termo globalização tornou-se uma palavra da moda e por isso seu significado quer dizer muitas coisas, gerando muita confusão quanto ao que realmente representa. Cardoso encara o termo como mais "um daqueles conceitos tão amplos, que é empregado por diferentes pessoas para explicar fatos de natureza completamente diversa", sendo que, mesmo quando relacionado diretamente à economia, ainda assim, pode ser associado a diferentes fenômenos (Cardoso, apud Galvão, 1998a, p. 38).
O que deve ser frisado é que, longe de ser um processo apenas econômico, a globalização é também um processo social, entendendo a sociedade como um corpo social que influencia e é influenciado, no tempo e no espaço, por fenômenos produzidos pelos próprios homens em sua relação em comunidade e com o meio físico onde vivem a partir de uma lógica dialética e complexa.
Assim, em nossa opinião, mais importante do que discutir se esse fenômeno faz parte da modernidade ou não é tentar buscar de forma crítica às consequências de seu impacto sobre a sociedade e tentar desfazer mitos, como o de homogeneidade mundial que mascaram o acirramento do fenômeno de exclusão, que o processo de globalização traz consigo.
2 - A importância da escala local
Segundo Featherstone, a lógica totalizante é um dos maiores problemas presentes na tentativa de gerar uma teoria sobre a globalização. Pensar na possibilidade de um mundo unificado e homogêneo é superestimar o papel dos processos universalizantes, gerados pelas tecnologias de comunicação e pelo mercado financeiro, como agentes capazes de diminuir a importância das culturas locais. Nesse sentido, o mundo passa a ser um só lugar que tem como base o contato e o diálogo entre as nações, blocos e civilizações num "espaço dialógico em que a expectativa é de discordância, conflito e confronto de perspectivas e não apenas trabalho conjunto e consenso" (Featherstone, 1996, p.10).
Assim, o momento em que vivemos é marcado por um processo dialético entre o local e o global, onde o singular (o raro) dialoga com o banal (o trivial) e a teia de relações sociais estabelecidas a partir desta lógica pode ser entendida como sendo a manifestação de uma lógica, que longe de ser simples e explicável conceitualmente, é extremamente complexa e se alicerça em diferentes níveis e escalas de valores culturais no tempo e no espaço.
Segundo Featherstone (1996, p.11-16), a comunidade local na tradição sociológica é vista com a perspectiva de cultura única tendendo a ter seu cotidiano submetido a um continuum espaço-temporal, ou buscando enfatizar minuciosas descrições de comunidades supostamente isoladas e integradas internamente, submetidas a um processo de destruição de seus valores e especificidades pelo avanço da modernidade.
Na realidade, não devemos ver as relações sociais como contínuas e decorrentes de ações previsíveis e explicáveis no tempo e no espaço. Nesse sentido, presumir a destruição das particularidades e singularidades de uma comunidade pelo processo de avanço da modernidade, não é apenas presumir que possa haver uma comunidade realmente isolada das relações sociais que se estabelecem além de seu território, mas também é presumir que sua história e relações sociais já estão dadas, determinadas por uma sequência histórica lógica linear com princípio e clímax.
O avanço da modernidade não destrói as especificidades e tampouco homogeneiza as culturas. A permanência de rituais e cerimônias em que prevalecem códigos e símbolos originais ou recriados em função do contato com outras culturas, atua "como baterias que guardam e recarregam o sentido de comunidade" (Featherstone, 1996, p. 16) e que, somadas as memórias coletivas, dotam os indivíduos de um sentimento de pertencimento ou não à comunidade, ou seja, preservam o local não através de isolamento, mas através do contato, solidificando, criando ou recriando práticas de inclusão e exclusão.
A própria construção do Estado-nação é um processo de inclusão e de exclusão. Ritos, símbolos e memórias coletivas dotam o espaço de significado. O espaço físico torna-se também simbólico, um lugar onde se dá a criação de uma comunidade nacional. Em outras palavras, a identidade nacional é o resultado da manifestação das territorialidades em um dado espaço, que une pessoas por um sentimento de inclusão, de pertencimento àquela realidade, àquele espaço vivido.
As relações sociais que unem uma comunidade acirram-se justamente quando esta comunidade entra em contato com outra. Mesmo que internamente as relações sociais se caracterizem por complexas, elas tendem a serem vistas de forma simplificada e integradas dentro de uma lógica (mesmo que não sendo compreendida) pelos de fora da comunidade, provocando neles um sentimento de exclusão, de não pertencimento.
Assim, através do contato, da criação e recriação de símbolos de poder, inclusão e exclusão, o processo de globalização, longe de homogeneizar, promove o choque entre culturas e instituições, entre o local e o global, de forma que as identidades firmam-se e/ou transformam-se, mas não desaparecem.
O mundo contemporâneo não esta vivendo um empobrecimento cultural (...). Ao contrário, tem havido uma extensão de repertórios culturais e aumento dos recursos de vários grupos para criar novos modos simbólicos de afiliação e pertencimento, esforçando-se para retrabalhar e reformular o significado de signos existentes.(Featherstone, 1996, p.19)
Desta forma, a pluralidade está presente no processo de globalização, o que significa dizer que este processo não está simplesmente reduzido ao avanço da modernidade ocidental. Ao contrário, tal avanço encontra barreiras com as quais interage suscitando diferentes respostas.
Contudo, não devemos também minimizar a força da economia capitalista ocidental em seu processo de conquista e alastramento pelo mundo. Devemos apenas ver esse processo como dialético e complexo, já que muitos do fenômenos frutos de choque cultural, ressurgimento e criação de signos de exclusão e inclusão são justamente resultado das dinâmicas e modificações nas estruturas de reprodução social, causados pelo avanço da lógica capitalista sem compromisso social, promovendo disputas de ordem não só sociais, econômicas e políticas, mas também conflitos "culturais, religiosos, linguísticos e raciais (...) Emergem xenofobias, etnocentrismos, racismos, fundamentalismos, radicalismos, violências" (Ianni, 1996, p.25)
3 - Mundo sem fronteiras?
O mundo como um só lugar: a globalização.
O parágrafo anterior expressa a ideia de um mundo sem fronteiras. Como já expomos, ao contrário de eliminar o local e homogeneizar o mundo, o processo de globalização tem como uma de suas características acirrar as diferenças entre as comunidades.
Nesse sentido, o mundo sem fronteiras não existe. Mesmo que as fronteiras entre os Estados-nação se diluam, as diferenças culturais entre os povos continuaram a demarcar o território, que continuará a ser um campo de lutas e de poder. Huntington expressa a importância do aspecto cultural como fator determinante nas tendências da política mundial. Para o autor, os conflitos predominantes nesse novo mundo que começa a se delinear serão sobretudo de ordem cultural, as "linhas de cisão entre as civilizações serão as linhas de batalha no futuro" (Huntington, 1994, p.120). O cenário da política mundial passaria a ser definido pela cultura, e não apenas pela economia e pela ideologia.
Huntington (1994), argumenta que as diferenças entre as civilizações são um fator de estabelecimento de fronteiras culturais, o que podemos entender como barreiras subjetivas que se materializam no espaço com a formação de mercados e blocos, ou servem de empecilho para seu estabelecimento. Assim, as fronteiras que no novo mundo globalizado unirão ou excluirão os povos passarão a ser cada vez mais demarcadas em função de elementos subjetivos, baseados principalmente em aspectos culturais.
As diferenças entre os universos simbólicos que dotam os indivíduos de sentimentos de pertencimento e exclusão, frutos de séculos de história e que geraram sua concepção de mundo vivido, se tornariam elementos essenciais de conflitos entre os povos, uma vez que a maior interação e contato entre as civilizações, somados ao processo de modernização econômica como fator de enfraquecimento dos Estados-nação como base de identidade local, juntamente com o crescimento da consciência civilizacional e do regionalismo econômico, concorreriam para uma novo cenário internacional (Huntington, 1994).
Contudo, apesar de concordar com Huntington (1994) sobre a importância dos aspectos culturais no processo de destruição, criação e recriação de fronteiras entre os povos, acreditamos que também devemos dar ênfase à importância do aspecto econômico como fator extremamente relevante no desenvolvimento desse processo. Não podemos negligenciar a dinâmica do capital como fator de exclusão e transformação do meio e das relações sociais, e, por isso, de acirramento das diferenças não só entre as civilizações, mas também em seu próprio seio.
4 - Sociedade e informação
Sociedade e informação? Mas quem tem informação? E, principalmente, quem gera a informação?
As perguntas anteriores refletem o quanto é nebuloso e complexo falar de um mundo globalizado a partir do pressuposto que as tecnologias de telecomunicações interligaram o mundo. É inegável a velocidade com que os sistemas de telecomunicações ligam diferentes partes do globo atualmente, especialmente se a compararmos com épocas em que cartas demoravam meses para chegar aos seus destinos. Contudo, assim como no passado, o acesso aos meios de informação e comunicação não estão disponíveis a todos, embora todos sejam afetados de alguma forma pela dinâmica e aceleração com que o mundo se interliga, sem, contudo, se integrar.
Embora os níveis de analfabetismo estejam declinando historicamente, o acesso a determinados tipos de informação e formas de comunicação continua sendo restrito em função não somente da classe e renda das pessoas, mas também em função de sua nacionalidade e cultura.
O exemplo da internet é ilustrativo sobre como a tecnologia de telecomunicações é sem dúvida um fator de inclusão, mas que também e principalmente age como um dos maiores fenômenos de exclusão em nossa sociedade. Os dados do Relatório de Desenvolvimento Humano 1999 realizado pela Organização das Nações Unidas demostram como o atual "acesso à internet (...) separa o educado do analfabeto, o homem da mulher, o rico do pobre e o urbano do rural" (ONU, apud Baltazar, 1999, p. 34). Apesar do crescimento de usuários da internet - de 100 mil para 36 milhões em dez anos - cerca de 88% desses usuários ainda residem nos países industrializados que, por sua vez, concentram apenas 15% da população mundial.
Desta forma, o local em que se nasce e a classe social a que se pertence são fatores decisivos para o acesso a esse "mundo globalizado". Em outras palavras, "surfar" na internet, por exemplo, não é tão simples para um jovem angolano como é para um norte americano, já que na África o custo médio de uma conexão é de cerca de US$ 100 ao passo que nos Estados Unidos esse valor é dez vezes menor; isto sem falar da questão do idioma, que demostra que a Internet também é um fator de exclusão cultural, pois a língua inglesa é usada em 80% da páginas da rede, enquanto menos de uma pessoa em cada dez pode se comunicar nesse idioma.
A tecnologia de informação é uma ferramenta que não está disponível a todos. Ao contrário, em um mundo com profundas desigualdades sociais, tal tecnologia em geral está restrita a uma elite mundial. E, mesmo assim, ter acesso a um computador, a livros ou a jornais não significa necessariamente conseguir refletir sobre o tipo de informação que eles geram ou lhe permitem ter acesso.
Um computador plugado na internet, por exemplo, pode abrir várias portas de informações que emancipem e produzam novos conhecimentos: são bibliotecas, resultados e desenvolvimento de pesquisas, cientistas, fóruns de discussões, enfim um mundo de informações à disposição com o qual se pode interagir e refletir. Contudo, para isso é necessário que seu usuário queira e tenha condições de refletir sobre o significado dessas informações, pois, caso contrário, podemos compará-lo a um simples apertador de parafusos, que não tem consciência do produto final de seu trabalho. Um operador da bolsa de valores em São Paulo, por exemplo, pode saber se determinadas ações estão em alta na bolsa de Nova Iorque e, a partir dessa informação, comprá-las ou vendê-las visando ao lucro próprio e/ou de seus clientes, mas isso não significa que ele saiba sobre a real dimensão de seus atos, nem tampouco que reflita sobre eles, ou seja, pode não saber ou não se importar com as repercussões de seus atos sobre os empregos de operários em Varsóvia ou em Recife, ou ainda se o capital gerado nesta transação será aplicado na recuperação de florestas degradadas, no financiamento de campanhas de combate à pobreza e ao analfabetismo, ou simplesmente usado para financiar a construção de residências principescas em balneários elitistas.
O acesso a informação não significa necessariamente sua transformação e utilização como ferramenta para questionamento da atual ordem mundial ou para a construção de um mundo melhor; ele apenas cria possibilidades para que isso aconteça.
Nesse sentido, mesmo que o acesso aos meios de informação e telecomunicação fossem democráticos, o que não são, isso por si só não significaria o surgimento de uma sociedade com justiça social. Seria necessário também querer e ter condições para promover a construção de tal sociedade.
Outro ponto igualmente importante, se não o mais, nessa discussão consiste em identificar quem produz a informação, e para quem e a serviço de quem ela é gerada. Pesquisa e desenvolvimento custam caro, logo não são todos que têm condições de realizá-los. Apenas dez países eram responsáveis pelas pesquisas realizadas no mundo em 1993, controlando cerca de 95% das patentes mundiais, sem falar no fato de que 80% das patentes concedidas nos países em desenvolvimentos pertencem a residentes nos países desenvolvidos (Baltazar, 1999, p35). Ou seja, o conhecimento gerado na maior parte das vezes não tem compromisso social, mas com o capital que o financia.
Nesse sentido, o conhecimento gerado atualmente continua a servir de instrumento de dominação, talvez não mais de dominação entre Estados-nação (embora isso seja discutível), mas certamente entre mercados. Informação continua sendo sinônimo de poder e, como tal, sua produção e distribuição continuam sendo restritas. A informação que circula nas redes e nos jornais é filtrada e massificada.
Ao mesmo tempo em que se fala em livre comércio, reforçam-se as leis de propriedade intelectual. Os investimentos e os fluxos de capital se dão principalmente em direção ao primeiro mundo (Hirst e Thompson, apud Galvão, 1998b, p. 118). O mundo pode até estar interligado, mas certamente não está integrado. A prioridade de investimentos continua voltada para os mercados mais lucrativos do mundo desenvolvido. E nesse contexto as pesquisas em cosméticos, por exemplo, tornam-se mais relevantes que a produção de vacinas para doenças que afetam principalmente as nações mais pobres.
Assim, podemos dizer que o acesso às tecnologias e formas de comunicação não estão disponíveis para todos. Além disso, as informações disponíveis nos veículos de telecomunicações não correspondem à integridade do conhecimento gerado em pesquisas, que fica principalmente restrito a empresas e Governos que são seus financiadores principais e as direcionam e utilizam, de acordo com seus interesses, como instrumento de dominação e exclusão, sem comprometimento com um projeto de emancipação e igualdade social e com formas mais justas e democráticas de acesso ao conhecimento produzido em seus laboratórios.
Desta forma, não podemos falar de uma sociedade informacional no sentido pleno do termo, pois embora todos sofram as consequências dos avanços tecnológicos do processo de globalização, a maioria da população mundial não tem condições de fazer-se sujeito nesse processo e o acesso a informação ainda é algo restrito, um instrumento de dominação e não de emancipação para toda sociedade.
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Originalmente publicado em: Souza, Anderson Barboza de. Globalização: algumas reflexões.
Textos. Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ, n.14, set. 2000. 12p.
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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