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Homenagem a Cesar Lattes

Amélia Império Hamburger

Física, pesquisadora da USP na área da História da Ciência

Ernst W. Hamburger

Professor da USP - Coordenador da Estação Ciência/USP

Adalberto Fazzio

Presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF)

Cesar Lattes nasceu em Curitiba, Paraná, no dia 11 de julho de 1924, filho de imigrantes: Giuseppe Lattes, natural de Turim, e Carolina Maroni, de Alessandria, Piemonte italiano. Foi casado com Martha Siqueira Neto, pernambucana, matemática, companheira de mais de cinquenta anos, falecida em 2003. O casal tinha em sua casa, em Campinas, apoio e convivência de suas quatro filhas e nove netos.

Cada um de nós, pesquisadores, o homenageamos em nossos Currículos Lattes, criados no Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) como que um símbolo do que representou para a física, para a ciência brasileira, sua dedicação ao trabalho de pesquisa e de ensino, continuamente. Ao longo de sua longa vida, sua prática do pensamento crítico - na acepção da palavra como pensamento original -, capacidade de discernimento, de imaginação e de coragem de descobrir coisas novas serão sempre lembrados.

Cesar Lattes formou-se na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCLUSP). Imediatamente se tornou Assistente de Gleb Wataghin, conhecido de seu pai e grande incentivador de sua ida para a física. Trabalhou, inicialmente, em Física Teórica, com Wataghin, e também, com Schenberg e Schutzer. Mas logo se dedicou à Física Experimental. Realizou pesquisas sobre Raios Cósmicos, sugeridas por Gleb Wataghin - linha de pesquisa que Wataghin, Marcelo Damy e Paulus Pompeia, depois Giuseppe Occhialini -, iniciada no Brasil com imediato sucesso internacional.

Em 1946, Lattes foi trabalhar, com Occhialini, no Laboratório de Cecil Powell, na Universidade de Bristol, Inglaterra. Utilizavam-se emulsões fotográficas, modificadas por sugestão da equipe de Powell e do próprio Lattes, para detecção de partículas nucleares, que deixam um traço na emulsão transparente, depois de revelada. Foram expostas chapas por Occhialini durante suas férias nos montes Pirineus, na França, a uma altitude de 2.800 metros.

Em Bristol verificaram que apareciam traços de partículas antes desconhecidas. Lattes, então, decidiu ir para montanhas mais altas, numa estação meteorológica em Chacaltaya (Bolívia), nos Andes, a cerca de 5.000 metros, onde o número de raios cósmicos é maior. Lá, expostas as chapas, a descoberta foi amplamente confirmada. Eram os descobridores de uma importante nova partícula, o meson pi, hoje pion. Anos depois, Powell receberia o prêmio Nobel pela descoberta.

Lattes, ainda em 1948, percebeu que o acelerador de partículas do Laboratório de Radiações de Berkeley, Califórnia (EUA), nas experiências com reações nucleares que Eugene Gardner conduzia, tinha energia suficiente para produzir mesons pi. Poucas semanas depois chegar em Berkeley, com bolsa da Fundação Rockefeller, Lattes detectou e identificou os mesons que estavam realmente sendo produzidos.

Essas descobertas de Lattes, com Occhialini e Powell na Inglaterra, e com Gardner nos Estados Unidos, tiveram repercussão na imprensa internacional, e grande repercussão na imprensa brasileira. Ao voltar ao Brasil Lattes foi considerado herói nacional.

Para a Universidades de São Paulo (USP), e, particularmente, para a Faculdade de Filosofia, foi evidência do sucesso do empreendimento de Wataghin, a demonstração internacional da viabilidade de uma Universidade de Pesquisa no Brasil.

O fim da guerra contra o eixo nazi-fascista marca uma era de ativação geral das consciências para o desenvolvimento das ciências e de aplicações. Não é coincidência as discussões e a existência de Artigo, na Constituição Estadual de 1947, que dá os princípios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A volta de Lattes foi fator importante para a implantação, em 1951, da primeira agência, ao nível da Presidência da República, para apoio às atividades de pesquisa: o CNPq. No mesmo ano de 1951, pela iniciativa principalmente de Leite Lopes e de Lattes, foi fundado, no Rio de Janeiro, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), sendo Lattes seu primeiro Diretor Científico. Juntamente com o Departamento de Física da FFCLUSP, o CBPF foi um dos principais centros onde se consolidou a pesquisa em física no país, com pessoas vindas de todo o Brasil.

Cesar Lattes dedicou-se durante muitos anos ao CBPF e foi professor da Universidade do Brasil, hoje a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em 1966, a convite de Mário Schenberg, voltou à USP, contratado para reger a cátedra de Física Superior. Implantou um Laboratório de Emulsões Nucleares para analisar grandes câmaras de chapas expostas em Chacaltaya.

Pouco depois, transferiu-se para a, então nova, Universidade de Campinas (Unicamp), onde Marcelo Damy organizava o Instituto de Física, onde implantou o Departamento de Raios Cósmicos e um Laboratório de Emulsões Nucleares. Realizou muitos trabalhos em colaboração internacional, especialmente com os físicos japoneses, entre eles: Fujimori e Hasegawa.

Lattes foi membro de várias academias e sociedades científicas brasileiras e internacionais. Entre suas muitas premiações estão o Prêmio Einstein (1950), o Fonseca Costa, concedido pelo CNPq (1958), o Bernardo Houssay, da Organização dos Estados Americanos (1978), e o Prêmio de Física, da Academia de Ciências do Terceiro Mundo (1987). Recebeu também várias medalhas e títulos honorários.

Na Sociedade Brasileira de Física (SBF), Lattes participou das reuniões para a criação da Revista Brasileira de Física, em 1969/1970. Entre os físicos mais velhos que, em geral, temiam que a produção científica brasileira não fosse ainda suficiente para sustentar uma revista, foi um dos poucos que deram forte apoio. Hoje a Brazilian Journal of Physics é revista indexada internacionalmente.

Há vários documentos importantes que registram a presença bem humorada de Lattes, sua ironia inteligente, às vezes sentida como agressiva, sua dedicação ao trabalho e preocupação com a ciência no Brasil, e seu espírito não competitivo. Por exemplo, a entrevista em Ciência Hoje de 1995, reproduzida no livro Cientistas do Brasil, editado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), de 1998; o documentário em vídeo e DVD, de José Mariani, Lattes e Leite Lopes, Cientistas Brasileiros de 2001; o vídeo em VHS da homenagem prestada no Instituto de Física, pelo Reitor Jacques Marcovitch, da Universidade de São Paulo, em 1998, com interessante depoimento de Lattes. Há ainda o depoimento a Simon Schwartzmann, nos anos 1970, na série do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. A SBF tem a intenção de reunir e dar ao público este acervo, inclusive com uma exposição na próxima reunião anual, em Fortaleza (CE).

São Paulo, 9 de março de 2005

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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