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Independência de novo

Karla Hansen

Um desafio para o professor de história

Estamos às vésperas de uma das grandes datas históricas brasileiras, o 7 de setembro, dia em que o Brasil declarou sua independência de Portugal. Mas, para além de todas as tediosas comemorações oficiais de praxe, temos uma boa oportunidade para rever e repensar a nossa história e o modo como ela é ensinada na escola, nos níveis fundamental e médio. E por que deveríamos rever e repensar a história? Não basta ter aprendido uma vez e guardar o aprendido como saber consolidado para, quando surgir uma oportunidade ou necessidade, repeti-lo? É claro que não. A história, ainda que tratando de fatos passados, é um saber vivo, em constante transformação.

Cada nova geração de historiadores tem uma leitura diferente dos fatos e dos atores que participaram da cena histórica, em determinada época e, quase sempre, essa nova leitura joga luz sobre acontecimentos antes desconhecidos, desprezados ou incompreendidos, até por falta de dados. Cada novo leitor ou estudante de história também contribui para essa permanente transformação, ao fazer novas perguntas e reflexões, a partir do olhar e dos referenciais de seu tempo. Daí que a história está sendo constantemente, reinterpretada e reescrita, e por isso, não é um saber pronto, acabado.

O desafio, então, para o professor de história é acompanhar essas novas interpretações e leituras - que, na maioria das vezes, vêm da pesquisa universitária - e levar para seus alunos uma visão mais atualizada e crítica dos acontecimentos passados, reconhecendo os possíveis equívocos cometidos pelos antigos historiadores. De outra forma, velhos preconceitos vão se cristalizando e ganhando status de "verdades", por força da repetição e por resistência ao novo.

Um caso exemplar é a crença de que Tiradentes, Joaquim José da Silva Xavier, o líder da Inconfidência Mineira, era um homem do povo, um modesto alferes e famoso "arranca dentes". Não, não era. "Tiradentes era podre de rico" afirma o professor universitário e historiador Eduardo Schnoor, com a concordância da historiadora Mary Del Priori, ambos em recente visita aos estúdios da TVE, onde participaram como convidados do programa especial da TV Escola para o dia da Independência.

Outra interpretação muito difundida e até hoje respeitada como progressista é a visão de que, com a Independência, os brasileiros só fizeram trocar de "dono". Deixamos de ser colônia de Portugal, para nos tornarmos dependentes da Inglaterra. Essa interpretação é ainda reforçada pelo fato de que, para pagar a indenização pelos "prejuízos" causados ao reino português com a perda da colônia, inauguramos nossa dívida externa ao fazer um empréstimo dois milhões de libras aos bancos ingleses.

Mary Del Priori reconhece que esta foi uma tese amplamente defendida por alguns notáveis como Boris Fausto, Fernando Henrique Cardoso, Celso Furtado e outros ilustres historiadores dos anos 1970, e que continua sendo ensinada nas escolas. Mas, para a historiadora ela está "ultrapassada". Ainda segundo Mary Del priori, esses pensadores estavam embebidos pelas teses que circulavam nos meios acadêmicos nesses anos, em que a questão da dependência e da dívida externa do Brasil era central. Hoje, no mundo globalizado, mesmo a dependência é abordada sob nova visão.

O maior problema, na opinião dos historiadores, é que a ponta da pesquisa - que se produz nas universidades - está distante do professor de ensino médio. Na escola, ainda predomina é a repetição de interpretações históricas datadas. Para superar isso, será preciso diminuir a distância e a enorme defasagem entre o que se aprende e é reproduzido nas escolas secundárias e o que se produz na universidade.

Sendo assim, mesmo episódios exaustivamente abordados pela história, como a Independência do Brasil, merecem ser revisitados, a partir de novos olhares, interpretações, leituras e descobertas que, cada vez mais, nos ajudam a compreender melhor o nosso passado.

Publicado em 30 de agosto de 2005

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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