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Mercado de cérebros
Pablo Capistrano
Escritor, professor de filosofia
Uma das discussões mais instigantes no campo da educação nesses últimos tempos tem a ver com a febre dos sites na Internet que oferecem, a uma média de R$ 3 a página, todos os tipos de trabalhos acadêmicos, desde ingênuos trabalhos escolares para o ensino médio até sofisticadas dissertações de mestrado. Dando uma olhadinha no já quase canônico site Zé Moleza, eu encontrei, na área de filosofia, que é a minha praia, à disposição 168 trabalhos, dispostos com o nome do autor e com a nota respectiva. Os títulos dos trabalhos variavam desde "O conhecimento da quididade de Deus segundo São Tomás de Aquino" até "Os reality shows".
Como professor, sinto um misto confuso de raiva, frustração e deleite diante desse tipo de fenômeno virtual. Acredito que algumas razões nos levam a esse tipo de situação. Em primeiro lugar, a falta de uma legislação específica para esse tipo de "serviço" oferecido na Rede faz com que ninguém tenha muito medo de expor a cara num site como esse (vendem até camisas e suvenires com um bonequinho esquisito, com roupa de formando e diploma nas mãos). Em segundo lugar, tem a tal da falta de compreensão social acerca do que é, de fato, um trabalho acadêmico. Um antigo patrão meu, dono de uma escola privada em Natal, dizia que educação era o tipo de "comércio" mais estranho em que ele já havia trabalhado. Nesse comércio, o sujeito paga o valor, mas não quer receber o produto que comprou.
Na verdade, uma avaliação acadêmica - a produção de uma monografia, por exemplo - é parte integrante do processo de aprendizado. Está inserida no pacote que o sujeito compra quando se matricula numa instituição privada ou paga seu imposto para manter o filho numa universidade federal. Quando alguém paga R$ 3 por página para ter uma monografia de fim de curso, está pagando a mais para não receber o que havia pago antes (ou seja, a educação que teria, supostamente, comprado). No meu entender, esse tipo de postura é uma das anomalias mais curiosas que a economia de mercado já produziu. Alguém pode, então, dizer: "Mas ninguém está interessado em educação, o importante é o diploma!".
Aí, aparece um terceiro aspecto bastante interessante. A falta de compreensão acerca do tipo de "produto" que é a educação. Quando você paga o seu imposto (esperando que o Estado eduque seu filho) ou a mensalidade de uma instituição privada, você não está realizando o mesmo tipo de negócio realizado por alguém que vai à feira e compra um cacho de bananas ou um jerimum. Educação não se põe nos bolsos, nem se leva em saquinhos. É um processo que aparece na carne e na alma dos sujeitos, no corpo e nas atitudes. A educação não é um "conteúdo", como uma lata de leite em pó ou um saco de batatas. Educação é um procedimento antropoplástico de transformação do humano.
Se você quiser saber se o produto que você "comprou" funcionou ou não, olhe para si mesmo. Se você acabou seu curso superior, pagou por sua monografia de fim de curso e ganhou seu diploma para emoldurar e pregar na parede, mas continua o mesmo ser humano de antes, com as mesmas ideias, a mesma postura de mundo, os mesmos preconceitos, a mesma mediocridade intelectual, então, parabéns, meu filho: você foi enganado! Nada aconteceu. Nada mudou. O processo foi abortado. Quem perde com isso? Em primeiro lugar, você mesmo, porque a vida é muito curta para ser vivida sob um único ponto de vista. Em segundo lugar, sua sociedade, porque, como dizia Hegel "Os estados que negligenciam a cidadela íntima na alma de seus cidadãos e só buscam o lucro e a utilidade são passíveis de decadência e destruição".
Na seção Discutindo, um espaço de temas polêmicos e motivadores, já esteve em pauta a questão "O uso de trabalhos prontos é ético ou não?". Leia as mensagens enviadas!
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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