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Neoliberalismo: A doutrina que orienta o ajuste  estrutural

Mônica Franch, Carla Batista e Silvia Camurça

In: Ajuste estrutural, pobreza e desigualdade de gênero. Recife: Iniciativa de Gênero/ S.O.S Corpo Gênero e Cidadania, 2001.

Introdução

O neoliberalismo pode ser definido como uma ideologia ou doutrina que atualmente ganhou a maior adesão e simpatia dos políticos e da opinião pública internacional, nacional e local, estabelecendo, por isso, os parâmetros da política econômica de grande parte dos países do mundo. Os programas de ajuste estrutural estão fortemente embasados nessa ideologia.

Como seu nome indica, o neoliberalismo ("novo liberalismo") traz de volta à cena o conjunto de teses econômicas conhecido como liberalismo. Na sua acepção geral, o termo liberalismo define as ideias, teorias ou doutrinas que dão primazia à liberdade individual e rejeitam qualquer tipo de coerção do grupo ou do Estado sobre os indivíduos. No plano econômico, o liberalismo teve notável influência no desenvolvimento do capitalismo do século XIX. Um ponto central nessa doutrina era o repúdio a qualquer intervenção do Estado na área econômica. Os liberais entendiam que os fenômenos econômicos eram regidos por uma ordem natural, que tendia ao equilíbrio e à prosperidade. O mecanismo de garantia dessa ordem residia, para eles, na livre concorrência (Lakatos e Marconi, 1999).

Essas ideias  permaneceram como substrato do neoliberalismo dos dias de hoje, embora muitos outros elementos tenham sido introduzidos.

Aspectos do ideário neoliberal

O neoliberalismo surgiu em alguns países da Europa e nos Estados Unidos como uma reação contrária ao Estado do Bem-Estar. Data de 1944 a publicação do livro O caminho da servidão, de Friedrich Hayek, que é considerado o texto de origem dessa ideologia.

Em 1947, os seguidores do neoliberalismo fundaram a Sociedade de Mont Merin, com o objetivo de combater o welfare state e de preparar o caminho para a instalação de um capitalismo mais duro e livre de regras. Uma das ideias centrais desse grupo, apontada por Perry Anderson, é reveladora do caráter excludente da proposta neoliberal: os membros da Sociedade de Mont Metin consideravam a desigualdade social um valor positivo e criticavam o igualitarismo promovido pelo Estado do Bem-Estar, que, considerava-se, levava as populações à dependência e à passividade.

Atualmente, os defensores do neoliberalismo não se posicionariam tão abertamente a esse respeito.

As ideias neoliberais não tiveram ressonância nas décadas de 50 e 60. Nessa época, estavam sendo registradas as mais altas taxas de crescimento econômico da história do capitalismo, sob a hegemonia do modelo do Estado do Bem-Estar. Em 1973, porém, esse modelo econômico entrou em crise. Na Europa e nos Estados Unidos teve início uma longa recessão que combinou baixas taxas de crescimento econômico com altas taxas de inflação. Esse foi o terreno propício para o  avanço das ideias neoliberais.

Os partidários do neoliberalismo diziam que a crise dos anos 70 era resultado da pressão excessiva dos sindicatos por maiores salários e por mais gastos sociais (para saúde e escola públicas, moradia, assistência social, salário-desemprego, etc.). Pensavam que, para vencer a crise, a  meta dos governos devia ser a estabilidade monetária. Para isso, sugeriam duas medidas: a) disciplina orçamentária, com contenção dos gastos para o bem-estar social; b) restauração da taxa "natural" de desemprego, que iria quebrar o poder dos sindicatos. Também aconselhavam os governos a adotarem reformas fiscais para incentivo dos agentes econômicos. Na prática, essas reformas consistiam em reduzir os impostos que recaíam sobre os mais ricos. 

Outra forma de entender o paradigma neoliberal é dividindo suas implicações em três planos, seguindo a análise de Maria Alice Dominguez Ugá (1997): econômico, social e político. No plano  econômico, o neoliberalismo rejeita o padrão de intervenção estatal.

O que é o Estado do Bem-Estar?

Também chamado de welfare state (em inglês), o Estado do Bem-Estar é o modelo estatal desenvolvido, sobretudo, nos países europeus ao término da II Guerra Mundial, em 1945. Seus princípios básicos foram elaborados pelo economista inglês John M. Keynes; por isso, com frequência, fala-se em keynesianismo para se referir a esse tipo de Estado.

Houve muitas variações na forma como os diversos países compreenderam e aplicaram o modelo do welfare state. É possível, entretanto, identificar algumas características básicas:

a) O Estado intervém na área econômica, através de subsídios a diversos setores. Também controla a exploração de alguns recursos naturais (indústria mineral, energia, etc.) através de empresas estatais. Na época, isso fazia parte de um projeto de construção nacional que, no plano político, correspondia à democracia liberal.

b) O Estado é responsável pela promoção da justiça social e do igualitarismo. As políticas sociais são universais: saúde, educação e previdência para todos. Aumentam os recursos destinados a essas políticas.

c) Abandona-se a ideia de que a lógica do mercado está acima  de tudo. No campo das relações de trabalho, a estabilidade dos trabalhadores no emprego é estimulada. Nos países onde este  modelo se desenvolveu, o poder de negociação dos sindicatos era muito alto.

As políticas neoliberais no mundo

O primeiro país a sair da crise foi a Inglaterra, sob o governo de Margareth Thatcher, que  começou no ano de 1979. Para Perry Anderson (1996), esse foi o modelo neoliberal mais puro de todos. As políticas liberais de Thatcher compreendiam a contração da emissão de moeda; elevação das taxas de juros; diminuição dos impostos sobre os mais ricos; abolição dos controles sobre os fluxos financeiros; combate ao sindicalismo (legislação antissindical e repressão às greves); corte nos gastos sociais; amplo cronograma de privatizações.

Outros países ricos seguiram o exemplo inglês, ainda na década de 1980, embora com variações consideráveis. Em 1982, foi a vez dos Estados Unidos com a eleição de Ronald Reagan. A ritmos diferentes, quase todos os países europeus implementaram esse modelo entre os anos 80 e 90. A queda do Muro de Berlim ampliou a área de influência neoliberal às antigas economias comunistas, já na década de 90. Nesse período, outras regiões também se abriram ao avanço do neoliberalismo com intensidade variável (caso dos países asiáticos).

Mas, afinal, o que foi que essas políticas trouxeram para esses países? Vejamos o que diz Perry Anderson no seu Balanço doneoliberalismo: a inflação dos anos 70 foi detida, o que foi considerado um sucesso. Houve recuperação dos lucros, graças às derrotas sindicais. Isso também é contabilizado como um sucesso pelos neoliberais. Em todos os países, as taxas de desemprego cresceram, assim como a desigualdade social.

Apesar de terem seguido à risca as medidas neoliberais, os países não conseguiram retomar o crescimento econômico. Esse é o grande fracasso do neoliberalismo, pois o objetivo final de todas essas medidas era justamente a retomada do crescimento econômico. Nesse ponto, o neoliberalismo mostrou-se ineficaz

Você  deve estar se perguntando se esse aspecto não forçou os países a mudarem de estratégia. Por enquanto, diremos que o neoliberalismo continua sendo apresentado como a única alternativa de sociedade, a despeito do seu resultado prático.

O neoliberalismo na América Latina

A implantação de programas neoliberais na América Latina iniciou-se no Chile, com Pinochet. A maior conversão ao modelo do neoliberalismo, porém, aconteceria em fins dos anos 80 e seria fortemente estimulada pelo crédito das Instituições Financeiras Multilaterais aos Programas de Ajuste Estrutural. Segundo Maria Alice Dominguez Ugá (1997), as políticas de ajuste respeitam os principais aspectos do ideário neoliberal: as duas instituições máximas da sociedade são o mercado e a propriedade privada; o Estado institui e fiscaliza o cumprimento de leis gerais que dão suporte a essas duas instituições; a política subordina-se ao primado da economia.

O problema é que todo esse estímulo ao mercado e ao setor privado está sendo feito em países que nunca desfrutaram dos benefícios de um Estado do Bem-Estar (Soares, 2001). O contexto latino-americano diferencia-se radicalmente dos centros que irradiaram as ideias neoliberais (Europa e Estados Unidos) pelas maiores taxas de pobreza, violência, desigualdades econômicas e de gênero. Como é possível implementar, num contexto desses, um modelo de sociedade ainda mais excludente?

Uma das formas de minimizar os impactos já foi mencionada: trata- se de implementar políticas compensatórias, voltadas a alguns setores da população, como substituto às políticas sociais de abrangência universal. Outra estratégia, porém, é revestir as reformas com um  caráter de "mal necessário" e inevitável, facilitando a aceitação da doutrina neoliberal em nome de um bem maior: o desenvolvimento da nação a longo prazo. O discurso do desenvolvimento contém muitas justificativas para toda espécie de políticas, por piores que sejam suas consequências, oferecendo também argumentações favoráveis ao avanço do neoliberalismo.

Leia a íntegra do livro "Ajuste estrutural, pobreza e desigualdade de gênero", em PDF.

Referências bibliográficas

ANDERSON, Perry (1996). "Balanço do neoliberalismo". In: A. BORÓN, As políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade (1999). "Degradação social, globalização e neoliberalismo". In: Sociologia geral. São Paulo: Atlas.

SOARES, Laura Tavares Ribeiro (2001). Ajuste neoliberal e desajuste social na América Latina. Rio de Janeiro: Vozes.

UGÁ, Maria Alice Dominguez (1997). "Ajusta estrutural, governabilidade e democracia". In: S. GERCHMAN e M. L. Werneck VIANNA, A miragem da pós-modernidade. Democracia e políticas sociais no contexto da globalização. Rio de Janeiro, Fiocruz.

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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