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O metrô educação também pode dar certo

Heloisa Padilha

Psicopedagoga Institucional. Mestre em Educação pela PUC-Rio.

Ninguém acreditava, mas deu certo: no Metrô do Rio de Janeiro não se joga lixo nos trilhos, não se cospe no chão e não se picha. Para um povo que é, lá fora, muitas vezes considerado grosseiro e mal educado, até que o carioca conseguiu o que parecia impossível: uma ilha - se bem que subterrânea - de organização, ordem e respeito; ao passo que, em certos países ditos desenvolvidos, a situação é inversa: é no Metrô que aparecem certos traços de vandalismo e de irresponsabilidade social.

Em 1996, quando passou a vigorar a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a educação brasileira viu-se subitamente na situação de ter que passar a si mesma a limpo de A a Z. E assim inaugurou-se uma época extremamente confusional. Os grandes pilares da escola pré-LDB estão sendo passados na peneira: currículo, metodologia, sociologia da sala de aula, livro didático, identidade do professor e do aluno, relação escola-família, dentre tantas outros, mas, principalmente, o significado da própria escola. Com a autorização legal de decidir e de colocar em prática o que entende como educação, a escola está tendo que deitar sobre si um olhar escrutinizador de sua própria essência. Não se pensava que um dia ela teria que se explicar para si mesma e para a sociedade. Mas, agora, isso se faz necessário. Deixou de ser óbvio. Deixou de haver uma única resposta. Deixou de ser simples.

Diante de desafio de tal monta, cada escola optará entre transformar-se numa estação de um grande metrô nacional de educação - nos moldes da paradisíaca ilha de acertos do Metrô carioca - , ou deixar-se ficar estacionada no tempo, embotada pelo tamanho da tarefa que ora lhe cabe, num nostálgico suspirar de saudades do passado, ou num silêncio que dará conta apenas de sua incapacidade de aprender ou, ainda, e numa nota contrária, num patético esforço de caça às bruxas culpando a esmo as famílias, os professores e os alunos pelo atual fracasso.

Da mesma forma que cada estação do Metrô causou perturbações nas cercanias em que foi escavado e construído, a reconstrução de cada escola não poderá passar ao largo de um certo choro e ranger de dentes. Muitas barreiras com status de tabu terão que ser quebradas e alguns calos não escaparão de ser pisados. As principais questões que se colocam nesse momento são: Como empreender as mudanças? Como começar? Com que ritmo pode-se avançar? Muda-se tudo em conjunto ou cada subsistema a cada vez? Como faço para não assustar a clientela e perder alunos?

No dia em que mudamos de casa, amanhecemos na residência antiga e dormimos, naquela mesma noite, no novo endereço. Em menos de vinte e quatro horas está tudo feito. Mudanças em educação são extremamente complexas porque envolvem diversos atores e fatores. Alguns deles podem estar prontos para empreender a mudança, mas os que não estão provavelmente irão entravar o movimento daqueles. Modificar completamente, com uma única canetada, o sistema de avaliação, por exemplo, seria como tirar o chão de toda a comunidade escolar. O atual sistema funciona como a metáfora da anorexia-bulimia (para usar uma imagem da educadora espanhola Juana Sancho): o professor dá aula despejando, no aluno, conteúdos em profusão. No dia da prova, o aluno é cobrado não pelo que de fato aprendeu mas pelo que lhe foi ensinado, ou seja, ele vomita os conteúdos e sai da prova vazio, tendo-se descartado da maior parte deles, tal como uma pessoa bulímica. Em seguida, o professor confrontará a resposta do aluno com o que foi dado (saliente-se a passividade do recebedor contida no verbo "dar"). A nota será tão mais alta quanto maior for a semelhança entre o "dado" e o "vomitado". E isso é o que a sociedade entende como um bom sistema de avaliação.

A LDB fala uma outra linguagem, bem diferente desta. Ela exalta a importância dos processos, da contextualização, interdisciplinaridade, construção de conhecimento e mais uma porção de elementos que não constam de nossas salas de aula. O que fazer?

Penso que um possível caminho de mudanças em educação seja fazer conviverem por algum tempo o novo e o antigo, reduzindo-se paulatinamente o espaço deste para ampliar o daquele, dentro de um planejamento estratégico que faça convergir todos os esforços da instituição numa mesma direção. No caso da avaliação, a Escola Dínamis, estabelecimento de ensino particular situado no bairro de Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, encontrou uma solução que vem se firmando pela força de seu alinhamento com diversas demandas simultâneas. O sistema está fundado em duas lógicas: a antiga, obedecendo à metáfora da anorexia-bulimia, representada pelas tradicionais provas trimestrais, e a nova, que segue a metáfora da nutrição - um constante e saudável estudar voltado não mais para o ensino, mas para a aprendizagem, que se traduz em variadas oportunidades de uso inteligente de esquemas mentais para resolução de problemas significativos e significados e, ao fazer isso, subordina os conteúdos às habilidades e competências, abandonando-se a oposta subordinação.

Não são as soluções grandes e importadas que terão o condão de construir as necessárias pontes entre o que a educação foi até agora e o que ela deverá ser daqui em diante. Antes, devemos pensar nos pequenos passos e nas ideias locais, nascidas de cabeças que têm nome e rosto, não deixando, no entanto, de coordená-las em busca de uma única meta, sob pena de a escola perder-se ao longo do caminho. Há muitas vozes silenciosas que precisam ser despertadas em cada escola. Há muitos talentos não aproveitados. Educação tornou-se assunto por demasiado complexo para que poucos atores possam dele dar conta. A complexidade das diferenças, que era desprezada por ser fator perturbador do gerenciamento escolar, agora deve ser bem quista, de modo a permitir que da variedade de ideias venha a riqueza de opções de rumo.

Não cabe a cada escola construir um Metrô inteiro. Uma estação só já faz verão. E, mesmo que à volta haja o caos pedagógico, isso não mais impede que se ponha um pé diante do outro. Philippe Perrenoud diz isso de uma maneira mais contundente e ainda mais simples: a escola aprende diante de três condições: se ela se der esse direito, se acreditar-se capaz disso e se organizar-se neste sentido.

A nova lei de educação permite a invenção de novos caminhos. Não temos mais a quem culpar. Estamos legalmente autorizados a sermos autônomos. Que o receio de sê-lo não nos paralise!

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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