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O Risco de não Mudar
Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
A vulnerabilidade do Brasil começa a ficar evidente. O neoliberalismo, como ideologia e como modelo de política macroeconômica, nos levou a isto mesmo: submissão da economia, da sociedade e do próprio Estado aos interesses das forças que controlam o mercado e o poder global. Pior, abriu as comportas do país de modo especial aos humores e à ganância dos capitais financeiros especulativos para os quais o mundo não passa de um grande cassino. Agora, diante das turbulências, nos falam das eleições e do risco que representariam possíveis mudanças de rumo do país. Por favor, senhores, não nos façam de tontos! A vulnerabilidade são vocês que a construíram. Ou mudamos isto ou vamos rápido ao desastre. Que a destruição em curso na Argentina nos sirva como exemplo!
Vejamos as coisas mais de perto. Como bem lembra Lula - o fator de risco para os especuladores sobre a saúde da economia e do dinamismo social e político do Brasil - mudamos muito desde que ele disputou a primeira eleição presidencial em 1989, exatamente contra este tipo de políticas que se tornou hegemônico nos anos 90 e nos está legando um país vulnerável. De fato, não somos mais o mesmo país que se mobilizou, organizou e conquistou o fim da ditadura, apostou na democracia, fez uma constituição cidadã e sonhou com a mudança do modelo de desenvolvimento capitalista autoritário e excludente, que fazia crescer o bolo contra o seu próprio povo. Ou melhor, somos o mesmo país mudado, em condições bastante diferentes daquelas do final da década de 80.
Afinal, o povo brasileiro é o mesmo grande povo, acrescido de uns quantos milhões, chegando a mais de 170. Alegria e criatividade são ainda traços dominantes da nossa cultura, apesar das adversidades. A viração, como estratégia de vida, continua sendo indispensável, pois a lógica de exclusão social não foi quebrada. O nosso imenso patrimônio comum, o território, continua concentrado e deixando milhões de famílias sem terra ou com pouca terra para trabalhar e viver. As cidades crescem, mas o direito à cidade - com teto para todos, saneamento básico e acesso à água, transporte e, de modo especial, o direito civil de ir e vir com segurança - é negado para enormes contingentes de população. No Brasil do início do século XXI, segundo os dados do Censo 2000, mais de 15% estão sem trabalho, condição básica de acesso à renda e de inclusão social. Aliás, a distribuição de renda parece uma lei férrea, que não muda. Ainda segundo o Censo, são quase 52% as brasileiras e os brasileiros que ganham até 2 salários mínimos. Melhoramos e bastante em termos de escolaridade, com 95% de nossas crianças na escola. Mas isto, como já lembrei uma vez, mais parece um efeito de geração do que fruto de políticas públicas, com nossos filhos fazendo melhor do que nós fizemos. Com mais algumas gerações não teremos analfabetos!
Temos um bem de grande valor que não tínhamos naquele período: uma moeda estável. O imposto inflacionário deixou de existir, permitindo o acesso a bens e serviços por parte da população brasileira que antes pareciam inacessíveis, ainda mais quando de uso familiar compartilhado. E um bem público comum fundamental é a institucionalidade democrática, condição política indispensável para se pensar o futuro do Brasil. A cidadania em termos de direito de votar e o exercício do voto fez em uma década o que não se fez em toda a história passada do país. Somos hoje mais de 114 milhões de cidadãs e cidadãos eleitores e, no geral, ainda acreditamos na arma do voto. Estamos mudando o país real de baixo para cima, como costumam ser as grandes revoluções democráticas. O maior indicador é o imenso laboratório que se tornou o Brasil em termos de participação e cogestão de políticas a nível local. Será que isto gera vulnerabilidade e instabilidade?
Os sanguessugas de todo tipo, internos e externos, que pensam em seu ganho econômico-financeiro imediato, temem a democracia. Temem sobretudo uma democracia que é capaz de gerar uma nova liderança, que resgate a função reguladora do Estado sobre a economia, alargando o espaço público e radicalizando a própria democratização. Não vai ser fácil desarmar a enorme vulnerabilidade econômica que os anos de reinado de uma ortodoxia neoliberal nos levou. Temos uma dívida pública equivalente a mais de 55% do PIB e uma dívida externa que chega a ser 10% da dívida externa mundial. Isto gera, para o que nos financiam, enormes ganhos e nos atam. Desarmar esta bomba é uma tarefa indispensável para o avanço de uma democracia substantiva, com direitos econômicos, sociais e culturais para todas e todos, enfrentado todas as formas de desigualdade, pobreza e exclusão.
Portanto, o nosso risco é não mudar, é continuar mantendo o país submetido à lógica do cassino. O momento exige coragem e ousadia. Nada como legitimar isto pelas urnas. Parece que os sinais da cidadania brasileira vão neste sentido. Não podemos desapontá-la. Está na hora de acabar o divórcio entre economia e sociedade, entre Estado e cidadania, entre país e nação. O mundo espera isto da gente.
Rio, 16.05.02
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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