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Por Falar em Construtivismo, que tal Praticá-lo?

Janete Bolite Frant

PhD em Educação Matemática pela New York University, Pesquisadora Associada da Rutgers University, Professora da PUC-SP

A palavra construtivismo entrou na moda. Dificilmente encontraremos projetos ou pessoas envolvidas com educação que não utilizem pelo menos algumas vezes em seu discurso expressões como "construir conhecimento", "proposta construtivista", ou "busca de autonomia". No entanto, as ações dessas mesmas pessoas indicam transferência, reprodução, ou automatismo.

Por isso, gostaríamos de discutir a sala de aula, virtual ou presencial, construtivista. Vamos usar exemplos sobre a informática como um meio de ensinar matemática sob esta ótica.

Antes de discutir a utilização da informática, vamos tratar da questão mais ampla, que é como fazer para que os conhecimentos matemáticos ensinados tenham sentido, significado para o aprendiz. Repare que aqui quem está falando é o educador, e portanto fala sobre ser significativo, veremos adiante que quando quem fala é o sujeito da ação ele produz significado. Segundo Brousseau (1983) o sentido de um conhecimento matemático se define não apenas por uma coleção de situações em que o aprendiz encontra e/ou utiliza este conhecimento como meio de solução, mas principalmente pelo conjunto de concepções que rejeita, de erros que evita, de economia que procura e reformulações que faz.

O professor, consciente ou inconscientemente, escolhe uma estratégia para sua aula. Antes, esta estratégia podia ser investigada e analisada pelas relações no triângulo: Professor, Aluno e Saber.

Hoje, seria mais interessante considerarmos o quadrilátero: aluno (individual), aluno (grupo), professor e saber. Vamos entender Aluno, como englobando as categorias individual e grupo para discutir os modelos propostos por Charnay (1996).

Analisando os papéis de cada objeto do tripé original, Charnay descreve brevemente três modelos: O modelo normativo, o modelo ativo e o modelo aproximativo ou construtivista:

1. O modelo normativo, centrado no conteúdo, lida com a transmissão, a comunicação de saber aos alunos.

  • O professor mostra as noções, as introduz e fornece exemplos.
  • O aluno primeiramente aprende, escuta, e deve prestar atenção; em seguida, treina, se exercita e, ao final, aplica.
  • O saber já está finalizado, já está construído.

2. O modelo ativo, centrado no aluno, lida com os interesses, as motivações e o meio que rodeia o aluno.

  • O professor escuta o aluno, suscita sua curiosidade, ajuda a utilizar fontes de informação, responde a suas demandas, o encaminha a ferramentas de aprendizagem, procura uma melhor motivação.
  • O aluno busca, organiza, e então estuda, aprende.
  • O saber está ligado às necessidades da vida, do ambiente. A estrutura própria deste saber passa para segundo plano.

3. O modelo aproximativo ou construtivista, centrado na produção do saber pelo aluno, parte de modelos e concepções existentes no aluno e coloca-as à prova para modificá-las ou construir novas.

  • O professor propõe e organiza uma série de situações com diferentes obstáculos, organiza as diferentes fases de investigação, formulação, validação, e institucionalização. Organiza a comunicação da aula, propõe no momento adequado os elementos convencionais do saber (notações e terminologia).
  • O aluno ensaia, busca, propõe soluções, confronta-as com as de seus colegas, defende-as e as discute.
  • O saber é considerado dentro de sua própria lógica.

Vejamos o caso do trabalho com os números racionais:

Situação 1

O professor vai ao quadro e escreve:

Define-se Número Racional como todo número da forma p/q tal que p e q são números naturais.

Depois começa a dar exemplos:

Exemplo: 3/2; 7/15; 1/10 são números racionais.

Pede a participação da turma:

Quem pode citar mais exemplos?

Agora vamos praticar para ver quem entendeu.

Vai para o quadro e escreve o primeiro exercício.

Exercício 1
Diga se é Verdadeiro ou Falso cada sentença abaixo:
a) Π  Q
b) 3/2 Q

Pede, mais uma vez, a participação dos alunos nas respostas. E, finalmente fala:

Agora vamos ver quem vai dar a resposta correta ao próximo exercício:

Exercício 2
Calcule o valor de x na equação abaixo.
2x = 3

E assim a aula prossegue e uma lista de exercícios é enviada para ser feita em casa.

Comentando

É fácil perceber que este professor não tem nada de perverso, gosta de "dar" aula, espera que os alunos participem, etc... mas certamente está enquadrado no modelo 1.

E daí? A prática do modelo 1 é tão ruim? Muita gente diria "eu aprendi assim..e aqui estou". E então?

Bom, primeiro, quem diz que aprendeu assim desconhece como produziu seu próprio conhecimento e confunde a aula que o professor "dava" com a construção de seu conhecimento. Esta confusão é bastante pertinente pois as duas coisas estão intimamente relacionadas mas não são de modo algum lineares.

A estratégia de ensino do professor é do campo da didática e da pedagogia, enquanto a construção de conhecimento é do campo da ciência da cognição, da epistemologia. Uma influi na outra de modo complexo e não simplesmente como causa e efeito.

Quando começamos a pensar em aprendizagem como um processo distinto do processo de ensinar, podemos pensar nos dois outros modelos.

Situação 2

Para não alongar muito nossa conversa, vamos fazer apenas alguns comentários sobre a situação 2.

Algumas vezes, os números racionais são aprendidos apenas em situações "utilitárias", em problemas como: construir uma mesa, dividir pizzas, etc... No entanto, os números racionais ficam "restritos" a essa visão e não se discute o conceito matemático de número.

Observe que nesse modelo de ensino algo além da transmissão de informação já acontece.

Situação 3

A professora pediu aos alunos que trouxessem calculadoras, das mais baratinhas, para a aula. Por precaução, ela levou umas 4 sobressalentes. Dividiu a turma em duplas ou trios e entregou a folha de atividade.

ATIVIDADE n

Primeiro experimente bastante, depois comece a anotar o fato que está chamando sua atenção e a do grupo. Anote, também, os motivos que os levaram a prestar atenção neste fato. Teste e reteste e finalmente faça um relato sobre a atividade como um todo.

  • Pegue a calculadora. O que acontece quando dividimos um número natural, pode escolher qualquer um, por nove? Experimentem vários números.
  • Faz diferença este número ter um ou três algarismos? Justifique.
  • Daria para criar uma regra?
  • Como conseguir: 0,9999999... na calculadora?
  • E 1,9999999...?
  • E 3,999999..?
  • Explique o que está acontecendo.

Comentando

Voltando ao modelo 3, a professora neste caso:

  • Propôs e organizou uma série de situações com diferentes obstáculos, organizando as diferentes fases de investigação, formulação, validação, e institucionalização - preparação da atividade.
  • Organizou a comunicação da aula - na medida em que dividiu os alunos em grupo, atendeu individualmente cada grupo e depois abriu a discussão para a turma toda.
  • Propôs no momento adequado os elementos convencionais do saber (notações e terminologia) - durante a discussão do grupão ia anotando no quadro as respostas e introduzindo algumas notações e terminologia.
  • O saber é considerado dentro de sua própria lógica.- a atividade é "puramente" matemática.

Comentários Finais

Quanto ao modelo

Os dois últimos modelos de ensino podem levar o aluno a construir seu conhecimento, a produzir e não a reproduzir situações.

Voltando ao caso 3, um dos grupos oferece a seguinte resposta:

Para um número natural terminado em zero:
600 / 9 = 66, 666666666...
6000 / 9 = 666,66666666...
70 / 9 = 7,777777777777...
800 / 9 = 88,8888888888...

Esta resposta não é encontrada em livro didático algum. O grupo apresentou, os outros grupos testaram com vários outros números e resolveram adotar a regra.

Ao mesmo tempo, outras regras que funcionavam para pelo menos uns 15 casos, ao serem testadas pelos outros grupos furavam. Alunos e professora tiveram a oportunidade de discutir sobre o significado de teoremas, regras, exceções, etc... Sem falar no conteúdo sobre números racionais, discutiu-se sobre a diferença de um número como 7,777777... que pode ser escrito da forma p/q como 70/9, e números como o Π que pode ser aproximado a 3,14 mas não pode ser escritos da forma p/q. Nas outras atividades a professora foi sintetizando os conhecimentos produzidos, culminando num mapa conceitual criado coletivamente.

Para pensar em EAD e na prática construtivista

Podemos utilizar as ferramentas disponíveis para EAD de acordo com o modelo de aula.

Adotando o modelo 1:

  • O professor coloca as definições na homepage. O aluno vai clicando e as lê.
  • O aluno acessa a lista de exercícios via qualquer programa de aula virtual, esta lista é mecanicamente (no sentido literal) corrigida.
  • O professor marca um chat para falar sobre os exercícios.
  • O professor organiza um fórum para dar mais definições que não fizeram parte das aulas.
  • Na homepage do curso aparecem os nomes dos alunos, os conteúdos e as notas. Esta homepage pode ser acessada pelo aluno a qualquer momento.

Fica a pergunta: Será que as interações, neste caso, são muito diferentes?

Adotando o modelo 3:

  • O grupo pequeno pode funcionar via e-mails ou chats.
  • O início do grupão pode ser feito em um fórum.
  • A discussão grande, novamente em chat.
  • As descobertas colocadas numa homepage do curso, etc...

Para finalizar, chamamos a atenção para o fato de que em nenhum momento dissemos que é uma tarefa simples planejar aulas sob a ótica construtivista. É necessário uma mudança de paradigma, olhar os processos de ensino e aprendizagem como processos que se entrelaçam mas que são distintos.

Sobretudo, menos discurso e mais ação!

Bibliografia

  • Charney,R. 1996. Aprendendo com a resolução de problemas. In Celia Parra e Irma Saiz (eds) Didática da Matemática: Reflexões Psicopedagógicas. Artes Médicas-Porto Alegre.
  • Frant, J. e Rabello, M. 2000. Doze menos Nove! Boletim Gepem 34
  • Lins, R e Gimenez, J. 1997. Perspectivas para a aritmética e a álgebra no século XXI. Editora Papyrus SP

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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