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PROJETO DE LEI 98/2003 – Prostituição
Câmara dos Deputados
Dispõe sobre a exigibilidade de pagamento por serviço de natureza sexual e suprime os arts. 228, 229 e 231 do Código Penal.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º É exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual.
§ 1º O pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual será devido igualmente pelo tempo em que a pessoa permanecer disponível para tais serviços, quer tenha sido solicitada a prestá-los ou não.
§ 2º O pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual somente poderá ser exigido pela pessoa que os tiver prestado ou que tiver permanecido disponível para os prestar.
Art. 2º Ficam revogados os artigos 228, 229 e 231 do Código Penal.
Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Já houve reiteradas tentativas de tornar legalmente lícita a prostituição. Todas estas iniciativas parlamentares compartilham com a presente a mesma inconformidade com a inaceitável hipocrisia com que se considera a questão.
Com efeito, a prostituição é uma atividade contemporânea à própria civilização. Embora tenha sido, e continue sendo, reprimida inclusive com violência e estigmatizada, o fato é que a atividade subsiste porque a própria sociedade que a condena a mantém. Não haveria prostituição se não houvesse quem pagasse por ela.
Houve, igualmente, várias estratégias para suprimi-la, e o fato de que nenhuma, por mais violenta que tenha sido, tenha logrado êxito demonstra que o único caminho digno é o de admitir a realidade e lançar as bases para que se reduzam os malefícios resultantes da marginalização a que a atividade está relegada. Com efeito, não fosse a prostituição uma ocupação relegada à marginalidade - não obstante, sob o ponto de vista legal, não se tenha ousado tipificá-la como crime - seria possível uma série de providências, inclusive de ordem sanitária e de política urbana, que preveniriam seus efeitos indesejáveis.
O primeiro passo para isto é admitir que as pessoas que prestam serviços de natureza sexual fazem jus ao pagamento por tais serviços. Esta abordagem inspira-se diretamente no exemplo da Alemanha, que em fins de 2001 aprovou uma lei que torna exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual. Esta lei entrou em vigor em 1º de janeiro de 2002. Como consectário inevitável, a iniciativa germânica também suprimiu do Código Penal alemão o crime de favorecimento da prostituição - pois se a atividade passa a ser lícita, não há porque penalizar quem a favorece.
No caso brasileiro, torna-se também consequente suprimir do Código Penal os tipos de favorecimento da prostituição (art. 228), casa de prostituição (art. 229) e do tráfico de mulheres (art. 231), este último porque somente penaliza o tráfico se a finalidade é incorporar mulheres que venham a se dedicar à atividade.
Fazemos profissão de fé que o Legislativo brasileiro possui maturidade suficiente para debater a matéria de forma isenta, livre de falsos moralismos que, aliás, são grandemente responsáveis pela degradação da vida das pessoas que se dedicam profissionalmente à satisfação das necessidades sexuais alheias.
Sala das Sessões, em 2003.
Deputado Fernando Gabeira
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE REDAÇÃO
RELATÓRIO DO PROJETO DE LEI Nº 98, DE 2003
Relator: Deputado Chico Alencar
I – RELATÓRIO
O presente projeto de lei tem por escopo, em síntese, a legalização da prostituição no país. Para tanto, estabelece que é exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual, incluindo o tempo em que a pessoa fique disponível para tais serviços, ainda que não venha a prestá-los. Dispõe a proposição, ainda, que somente tem legitimidade para a cobrança a pessoa que houver prestado os serviços ou que tiver permanecido disponível para os prestar. Em complementação, descriminaliza as condutas de favorecimento da prostituição, casa de prostituição e tráfico de mulheres para exercer a prostituição.
Em justificativa, o Deputado Fernando Gabeira, autor do projeto, aduz que a prostituição é atividade contemporânea à própria civilização e nunca deixou de existir porque a própria sociedade que a condena a mantém. Acrescenta que o único caminho digno é admitir a realidade, tornando possível a exigência de pagamento pelos serviços prestados e, por consequência, reduzindo os malefícios resultantes da marginalização da atividade.
O projeto baseou-se em legislação recentemente aprovada na Alemanha, onde também se suprimiram as condutas criminosas ligadas à prostituição.
II - VOTO DO RELATOR
Compete a esta Comissão apreciar o projeto de lei quanto à constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito.
Estão atendidos os pressupostos formais de competência da União, atribuição do Congresso Nacional, sujeita à sanção presidencial, suscetibilidade de normatização por lei ordinária e iniciativa aberta aos membros do Poder Legislativo. Quanto ao conteúdo, não há afronta a disposições constitucionais.
O projeto tampouco apresenta vícios relativos à juridicidade e técnica legislativa. Em análise de mérito, entendemos que esta Casa deve respaldar a iniciativa do ilustre Deputado Fernando Gabeira.
A prostituição é a mais antiga das profissões. Ao longo da história, diversas tentativas houve de extinguir a prestação remunerada de serviços sexuais; nunca se logrou, entretanto, êxito.
A razão da permanência da prostituição até os dias atuais é simples: é a própria sociedade quem nutre essa atividade. Apesar dos inúmeros episódios repressores e mesmo diante de cruéis maquinários de fiscalização e sanção, a prestação de serviços sexuais nunca arrefeceu. A mesma sociedade que, por um lado, diz-se vigilante da moralidade e condena a prostituição, por outro se sacia desses serviços e faz questão de tê-los sempre à disposição.
Esse antagonismo traz à tona uma faceta de nossa civilização que sempre se tentou ocultar: a hipocrisia. Especificamente no caso da prostituição, a hipocrisia é tonificada pela desumanidade, pelo egoísmo e pela falta de solidariedade.
Como visto, é historicamente comprovado que a sociedade nunca abriu mão da prostituição. Por que razão, então, não se deve deixar de lado a hipocrisia e permitir que a atividade de prestação de serviços sexuais possa existir de forma legal e cívica?
É exatamente essa, segundo entendemos, a motivação do presente projeto de lei. Legalizando-se a atividade, estar-se-á, unicamente, tirando-a do submundo e trazendo-a para o campo da licitude.
Incontáveis são os benefícios sociais decorrentes da medida. As pessoas que se dedicam à prostituição passarão a poder exercer os mesmos direitos que qualquer cidadão empregado possui: carteira de trabalho assinada, filiação à Previdência Social, assistência médica etc.
Como consequência imediata, teremos a melhora do padrão de vida das prostitutas. Hoje, essas profissionais sujeitam-se a contratações aviltantes, geralmente intermediadas por cafetões que recolhem a maior parte do pagamento. Além disso, sofrem com o envelhecimento mais que o restante da população economicamente ativa: quanto menos jovens, mais são obrigadas a submeterem-se a condições desumanas de trabalho, como o relacionamento sexual sem a devida proteção contra doenças sexualmente transmissíveis.
O projeto, da forma como redigido, traz solução para essas questões. Em primeiro lugar, deixa claro que apenas a própria profissional poderá exigir o pagamento pelos serviços prestados ou pelo tempo que ficar disponível para prestá-los, ainda que não venha a fazê-lo. Outrossim, tratando-se de profissão legalizada, será possível o exercício de direitos sociais como a aposentadoria.
Os benefícios não atingirão unicamente as próprias profissionais, mas também a sociedade de forma geral. Toda a marginalidade e criminalidade que envolve o mundo da prostituição estará dissolvida com a legalização da atividade.
Nesse ponto, necessário se faz ressaltar que a prostituição não é, em si, atividade relacionada à criminalidade. A ligação ainda acontece porque somente através da ilegalidade é que se permite, hoje, a prestação de serviços sexuais. Possibilitando-se a atuação lícita, não mais haverá razão para que a atividade se submeta às regras do submundo criminoso. Com isso, será mais fácil, por exemplo, impedir o envolvimento de crianças e adolescentes nas atividades de prostituição.
Em outra ótica, não concordamos com aqueles que vislumbram na proposição um encorajamento da atividade. Não é pelo simples fato de se tornar lícita a atividade que se estará incentivando pessoas a aderirem à prostituição.
Iniciativas semelhantes a esta já foram tomadas em outras nações do mundo, citando-se, como exemplos, Holanda, Alemanha e Nova Zelândia. Também em algumas localidades dos Estados Unidos da América e da Austrália não mais há a proibição.
Conquanto ainda seja precoce fazer qualquer afirmação acerca das consequências da medida nesses países, o que já restou evidente foi que não houve aumento da quantidade de pessoas que se dedicam à atividade.
Por fim, a descriminalização das condutas de favorecer a prostituição, manter casa de prostituição e promover a entrada ou saída de mulher com o fim de exercer a prostituição é consequência lógica de se tornar exigível o pagamento pelos serviços sexuais.
O projeto, a nosso ver corretamente, absteve-se de descriminalizar a conduta do rufião, isto é, daquele que tira proveito dos lucros da prostituição, fazendo-se sustentar por quem a exerça.
Em face de todo o exposto, nosso voto é pela constitucionalidade, juridicidade e adequada técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação do Projeto de Lei nº 98, de 2003.
Sala da Comissão, em 26 de setembro de 2003.
Deputado Chico Alencar
Relator
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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