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Projeto Portinari: uma reconciliação
Lorenzo Aldé
Saindo das sombras
Portinari não escolheu um bom momento para morrer. Suas tintas o intoxicaram aos 58 anos, privando precocemente o Brasil do pintor que lhe falava à alma. Cedo demais para perdermos Portinari, e justamente em hora crucial de nossa história. Ele foi-se em 1962. Estivesse vivo durante a ditadura que se implantou em seguida, faria ecoar pelo mundo sua militância de liberdade, dando cores e formas aos terríveis tempos em que era proibido pensar e sentir.
Foi um mau momento não apenas porque sua morte apagou um dos mais preciosos espelhos em que o país procurava se entender (a morte de um gênio dá-se sempre em mau momento), mas porque os longos anos de chumbo se incumbiram de sufocar a memória do mestre, deixando-a esmorecer associada ao inclemente rótulo de "comunista". Longos 17 anos, durante os quais a vasta obra de Portinari viu-se dispersa e abandonada ao sabor dos interesses particulares, nunca públicos, sem registros, estudos ou análises que a reconhecessem como um dos maiores patrimônios culturais do Brasil no século XX.
Em 1979, não havia no país um só museu dedicado a Candido Portinari, nenhuma catalogação completa de suas pinturas, e os livros sobre sua vida e sua arte estavam todos esgotados. Não era mais possível saber a extensão de sua produção, muito menos conhecer o paradeiro dos milhares de originais espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Naquele ano, o regime dos generais emanava seus estertores derradeiros. Veio a anistia aos opositores da ditadura, medida repleta de simbolismo: o Estado não tinha mais forças para lutar contra seu próprio país. O Brasil estava pronto para se reconciliar com os brasileiros.
Em alguns casos, era preciso apressar-se para recuperar o tempo perdido. A reconciliação do país com o legado de Candido Portinari seria um processo longo, que devia começar imediatamente. Coube a seu filho João Cândido lançar as bases para um trabalho que deveria envolver múltiplas especialidades e conquistar o apoio de diversos setores da sociedade e do governo. Nascia, com sede na PUC do Rio de Janeiro, o Projeto Portinari.
Hoje, 24 anos depois, pode-se dizer que Portinari ocupa o lugar que lhe é devido na história da arte brasileira. No ano de seu Centenário, há muito o que festejar. A vida do artista, a grandiosidade de sua criação, e também o Projeto que nos permitiu conhecer e imortalizar tal patrimônio. Portinari só é Portinari porque durante mais de 20 anos todo um país se engajou no esforço de resgatar sua memória e reencontrar sua arte. Aos 100 anos, o mestre ganhou o melhor presente com que um artista pode sonhar: o pintor foi recriado por sua própria criação. Portinari pintou o Brasil, o Brasil pintou Portinari. Final feliz para uma história que tendia à separação e ao esquecimento.
De detetives a educadores
A divulgação era fator indispensável para que o Projeto Portinari alcançasse seu primeiro e principal objetivo: localizar a catalogar todas as obras do pintor. Era preciso lançar uma grande campanha conclamando todos aqueles que soubessem do paradeiro dos quadros, gravuras, cartas e outros documentos a se comunicarem com o Projeto. As milhares de obras do artistas estavam espalhadas nas mãos de particulares pelo Brasil afora, e no exterior.
A mídia foi convidada a encampar esse grandioso desafio. A parceria com a TV Globo e a Fundação Roberto Marinho rendeu logo frutos, informação puxando informação e estava iniciada uma aventura fascinante de pesquisa histórica e artística. Especialistas foram chamados para verificar a autenticidade de cada pintura e documento supostamente assinados por Candido Portinari. A ciência colocada a serviço da arte, com apoio estatal e particular: diversas empresas e órgãos públicos juntaram-se aos poucos à empreitada.
O vídeo Projetando Portinari (1999) - dirigido por Marcello Dantas e que compõe o acervo da TV Escola - narra a história de duas décadas de conquistas do Projeto. Cada obra reencontrada, catalogada e adquirida para compor o acervo do artista significava mais um retrato do Brasil, seu povo e sua história, as paixões de Portinari. "Meu tema é o homem", resumiu o mestre, cujos traços inovadores conseguiam universalizar o trágico e o sublime do ser brasileiro.
Em 24 anos de atividade, o Projeto Portinari catalogou 5.300 pinturas, desenhos e gravuras, mais de 25 mil documentos e 6 mil cartas. Só o catálogo das obras resultou em 8 volumes impressos, com 250 páginas cada um. O Programa de História Oral registrou 72 depoimentos, em mais de 130 horas gravadas. Entre os entrevistados, figuram nomes como Drummond, Niemeyer, Prestes, Antonio Callado, Radamés Gnatalli.
Mas o avanço da tecnologia permitiu ao Projeto Portinari ganhar novo fôlego em busca de seu segundo objetivo: divulgar a obra magistral, torná-la pública, restitui-la aos brasileiros. Para isso o projeto investiu na digitalização de todas as peças do acervo. A popularização da Internet impulsionou as ações educativas, com a criação do site Projeto Portinari, que conta com a página Portinari para Crianças, também chamada de "Viagem ao mundo de Candinho", com brincadeiras, histórias sobre a vida do pintor e uma galeria comentada de suas obras em ordem cronológica, além de instruções e dicas para o professor melhor utilizar as atividades.
As técnicas de pintura e as temáticas abordadas pelo artista se prestam a enfoques multidisciplinares, podendo-se trabalhar questões de Matemática (como a razão áurea e as figuras geométricas), Física (decomposição da luz), Meio Ambiente (a ecologia, presente em várias obras), História do Brasil (retratada tanto em seus episódios mais marcantes quanto na vida cotidiana do povo, além dos retratos de personalidades artísticas e políticas importantes para o século XX), Geografia (os vários Brasis), entre outras.
No site do Projeto Portinari, o visitante encontra também a Galeria Candido Portinari, onde, por meio de um mecanismo de busca (pelo título/ ano/ técnica/ tema/ descrição), é possível visualizar nada menos do que 4.700 gravuras, desenhos e pinturas do mestre!
Publicado em 31 de dezembro de 2005
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