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Relembrando Beijing

Introdução

Nunca é demais voltar a discussão para a questão da igualdade de direitos entre homens e mulheres. A IV Conferência Mundial sobre a Mulher, aconteceu em Beijing, na China, em 1995 e trouxe como pauta principal a necessidade de se debater a discriminação de gênero, discutindo a posição que as mulheres têm ocupado no cenário internacional.

No entanto, de acordo com Virginia Guzmán, no prólogo da publicação Plataforma Beijing 95: Um instrumento de ação para as mulheres, ao chegar à China, grande parte do trabalho propositivo e de negociação já estava feito.

No Fórum Mundial de Organizações não Governamentais (ONGs), que ocorreu em Huairou, paralelo à Conferência, estiveram presentes cerca de 30 mil mulheres e 1.600 homens, discutindo as grandes linhas e orientações das mudanças desejadas.

Na Conferência, foi a vez de se criar formulações que viabilizassem o avanço da Plataforma de Ação. "Tratava-se de tecer, pouco a pouco, os acordos que entrariam no documento final", como destacou Virginia Guzmán. Além disso, tratou-se de elaborar um programa mundial de igualdade, orientado para assegurar os direitos humanos das mulheres, sem distinções de ração, etnia, idade, condição social, estado civil, religião ou cultura.

Dando prosseguindo às conferências que aconteceram na cidade do México em 1975, em Copenhague em 1985 e em Nairobi em 1985, a Conferência de Beijing procurou enfatizar a necessidade de se ter governos comprometidos com a Plataforma de Ação, incentivando a eliminação de obstáculos para a participação das mulheres em todos os campos da vida pública e privada.

A Declaração de Beijing

A Declaração manifesta explicitamente a vontade política de governos de diferentes matizes ideológicos, culturais e religiosos. Por isso, alguns temas foram objeto de prolongados diálogos a negociações. Entre esses, destacam‑se:

  • A titularidade dos direitos das mulheres em todos os campos ou sua supeditação à família.
  • A consideração dos direitos das mulheres como direitos humanos universais.
  • Os direitos das meninas e a responsabilidade dos pais em sua educação, especialmente em relação à sexualidade.
  • A proposta dos países pobres de obter novos recursos para seu desenvolvimento e a resistência dos países ricos em proporcioná‑los.

Em Beijing, os governos se comprometeram a impulsionar o consenso e os progressos alcançados em conferências anteriores das Nações Unidas (em alguns países essas medidas levaram a uma representação de 33,3 por cento ou mais nos governos locais e nacionais.), com o objetivo de conseguir a igualdade, o desenvolvimento e a paz.

A Declaração reconhece que a situação das mulheres experimentou avanços impor­tantes na última década, embora não homogêneos, persistindo as desigualdades entre mulheres e homens, o que constitui um obstáculo importante para o bem‑estar de todos os povos.

Os governos destacaram que se comprometem, sem reservas, a combater essas limitações, reconhecendo que os direitos das mulheres são direitos humanos consagrados internacionalmente. Nesse sentido, reafirmaram a necessidade de garantir a plena aplicação dos direitos humanos das mulheres e meninas como parte inalienável, integral e indivisível de todos os direitos e liberdades fundamentais, estabelecendo o direito de todas as mulheres a decidir conscientemente, com base em suas crenças e aspirações.

A Declaração Política comprometeu os governos a:

  • Impulsionar as Estratégias de Nairobi antes do fim do século, garantir às mulheres e meninas todos os direitos humanos a liberdades fundamentais, a tomar medi­das eficazes contra as violações a esses direitos e liberdades.
  • Promover a independência econômica e erradicar a carga persistente e cada vez maior da pobreza que recai sobre as mulheres, combatendo suas causas mediante mudanças nas estruturas econômicas.
  • Garantir a igualdade de acesso a tratamento a mulheres a homens tanto na educação como na atenção à saúde, para promover a saúde sexual e reprodutiva das mulheres.
  • Garantir a paz para o avanço das mulheres, reconhecendo sua função reitora no movimento pela paz, e trabalhar pelo completo desarmamento.
  • Assegurar o êxito da Plataforma de Ação por meio da mobilização de recursos a nível nacional e internacional, bem como prover recursos novos a adicionais procedentes de todos os mecanismos de financiamento disponíveis para os países em desenvolvimento.
  • Garantir que todas as políticas e programas dos governos incluam a perspectiva de gênero.

A III Conferência Mundial sobre a Mulher (Nairobi, 1985), a Cúpula sobre a Infância (Nova York, 1990), a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992), a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Viena, 1993), a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), e a Cúpula sobre Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995).

Por uma educação não discriminatória

Apesar dos esforços realizados na última década, em torno de 100 milhões de crianças, dos quais 60% são meninas, não têm acesso ao ensino primário, e mais de dois terços dos analfabetos adultos no mundo são mulheres.

Continua existindo um viés de gênero nos currículos e nos textos escolares que reforça as funções tradicionais de ambos os sexos, e limita as oportunidades das mulheres diversificarem seus projetos de vida.

É imprescindível a criação de um ambiente educacional e social que trate em pé de igualdade mulheres e homens e promova imagens não estereotipadas de ambos.

Os recursos destinados à educação, particularmente das meninas e mulheres, são insuficientes em muitos países; em alguns casos foram reduzidos devido às políticas de ajuste.

Os governos se comprometem a:

  • Assegurar a igualdade de acesso à educação para as mulheres de todas as idades, erradicar o analfabetismo e assegurar o acesso universal das meninas ao ensino primário e secundário antes do ano 2015, adotando medidas tais como o aumento de vagas e bolsas para meninas e jovens.
  • Promover uma educação não discriminatória, eliminando toda e qualquer disposição legal ou institucional que estabeleça diferenças na educação por motivos de gênero, raça, língua, religião, origem nacional, idade, deficiência ou qualquer outra forma de discriminação.
  • Velar para que as instituições educacionais respeitem os direitos das mulheres e meninas à liberdade de consciência e religião.
  • Aumentar o acesso das mulheres à formação profissional, ampliando a capacitação para toda a gama de possibilidades ocupacionais e diversificando suas oportunidades educativas, especialmente na ciência a na tecnologia.
  • Montar programas educativos para mulheres desempregadas, que propiciem a elas novos conhecimentos e aumentem suas oportunidades de emprego.
  • Destinar recursos suficientes para melhorar a qualidade da educação, realizar reformas a vigiar sua aplicação.
  • Elaborar currículos a livros didáticos livres de estereótipos para todos os níveis de ensino, inclusive para a formação de pessoal docente.
  • Elaborar programas de educação em direitos humanos que incorporem a dimensão de gênero em todos os níveis do ensino.
  • Eliminar todas as barreiras que impedem a frequência à escola das adolescentes grávidas e das mães jovens, incluindo facilidades para o cuidado de seus filhos/as
  • Eliminar as barreiras legais que se opõem ao ensino de questões sexuais e de saúde reprodutiva na educação escolarizada.
  • Adotar medidas positivas para aumentar a quantidade de mulheres que participam das decisões em matéria educativa, particularmente professoras.

As mulheres no exercício do poder

Embora as mulheres constituam cerca de metade do eleitorado na maioria dos países, apenas dez por cento das cadeiras dos órgãos legislativos e uma porcentagem menor ainda dos postos ministeriais são ocupados por elas. Sua exclusão da vida pública tem origem em um desequilíbrio nas relações de poder entre mulheres e homens e nas atitudes a práticas discriminatórias que se iniciam na família e se projetam na vida política.

A igualdade de participação das mulheres nas decisões políticas é indispensável para reforçar e aprofundar a democracia, aumentar a transparência dos processos políticos e aproximá‑los das inquietudes da cidadania.

As mulheres têm demonstrado uma grande capacidade de liderança em organizações comunitárias e não oficiais, bem como em cargos públicos. Entretanto, os estereótipos sociais negativos reforçam a tendência a que as decisões políticas continuem sendo predominantemente uma função dos homens.

Os governos se comprometem a:

  • Possibilitar o equilíbrio entre mulheres e homens nos órgãos governamentais, bem como na administração pública, no judiciário e demais postos estratégicos, para chegar a uma representação paritária de mulheres e homens.
  • Tomar medidas que estimulem os partidos políticos a incorporar mulheres nos postos públicos eletivos e não eletivos na mesma proporção e categoria que os homens.
  • Reconhecer que as responsabilidades compartilhadas entre mulheres e homens no âmbito do trabalho e da família fomentam uma maior participação das mulheres na vida pública, e adotar medidas a respeito.
  • Adotar medidas positivas1 para chegar a um número decisivo de mulheres dirigentes, executivas e administradoras em postos de decisão.
  • Proporcionar capacitação para fomentar a liderança e o poder das mulheres nas decisões políticas.
  • Criar um sistema de assessoria para mulheres que carecem de experiência e capacitá‑las para postos de direção, com especial atenção às mulheres pertencentes às minorias étnicas e raciais, jovens e portadoras de deficiência.
  • Estimular uma maior participação das mulheres indígenas na tomada de decisões em todos os níveis.
  • Propor como objetivo e apoiar o equilíbrio entre mulheres a homens na composição das delegações ante as Nações Unidas e outros fóruns internacionais.

Medidas que devem ser adotadas pelos partidos políticos:

  • Examinar a estrutura e os procedimentos dos partidos, com a finalidade de eliminar todas as barreiras que discriminem direta ou indiretamente as mulheres.
  • Incorporar as questões de gênero a seu programa político e garantir a participação das mulheres na direção dos partidos políticos.

O direito a ter direitos

Os direitos das mulheres e das meninas são parte integrante dos direitos humanos universais.

São patrimônio inalienável de todos os seres humanos; sua promoção e proteção é de responsabilidade primordial dos governos.

Todos os direitos humanos ‑ civis, culturais, econômicos, políticos e sociais, incluído o direito ao desenvolvimento ‑ são universais e indivisíveis, tal como reafirmou a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Viena, 1993).

A igualdade de direitos de mulheres e homens está estabelecida explicitamente na Carta das Nações Unidas. Em todos os principais instrumentos internacionais de direitos humanos está proibida a discriminação sexual por parte dos Estados.

Por discrepância entre algumas legislações nacionais e os instrumentos internacionais de direitos humanos, pelo desconhecimento que as mulheres têm de seus próprios direitos, e por múltiplos fatores de índole cultural e política, são muitos os países nos quais ainda existe uma profunda brecha entre os direitos humanos que as mulheres possuem e a possibilidade real que elas têm de desfrutá‑los.

Além disso, muitas mulheres enfrentam barreiras adicionais por motivos tais como raça, língua, origem étnica, cultura, religião, deficiência ou classe social, ou por pertencerem a populações indígenas, serem migrantes, desalojadas ou refugiadas.

Os governos se comprometem a:

  • Aplicar todos os instrumentos de direitos humanos, especialmente a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, revendo todas as leis, políticas, práticas e procedimentos nacionais, para assegurar que sejam cumpridas as obrigações nelas estabelecidas.
  • Dar prioridade a que mulheres e homens desfrutem de forma igual e completa de todos os direitos humanos sem distinção de nenhum tipo, seja de raça, etnia, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem nacional ou social e outras condições.
  • Incorporar o princípio da igualdade entre mulheres e homens na legislação e garantir, mediante leis e outros meios, a execução prática desse princípio, para assegurar a aplicação dos instrumentos internacionais de direitos humanos.
  • Promover a inclusão dos direitos humanos e jurídicos das mulheres nos currículos em todos os níveis escolares e empreender campanhas públicas sobre a igualdade de mulheres e homens, tanto na vida pública como na privada, inclusive seus direitos no âmbito familiar.
  • Fortalecer a implementação de todos os instrumentos internacionais de direitos humanos para combater e eliminar o tráfico de mulheres e crianças com o propósito de exploração sexual, pornografia, prostituição e turismo sexual, e proporcionar às vítimas serviços legais e sociais.
  • Assegurar o pleno respeito aos direitos humanos das mulheres indígenas e considerar a possibilidade de redigir uma declaração sobre os direitos de seus povos com a sua participação.
  • Proporcionar educação e capacitação sobre gênero e direitos humanos a funcionários públicos, incluindo policiais e militares, pessoal médico e de saúde, assistentes sociais e juizes, professoras/es de todos os níveis do sistema educativo, membros do Parlamento e agentes de imigração.
  • Estabelecer mecanismos efetivos para investigar as violações dos direitos humanos das mulheres perpetrados por qualquer funcionário público e tomar medidas punitivas que assegurem uma proteção efetiva para que as mulheres não sejam novamente vitimadas ou discriminadas na investigação de crimes cometidos contra elas.
  • Estimular, cooperar a estabelecer coordenação com grupos de mulheres locais e regionais, em especial ONGs, educadores e meios de comunicação, para implementar programas de educação sobre direitos humanos com conteúdo de gênero.
  • Proibir a mutilação genital feminina onde quer que ela ocorra.
  • Assegurar que não serão discriminadas e desfrutarão igualmente de seus direitos humanos, as mulheres e meninas portadoras de deficiência.
  • Traduzir, sempre que possível, a informação relacionada com a igualdade a direitos humanos das mulheres para línguas indígenas e publicá-las em formatos apropriados para portadoras de deficiências e para aquelas com poucos conhecimentos jurídicos.
  • Tomar medidas para assegurar que sejam protegidos os direitos humanos das mulheres refugiadas, desalojadas, migrantes e trabalhadoras temporárias.

Os textos deste artigo foram extraídos da edição patrocinada pelo Cedim (Conselho Estadual dos Direitos da Mulher) da publicação Plataforma Benjin 95: um instrumento de ação para as mulheres.

Publicado em 31 de dezembro de 2005

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