Programa Novo Mais Educação: uma política de tempo ou de educação integral?

Giuliana Pereira Ribeiro

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ/IM) e integrante do Grupo de Pesquisa Infância até os 10 anos (GRUPIs).

Thainá Ribeiro

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ/IM) e integrante do Grupo de Pesquisa Infância até os 10 anos (GRUPIs).

O Programa Novo Mais Educação é uma iniciativa do Ministério da Educação, instituído pela Portaria nº 1.144, de outubro de 2016, que possui como objetivo a melhoria da aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática no Ensino Fundamental. O programa tem seu financiamento estabelecido pela Resolução nº 5, de 25 de outubro de 2016, que

destina recursos financeiros, nos moldes operacionais e regulamentares do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) a escolas públicas municipais, estaduais e do Distrito Federal, a fim de contribuir para que estas realizem atividades complementares de acompanhamento pedagógico, em conformidade com o Programa Novo Mais Educação (Brasil, 2016).

Este trabalho acompanhou o desenvolvimento do Programa Novo Mais Educação na Escola Municipal Oscar Weinschenck, no município de Queimados/RJ no período de outubro/2018 a novembro/2018. Um dos objetivos da observação das práticas do PNME é refletir como as políticas são recontextualizadas e colocadas em prática no cotidiano escolar, buscando compreender como as relações são desenvolvidas dentro do programa, tanto dos educandos com os mediadores quanto dos mediadores com a coordenação, assim como da coordenação com os educandos. Os planejamentos, as práticas e as relações pessoais são fundamentais para entender como as práticas são desenvolvidas no programa.
Esta pesquisa é de caráter qualitativo e tem como metodologia o estudo de caso; este método contribui para desvelar “a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada situação ou problema” (Lüdke, 1986, p. 19); buscamos retratar a realidade de forma clara, direta e bem articulada, que possa aproximar da experiência pessoal do leitor, tornando a leitura acessível (Lüdke, 1986, p. 20).

Posicionamo-nos mediante a pesquisa como “observadores participantes”, que, segundo Lüdke e André (1986, p.28), “é um papel em que a identidade do pesquisador e os objetivos do estudo são revelados ao grupo pesquisado desde o início”. Com a apresentação de nossa identidade como pesquisadoras, tivemos a oportunidade de obter informações, documentos que fazem parte do programa e acesso ao portfólio da coordenadora, entre outros elementos.

Além disso, buscamos analisar também, além das questões relacionais, a estrutura da escola e a forma como ela foi organizada para receber esses estudantes. Essa análise foi importante para que possibilitasse a compreensão do quadro geral de como o programa é desenvolvido naquele espaço. Em relação a isso, algumas questões precisam ser levadas em conta, como o fato de que a escola está em reforma e é necessário pensar como as crianças são recebidas naquele espaço em meio a atividades tão atípicas no contexto escolar.

Dessa forma, este estudo vai abordar essas questões tendo como ponto de partida a Portaria nº 1.144/16 articulando-a ao referencial teórico de Rua (1998) para pensar as potencialidades e as limitações do programa, assim como os seus objetivos quanto ao desenvolvimento educacional dos estudantes, levando em conta as dificuldades para essa política ser colocada em prática.

A escola, os educandos e o Programa Novo Mais Educação

A Escola Municipal Oscar Weinschenck foi inaugurada em 12 de agosto de 1972. Durante esses anos, ela passou por diversas transformações, principalmente em sua estrutura arquitetônica. Nos últimos quatro anos, tem passado por grande reforma, em que estão sendo ampliados os espaços físicos e incluídos novos ambientes como biblioteca, sala de cinema, banheiros e vestiários para as salas de Educação Infantil, sala de informática, auditório, parquinho para a Educação Infantil e sala de professores, entre outros. Devido à reforma, a organização do ambiente escolar precisou ser modificada e adaptada para que o trabalho educacional fosse realizado.

No período em que a pesquisa foi realizada, a escola oferecia 800 vagas, sendo 80 na Educação Infantil, 413 no Ensino Fundamental I, 233 na Educação de Jovens e Adultos e 74 na Educação Especial. A escola funciona nos três turnos, contando com 70 funcionários, sendo 50 professores. O corpo de funcionários é constituído pela diretora, docentes, orientadores pedagógicos, orientadores educacionais, dirigentes de turno, secretários, auxiliares de disciplinas, cuidadores, merendeiras e auxiliares de limpeza.

Nesse contexto, as turmas do Programa Novo Mais Educação contam com duas salas de aulas para o desenvolvimento de suas atividades. Segundo a coordenadora do programa, “os estudantes que fazem parte do PNME participam de cinco oficinas: Língua Portuguesa, Matemática, Artesanato, Horta/Planejamento Econômico e Dança.O PNME tem no total cinco turmas: no turno da manhã, as turmas verde e vermelha; no turno da tarde, as turmas azul, laranja e amarela. Elas são compostas por alunos do 3º ao 5º ano do Ensino Fundamental” (Caderno de Campo da Pesquisa, 22 de outubro de 2018).

Os discentes do 1º e 2º anos não são contemplados por esse programa, pois participam do Programa Mais Alfabetização, que ocorre na mesma instituição, em turno regular dentro de suas respectivas salas de aula. Entretanto, o Caderno de Orientações Pedagógicas do PNME (Brasil, 2018, p. 5) estabelece que o programa tenha como “finalidade contribuir para a alfabetização e o letramento dos estudantes, promovendo ao mesmo tempo a melhoria do desempenho escolar e a redução das taxas de evasão, reprovação e distorção idade/ano”. Se o PNME possui o objetivo de contribuir para a alfabetização e o letramento dos discentes, os estudantes do 1° e 2° ano do Ensino Fundamental não estariam sendo excluídos desse programa, por não participarem dessas atividades no contraturno?

A participação no Programa é facultativa. Os alunos são inscritos por seus pais ou responsáveis. Assim, os discentes que frequentam a escola no período da tarde chegam à escola às 10h00min e participam das atividades do Mais Educação até às 13h00 min. Os alunos do turno da manhã começam a ser atendidos às 11h30min até às 14h30min.

O Programa conta com um grande número de alunos matriculados. Segundo os registros da coordenadora, esses valores variam em torno de 30 por turma (Portfólio, 28 de outubro, 2018), porém muitos não frequentavam as atividades ou iam esporadicamente.

Segundo as orientações do programa, a escola deve escolher “grupos heterogêneos, a fim de possibilitar a aprendizagem entre pares” (Brasil, 2018), porém trata como prioridade o seguinte grupo de estudantes:

  1. em situação de risco e vulnerabilidade social;
  2. em distorção idade/ano;
  3. com alfabetização incompleta;
  4. repetentes;
  5. com lacunas de aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática;
  6. em situação provisória de dificuldade de aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática; e,
  7. em situação de risco nutricional (Brasil, 2018, p. 5)

Como a adesão ao programa acontece de forma voluntária, e muitos educandos não têm frequentado, não é possível afirmar que os grupos estabelecidos na política têm sido atendidos, por causa do pequeno número de estudantes que o frequentam.

Segundo o Art. 2, incisos I e II da Portaria nº 1.144/18, o PNME teria por finalidade contribuir para a “redução do abandono, da reprovação, da distorção série/idade” e “ampliação do período de permanência dos alunos da escola”; assim a não participação dos alunos na prática torna inviável a materialização da política.

PNME: uma política de educação integral nas instituições escolares?

O Programa Novo Mais Educação constitui-se como uma política pública, o que, segundo Rua (1998, p. 231), “consiste no conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos”; sua efetivação depende, de acordo com Corrêa (2011, p. 1), de todos os elementos de um “tripé de sustentação” que é constituído por normas (leis), financiamento e fiscalização.

O PNME tem como principal objetivo “melhorar a aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática no Ensino Fundamental, mediante a complementação da carga horária de cinco ou quinze horas semanais no turno e contraturno” (Brasil, 2016).

Para que esse programa pudesse funcionar, o financiamento é feito pelo Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), em que são repassados recursos às instituições públicas municipais, estaduais e do Distrito Federal com a finalidade de incentivar a oferta de educação integral nestas escolas.

No novo programa (PNME/2016), o valor por aluno dá-se a partir dos valores estimados no Plano de Atendimento das Escolas e são calculados conforme o número de alunos, tomando como base os seguintes valores para escolas urbanas: R$ 5,00 (cinco reais) por estudante para escolas que optaram por 5 horas semanais e R$ 15,00 (quinze reais) para escolas que escolheram 15 (quinze) horas semanais; para as turmas de acompanhamento pedagógico o valor corresponde a R$ 150 por mês, para as escolas que fizeram a opção por 15 horas semanais e R$ 80 para as que implementaram carga horária complementar de 5 horas. Nas escolas rurais o valor do ressarcimento por turma corresponde a 50% maior do que o definido para as escolas urbanas atendidas pelo programa (Cardoso; Ferreira, 2017).

São priorizadas para receber esse financiamento as instituições que apresentarem baixo desenvolvimento no Ideb e escolas que ofertam matrículas especificamente no Ensino Fundamental. Na redação do documento que estabeleceu o PNME, em seu Art. 2°, ficam explícitas as suas finalidades:

O Programa tem por finalidade contribuir para a:
I - alfabetização, ampliação do letramento e melhoria do desempenho em Língua Portuguesa e Matemática das crianças e dos adolescentes, por meio de acompanhamento pedagógico específico;
II - redução do abandono, da reprovação, da distorção idade/ano, mediante a implementação de ações pedagógicas para melhoria do rendimento e desempenho escolar;
III - melhoria dos resultados de aprendizagem do ensino fundamental, nos anos iniciais e finais; e
IV - ampliação do período de permanência dos alunos na escola (Brasil, 2016).

Consideramos que criar um programa cujo objetivo seja contribuir para a reparação de determinadas fragilidades educacionais em nosso país e que garanta o pleno desenvolvimento dos educandos é importante para assegurar o direito a uma educação de qualidade. No entanto, o Programa Novo Mais Educação tem outros propósitos acerca da educação. Segundo a portaria, algumas metas não foram alcançadas pelo Brasil ao decorrer de alguns governos, como as metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), nos anos de 2013 e 2015 (Brasil, 2016).

Não é apresentado, de forma explícita, na redação desse documento que o real objetivo do PNME é o alcance das metas do Ideb. Na redação da Portaria é apresentada a seguinte “justificativa” para a instituição do programa:

24% das escolas do Ensino Fundamental, anos iniciais, não alcançaram as metas estabelecidas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb em 2015; 49% das escolas do Ensino Fundamental, anos finais, não alcançaram as metas estabelecidas pelo Ideb em 2015; o Brasil não alcançou a meta estabelecida pelo Ideb em 2015(Brasil, 2016).

Alcançar as metas do Ideb é descrito em muitos documentos oficiais como um parâmetro de uma educação de qualidade. Porém, devemos nos questionar: o que os documentos querem apresentar como sendo uma educação de qualidade? Responder uma prova com várias questões objetivas garante que o aluno aprendeu? Por que avaliar com métodos classificatórios? Essas provas que consideram apenas o desenvolvimento cognitivo dos alunos são capazes de mensurar a qualidade da educação?

Utilizar o Ideb como único método para aferir a qualidade educacional, e mais, para verificar a eficácia ou não do PNME, é desconsiderar toda a diversidade presente no cotidiano escolar, ou seja, desconsiderar as desigualdades sociais, econômicas e educacionais existentes no nosso país.

Essa perspectiva de alcance da meta do Ideb é reafirmada no Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei nº 13.005/14 – em sua meta 7, cujo texto aponta esta ideia de qualidade: “Fomentar a qualidade da Educação Básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais do Ideb” (Brasil, 2014).

Que tipo de qualidade é essa? Para Shiroma e Santos (2014, p. 29),

reduzir a qualidade da educação ao que os percentuais e índices conseguem mensurar é tarefa “pasteurizadora” que desconsidera as concepções, os sujeitos, as finalidades formativas, as metodologias de ensino, as formas de organizar o trabalho pedagógico e as funções sociais da escola.

A concepção de qualidade apresentada pela portaria que estabelece o PNME, mesmo que nas entrelinhas, apresenta um conceito de qualidade neoliberal, pois, “na óticadas propostas neoliberais, é fazer com que os alunos tenham bons desempenhos em exames que abarcam conteúdos arbitrários, padronizados e mundializados” (Fernandes; Nazareth, 2011); assim, podemos ver que a qualidade está ligada às notas, aos rankings, à competitividade que marca o sistema econômico e social capitalista.

Aferir a qualidade da educação por meio de avaliações objetivas não é o caminho ideal para garantir o pleno desenvolvimento dos educandos, pois, tomando como parâmetro essas provas, estamos desconsiderando vários fatores que influenciam a conquista de uma educação de qualidade, como ter boa estrutura física na escola que atenda às necessidades educacionais e ofereça acessibilidade para os alunos que necessitam; ofertar uma formação continuada para os professores; possuir recursos pedagógicos e tecnológicos para atender os discentes; ofertar alimentação saudável para os alunos, entre outros aspectos.

Tomar como base apenas notas de desempenho é escancarar portas para uma educação propedêutica, visando treinar alunos para responder questões e não criticar a realidade que os cerca. Essa concepção, infelizmente, já atua com força total em nosso sistema de ensino.

Devemos estar atentos e refletir sobre como esse programa está ligado a outras políticas públicas. Tomando como base o Plano Nacional de Educação, em sua meta 6, podemos analisar o objetivo de “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos da Educação Básica” (Brasil, 2014).

Nesse sentido, o Programa Novo Mais Educação, na questão da carga horária, cumpre o papel da educação em tempo integral, porquanto os estudantes permanecem durante sete horas na instituição, ou seja, os discentes que iniciam suas aulas às 07h30min da manhã ficam na escola até as 14h30min. Porém, comparando com as estratégias de implantação dessa educação integral, podemos analisar algumas divergências. Para pensar essa questão, perguntamos: o que é a educação integral? Qual o seu papel? Manter o aluno mais horas na escola ou garantir seu desenvolvimento integral? Ficar mais tempo na escola garante educação integral?

Para o desenvolvimento deste trabalho, é fundamental diferenciar jornada de tempo integral da concepção de educação integral. O tempo integral “representa a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, em que o aluno permanece na escola ou em atividades escolares, conforme disposto no art. 4° do Decreto nº 6.253/07” (Rosa; Paiva; Costa, 2017). Entretanto, quando pensamos em educação integral estamos pensando numa formação que possibilite o desenvolvimento integral dos sujeitos e não apenas no desenvolvimento cognitivo, visando o desempenho que eles possam vir a ter ou não em avaliações externas.

Como política de permanência dos alunos em uma jornada de tempo integral, o Programa Novo Mais Educação cumpre seus objetivos; entretanto, a formação integral do sujeito não é um deles, como fica claro na Portaria que regulamenta o Programa e que afirma como finalidades a “melhoria do rendimento e desempenho escolar” e a “melhoria dos resultados de aprendizagem” (Brasil, 2016). Assim, compreendemos que o PNME está comprometido com a ampliação da permanência dos estudantes na instituição e a melhoria do desempenho das escolas no Ideb, mas não se compromete com uma visão de educação que proporcione um desenvolvimento integral do indivíduo.

Os sujeitos e o currículo do Programa Novo Mais Educação

        
A Resolução FNDE/CD nº 17, de 22 de dezembro de 2017, regulamenta o repasse de verbas do Programa Dinheiro Direto na Escola para as instituições que aderiram ao Programa Novo Mais Educação e orienta a formação do grupo que atuará nas escolas. No Art. 4 da Resolução fica determinada a carga horária; no Art. 5, o papel que cada indivíduo irá desenvolver durante o programa.

As atividades complementares nas escolas serão desenvolvidas pelos seguintes atores:
I - Articulador da escola, que será responsável pela coordenação e organização das atividades na escola, pela promoção da interação entre a escola e a comunidade, pela prestação de informações sobre o desenvolvimento das atividades para fins de monitoramento e pela integração do Programa com o projeto político-pedagógico (PPP) da escola;
II - Mediador da aprendizagem, que será responsável pela realização das atividades de acompanhamento pedagógico previstas nos §§ 2º e 3º do Art. 4º desta resolução; e
III - Facilitador, que será responsável pela realização das sete horas de atividades de escolha da escola previstas no § 3º do Art. 4º desta resolução (Brasil, 2017).

No parágrafo 3º desse mesmo artigo, fica determinado que os papéis de mediador e facilitador “serão considerados de natureza voluntária, definida na Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, sendo obrigatória a celebração do termo de adesão e compromisso do voluntário” (Brasil, 2017).

Além das burocracias de vínculo com a escola, ficam definidas questões de cunho pedagógico como a “articulação com os professores da escola para promover a aprendizagem dos alunos nos componentes de Matemática e Língua Portuguesa, utilizando preferencialmente tecnologias e metodologias complementares já empregadas pelos professores em suas turmas” (Brasil, 2017). Entretanto, nas observações realizadas, nota-se que as atividades não vão além das atividades copiadas do quadro e que muitas vezes limita-se a responder questionários (Caderno de Campo da Pesquisa, 13 de novembro de 2018). Além disso, sobre a questão da articulação, não ocorreu contato nenhum entre as mediadoras/facilitadoras com as professoras da turma durante as observações (Caderno de Campo da Pesquisa, outubro/novembro de 2018).

As turmas do Programa Novo Mais Educação são mistas, ou seja, compostas por alunos de escolaridades diferentes. Entretanto, as professoras passavam atividades que alguns alunos já viram, o que tornava a aula apenas uma atividade de repetição, ou assuntos que ainda não foram introduzidos (Caderno de Campo da Pesquisa, 8 de novembro de 2018). Podemos compreender, nesse contexto, que a atividade do Mais Educação é mais do mesmo, é continuar reforçando a ideia tradicional da repetição do conteúdo e do educando como depósito do conhecimento. Porém, antes de nos determos no currículo e nas práticas pedagógicas, é fundamental pensar a formação dos mediadores e facilitadores do processo de ensino-aprendizagem.

Os mediadores e facilitadores

O PNME tem seu corpo docente composto por voluntários: mediadores e facilitadores. Segundo Rosa, Paiva e Costa (2017, p. 118),

os primeiros são responsáveis pelo desenvolvimento das atividades de acompanhamento pedagógico, enquanto os facilitadores são os voluntários encarregados por realizar as atividades complementares. Chama-nos a atenção as nomenclaturas atribuídas a essas ‘modalidades’ de voluntários e as atividades que devem realizar.

As autoras questionam a escolha da nomenclatura escolhida para esses cargos. “Tendo em vista que o PNME prioriza o ‘rendimento’ dos estudantes em Português e Matemática, consideram que somente as atividades ligadas a essas áreas de conhecimento proporcionam aprendizagem?” (Rosa; Paiva; Costa, 2017, p. 118). Essa questão é muito pertinente, pois até mesmo no cotidiano escolar essas duas áreas do conhecimento são colocadas acima das demais e isso se repete no senso comum, quando se afirma que o papel da escola é ensinar a ler, escrever e contar.

Além da nomenclatura, surge a questão da formação desses sujeitos para atuar no processo de ensino-aprendizagem dessas áreas de conhecimento na escola. Segundo o Caderno de Orientações, os voluntários podem ser desde professores com pós-graduação até "educadores populares que concluíram o Ensino Médio com experiência no acompanhamento pedagógico" (Brasil, 2018, p. 8); entretanto, não fica especificado como essa experiência seria comprovada pelo voluntário ou o que se caracteriza como experiência no acompanhamento pedagógico.

Rosa, Paiva e Costa (2017) trazem a concepção de voluntariado como elo empregatício muito frágil, o que gera rotatividade desses sujeitos no espaço escolar.

Tal rotatividade pode ser um dos diversos aspectos que dificultam ao professor articulador da escola promover, de fato, a articulação esperada entre todos os sujeitos envolvidos na oferta de atividades aos estudantes, sejam os professores responsáveis pelo currículo formal de ensino, bem como entre os voluntários, encarregados pela realização das atividades do PNME.

Em contrapartida, Miranda e Santos trazem a perspectiva do voluntariado como participação dos sujeitos na comunidade escolar; dessa forma, atribui-se “ao esforço individual e informal de pessoas solidárias a prerrogativa de mudar a educação e garantir escola de qualidade para todos”(2012, p. 1.090). Assim, o Estado seria desresponsabilizado de seu papel de garantir uma educação de qualidade.

Mediante essas duas perspectivas e as observações feitas durante a pesquisa, consideramos que o voluntariado desenvolvido durante o PNME está mais relacionado à relação empregatícia, pois as voluntárias não participam ativamente da vida escolar; ao contrário, o programa parece acontecer quase que desvinculado das atividades escolares (Caderno de Campo da Pesquisa, outubro/novembro de 2018).

Com os facilitadores, a questão ainda é mais problemática, porque tudo fica muito mais subjetivo, o que demonstra que as oficinas que visam outros conhecimentos não são compreendidas como conhecimento valorizado para desenvolvimento do educando. Segundo o Caderno de Orientações,

quanto aos facilitadores, é importante que os mesmos tenham experiência na área em que forem atuar. Por exemplo, para realizar o trabalho na área de Artes, com as atividades de “iniciação musical/banda/canto coral”, é interessante que seja selecionado um professor de Artes com formação em música, um estudante ou até mesmo um músico da comunidade (Brasil, 2018, p. 8).

Além de os sujeitos não participarem do planejamento escolar e os mediadores e os facilitadores não discutirem com os docentes a prática educativa, há a falta de especificação quanto à formação desses profissionais, o que abre uma lacuna para as diversas interpretações sobre esse texto político, o que pode causar uma diferente concepção de uma educação integral de qualidade.

Por esses aspectos, os sujeitos que estão no âmbito local e são responsáveis pela implementação da política, devido a suas experiências e valores, recontextualizam-na e a recriam de acordo com suas interpretações.

Os profissionais que atuam no contexto da prática [escolas, por exemplo] não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles veem com suas histórias, experiências, valores e propósito (...). Políticas serão interpretadas diferentemente, uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos (Bowe et al., 1992, apud Mainardes, 2006).

Desse modo, o texto político referente ao PNME terá diversas interpretações no contexto da prática, cabendo à fiscalização, elemento fundamental do “tripé de sustentação”, analisar como essa política está sendo recontextualizada com base nas experiências dos voluntários, assim como se as práticas desenvolvidas por eles estão se articulando com a proposta pedagógica da instituição em que atuam.

Existem quatro vertentes principais sobre a concepção de uma educação integral: a assistencialista, a autoritária, a democrática e a multissetorial. A primeira compreende a escola como salvadora, ou seja, ela é a responsável por nutrir as necessidades gerais da formação do aluno.Na concepção autoritária, a escola é responsável por garantir a presença do aluno por mais tempo na escola, prevenindo-o de situações de risco, como crimes e uso de drogas. A democrática tem caráter emancipatório, buscando a formação integral do sujeito. E a multissetorial entende que a educação integral precisa acontecer além da escola (Miranda; Santos, 2012, p. 1.077).

A instituição escolar pesquisada atende os educandos do Novo Mais Educação com uma carga horária de 15 horas semanais, das quais oito são destinadas ao reforço de Língua Portuguesa e Matemática, ou seja, cada disciplina conta com quatro horas, marcadas por atividades copiadas do quadro ou de folhas de exercícios digitadas que as mediadoras trazem prontas; não há na prática o uso de diferentes tecnologias ou metodologias (Caderno de Campo da Pesquisa, 22 de novembro de 2018).

Enquanto as atividades de Língua Portuguesa ficam presas ao ensino de gramática, as de Matemática ficam presas às operações simples. Não existem conhecimentos mais complexos que esses nem atividades que levem o sujeito a pensar ou a construir um conhecimento. Não há literatura ou formas geométricas, não há diálogo, não há progresso no desenvolvimento dos conteúdos. Os conhecimentos dessas áreas permanecem no campo do abstrato, não se articulando com as práticas cotidianas dos educandos.

Os alunos entram na sala de aula, sentam-se em fileiras e a mediadora passa algumas atividades no quadro. Eles copiam e respondem (Caderno de Campo da Pesquisa, 29 de outubro de 2018). As outras sete horas da carga horária são destinadas às atividades de artesanato, dança e horta/planejamento econômico. Elas, em um primeiro momento, destacam-se em relação às atividades de acompanhamento pedagógico, mas só até certo ponto.

Quando chegamos à escola, é possível ver plantados num caixote: alface, tomate e salsa, que os alunos cultivaram durante as primeiras aulas desenvolvidas no programa; mas acompanhando as aulas no decorrer dos dias a facilitadora de horta/planejamento econômico passou a utilizar o quadro para passar questões que os alunos deveriam responder ou então textos que eles precisavam copiar. O que começou como uma aula promissora mostrou-se uma aula tão tradicional quanto as outras (Caderno de Campo da Pesquisa, 22 de outubro de 2018).

As aulas de artesanato também são marcadas por dificuldades, e a justificativa é a falta de materiais para trabalhar com as crianças. Os alunos acabam por fazer mais atividades de pintura e desenho do que propriamente artesanato. E a mesma questão surge em relação à aula de dança, que também não tem dança por questões relacionadas a religião ou a questões de gênero e que parecem ser muito mais problema dos responsáveis do que das crianças (Caderno de Campo da Pesquisa, 25 de outubro de 2018).

Além das questões relacionadas à hierarquização dos conhecimentos, fica evidente a falta de cuidado nas práticas e nas relações desenvolvidas em sala de aula. Em determinado momento, os alunos entraram em uma discussão e a mediadora de Matemática achou apropriado colocar os dois alunos de costas para a turma, olhando para o quadro, em pé (Caderno de Campo da Pesquisa, 25 de outubro de 2018). Não houve diálogo, não houve explicação, não se chegou à origem do problema, simplesmente os alunos foram punidos e colocados de frente para o quadro. Por essas observações, podemos compreender que a educação apresentada no programa possui caráter assistencialista e autoritário.

Essa prática revela muito do olhar que as mediadoras e facilitadoras têm dos educandos; não existe ali um sujeito do processo educacional que pensa, que interage e que dialoga, mas sim um depósito que foi levado ali para ter conhecimentos depositados em sua cabeça, como Freire (2005) destaca muito bem quando leva a pensar na “educação bancária”:

o educador aparece como seu indiscutível agente, como seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. (...) Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los (Freire, 2005, p. 65-66).

Fica claro que o programa é uma atividade de reforço para que as escolas atinjam as metas do Ideb; na prática é possível observar que o ensino de Língua Portuguesa e Matemática é visto como mais importante como área do conhecimento, enquanto as outras oficinas são vistas como passatempo ou atividade extracurricular, mas que não se constituem como áreas do saber.

Para que o Programa Novo Mais Educação seja realmente eficiente é preciso mudar o olhar que se tem sobre conhecimento, entendendo que ele é “uma construção histórica e social, produto de um processo dialético complexo no qual interferem fatores culturais, sociopolíticos e psicológicos” (Moreira, 1993, p. 49 apudROSA; PAIVA; COSTA, 2017). Dessa forma, precisamos pensar uma educação além do ler, escrever e contar. Uma educação dialógica, em que o sujeito constrói seu conhecimento na relação com os outros e em que determinados saberes não sejam considerados superiores.

Considerações finais

Considerando as observações realizadas, os documentos legais e o contexto político, entende-se que o Programa Novo Mais Educação é uma política neoliberal que compreende que a qualidade educacional pode ser mensurada quantitativamente, ou seja, prolongando a permanência do educando na instituição e aumentando as notas para atingir as metas do Ideb, a educação pública torna-se melhor. Entretanto, não considera fatores fundamentais como questões sociais e culturais que permeiam o cotidiano da escola pública.

Quanto à questão da educação integral, o PNME compromete-se com o tempo integral, mas não com uma educação que compreende o desenvolvimento integral do sujeito, pois valoriza apenas o desenvolvimento cognitivo necessário para responder avaliações externas; enquanto isso, as oficinas que deveriam desenvolver o conhecimento estético, social, espacial são consideradas menos importantes e por isso ganham carga horária reduzida, além de não serem tratadas pelas facilitadoras com o mesmo rigor das de Língua Portuguesa e Matemática.

O Programa estende a carga horária dos educandos na escola não como uma política educacional, mas sim social, visando tirar esses sujeitos da rua e de outras atividades, fazendo com que eles estejam mais tempo dentro da escola sob a supervisão de adultos, realizando o que é considerado útil numa perspectiva capitalista de sociedade. Assim, o Mais Educação limita-se a retirar esses sujeitos da ociosidade, mas não garante a educação que o forme para a cidadania; afinal, o diálogo nesse espaço não é valorizado.

O contexto educacional do PNME ainda é marcado pela desvalorização do profissional, em uma relação empregatícia frágil, como voluntariado e falta de especificação da formação docente, o que torna o processo de ensino-aprendizagem ainda mais complexo. No contexto da Escola Municipal Oscar Weinschenck, não foi possível presenciar uma reunião entre os docentes da escola e os voluntários do PNME para articular os currículos e para construir uma prática que relacione os conhecimentos do programa com os da sala de aula.

Nas observações realizadas, foi possível perceber que o Programa é visto pela comunidade escolar com desconfiança pela forma como é organizado e realizado dentro do contexto escolar. Não existe sensação de pertencimento nem de colaboração da comunidade escolar e não é possível observar uma participação mais presente dos pais dos educandos. Todos esses fatores influenciam para o Programa Novo Mais Educação não ser uma política de educação integral que funcione realmente para a melhoria da educação.

Referências

BARBOSA, Z. J.; RODRIGUES, C. M. L. A proposta de formação do Programa “Novo” Mais Educação: ambiguidades e seus contextos. IV CONEDU. João Pessoa, 2017.

BRASIL. MEC. Portaria nº 1.144, de 10 de outubro de 2016. Institui o Programa Novo Mais Educação, que visa melhorar a aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática no ensino. Brasília: Diário Oficial da União, 2016.

______. Programa Novo Mais Educação: Caderno de Orientações Pedagógicas, versão II. Brasília: Ministério da Educação, 2018.

______. Resolução FNDE/CD nº 17, de 22 de dezembro de 2017. Brasília: MEC, 2017.

CARDOSO, Cintia; FERREIRA, Andréia. O Novo Programa Mais Educação: lógica reducionista da meta 6 do PNE com a limitação do financiamento na escola em tempo integral. V FINEDUCA. Natal, 2017.

CORRÊA, B. Políticas de Educação Infantil no Brasil: ensaio sobre os desafios para a concretização de um direito. Políticas Educacionais, Curitiba, v. 5, nº 9, 2011. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/ipe/article/view/25172. Acesso em: 31 jul. 2019.

FERNANDES, Cláudia; NAZARETH, Henrique. A retórica por uma educação de qualidade e a avaliação de larga escala. Impulso, Piracicaba, p. 63-71, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Métodos de coleta de dados: observação, entrevista e análise documental. In: ______; ______. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. p. 25-44.

MIRANDA, M. G.; SANTOS, S. V. Propostas de tempo integral: a que se destina a ampliação do tempo escolar? Perspectiva, Florianópolis, v. 30, nº 3, p. 1.073-1.098, set./dez. 2012.

PORTFÓLIO, Queimados, out./nov. 2018.

ROSA, A. V. do N.; PAIVA, F. R. S.; COSTA, V. L. da. Ampliação dos tempos e espaços escolares no Programa "Novo Mais Educação": rumo a qual concepção curricular? Seminário Gepráxis, Bahia, v. 6, nº 6, p 107-123, 2017.

RIBEIRO, Giuliana; SABINO, Thainá. Cadernos de Campo da Pesquisa. Queimados, out./nov. 2018.

RUA, M. das G. Análise de Políticas Públicas: Conceito Básico. In: RUA, M. das G.; CARVALHO, M. I. V. (Orgs.). O estudo da política: tópicos selecionados. Brasília: Paralelo 15, 1998. p. 231-260.

SHIROMA, E. O.; SANTOS, F. A. dos. Slogans para a construção do consenso ativo. In: EVANGELISTA, O. (Org.). O que revelam os slogans na política educacional. Araraquara: Junqueira & Marin, 2014.

Publicado em 24 de março de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

RIBEIRO, Giuliana Pereira; RIBEIRO, Thainá. Programa Novo Mais Educação (PNME): uma política de tempo ou de educação integral? Revista Educação Pública, v. 20, nº 11, 24 de março de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/11/programa-novo-mais-educacao-uma-politica-de-tempo-ou-de-educacao-integral

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.