Reflexões sobre as tendências de ensino: contribuições para práticas pedagógicas no campo da Geografia
Eliel Viscardis Damião Santos
Graduando de Geografia (UEFS)
A Educação e a Geografia são espaços de construção de saberes destinados ao desenvolvimento humano para a vida, para o mundo. Entre esses dois campos, há uma interseção tanto no que diz respeito ao nível de atenção à própria Educação quanto à importância do ensino da Ciência Geográfica para formação de um cidadão crítico e reflexivo. Desse modo, ainda que de forma inconsciente, os professores aderem sempre a um ciclo no processo de ensino-aprendizagem.
Uma parcela significativa dos professores assumem em sua prática pedagógica prescrições do senso comum que foram cooptadas na sua própria passagem pela escola ou até mesmo adquiridas pelos colegas de trabalho mais velhos; contudo, essas práticas têm pressupostos teóricos implícitos. Por outro lado, há profissionais de educação dedicados a um trabalho docente coerente, profissionais capazes de perceber em sua prática pedagógica o sentido mais amplo, além de elucidar suas convicções. Há aqueles também que aderem em sua prática à ultima tendência de ensino sem maiores reflexões, se essa tal prática trará as respostas que de fato procuram (Libâneo, 1992). Essas formas de proceder estão intrinsecamente presentes nas práticas educativas dos profissionais de Geografia como nas demais áreas.
Face a essas constatações iniciais, que elucidam a interface presente e por vezes necessária da Educação com o campo da Geografia, buscaremos aqui tecer algumas reflexões acerca das tendências de ensino.
As tendências pedagógicas e o ensino de Geografia: uma relação intima de múltiplas formas
As tendências pedagógicas se constituem em objetos das ações de Educação que permeiam o ensino de Geografia; correspondem às acepções de Educação elencadas no desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos como sujeitos de transformação da realidade, sendo integrantes dos direitos essenciais da pessoa humana. Essas tendências foram classificadas por Libâneo (1992) em liberais e progressistas. Em nível de ordem, discorreremos primeiramente acerca das tendências liberais para depois abordar as progressistas, conforme ocorreu no desdobrar dos processos históricos.
As tendências pedagógicas liberais surgiram por volta do século XIX, sob o pressuposto de que a escola como instituição de ensino deve ser incumbida de preparar os indivíduos para a sua alocação na sociedade, cumprindo papéis sociais preestabelecidos. Para tanto, as pessoas deveriam aprender e adaptar-se aos valores e normas definidos na sociedade de classes, que seria decorrente do desenvolvimento cultural particular. Dessa forma, tal pedagogia apareceu como justificativa para a manutenção da sociedade capitalista, por defender a predominância da liberdade dos interesses particulares na sociedade. Categoricamente, integram-se no grupo das ditas tendências liberais a tendência “tradicional”, a “renovada progressista”, a “renovada não diretiva” e a “tecnicista” (Libâneo, 1992). As tendências liberais não têm relação alguma com espaço aberto e democrático. O liberal é dizente da lógica liberalista, instigada pela atual sociedade capitalista, que sustenta a ideia da formação de indivíduos para atender os anseios dessa sociedade com uma visão restrita sobre as diferenças de classe, sobre o espaço geográfico do qual fazem parte.
A tendência liberal tradicional, também conhecida como “conservadora”, tem uma pedagogia centralizada no ensino autoritário na relação professor-aluno. O professor aparece como detentor do conhecimento e o discente como uma mera “tábula rasa”. Além disso, o discente é educado para atingir sua plena realização pelo seu próprio mérito. Nessa tendência, tanto os conteúdos trabalhados em sala de aula quanto os procedimentos didáticos e a relação professor-aluno não se assemelham em nada com o espaço de vivência do estudante, tampouco com a realidade social vigente. Nesse contexto, as práticas pedagógicas em Geografia em nada favoreciam o desenvolvimento do pensamento crítico do aluno, e mais: tal tendência colaborou por muito tempo na dicotomia no campo dessa disciplina: Geografia Humana e Geografia Física, por dar ênfase a esta última em detrimento do conteúdo social, além da própria criação da imagem estereotipada da Geografia como disciplina meramente decorativa.
A tendência liberal renovada progressista dá ênfase, de igual modo, ao sentido da cultura com o desenvolvimento das aptidões particulares dos indivíduos, embora pareça mais significante para o ensino da Geografia dedicar-se a transformar a escola em agente ativo, a favor da adaptação de si para as necessidades do meio do qual faz parte. Essa tendência propõe um ensino pautado na autoeducação, isto é, o estudante como sujeito do próprio conhecimento, a experiência direta com o meio pela atividade, em que ele é estimulado a solucionar situações-problema por meio de atitudes concretas.
No contexto de uma maior evolução participativa do educando, a pedagogia “liberal renovada não diretiva” propõe a formação de atitudes realmente práticas no processo educativo. Aprender passa ser visto como um ato de reconstrução do conhecimento preexistente. Saviani (2008) explana que aprender é modificar suas próprias percepções do que seja conhecimento; desse modo, se aprende apenas o que está em seu entorno. De forma sintética, essa tendência parte da objetivação da autorrealização dos indivíduos e das relações interpessoais.
A tendência liberal tecnicista, como o próprio nome já explicita, subordina a educação e, por sua vez, o modo de ensinar Geografia, à sociedade, pelo fato de sua pedagogia estar voltada à preparação de “recursos humanos”, ou seja, mão de obra. Tal tendência é voltada às demandas da sociedade industrial e tecnológica. No contexto das práticas pedagógicas em Geografia, tal modo de ensinar foi centralizado em transmitir comportamentos éticos, práticas sociais e habilidades consideradas básicas para a manutenção dessa sociedade. A Geografia novamente aparece como disciplina decorativa, observando o mesmo desinteresse por parte dos discentes que havia na Pedagogia tradicional, uma vez que os alunos não fariam nenhum proveito dela no seu dia a dia. De fato, o que se observa nessa tendência é um refinamento de toda a Pedagogia tradicional, metodologia que passou a ser rompida somente por volta do final da década de 1970 e começo da de 1980.
De modo geral, as tendências liberais mostram-se sistematicamente impositivas e dominantes ao estudante. No tocante à avaliação de rendimento, por exemplo, é legítima uma discussão a favor das práticas das tendências liberais. Percebe-se que em tal aspecto há pouca intimidade pedagógica com que se espera no campo da Geografia como disciplina escolar, ou seja, uma avaliação que dê ênfase ao pensamento crítico e autônomo do sujeito-aluno.
Discorridas as tendências liberais, falamos agora acerca das tendências pedagógicas progressistas. De acordo com Saviani (2008), essas tendências recebem tal nome devido ao caráter contraegemônico de tais ideias. Dessa forma, de acordo com ele, essas tendências pedagógicas percorrem caminhos diversos, alinhando-se às Ciências Sociais, com ideais progressistas e até mesmo radicais anarquistas, mostrando-se assim de grande valia para a prática pedagógica no campo da Geografia. A Educação passa a ser visto como uma força de lutas de classes, objetivando a transformação da ordem social e econômica imperial. De acordo com Libâneo (1992), integram as tendências progressistas a libertadora, a libertária e a histórico-crítica.
Embasada substancialmente em um teor sociológico e reflexivo sobre a vida e a realidade social de que o estudante faz parte, a tendência progressista libertadora valoriza também a cultura individual, na qual a prática escolar é sobretudo baseada na resolução de situações-problema (Libâneo, 1992). Essa tendência pedagógica propõe que a atividade escolar se deve centrar em discussões acerca de temas sociais e políticos e em ações concretas sobre a realidade social imediata. O educador deve agir como coordenador de atividades, destinado a organizar e atuar conjuntamente com os discentes.
Na tendência progressista libertária, de acordo com Libâneo (1992), os conteúdos programáticos são colocados à disposição dos alunos, contudo não são exigidos sistematicamente, isto é, com uma avaliação formal questionadora. Nessa tendência, a matriz curricular é vista como objetivo secundário, já que pressupõe que o que norteia a aprendizagem é o momento social vigente, a vivência pessoal e interpessoal.
A tendência progressista histórico-crítica ou crítico social dos conteúdos propõe uma síntese que transcende a Pedagogia tradicionalista e a própria Pedagogia renovada, dando ênfase à ação pedagógica inserida na prática social concreta. Saviani (2008), ao explanar o significado da expressão “Pedagogia histórico-crítica” expressa que
é o empenho em tentar compreender a questão educacional com base no desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção pressuposta (...) é a do materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da essência humana. No Brasil, essa corrente pedagógica firma-se a partir de 1979 (Saviani, 2008, p. 89).
Essa tendência, como pressupõe Saviani (2008, p. 89), “corrente pedagógica”, possui conteúdos culturais universais que são encadeados pela própria humanidade face à realidade social vigente. O estudante passa a ser visto como um agente ativo na discussão e o professor, um elo com o saber sistematizado.
Considerações finais
Diante do exposto, compreende-se que as tendências elencadas – distintas formas em que é compreendido o processo de ensino-aprendizagem – são as norteadoras das práticas pedagógicas. Com base na acepção da própria finalidade do ensino de Geografia, acredita-se que ela deve ser voltada para a formação do pensamento crítico transformador do sujeito-estudante. Com isso, ainda que se admitam algumas críticas, as pedagogias da problematização mostram-se mais satisfatórias à prática educativa em Geografia.
Ademais, as pedagogias da problematização têm muito a contribuir para as práticas pedagógicas no campo da Geografia, uma vez que suas finalidades assemelham-se às dessa disciplina. Além disso, se formos levar em consideração a atual conjuntura, em que as transformações socioespaciais acontecem de forma substancialmente rápida, é notório que a prática educativa na disciplina não visa somente à aquisição de competências técnicas, mas, sobretudo, à formação cidadãos capazes de saber pensar o espaço face a suas contradições e comprometidos em construir um mundo mais justo e igualitário.
Referências
LIBÂNEO, J. C. Tendências pedagógicas na prática escolar. In: ______. Democratização da Escola Pública – a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1992. v.1. 160p.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica. 10ª ed. Campinas: Autores Associados, 2008.
STRAFORINI, R. Ensinar Geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais. 2ª ed. São Paulo: Annablume, 2004.
VESENTINI, J. W. Para uma geografia crítica na escola. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2008.
Publicado em 24 de março de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
SANTOS, Eliel Viscardis Damião. Reflexões sobre as tendências de ensino: contribuições para práticas pedagógicas no campo da Geografia. Revista Educação Pública, v. 20, nº 11, 24 de março de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/11/reflexoes-sobre-as-tendencias-de-ensino-contribuicoes-para-praticas-pedagogicas-no-campo-da-geografia
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