O estágio supervisionado como caminho à atuação do licenciado em Pedagogia

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema/UFPB), licenciado em Biologia, graduando em Pedagogia, presidente da ONG Mar

A formação dos profissionais licenciados mediante a prática de ensino é no Brasil uma preocupação desde a década de 1930, advinda durante a criação dos cursos superiores de licenciatura das instituições de ensino superior (Piconez, 2015), preocupação esta decorrente de colocar não apenas o arcabouço teórico na formação dos professores, mas também momentos de exercício de sua prática futura para consolidar o processo de sua formação para que estejam aptos a atuar na Educação (Cananéa, 2012). Esses pequenos momentos de experiência da teoria na prática nos estágios supervisionados (ES) tanto promovem a consolidação dos conhecimentos teóricos a esses futuros professores quanto fornecem feedbacks de sua própria conduta didática na sala de aula, na realidade, em diferentes níveis de ensino e em realidades diversificadas (Piconez, 2015).

A escola, por proporcionar um ambiente de realização da prática, é o campo para completar a formação do futuro profissional. Nesse ambiente ele irá ter contato direto com a realidade e colocar em movimento o dinamismo do fazer didático-pedagógico, externalizando todos os conhecimentos didáticos apreendidos nas disciplinas curriculares da sua graduação e os conteúdos específicos da disciplina que irá lecionar (Libâneo, 1990).

Por isso, é grande a importância do estágio supervisionado em todos os cursos de licenciatura; no curso de licenciatura em Pedagogia, o estágio supervisionado é um componente curricular obrigatório, garantido pela Resolução CNE/CP nº 01/06, para formação dos futuros profissionais (Brasil, 2006). Porém, desde 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), em seu Art. 61, inciso II, traz a associação entre os conteúdos teóricos e as práticas como obrigatoriedade na sua formação acadêmica (Brasil, 1996).

Importância da prática de ensino

Freire (1996) enfatiza, em sua Pedagogia da Autonomia, que os professores, para atuarem no magistério, necessitam percorrer um caminho pedagógico que exige rigor metodológico; pesquisa; respeito aos saberes dos educandos; criticidade; estética e ética; corporificação das palavras; aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação; reflexão crítica sobre a pratica e reconhecimento da identidade cultural.

Estes se tornam pressupostos fundamentais para a formação dos licenciados que atuarão com públicos diversos, podendo acontecer momentos de adversidades singulares nos diferentes espaços educacionais; só a práxis poderá proporcionar meios para que, com a reflexão-ação-reflexão de suas ações ao longo de sua atuação profissional, eles possam promover para os educandos, um pleno processo de ensino-aprendizagem (Freire, 1996).

Para Santos, Spagnolo e Stöbaus (2018, p. 76), “o desenvolvimento profissional, por esse viés, assume papel importante na constituição de espaços que proporcionam a escuta ativa, o entendimento do outro e a percepção da complexidade enquanto compreensão do todo, a partir das necessidades individuais e coletivas”. Assim, os profissionais em formação devem compreender a complexidade em que estão direta e indiretamente envolvidos no processo de ensino – aspectos sociais, multidisciplinares, políticos, culturais, econômicos etc. – para que se torne modificadora de sua prática e da vida de cada cidadão (Libâneo, 1990; Freire, 1996).

Piconez (2015) enfatiza, em seu estudo, que, ao colocar a prática de ensino ao longo do desenvolvimento da graduação em licenciatura, as IES expõem a dicotomia entre a teoria e a prática. Por outro lado, Freire (1987) vem mostrar, ao longo de sua trajetória de estudos e atuação, que culmina em Educação como prática da liberdade (2009), a importância da práxis na atuação dos professores. Essa práxis torna-se o meio de alcançar um aprendizado contextualizado, significativo e transformador (Pio; Carvalho; Mendes, 2014). Sendo assim, para atuar de forma a impactar e transformar as vidas dos educandos, os professores também teriam que passar por uma formação inicial que realizasse o mesmo processo em suas próprias vidas, tornando-os multiplicadores (Córdula, 2013).

Desse modo, a prática sem teoria e a teoria sem prática, não podem coexistir, pois,

em suma, nada de teoria no vazio; nada de empirismo desconexo. São as duas obrigações de unidade que revelam a estreita e rigorosa síntese da teoria com a prática e que só se pode exprimir por sentido bidirecional, através da relação dialógica. Essa unidade situa-se no centro em que a teoria é determinada pelo conhecimento preciso da prática e no qual, em contrapartida, a teoria determina com mais rigor sua experiência (Piconez, 2015, p. 23).

Esses processos estão em conexão e são interdependentes para a formação dos licenciados e na vivência no estágio supervisionado, pois construirão a identidade do educador por meio do autoconhecimento que poderão desenvolver durantes esses momentos de práxis na atuação docente e que permitem o fortalecimento do seu fazer profissional e de suas potencialidades (Fazenda, 2015). Da mesma forma, esse percurso pode expor suas fragilidades, para que revejam suas próprias condutas e se reconstruam profissionalmente; assim, tornam professores, no sentido de possuidores de competências e habilidades para estar e atuar na sala de aula, tanto no sistema público quanto no sistema privado de ensino (Fazenda, 2015; Piconez, 2015).

Nesse sentido, “atualmente, para falar sobre os aspectos formativos do professor é preciso, antes de tudo, pensar em formandos e formadores como atores sociais capazes de criar projetos susceptíveis para transformar a realidade na qual vivem e atuam” (Wunsch; Grebogy, 2018, p. 145). Para que esse patamar desejável de ensino-aprendizagem ocorra, é necessário ao professor desenvolver primeiramente nele o pensar criticamente, tornar-se um comunicador, colaborador, criativo e inventivo, para que consiga transformar suas práticas em aulas e que estas ressignifiquem a vida de seus educandos (Wunsch; Grebogy, 2018, p. 145).

Tendo uma formação transformadora, o profissional que irá atuar na Educação Básica conseguirá sua autonomia e, da mesma feita, desenvolver o mesmo princípio em seus educandos, levando-os a ser cidadãos críticos, reflexivos, atuantes e transformadores da sociedade (Freire, 1996).

Considerações finais

O estágio supervisionado para a formação dos pedagogos licenciados possibilita o desenvolvimento de habilidades e competências, pois permite ajustar sua própria prática profissional ainda durante a sua graduação e, assim, a possibilidade de se modificar, adequar e entender a atuação profissional ao longo desse processo.

Sem essa possibilidade, a teoria se desconectaria da prática e esta se tornaria desconexa da teoria, o que dificultaria a atuação do licenciado na sala de aula. Dessa forma, conclui-se que o estágio supervisionado permite ao pedagogo licenciado, enquanto está em formação, ressignificar, reconstruir e redirecionar sua própria prática profissional para atender às reais necessidades da sociedade atual.

Referências

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 1996.

______. Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília: MEC/CNE, 2006.

CANANÉA, Fernando A. Abath L. Cardoso. Supervisão escolar: o delicado processo de atualização do fazer profissional. In: CANANÉA, Fernando A. A. L. Cardoso (Org.). Educação Dialogada. João Pessoa: Imprell, 2012. p. 95-108.

CÓRDULA, Eduardo Beltrão de Lucena. Brincar e aprender: o lúdico como metodologia de ensino. Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 13, nº 6, 2013.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. O papel do estágio nos cursos de formação de professores. In: PICONEZ, Stela C. Bertholo. A prática de ensino e o estágio supervisionado. 24ª ed. São Paulo: Papirus, 2015. p. 47-56.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996 [Coleção Leitura].

______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1990.

PICONEZ, Stela C. Bertholo. A prática de ensino e o estágio supervisionado: a aproximação da realidade escolar e a prática da reflexão. In: PICONEZ, Stela C. Bertholo. A prática de ensino e o estágio supervisionado. 24ª ed. São Paulo: Papirus, 2015. p. 13-34.

PIO, Paulo Martins; CARVALHO, Sandra Maria Gadelha; MENDES, José Ernandi. Práxis e prática educativa em Paulo Freire: reflexões para a formação e à docência. Fortaleza: EdUece, 2014. Disponível em: http://twixar.me/416T. Acesso em 05 abr. 2020.

SANTOS, Bettina Steren; SPAGNOLO, Carla; STÖBAUS, Claus Dieter. O desenvolvimento profissional docente na contemporaneidade: implicações transformadoras para o ser e para o fazer. Educação, Porto Alegre, v. 41, nº 1, p. 74-82, jan./abr. 2018.

WUNSCH, Luana Priscila; GREBOGY, Elaine. A abordagem “4cs” na prática formativa docente. In: FOFONCA, Eduardo et al. (Orgs.). Metodologias pedagógicas inovadoras: contextos da educação básica e da educação superior. Curitiba: Editora IFPR, 2018.

Publicado em 05 de maio de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

CÓRDULA, Eduardo Beltrão de Lucena. O estágio supervisionado como caminho à atuação do licenciado em Pedagogia. Revista Educação Pública, v. 20, nº 16, 5 de maio de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/16/o-estagio-supervisionado-como-caminho-a-atuacao-do-licenciado-em-pedagogia-uma-praxis-necessaria

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