Entre manobras radicais, marginais e burocráticas: uma história do skate até sua entrada nos Jogos Olímpicos de 2020

Vitor Hugo Rodrigues Marinho Neves

Licenciado em Educação Física (UFRRJ)

Felipe Lameu dos Santos

Docente universitário (UCB, Unesa)

Os esportes radicais – outrora chamados esportes californianos – têm sua origem na Califórnia, na costa oeste dos Estados Unidos. São chamados dessa maneira porque envolvem riscos, aventura e superação e se opõem aos modelos mais tradicionais de esporte (Pereira et al., 2008).

O skate pode ser classificado como um esporte radical praticado no meio urbano; portanto, praticado essencialmente nas ruas. Sua associação inicial com movimentos tidos como rebeldes, ligados a contracultura, vandalismo e comportamento antissocial, fizeram com que sua existência fosse ameaçada ao longo dos anos, mas a prática se manteve firme frente a proibições, preconceitos e discriminações (Brandão, 2008). Segundo esse autor, os avanços tecnológicos, a visibilidade na grande mídia com megaeventos e um grande esforço das instituições responsáveis foram fatores importantes para uma mudança de representação da imagem do skatista, afastando-o da “rebeldia” por meio da criação de códigos de conduta, em busca de uma maior profissionalização.

A sensação de liberdade, adrenalina e os desafios inerentes à sua prática encantaram os jovens em diversos países, incluindo o Brasil, que há anos é referência mundial no esporte, tendo campeões mundiais em modalidades distintas. Todo esse movimento radical que atrai o público jovem, atrelado a um enorme mercado a ser explorado, chamou a atenção do Comitê Olímpico Internacional, que incluiu o skate e outros esportes radicais no rol de modalidades olímpicas para Tóquio 2020 (Brandão, 2008; Agência Estado, 2017).

O presente trabalho busca fazer um apanhado histórico sobre a prática do skate no mundo e no Brasil, desde o processo de criação como lazer alternativo ao surfe à sua expansão pelo mundo, o processo de esportivização e à profissionalização, dilemas em torno da prática e, por fim, sua inserção nos Jogos Olímpicos e como essa novidade é encarada por alguns que vivem o skate.

Metodologia

Como metodologia foi utilizada a proposta do artesanato intelectual (Mills, 2008), em que as experiências vividas pelo estudioso não se dissociam de seu trabalho intelectual. No entanto, Mills explica a importância da sistematização na produção de qualquer pesquisa e como é preciso “relatar com algum detalhe como procedo em meu ofício” (Mills, 2009), de forma que seja clara para o leitor a maneira como foi conduzida metodologicamente a pesquisa e a escrita do trabalho.

Para realização desta pesquisa, foram feitas pesquisas nas bases de dados científicas Google Acadêmico e SciELO, encontrando o total de 48 trabalhos utilizando as expressões “skate”, “esportes radicais”, “esportes de aventura”, sendo incluídos os artigos que abordassem o contexto histórico do esporte em questão e excluídos os que não se enquadraram na temática proposta. Devido ao fato de ser um tema ainda pouco estudado, foi necessária a complementação com a utilização de bases de dados alternativas, em que foram pesquisadas e incluídas reportagens e postagens que tratassem do skate no lazer ou no esporte. No caso das reportagens, foram excluídas aquelas com dez anos ou mais de publicação, uma vez que a intenção foi trazer as discussões mais recentes.

Uma história sobre rodas

O surgimento do skate é motivo de controvérsias e debates dentro da comunidade de seus praticantes. Alguns autores acreditam que o aparecimento da primeira atividade próxima ao skatedata do inicio dos anos de 1910 nos Estados Unidos, com algo parecido com um patinete conhecido como roller scooter (Brandão, 2008). Outra versão credita a um jovem chamado John “Doc”, que em 1918, nos Estados Unidos, desmontou seus patins e pôs suas rodas e eixos sobre um pedaço de madeira. Para movimentar seu novo objeto, “Doc” apoiava um dos joelhos sobre a prancha de madeira, enquanto o outro pé impulsionava o objeto em uma “remada” bem diferente da que se usa no skate atualmente (CBSK, 2018).

A popularização de uma prática mais próxima ao skate atual se deu na Califórnia da década de 1950, berço da criação de diversos esportes de aventura. Alguns surfistas entediados pela falta de ondas decidiram inovar adicionando eixos e rodas de patins às suas pranchas de surfe na tentativa de imitar nas ruas as manobras executadas no mar. A essa prática atribuiu-se o nome de sidewalk-surf, ou surfe de calçada, o qual ainda teve um campeonato com esse nome para, posteriormente, mudar em definitivo para skateboard no ano de 1963 (CBSK, 2018).

No início, o skate era totalmente lúdico, voltado para o lazer nas ruas, “rasgando” o asfalto e as calçadas com movimentos muito semelhantes aos praticados nas ondas e outros que pareciam uma dança sobre a prancha. Não havia institucionalização, regras ou qualquer outro fator que o caracterizasse como um esporte (Honorato, 2004).

Segundo Olic (2014), com o passar dos anos o skate foi formando sua própria identidade e se distanciando cada vez mais do surfe, conquistando ainda mais adeptos mundo afora, principalmente a partir dos anos de 1980. Por outro lado, Brandão (2008) afirma que a popularização do skate acabou por torná-lo marginal por sua associação com o uso de drogas e o desvio de caráter de seus praticantes atrelado às suas características de transgressão urbana e vandalismo, comportamento fora do padrão, que questionava os valores, as instituições e os costumes socialmente impostos. Para Olic (2014), isso tornou ainda mais difícil a afirmação do skate como prática corporal legítima e, posteriormente, como esporte.

O início da prática do skate no Brasil não difere muito da maneira como foi nos Estados Unidos. Inicialmente chamado de “surfinho”, foi introduzido por estas terras nos anos 1960 pelos surfistas que acompanhavam as tendências estadunidenses por meio das zines (revistas especializadas de surfe) da época (Honorato, 2004; Brandão, 2008).

Honorato (2004) em seu trabalho mostra que, com o passar dos anos, o skate foi tomando suas características próprias e criando um jeito singular, distanciando-se do surfe, em processo semelhante ao dos Estados Unidos. Porém, ainda faltavam algumas questões fundamentais para o desenvolvimento e a evolução do skate no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos o skate se desenvolvia como prática esportiva, em que já ocorriam campeonatos desde os anos 1960, os skatistas já andavam nos blows e havia avanços tecnológicos, como a introdução de eixos próprios para o skate e o formato da prancha, o Brasil ainda engatinhava, utilizando ruas, estacionamentos e parques para praticar o skate.

Segundo a CBSK (2018), nos anos 1970 começam a aparecer os primeiros campeonatos de skate, dando visibilidade à prática e aumentando grandiosamente seu número de adeptos. Ainda nessa década, o Brasil – e a América Latina – ganhou a primeira pista de skate, no município de Nova Iguaçu/RJ. Essa pista é formada por dois blowls de 20º de inclinação, parecida com as piscinas que eram utilizadas pelos “gringos”, e foi muito celebrada pelos skatistas da época, por enfim terem um lugar próprio para andar de skate. Depois dessa pista, várias outras foram construídas em diversos estados do Brasil, havendo assim uma propagação enorme do skate em todo o território nacional; campeonatos começaram a aparecer e, junto com eles, uma mídia especializada começava a tomar forma para a divulgação do esporte, seja cobrindo os campeonatos, ensinando como fazer a manutenção dos “carrinhos” ou falando de skate de maneira geral.

De acordo com Honorato (2004), em 1981 e 1982 ocorreram vários campeonatos, incluindo o 1º Campeonato Brasileiro de Guaratinguetá/SP, o de Freestyle e de Longboard Downhill, modalidades que fizeram a aproximação com o skate street no fim dos anos de 1980 e que provocaram uma verdadeira revolução na maneira de andar de skate e, por consequência, nos espaços públicos onde essa modalidade era praticada: as ruas. O skate das ruas também tinha relação com o movimento punk rock; exemplo disso foi o 2º Campeonato Brasileiro de Guaratinguetá, em que houve uma verdadeira onda de punks e adeptos da new wave, o que fomentava a visão marginalizada de quem praticava o skate à época e não tornava a prática bem-vista, a ponto de até alguns skatistas não se sentirem confortáveis com essa associação.

Apesar das controvérsias, o movimento de crescimento da modalidade seguia forte, os campeonatos continuavam a ocorrer, as empresas investiam no skate e a indústria especializada crescia. A tecnologia ajudou a propagar ainda mais o skate e evoluí-lo quando a marca Powell Peralta começou a lançar videoclipes com grandes nomes do skate andando e fazendo manobras radicais. Na TV, havia um programa sobre skate apresentado pelo skatista brasileiro Cesinha Chaves, chamado “Vibração”, e que trazia novidades do mundo do skate. Em 1985 apareceu a primeira revista especializada, a Overall teve seu projeto embrionário feito por dois skatistas; no ano seguinte, apareceu a revista Yeah!, que trazia tudo que rolava sobre a modalidade no Brasil (CBSK, 2018; Honorato, 2004).

Desse momento em diante, o skate brasileiro entrou com mais força na cena mundial. Skatistas saíam do Brasil para ir andar “na gringa”, fazendo grande intercâmbio com o que havia de mais novo em técnicas de manobras e tecnologias. Houve grandes participações brasileiras em competições no exterior, com o destaque de Lincoln Ueda – o “japonês voador” –, que conquistou um inédito 4º lugar no campeonato mundial de vertical na Alemanha, em 1989 (CBSK, 2018).

Em 1990, o skate sofre um duro golpe no Brasil. A abertura do mercado pelo governo Collor gerou a redução do investimento das empresas fora do skate e, principalmente, das que viviam e se baseavam na modalidade para sobreviver. Isso ocasionou o fechamento de revistas, marcas especializadas, redução de campeonatos e a consequente estagnação no nível técnico de quem não podia ir para fora do país andar (Honorato, 2004). Aos poucos o skatese reergueu e se reestruturou entre os próprios skatistas, que nos anos 2000 se uniram a empresários do ramo e criaram instituições e associações para regulamentar e institucionalizar a prática do skate no Brasil em todos os âmbitos: mercadológico, financeiro e esportivo. Essas iniciativas foram fundamentais para o fortalecimento da modalidade e, certamente, colocaram de vez o Brasil no cenário mundial do skate (CBSK, 2018).

A partir dos primeiros campeonatos, principalmente nos Estados Unidos, ainda nos anos de 1960, o skate começou a ser visto já com aspecto mais esportivo. Começava ali seu processo embrionário de esportivização (Honorato, 2013). Embora ainda houvesse muito do espírito for fun, o skate começou a dar sinais de que entraria numa fase mais comercial e, portanto, mais esportiva da sua breve história. Com equipes formadas e disputando campeonatos, que aumentavam em número à medida que a prática se espalhava, os patrocínios começavam a surgir, de dentro e de fora do mundo do skate.

Com esse aumento e com o surgimento de locais planejados para a prática do skate, os skateparks, essa prática não era mais somente praticada nas ruas (Machado, 2012). Com as ruas e os skateparks ocupados, surge um dilema acerca da sua prática: o skate “da rua” é o verdadeiro skate, que contém a sua “essência”, ou é um esporte de alto rendimento, em que o skatista é um atleta e a prática é institucionalizada por regras, códigos de conduta e tudo que o esporte abrange?

Para Olic (2014), a “essência do skate” é a raiz da prática, das suas origens nas ruas, da transgressão às regras urbanas socialmente impostas. Para Machado (2012), ela estaria ligada à emoção, à adrenalina e, principalmente, à criatividade de utilização de espaços urbanos não pensados para aquela prática. Dessas duas ramificações surgiram no meio dos skatistas duas classificações: os “streeteiros” para designar os praticantes das ruas, e os “pistoleiros”, que são aqueles que praticam a versão esportiva da modalidade e que andam basicamente em espaços determinados ao skate (Olic, 2014).

Os “pistoleiros” têm o pensamento mais voltado ao treinamento desportivo. Baseiam-se nas repetições dos movimentos em busca da perfeição de determinadas manobras a serem encaixadas nas suas linhas, visando os campeonatos que geralmente disputam, suas premiações e possíveis patrocínios. Em contrapartida, os “streeteiros” são mais voltados para a prática do skate for fun, sempre na ludicidade, com intuito totalmente voltado ao lazer (Olic, 2014). Em geral, encontram-se fora das pistas; como o próprio rótulo já diz, são das ruas (Machado, 2012).

O skate nas Olimpíadas

O esporte é um fenômeno cultural e social ligado aos processos históricos de cada época (Tubino, 2006). Desde a Antiguidade existiram práticas corporais com algum caráter competitivo; contudo, é na Modernidade que o esporte se consolida a partir dos fundamentos que conhecemos hoje.

Um marco importante se iniciou em 1896, com a criação dos Jogos Olímpicos Modernos, ocorrida em Atenas. Esses jogos dão início a uma nova era no que diz respeito ao esporte, pois depois da realização de tal evento as modalidades esportivas ao longo dos anos se voltam cada vez mais ao rendimento e ao treinamento desportivo, deixando em segundo plano o aspecto pedagógico do esporte.

Assim como há discussão dos esportes em geral sobre seu aspecto lúdico/pedagógico, dentro do mundo skatista a polêmica também é sobre o rumo que tomou a prática – ser esportiva ou de lazer. Há outra problemática que surgiu nos últimos anos, trazendo à tona um novo debate: o skate deve ou não ser inserido nos Jogos Olímpicos? O tema é controverso dentro da modalidade e ainda existem muitas divergências entre pessoas que praticam e pensam sobre a inserção do skate no rol dos esportes olímpicos. O fato é que, a partir de Tóquio 2020, duas modalidades de skate estarão presentes na rotina dos Jogos: o street skate e o park.

Segundo Olic (2014), o interesse do Comité Olímpico Internacional em levar o skate para os Jogos Olímpicos já existe desde Atlanta, em 1996, com o intuito de atrair um público jovem que tem maior interesse por esportes radicais e que, por sua vez, diminuiu sua atenção aos esportes mais tradicionais, presentes há anos nos Jogos. Nessa mesma edição, na cerimônia de encerramento, houve uma apresentação com grandes rampas de skate, sendo um ato promocional dos X Games, que aconteceriam no ano seguinte em sua segunda edição. A apresentação contou também com outras modalidades radicais, como patins in-line e o BMX.

Mais recentemente, em 2014, o skate teve participação nos Jogos da Juventude, em Nanquim, na China. Naquela ocasião o Brasil foi representado pelas skatistas Karen Jonz, campeã mundial no skate vertical, e Letícia Bufoni, campeã mundial no street  skate. Essa participação pode ter sido um indicativo forte de que o skate estaria presente nos jogos seguintes, na cidade do Rio de Janeiro, em 2016. Para os Jogos do Rio, o skate esbarrou em questões burocráticas que não permitiram que se iniciasse a competição naquela edição. Porém, o fato se concretizou nos anos seguintes e o skate terá sua primeira participação competitiva em Tóquio 2020.

O skate já poderia ter aparecido nas Olimpíadas anteriores, porém, as burocracias e questões políticas para inserir uma modalidade nos jogos foram uma grande barreira. Cada esporte deve ter sua federação e confederações em todos os continentes. No caso do skate, inicialmente sugeriu-se que fosse associada à Federação Internacional de Ciclismo, para que fosse assegurada sua inserção nos jogos. Entretanto o skate já possui uma federação que o representa desde 2005, a International Skateboarding Federation (ISF), embora o COI não a reconheça. Dentro desse cenário, o principal argumento que os representantes do skate utilizaram era que a vinculação ao ciclismo tiraria das mãos do skate a condução de todo o processo de inserção nos Jogos Olímpicos.

Para resolver todo esse grande imbróglio, a ISF e a Federação Internacional de Roller Sports (IFRS) resolveram se fundir, se tornando a World Skate, entidade reconhecida pelo COI como regulamentadora do esporte e que seria responsável pelo processo olímpico da modalidade. A ideia do COI com a World Skate é “dar autonomia para a governança, desenvolvimento e gerenciamento do skate através da comissão olímpica desse esporte” (Fricke, 2017).

Mesmo com a resolução de todos os impasses políticos e burocráticos, ainda existem dilemas a serem resolvidos, dessa vez por parte dos atletas. Parece consenso entre quem pratica o skate que a modalidade se fez sozinha; portanto, não precisa das Olimpíadas para se promover e crescer. E os skatistas vão além: os Jogos precisam mais do skate do que o contrário, uma vez que o skate se fez nas ruas e se faz até hoje e não precisou ser olímpico para se firmar como prática corporal globalizada. Em contrapartida, também pensam que pode ser uma boa oportunidade para o skate ter ainda mais representatividade e quebrar dogmas criados durante a sua existência, podendo levá-lo a ainda mais lugares e mostrar o esporte para quem é leigo.

O skatista estadunidense Paul Rodriguez Jr, que é um dos grandes nomes da atualidade e de certo fará parte da seleção dos Estados Unidos, afirmou:

eu estou no meio. Não me importo. Se for às Olimpíadas, acho que será muito bom, mas, se não for, o skate continuará sendo a melhor coisa do mundo, continuará crescendo. O skate não precisa das Olimpíadas, mas, se formos será legal (RODRIGUEZ Jr., 2014).

A lenda do skate, Tony Hawk, vai no mesmo sentido de Rodriguez sobre a necessidade do skate olímpico e até um pouco além: cita o rejuvenescimento que o COI quer levar aos Jogos e se baseia na experiência do snowboard nos Jogos Olímpicos de Inverno.

Se você levar em conta o sucesso do snowboard nos Jogos de Inverno e como isso trouxe uma certa juventude a mais às Olimpíadas em geral, eles não têm isso nos Jogos de Verão. Eles não têm nada que dê uma cara mais jovem. Para ser honesto, penso que eles precisam mais do skate do que o skate deles. A popularidade do skate é sólida na maioria dos países (Hawk, 2014).

Fica nítido, na perspectiva de ambos, que o skate não precisa ser olímpico para ser respeitado. O skate é um esporte consolidado nos países em geral por quem o prática. Ou seja, o skate não precisa entrar de qualquer maneira nos Jogos porque existe legitimidade e representatividade em sua prática. Nesse sentido, entende-se que o skate só se tornaria esporte olímpico se fosse feito à maneira de quem o pratica, de quem o vive. É o grande receio dos atletas e, por isso, os embates pelas entidades representativas mais adequadas.

Há também aqueles que são terminantemente contra a entrada do skate nas Olímpiadas, inclusive afirmando que o skate não é um esporte e sim uma prática das ruas e que lá deve se manter. Um exemplo prático vem do skatista Youness Amrani, eleito o melhor skatista europeu em 2014. Em entrevista ao site Globoesporte.com, Amrani afirma que “não tem nada a ver. Eu não acho que o skate seja um esporte. Eu ando de skate pelo skate, eu ando de skate para mim, até para impressionar minha mãe e meus irmãos” (Fricke, 2014). Sua fala corrobora o pensamento de muitos skatistas que acreditam não haver possibilidade de ver o skate com outro viés que não seja o lazer.

Além das questões técnicas, outro ponto citado pelos atletas é a manutenção da “essência das ruas”. Tal discurso é tão forte e uniforme que se vê basicamente em todas as falas pesquisadas, como a de Pedro Barros, que, em entrevista a Renato de Alexandrino, em 2018, disse que tinha preconceito com a introdução do skate nas Olimpíadas por conta do lifestyle que tem a ver com a “essência do skate” das ruas, a rebeldia, atitude, mas acredita no projeto da CBSK, que hoje é representada por dois nomes de peso na cena, Bob Burnquist e Sandro Dias (Fricke, 2018).

A nova geração brasileira de skatistas vê como benéfica a adição do skate às Olimpíadas, mantém firme a ideia de que o skate não pode perder sua “essência”, porém prega que sua inserção nos Jogos pode trazer mais respeito ao esporte. Em 2016, Yuri Facchini, um dos novos skatistas, diz que “estar nas Olimpíadas é um sinal de que o esporte evoluiu, mas não podemos deixar de nos divertir andando com os amigos na rua” (Fricke, 2016). No skate feminino, a representante dessa geração é Pâmela Rosa. Aos 16 anos, ela é já bicampeã dos X Games e se diz feliz por o esporte se tornar olímpico; ela se sente honrada com a possibilidade de representar o país no maior evento esportivo do mundo (Fricke, 2016). Assim, para os skatistas da nova geração as olímpiadas parecem uma oportunidade de expansão do skate e de realização pessoal.

Palavras finais

Durante muitos anos o skate sofreu com grandes repressões e até mesmo proibições. Ele era ligado as práticas marginais e aos movimentos de contracultura nos Estados Unidos e no resto do mundo, inclusive no Brasil. O skate, desde sua popularização, nos anos 1950, viveu momentos de altos e baixos. Sua estabilização veio a partir dos anos 2000, quando a globalização certamente teve papel fundamental para o esporte tomar as proporções imensas que tem hoje ao redor do mundo. Os avanços tecnológicos e científicos que perpassam todos os âmbitos sociais e esportivos ajudaram também a alavancar e consolidar o skate como prática corporal e colocá-lo no patamar que é alcançado agora, de esporte olímpico.

Embora sua inserção nos Jogos Olímpicos ainda seja polêmica entre quem vive do skate e esteja tão latente, por ser recente, há de se lembrar que existe um elemento que talvez seja a maior conquista do skate e dos skatistas, que são os que realmente fazem e fizeram o skate acontecer: a ruptura das barreiras da marginalização e do preconceito por ser uma prática “de rua”. O skate se tornar esporte olímpico vai muito além de ser “um esporte olímpico”; trata-se de dar representatividade e legitimar a prática de milhares de pessoas ao redor de todo mundo que sofreram de alguma forma com preconceitos, retaliações e opressões somente por subir em seus “carrinhos” e colocá-los nas ruas com toda a sua atitude e ousadia.

Referências

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BRANDÃO, Leonardo. Entre a marginalização e a esportivização: elementos para uma história da juventude skatista no Brasil. Recorde: Revista de História do Esporte, v. 1, nº 2, dez. 2008.

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TUBINO, Manoel. O que é esporte? 3ª ed. Tatuapé: Brasiliense, 2006.

Publicado em 12 de maio de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

NEVES, Vitor Hugo Rodrigues Marinho; SANTOS, Felipe Lameu dos. Entre manobras radicais, marginais e burocráticas: uma história do skate até sua entrada nos Jogos Olímpicos de 2020. Revista Educação Pública, v. 20, nº 17, 12 de maio de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/17/entre-manobras-radicais-marginais-e-burocraticas-uma-historia-do-skate-ate-sua-entrada-nos-jogos-olimpicos-de-2020

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