A Batalha dos Elementos auxiliando no ensino de Química

Luís Rafael Barbosa

Licenciado em Química (UFV – Câmpus Florestal)

Inácio Luduvico

Docente do Curso de Licenciatura em Química (UFV – Câmpus Florestal)

Leandro José dos Santos

Docente do Curso de Licenciatura em Química (UFV – Câmpus Florestal)

Os jogos didáticos sempre se mostraram uma importante ferramenta para auxiliar no processo de aprendizagem do aluno, facilitando a construção do conhecimento, criando habilidades e competências que muitas vezes não são desenvolvidas em atividades de uma aula convencional (Piaget, 1972). Além disso, favorecem a reflexão e as interações aluno-aluno e aluno-professor (Soares, 2004; Cunha, 2012).

Muitos jogos envolvendo conteúdos de Química têm sido desenvolvidos para fazer com que o aprendizado se torne mais interessante e prazeroso (Russel, 1999; Granath; Russel, 1999; Barros et al., 2019). Em meio aos conteúdos de Química abordados no Ensino Médio, o estudo da Tabela Periódica tem sido relatado como um dentre os de maior dificuldade. As informações contidas na tabela geralmente são memorizadas pelos alunos, que acabam não compreendendo as propriedades periódicas e aperiódicas, a localização dos elementos e como essas propriedades se relacionam para a formação das substâncias (Godoi et al., 2010).

Devido a essa dificuldade, vários jogos foram desenvolvidos para auxiliar no aprendizado de conteúdos da tabela periódica (Granath; Russel, 1999; Alexander et al., 2008; Mariscal et al., 2012; Saturnino et al.,2012; Kavak, 2012; Godoi et al., 2010; Mariscal; Iglesias-Cano, 2009; Santana, 2008) e, dentre esses, seis envolvem jogos de cartas.

Godoi e colaboradores (2010) desenvolveram um material baseado no jogo de carta Super Trunfo para trabalhar propriedades dos elementos como número atômico, ponto de fusão, ponto de ebulição, massa atômica, densidade, eletronegatividade e configuração eletrônica. Os autores relataram que, após a utilização do jogo, houve melhora significativa no entendimento das propriedades trabalhadas.

Mariscal e colaboradores (2012) desenvolveram um jogo de cartas para o reconhecimento da estrutura dos grupos ou famílias da tabela periódica e para auxiliar os estudantes no aprendizado de nomes e símbolos dos elementos e os compostos formados pelos elementos. Outros jogos de cartas também têm sido utilizados para auxiliar no aprendizado de nomes e símbolos de elementos da tabela periódica (Granath; Russel, 1999; Alexander et al., 2008; Kavak, 2012).

Já Saturnino et al. (2012) desenvolveram o jogo denominado Pôquer dos Elementos dos blocos s e p. O jogo tem a dinâmica do pôquer, no qual o aluno pode identificar os elementos na tabela periódica utilizando principalmente seus dados da camada de valência. A dinâmica do pôquer proporciona ao aluno trabalhar com um maior número de cartas (elementos) por jogada, o que permite maior entendimento da periodicidade dos elementos, e a identificação do elemento na tabela é feita de forma natural.

Considerando a importância dos jogos, foi desenvolvido um jogo de cartas denominado A Batalha dos Elementos. Esse jogo didático é baseado no popular jogo de cartas Yu-gi-oh!, criado em 1996 pelo japonês Kazuki Takahashi. O jogo foi desenvolvido para auxiliar no ensino-aprendizagem da tabela periódica.

A maior parte dos jogos de cartas descritos anteriormente tem trabalhado o conteúdo tabela periódica objetivando a memorização dos nomes e símbolos de elementos químicos. Por meio da memorização, os alunos deixam de compreender as propriedades periódicas dos elementos, e na maioria das vezes apresentam dificuldades em outros conteúdos que necessitam desse aprendizado.

Sendo assim, o jogo A Batalha dos Elementos foi desenvolvido para proporcionar a reflexão dos alunos do Ensino Médio e diminuir a memorização das propriedades periódicas. Nesse jogo são considerados apenas os elementos representativos. Os metais de transição não foram usados, uma vez que seus orbitais d dificultariam as análises das variações das propriedades periódicas, além de não ser um conteúdo normalmente abordado no Ensino Médio.

O jogo A Batalha dos Elementos constituiu uma das atividades planejadas pela equipe do Pibid em Química da Universidade Federal de Viçosa – CâmpusFlorestal que foram desenvolvidas na Escola Estadual Fernando Otávio, localizada na cidade de Pará de Minas/MG.

Criação das cartas

Foram confeccionadas 84 cartas, sendo 44 de elementos representativos, 22 cartas de reação, 12 cartas surpresa e 6 cartas de perguntas. Inicialmente, o jogo contava com uma versão em preto e branco com cartas maiores; essa versão foi aperfeiçoada para uma versão menor e com cartas coloridas, como na Figura 1.

Figura 1: Modelo de algumas cartas do jogo A Batalha dos Elementos

A criação das cartas foi realizada utilizando o software Power Point. As imagens usadas foram obtidas em pesquisas realizadas no site de busca Google. Para a aplicação do jogo, é necessário um dado de seis faces. O custo total da produção de 10 baralhos em preto e branco (contendo 84 cartas cada) e da impressão de 10 tabelas periódicas simples (apenas informações de massa e número atômico) foi de R$ 10,80.

Descrição do jogo

Podem jogar de dois a doze jogadores, de preferência na faixa etária de 13 a 17 anos (estudantes do Ensino Médio). Para o jogo individual, o ideal são seis jogadores no máximo; quando for jogado em duplas, no máximo doze jogadores. O indicado é que o aluno esteja estudando ou já tenha algum conhecimento dos conteúdos da tabela periódica.

Após dividir a turma em grupos (no máximo seis), cada jogador inicia o jogo com 20 pontos. Cada grupo recebe um baralho completo com 84 cartas. Após embaralhar as cartas, cada jogador recebe três cartas e joga o dado; aquele que tirar o maior número inicia a rodada. As jogadas continuam no sentido horário do primeiro jogador.

Cada participante pode jogar uma carta de elemento por vez na mesa e utilizar quantas cartas de reação tiver em suas mãos. Com as cartas de elementos na mesa se inicia a “batalha dos elementos” em cada rodada; para isso, o primeiro jogador escolhe uma das propriedades periódicas que está em sua carta de elemento (raio atômico, energia de ionização ou eletronegatividade) e “ataca” o adversário que quiser. O adversário é obrigado a defender com a mesma propriedade; caso a carta elemento possua valor menor dessa propriedade periódica, ele perde dois pontos de “batalha”, dos 20 iniciais, e a carta vai para o “lixo”. Caso o jogador que está defendendo não possua carta de elementos, sofrerá um dano direto e perderá três pontos.

Os jogadores com maiores pontos de “batalha” vencem o jogo e aqueles que zerarem os pontos são eliminados. As regras detalhadas do jogo encontram-se disponíveis no material suplementar.

O tutorial do jogo encontra-se mais à frente, neste artigo.

Variação do jogo

Este jogo pode ser aplicado com estudantes do Ensino Superior; nesse caso poderiam ser considerados os elementos que não apresentam periodicidade previsível. Também podem ser confeccionadas cartas de elementos de transição e as questões das cartas de perguntas podem ter um grau de complexidade maior. Com isso, o jogo A Batalha dos Elementos pode auxiliar também o aprendizado de tabela periódica para os alunos de graduação.

Aplicação do jogo

O jogo foi aplicado inicialmente como protótipo para os licenciandos em Química e professores da Universidade Federal de Viçosa – CâmpusFlorestal.

Após essa primeira fase, o jogo foi aplicado por um licenciando do Pibid em Química para 52 alunos do 3º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Fernando Otávio.

Avaliação do material

Inicialmente, o material foi avaliado qualitativamente como protótipo pelos membros do Pibid. Foram observadas a ludicidade, as regras e a consistência do conteúdo. Posteriormente, o jogo foi aplicado para os alunos do 3º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Fernando Otávio. Foram elaborados e aplicados questionários pré e pós-jogo, visando avaliar quantitativamente o desempenho dos alunos com relação à dificuldade dos conteúdos de tabela periódica.

Os questionários aplicados continham questões direcionadas para avaliar a impressão pessoal dos alunos quanto às dificuldades dos conteúdos de tabela periódica, questões relacionadas à variação das propriedades periódicas e às contribuições do jogo para o aprendizado.

Discussão

Por meio dos questionários pré e pós-jogo, percebeu-se que os alunos conseguiram relacionar melhor as propriedades periódicas e o jogo foi considerado um instrumento divertido e importante para o desenvolvimento dos conteúdos da tabela periódica. As análises dos questionários estão descritas a seguir.

Grau de dificuldade

O primeiro item avaliado no questionário pré-jogo foi a percepção dos alunos com relação ao grau de dificuldade do conteúdo de tabela periódica. A maioria dos alunos considerou o conteúdo tabela periódica e periodicidade química com um nível de dificuldade variando de intermediária a alta (93%); 3% consideraram o nível de dificuldade baixo.

O segundo item avaliou as informações e propriedades periódicas que os alunos consideram mais difíceis de serem analisadas na tabela periódica, como está na Figura 2.

Figura 2: Conteúdos que os alunos consideram mais difíceis

Com 75% de indicação dos alunos, a análise da variação da energia de ionização foi relatada como a maior dificuldade encontrada, seguida pela análise do raio atômico (71%) e pela eletronegatividade (60%); vale ressaltar que essas informações não eram extraídas diretamente da tabela periódica.

Variações das propriedades periódicas

Nas questões relacionadas à variação das propriedades periódicas, os alunos analisaram e colocaram, em ordem crescente, energia de ionização, raio atômico e eletronegatividade de alguns elementos representativos. Para auxiliar nas repostas dessa questão, foram disponibilizadas tabelas periódicas simplificadas.

Antes da aplicação do jogo, a maioria dos 51 alunos não conseguiu responder corretamente ou deixou a questão em branco e apenas um aluno acertou 60% da questão. Isso demonstra a dificuldade dos alunos para obter informações da tabela periódica.

Após a aplicação do jogo, o número de alunos que não conseguiram responder corretamente ou deixaram a questão em branco diminuiu significativamente (35%). Além disso, o número de alunos que responderam corretamente mais de 50% da questão aumentou de 2% (um estudante) para 17% (nove estudantes).

Contribuições do jogo

Nos dois últimos itens avaliados no questionário pós-jogo, os alunos atribuíram o grau de importância do jogo para auxiliá-los na compreensão dos conteúdos de tabela periódica e periodicidade dos elementos. A maioria (94%) considerou o jogo com grau de importância entre 5 e 10 e que o jogo contribuiu mais no aprendizado do raio atômico (71%) e energia de ionização (58%), conteúdos que tinham sido considerados inicialmente como sendo os mais difíceis.

Tutorial do jogo

Para facilitar a compreensão da dinâmica do jogo, a figura a seguir ilustra a mesa com os jogadores.

Figura 3: Representação da dinâmica do jogo

Iniciando o jogo

  • Separar a turma em grupos, cada um com no máximo seis jogadores e um baralho.
  • Cada jogador anotará em uma folha os seus 20 pontos de “batalha”.
  • Jogar o dado; quem conseguir o maior número atômico será o primeiro a jogar.
  • A sequência dos demais participantes será no sentido horário ao jogador 1.
  • Cada jogador “compra” três cartas.
  • Em cada rodada, o jogador pode “comprar” mais uma carta.
  • Na primeira rodada não se declara ataque.
  • O jogador pode consultar uma tabela periódica que contenha apenas massa e número atômico.

Primeira rodada

Respeitando a ordem do jogo, os jogadores com três cartas “compram” mais uma. A partir daí eles irão analisar as cartas em suas mãos e terão o direito de descer um elemento na mesa (“campo de batalha”). Também podem ativar quantas cartas de reação e cartas surpresa tiverem, lendo em voz alta o seu nome e efeito. Nesta rodada não pode atacar outros jogadores.

Segunda rodada

Esta rodada começa com o jogador 1, após todos os demais terem descido pelo menos uma carta ao “campo de batalha”. Nesta rodada os jogadores podem declarar ataque. O participante novamente comprará uma carta e analisará as cartas em suas mãos. Ele tem o direito de descer um elemento ao campo e de ativar quantas cartas de reação e cartas surpresa tiver. Nesse momento poderá atacar uma vez com cada elemento que possuir no “campo de batalha”.

As demais rodadas seguem com a mesma dinâmica.

Ataques

Os ataques somente podem ser feitos a partir da segunda rodada. O jogador precisa ter no campo uma carta de elemento para poder atacar e somente ataca uma vez por rodada com cada elemento. Ele escolhe o elemento do jogador a quem irá atacar e a propriedade periódica com a qual será feita a ofensiva.

O participante alvo se defenderá com a mesma propriedade com que foi atacado. O elemento com menor valor da propriedade periódica será mandado ao “lixo” e seu dono receberá um dano de dois pontos. Se o jogador não possuir elementos para se defender, nem cartas surpresa, levará um dano direto de três pontos.

Cartas surpresa

Quando o jogador é atacado, ele pode ativar uma carta surpresa que esteja em suas mãos. Essa carta possui quatro efeitos especiais.

As cartas surpresa também podem ser ativadas em cada rodada por um dos jogadores. Para usá-las, independente do momento, deve-se jogar o dado duas vezes; isso é necessário porque o primeiro número indicará o número da carta e o segundo número indicará o número da pergunta. O oponente deverá acertar a resposta para ativar o efeito.

Fim de jogo

O jogo pode terminar de três maneiras, sempre considerando aquele jogador com mais pontos de “batalha”:

  • Estipulando o tempo do jogo;
  • Com exceção de um, todos os outros jogadores zerarem os pontos de “batalha”;
  • Terminando as cartas do baralho.

Conclusão

O jogo demonstrou ser um material paradidático importante para auxiliar no aprendizado dos conteúdos relacionados à tabela periódica, além de apresentar equilíbrio entre o didático e o lúdico; comprovou ser um material útil para auxiliar no aprendizado dos alunos do ensino básico e promoveu maior interesse dos alunos pelos conteúdos de tabela periódica.

O jogo possibilitou um aprendizado significativo sem estimular a memorização. Além disso, favoreceu a interação aluno-professor e aluno-aluno, facilitando a socialização, a reflexão sobre os conteúdos, a construção do conhecimento e a criação de um ambiente mais afetivo na sala de aula.

Referências

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Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo apoio financeiro e à Universidade Federal de Viçosa.

Publicado em 26 de maio de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

BARBOSA, Luís Rafael; LUDUVICO, Inácio, SANTOS, Leandro José dos. A Batalha dos Elementos auxiliando no ensino de Química. Revista Educação Pública, v. 20, nº 19, 26 de maio de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/19/a-batalha-dos-elementos-auxiliando-no-ensino-de-quimica

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