Atenção: por que não importa?

Claudia Menezes Nunes

Professora da Educação Básica em escola pública

Depois de anos em sala de aula, hoje questiono a minha sala de aula. Trabalho há 23 anos em sala e, de repente, estou diante de uma geração que não se importa. Isso! Eles não se importam. O presente é muito insosso, menos para o corpo. E o futuro é cheio de possibilidades apenas na mente. Não observo atitude e/ou objetivo. Não são apenas os comportamentos cognitivos que estão desorganizados, mas também suas questões emocionais – aliás, suas questões socioemocionais. Há muita fragilidade e fragmentação.

Trabalho em escola pública do subúrbio do Rio de Janeiro com alunos de 16 a 26 anos. É o chamado Ensino Médio regular (EM). Inovação é a palavra de ordem, mas nem isso gera atenção neles. O vão do EM parece ser vivido como grande obrigação, senão ‘não serão ninguém’. Inovação e estudo constante são a tônica, mas parece que nada os atrai, satisfaz ou diminui a tensão. Suas rotinas de vida são muito tensas (comunidades parcialmente violentas) e/ou sem graça (sedentarismo total). Então, realmente, por que se importar?

Sala de aula tradicional, em sua maioria. Cadeiras enfileiradas, às vezes. Conteúdos sendo oferecidos de muitas maneiras. Professores repensando práticas. Mas alunos desatentos, desinteressados e agitados. Tempo de escola é bom, mas a escola não importa. Eles não se importam. O que vale é o social. Estar na escola para criar relações de todos os tipos é o que vale. 

Atenção só serve para isso: quem é quem? Quem está a fim de quem? Quem ficou com quem? E a sala de aula cognitiva torna-se um campo de conflitos e desavenças.

Armas antipedagógicas são armas para o silêncio, o controle e os limites do diferente. Sua utilização aumenta muito. Desatentos, eles têm diálogo difícil; e não se importam também. Ignoram valores para suprir inseguranças, fragilidades e ignorâncias. Eles se expõem, sem timidez, para viver o social – nunca para arregimentar aprendizados, porque eles não se importam.

Sala de aula é sala de convivência, sim, mas dos interesses pessoais e lúdicos, não das necessidades cognitivas para conviver fora dali como sujeito social equilibrado, empático e empreendedor. Aliás, fora dali, a escola não importa mesmo: eles vão sem lápis, caderno e/ou uniforme e se incomodam quando são chamados à atenção. O tempo da escola é marcado: de 18h40 até 22h é escola; de resto, é pura vida sem importância ou para suprir suas necessidades. Não importa o outro ou o amanhã.

Cadê os sonhos? Cadê os desejos? Cadê os objetivos? Para que estudar? O que fazer depois de formado? Não importa. Agora, não importa. Agora, a ‘boa’ é atender amores, alguns trabalhos, relações, músicas, celulares, baladas, futebol e, às vezes, família, se não for complicada demais. De resto, nada importa.

Sala de aula confusa. Revista em sala. Dificuldade para compreender etapas do trabalho. Dúvidas, dúvidas, dúvidas. Eles não me ouvem. Eles não se ouvem. Não importa. Penso em atenção. A mágica da atenção é o toque de midas do ensino hoje. Ponto de mutação entre o “não importa” e o “importa muito”. Os sons do silêncio interno não acontecem nem em grupo. O celular é mais atraente. O futebol é mais importante. A roupa da festa é mais legal. Atenção, tudo é atenção. Observo e penso: o som é ruidoso e atrapalha. Será? Na vida, o som é duro, intenso e constante. Vivemos no meio dele e precisamos criar estratégias para nos focar e aprender, apesar de. Abstrair e aprender importa muito.

Como afirma Goleman (2013), aprender diante de sons intensos significa a presença de atenção seletiva “capacidade neural de mirar em apenas um alvo, ao mesmo tempo que ignora um mar atordoante de estímulos chegando, cada um sendo ele próprio um foco potencial”. Meus alunos têm essa habilidade? Não sei... Como eles não se importam, atrair ideias e pensamentos tem sido uma luta dura.

Não escrevo sobre barulhos que eles mesmos fazem em sala junto aos colegas: são adolescentes; escrevo sobre sons de tiros terminando a aula no meio da noite; sons musicais e religiosos altos demais nos ouvidos; sons emocionais tóxicos em família; sons de enfrentamento junto à direção ou aos professores; sons de baixa autoestima rotineiros: enfim, sons tóxicos que reprimem sua própria humanidade e que estimulam seus cérebros primitivos para sobreviver ao dia vivido, pura e simples.

Segundo Goleman (2013), há dois tipos principais de distrações: a sensorial (aquela em que você lê algo, mas abstrai sons externos, cores ao redor ou outros estímulos quanto a sabores, cheiros, sensações tácteis etc.) e a emocional (mais desanimadora porque os estímulos surgem carregados de informações e não há como abstrair: ao responder um e-mail, alguém chama seu nome, ai é impossível manter o foco: algo se perde no e-mail). Para aprender, então, não é possível a presença constante do “tumulto emocional”.

Meus alunos não se importam porque, inconscientemente, se percebem invisíveis e convivem com dinâmicas emocionais que não pedem licença para desorganizar seus pensamentos e, por fim, seus comportamentos. Meus alunos não se importam porque há uma emoção premente desde cedo: o incômodo. Meus alunos não se importam porque são incomodados.

A linha divisória entre uma ruminação infrutífera e uma reflexão produtiva está no fato de chegarmos a alguma solução experimental ou algum insight que nos permita abandonar esses pensamentos — ou se, por outro lado, simplesmente continuamos obcecados em torno da mesma preocupação (Goleman, 2013).

Será que meus alunos reconhecem essas opções em seus processos de aprendizagem? Não sei... Eles não se importam.

Atenção relaciona e equilibra diretamente foco e concentração. É uma tríade fundamental à imaginação e à criatividade. Mas eles não se importam. Ansiedade, alerta, insônia, desequilíbrio emocional criam uma sala de aula às vezes reptiliana, às vezes límbica, quase nunca pré-frontal, ou seja, ambiente da capacidade humana de manter o foco; ambiente que favorece o desejo de se concentrar (realizar as atividades escolares) e a decisão de ignorar os ruídos externos ao redor.

Como o foco exige que abstraiamos as distrações emocionais, nossa estrutura neural para a atenção seletiva inclui a inibição da emoção. Isso significa que quem tem melhor foco é relativamente imune a turbulências emocionais, tem mais capacidade de se manter calmo durante crises e de se manter no prumo apesar das agitações emocionais da vida (Goleman, 2013).

Só que meus alunos não se importam.
Suas mentes se perdem.
Suas emoções ganham ansiedade crônica.
Seus comportamentos tornam-se disfuncionais.
E a noite termina com broncas e ações antipedagógicas (reforço negativo): alunos fugindo da escola, alunos fora de sala e/ou alunos proibidos de participar das atividades seguintes.

Não sei o que pensar... Preciso pensar... Eu ainda me importo...

Referência

GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. 84ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

Publicado em 26 de maio de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

NUNES, Claudia Menezes. Atenção: por que não importa?. Revista Educação Pública, v. 20, nº 19, 26 de maio de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/19/atencao-por-que-nao-importa

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