A pedagogia antes da Pedagogia
Máximo Luiz Veríssimo de Melo
Licenciado em história, especialista em história do Brasil República, mestre e doutorando em Ciências da Educação
No artigo, Bárbara Botter procura explanar um pouco sobre como era a pedagogia antes da pedagogia, ou seja, como se dava a prática do ensino, que nós chamamos hoje de pedagogia, antes da forma atual e moderna pela qual a pedagogia atual é praticada. Como a prática de ensinar acontecia e em que locais isso era praticado. Para isso, a autora recorre à Grécia Antiga, que foi o local de onde a prática de ensinar dos antigos filósofos deu origem à prática da atual pedagogia que assim a chamamos e praticamos; ela foi passando por adaptações e adequações até chegar ao formato atual, que é praticada em praticamente todos os países do mundo. Claro que em cada país, em cada sociedade, ela se apropria de técnicas e metodologias diferenciadas para ser colocada em prática e o processo de ensino-aprendizagem ser efetivado.
Botter divide seu artigo em três partes: a primeira parte é Filosofia, Pedagogia e política: uma unidade; na segunda parte, trata do novo jeito de olhar para o mundo; e na terceira parte, lugares e mestres da Paideia.
Na primeira parte, a autora procura mostrar que, na Grécia Antiga, Filosofia e Pedagogia se confundiam, ou seja, um e outra eram a mesma coisa. Tanto que lá não precisou ser criado o termo ou disciplina chamada Pedagogia, porque a convergência entre os dois era algo natural (palavras da autora). Nas suas palavras: “A filosofia é pedagógica e a pedagogia é filosófica, assim como a filosofia-pedagogia é política e a política é filosófico-pedagógica”.
Segundo a autora, a distinção entre a Filosofia e a Pedagogia ocorreu recentemente. Só agora são coisas diferentes, distintas, enquanto lá atrás, em sua origem, na Grécia Antiga, a Filosofia era a própria Pedagogia, era um projeto educativo. A autora afirma que nossa pedagogia atual é uma herança da filosofia da Grécia Antiga, que surgiu a partir da Paideia grega. Deles, dos gregos antigos, herdamos o racionalismo, que é a prática de refletir e raciocinar, usando a razão como guia para nossa vida, deixando de lado as respostas baseadas nas tradições dos antepassados e buscando respostas baseadas na razão. As tradições perdem, assim, sua relevância e importância perante a sociedade moderna. Perguntas como: qual é a origem de todas as coisas? O que é o homem? E outras mais que sempre deixaram o homem aflito e para as quais sempre buscou respostas, deixam de serem respondidas com base no que os antepassados sempre disseram. O homem se torna, nas palavras da autora, “um novo homem”, agora um ser político, que discute com seus semelhantes todas essas questões, deixando de lado respostas prontas, da crença presente em sua sociedade, que quase sempre apela para uma explicação baseada no divino.
Na segunda parte do artigo, a autora continua seguindo essa linha, do aparecimento ou surgimento de um novo homem, com um novo jeito de olhar e de enxergar o mundo. A autora sugere que esse novo homem, ou essa nova maneira ou jeito de ver ou olhar para o mundo, teve início com os filósofos pré-socráticos, que viam o mundo sob o olhar da ciência, da pesquisa, ou seja, viam um mundo racional, liberto das tradições; um mundo que se explicava por si, um mundo compreensível e organizado, que estava liberto das explicações baseadas nas divindades.
Para Botter, os pré-socráticos explicam que esse novo mundo é marcado por três características principais:
São internas, isto é, explicam o universo a partir das características que o constituem; são sistemáticas, isto é, explicam todos os eventos empregando os mesmos termos e métodos; são econômicas, isto é, empregam poucos conceitos e poucas operações (p. 22).
Nas palavras dos pré-socráticos, o mundo tem sua própria dinâmica e se autoexplica ou autofunciona, sem que sejam necessárias as divindades para o explicar. Para esses filósofos, segundo a autora, a razão era capaz de, pelas buscas, dar conta de explicações para os fenômenos da natureza e estabelecer relações lógicas. A filosofia estava presente e até se confundia com a educação, com a pedagogia e com o conhecimento. Para a época dos pré-socráticos, bastava ter viajado muito por outros países ou sociedades para ser já um homem portador de muitos conhecimentos e ser considerado um filósofo, um homem apto ao convívio em sociedade. No entanto, a autora afirma que esse atributo dado à Filosofia, de se confundir com a Educação, atualmente já desapareceu.
Botter tece comentários a respeito do que seria hoje a Filosofia, conceituando-a como “o desejo pelo saber em si mesmo de uma maneira desinteressada; engloba tudo o que se refere à cultura intelectual”. Ela diz que a Filosofia é um modo, um estilo de vida, e que norteia toda a visão de mundo que se tem, e que vai determinar as ações das pessoas que as detêm. A autora ainda sugere que a Filosofia não possui qualquer utilidade prática e que todas as outras ciências serão mais necessárias do que ela, mas nenhuma lhe será superior, segundo Aristóteles.
Ainda sobre a Filosofia hoje, a autora pontua que, a partir do pensamento de Marx, a Filosofia passou a ser tida como algo que tem a função de perceber e transformar a realidade. Ela afirma que o que é novo na Filosofia é a forma particular de o filósofo viver, que é escolha do próprio filósofo. E que existe uma enorme diferença entre a representação que os antigos filósofos faziam da Filosofia, e a representação da Filosofia de hoje como disciplina. Botter (2012, p. 24) afirma que hoje
normalmente, os estudantes têm a impressão de que todos os filósofos esforçam-se sucessivamente para arquitetar, cada um de uma maneira original, uma nova construção sistemática e abstrata, destinada a explicar, de uma maneira ou de outra, o universo.
Finalizando essa segunda parte, a autora sugere que hoje o filósofo ou o professor, como ela fala, não pode retomar o modelo da Filosofia antiga, mas pode, por meio de seus ensinamentos, levar o aluno a percorrer um caminho em que ele possa chegar a ter muito conhecimento, amadurecimento intelectual e espiritual e ser uma pessoa que transforma sua realidade.
Na terceira e última parte, Botter indica que a grande escola dos antigos era o convívio social. Essa realidade podia ser vista principalmente em Atenas, na Grécia Antiga. Nessa visão, quem quisesse aprender algo sobre o mundo e a própria existência, tinha como local certo a convivência em sociedade, se juntar em grupos e ouvir os filósofos, os ensinamentos que tinham e repassavam em uma espécie de reuniões públicas.
A nova realidade que surge, que coloca o homem como sendo um novo ser, que enxerga o mundo de outra maneira, sempre observando a ciência e deixando de lado as tradições, que procura explicar tudo sempre a partir do divino, começa pelas invasões dos povos vindos da Península Balcânica sobre a Grécia Antiga. A partir daí, o homem começou a se alicerçar na racionalidade e não nas tradições.
Nasceu então, um novo homem, agora político, e uma nova Paideia, uma nova maneira de ensinar e de aprender. A educação, agora se dá na cidade e se transmite na Ágora, nos banquetes e nos ginásios. Nesses lugares, sempre regados a vinhos e comidas, diversos assuntos eram discutidos, assuntos elevados, além de leituras de poemas. Nesses lugares a educação acontecia. Era aí que os filósofos costumavam se reunir para passar seu conhecimento para quem desejasse, dando dicas de vida, passando um conhecimento sempre pautado na razão, no racionalismo.
Os filósofos, com essa nova maneira de ensinar e educar, se tornaram os “mestres do discurso e professores de homens”, segundo a autora; mesmo sendo considerados personagens negativos e falsos, foram eles que cunharam a palavra Paideia, e conseguiram, com seus ensinamentos, despertar muitos jovens atenienses para intervir nas decisões políticas.
Por essa razão é que esses filósofos também foram personagens suspeitos e até hoje são vistos como aqueles que perturbam a realidade. Ou seja, são aqueles que ameaçam uma realidade posta e eram vistos com certo olhar negativo e de rejeição por quem detinha o poder; nesse caso, entre os gregos antigos, eles eram vistos pelos aristocratas como pessoas ameaçadoras, porque ensinavam aos jovens, esclareciam a ser cidadãos que lutavam por seus direitos, não se deixando enganar e nem ter seus direitos retirados.
O artigo intitulado “A pedagogia antes da pedagogia” é bem interessante de ler e traz uma visão de como que era praticada a educação antes da educação praticada atualmente, a educação dita formal, em que possui um lugar específico para isso, que são as escolas, já construídas para essa finalidade, e onde pessoas são preparadas para ser professoras, pessoas que passam a ter essa função como profissão.
Antes disso, como era praticada a educação, a pedagogia, como conhecemos hoje? É isso que Botter traz na obra, mostrando que começou na Grécia Antiga, com as ações dos filósofos, que muitas vezes eram tão somente pessoas que, por terem viajado muito, terem conhecido outras culturas, eram consideradas de grandes conhecimentos e que costumavam se reunir em locais públicos e conversar sobre seus conhecimentos com outras pessoas – que poderiam estar ali por vontade de obter conhecimento. Não era obrigatório estudar, e os locais não eram apropriados ou construídos para essa finalidade.
Outro ponto interessante na obra é mostrar que os filósofos sofistas, por levar os jovens a pensar a sua realidade, querer interferir e participar da política grega se tornarem alvo de perseguições dos aristocratas, que não viam com bons olhos essa participação dos jovens, que poderiam ter possibilidades de lutar pela democracia, não sendo pessoas fáceis de serem enganadas pela camada dominante da época.
Pelos aspectos mostrados, pode-se dizer que o artigo resenhado é interessante, ao trazer e mostrar como era praticada a pedagogia antes da pedagogia que conhecemos e praticamos atualmente, algo institucionalizado. No entanto, senti falta de maior esclarecimento a respeito de todo o percurso feito pela Pedagogia, desde a Grécia Antiga, quando era praticada somente pelos filósofos, até o momento atual, apontando diferenças entre elas.
É uma obra cuja leitura podemos recomendar, pelos pontos que trazem esclarecimentos importantes sobre como era a “pedagogia antes da pedagogia”.
Referência
BOTTER, Barbara. A pedagogia antes da pedagogia. In: OLIVEIRA, Paulo Eduardo de (Org.). Filosofia e Educação: aproximações e convergências. Curitiba: Círculo de Estudos Bandeirantes, 2012. p. 19-31.
Publicado em 14 de janeiro de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
MELO, Máximo Luiz Veríssimo de. A pedagogia antes da pedagogia. Revista Educação Pública, v. 20, nº 2, 14 de janeiro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/2/a-pedagogia-antes-da-pedagogia
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