As tecnologias e o mundo globalizado: reflexões sobre o cotidiano contemporâneo

Sabrina Guedes de Oliveira

Mestre em Novas Tecnologias Digitais na Educação (Unicarioca), especialista em Mídias Educativas, Psicopedagogia, Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica, graduada em História (UNIRIO), em Teologia (PUC-Rio) e em Pedagogia (UERJ). Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, poetisa, pesquisadora em tecnologias digitais na Educação, formação docente, alfabetização e políticas públicas educacionais

Veronica Eloi de Almeida

Doutora em Sociologia e Antropologia (UFRJ), com ênfase em Sociologia da Cultura, docente universitária, avaliadora de cursos (MEC BASis/Inep)

Leonardo Monteiro Trotta

Doutor em Ciência da Literatura (UFRJ), professor universitário de Design Gráfico, Pedagogia e Publicidade/Jornalismo (Unicarioca), professor do mestrado profissional em Novas Tecnologias Digitais na Educação (Unicarioca), pós-doutorando (ProPEd/UERJ)

A atualidade educacional é um espelho da ausência de modelos, de referenciais que antes balizavam a sociedade brasileira. Não ter paradigmas traz à tona a insegurança dos conceitos que antes sustentavam e eram pilares de uma cultura tradicional. Se por um lado tudo era respondido por meio dos valores difundidos por determinadas instituições, hoje isso não é considerado e validado.

O mundo dificilmente poderia ser realmente entendido como uma aldeia global, e mesmo sabendo que o peso das novas tecnologias e considerável na rearticulação da ordem social, não se pode esquecer que as técnicas se inserem sempre nas condições objetivas da história (Ortiz, 1994, p. 14).

Podemos afirmar que até mesmo, ou fundamentalmente, o Estado proporcionou esse levante de contrários, quando passou a não exercer seu poder na execução e legislação das ações pertinentes à regulação das oportunidades para toda a sociedade.

A multiplicidade é a tônica deste tempo em que vivemos. A diversidade, com toda a sua amplitude de questões, tomou uma proporção em que esse modelo de escola, de educação, arcaico, não vem conseguindo trabalhar nem responder aos anseios da geração que se apresenta. Segundo Josetti (2009, p. 21), “a escola de hoje resiste ao moderno e se apega tenazmente ao arcaico, ora entendido como materialização da obsolescência, do anacronismo, enfim, de uma prática que perdeu a efetividade”.

A tecnologia que temos na atualidade não é somente resultado da ciência; é “como um eco dos tempos: reverbera hoje como resultado daquilo que veio sendo gritado, desde sempre” (FILÉ, 2011b, p. 34).

Diante do cenário atual, propomo-nos a pensar/refletir acerca do papel das tecnologias diante de concepções que afirmam seus avanços e retrocessos. Partimos das premissas de Siemens (2005) de que as tecnologias têm reorganizado a nossa forma de viver, de comunicar e de aprender.

Conceituando: o que é tecnologia

Antes de adentrar a exposição dos argumentos levantados pelos críticos e defensores da tecnologia, vale a pena considerar o avanço e o desenvolvimento da terminologia tecnologia.

De acordo com Sancho (2001), temos na Grécia uma primeira apresentação da temática, em que téchine (arte, destreza) e logos (palavra, fala) representavam o desenvolvimento de uma habilidade que tinha e seguia determinadas regras para alcançar algo.

Sancho (2001) desenvolve o tema, apontando em Heródoto a primeira abordagem do tema como sendo um saber fazer de forma eficaz. Transformar a natureza a fim de garantir a sua subsistência. Ainda entre os gregos, Sancho (2001) afirma que para Aristóteles a téchine está acima da experiência, mas inferior ao raciocínio. A tecnologia é um fazer racional pelo logos, o raciocínio.

A Idade Média fez um paralelismo entre arte e técnica como a Grécia Antiga fazia, como elementos de um trabalho manual. O conceito tal como temos hoje vem da Idade Moderna; o primeiro autor a falar disso foi Francis Bacon, que afirmou que tecnologia é a técnica que incorporou conhecimentos científicos. Uma associação indissociável.

Por volta da metade do século XX, o termo tecnologia assumiu meios, ferramentas, ideias, processo e máquinas. “Tecnologias são [...] artefatos culturais, produto das necessidades culturais” (Bannell; Duarte et al., 2006, p. 67). Percebemos um avanço na própria constituição do termo. A tecnologia se define como corpo de conhecimentos teóricos, científicos. Uma ciência aplicada, voltada para a prática. Já não percebemos sentido em separar ciência e tecnologia, posto que há interdependência entre as duas.

Discutindo a tecnologia

A tecnologia está a cada dia apresentando-se no cenário mundial fazendo parte do cotidiano das pessoas, impulsionando há muito um “precisar” desse ferramental, contribuindo para a ausência de território, fundamentalmente, com a globalização crescente. Os movimentos contemporâneos desencadearam e reorganizaram o uso das tecnologias, promovendo uma revolução tecnológica. O binômio ciência-tecnologia trouxe um novo modelo relacional, especialmente ao potencializar esse homem no seio de uma sociedade que exige dinamismo e ruptura com o óbvio, levando a um escambo ideológico. É pensar “quais tecnologias se adéquam a um mercado particular” (Ortiz, 1994, p. 149). Essa é a concepção de como o homem é visto após sua inserção neste mundo cada vez mais digital.

Podemos afirmar que a tecnologia sempre esteve presente na vida do homem. As questões básicas de sobrevivência e de subsistência levaram o homem a procurar os meios necessários para garantir a vida. A técnica/tecnologia foram/são veículos importantes.

De acordo com Costa (2014, p. 25), “as tecnologias estão dispostas para o homem desde que ele começou a escrever nas paredes das cavernas [...]. Ao longo dos anos [...] foram se aperfeiçoando em diversos segmentos sociais em vários locais”. O conceito de técnica, de tecnologia está muito atrelado à própria constituição humana de sobrevivência da espécie, de atividades que se distinguiram e se voltaram para o trabalho a fim de suprir as necessidades básicas de estar e interagir no mundo. Os artefatos dos primórdios da sociedade em muitos momentos se confundiam com elementos da natureza.

A significação que hoje, na Pós-Modernidade, nós temos acerca da tecnologia veio com a Revolução Industrial. A tecnologia de outrora passou a não servir somente para colaborar na sobrevivência e manutenção da espécie, mas para explorar o outro, tornando-a conectivo de moeda, de trabalho.

A tecnologia surge como elemento vital na passagem de uma era mecânica para outra elétrica/eletrônica. Radicalmente descentralizado, o momento atual seria incompatível com a ordenação hierárquica das coisas (Ortiz, 1994, p. 159).

As duas grandes guerras mundiais trouxeram um avanço tecnológico significativo – que já vinha acontecendo desde o século XIX; “industrialização crescente e o surgimento das máquinas automáticas a vapor” (Colombo, 2006, p. 150). Mesmo que as consequências sejam questionáveis, o computador foi um representante desse ideal humano da atividade automotiva e de organização mental.

Considere no futuro um aparelho para uso individual, que nele exista uma espécie mecanizada de biblioteca e arquivos privados. [...] É o aparelho no qual o indivíduo guarde todos seus livros, suas anotações, comunicações e que seja mecanizada para que tudo possa ser consultado com uma velocidade e flexibilidade sem precedentes (Bush, 1945 apud Colombo, 2006, p. 63).

De acordo com Bhabha (1998, p. 274), as narrativas do século XIX foram as tecnologias do colonialismo imperialista que avançava levando esse artefato para outros espaços e povos, uma interação que ultrapassava o objeto. No século XIX, a burguesia conciliou as classes em sua cultura, seus fins e seus meios, no momento em que integrou também a tecnologia, principalmente com o surgimento da imprensa e no movimento da inserção de um tipo de narrativa que virou suporte para os populares.

A tecnologia materializou mudanças que, a partir da vida social, davam sentido a novas relações e novos usos. Estamos situando os meios no âmbito das mediações, isto é, num processo de transformação cultural que não se inicia nem surge através deles, mas no qual eles passarão a desempenhar um papel importante a partir de um certo momento – os anos vinte (Barbero, 2011, p. 191).

De acordo com Veen & Vrakking (2009, p. 9), “com a ajuda da tecnologia, a comunicação não mais se restringe ao texto. As imagens e o som podem ser adicionados com a mesma facilidade e, sem dúvida, acrescentam tanto quanto ou mais à nossa experiência”. Muitas vezes, as críticas às tecnologias são fruto de um não conhecimento acerca da temática, que precisa ser mais discutida e analisada.

Uma visão parcial da tecnologia nos leva a pensar somente nos seus aspectos tangíveis (os instrumentos) e a considerar perigosos somente aqueles que desconhecemos. Após a sua integração à nossa forma de vida, embora sejamos advertidos sobre as consequências da sua utilização, torna-se praticamente impossível abandoná-los. [...] E o que é mais importante, poucas vezes nos perguntamos como as tecnologias organizadoras e simbólicas configuram e transformam o nosso mundo (Sancho, 2001, p. 24).

Freenberg (1991) já afirmava que a tecnologia constituía um novo tipo de sistema cultural autônomo, anulando todos os valores tradicionais ou em concorrência. A tecnologia reestrutura todo o mundo social. Transforma o meio em uma forma de vida, trazendo um impacto substantivo. Para Pierre Lévy (1998), as tecnologias transformam o meio, modificando-o, afirmando que toda a instituição é uma tecnologia intelectual imutável porque se materializa nos sujeitos através da imaginação e da aprendizagem.

As novas tecnologias trazem um novo conceito ideológico, uma nova forma do conhecimento a ser apreendido, ao qualificar a relação do homem com a máquina, especialmente o computador. As relações de informação e comunicação por meio da tecnologia adentraram as escolas modificando a qualidade e a circularidade do tempo/espaço; na atualidade, isso é visto como primordial. Para McLuhan (1996), as tecnologias tornam-se invisíveis a partir do momento do contato, do hábito constante, do uso contínuo.

Com isso, o uso que fazemos delas permite que tenhamos familiaridade com algo que não é tão estranho e/ou diferente de outros instrumentos e de nós mesmos. A estranheza inicial é derrubada quando percebemos a utilidade no cotidiano.

É notório verificar que há uma realidade concreta que traz para o cotidiano a ampliação e a universalização da tecnologia como ferramenta e linguagem, corroborando a utilização do que é preciso e necessário para cada pessoa.

A revolução tecnológica vem trazendo uma nova concepção de mundo, interação e integração entre os indivíduos e as coisas que se relacionam, evidenciando uma qualidade significativa nas novas relações estabelecidas, assim como na educação.
Pons (2001) afirma que a tecnologia educacional é a forma mais adequada, eficaz e produtiva de avaliar o processo de ensinagem-aprendizagem. Não é substituir o educador, mas instrumentalizá-lo para que interaja, avalie e comunique – um contributo e auxílio, aproximando professores e alunos.

As tecnologias serão auxiliares importantes, oportunizando e oferecendo um caminho significativo para a mudança qualitativa da escola, como fonte e facilitadora na produção do conhecimento. Para Raposo (2016), as tecnologias oferecem novas formas de aprendizagem, novas lógicas, competências e sensibilidades. A tecnologia traz uma linguagem diferenciada, um ferramental novo em que a relação com o conhecimento possibilita uma aprendizagem em espaços e contextos diferenciados. O sujeito aprendiz é responsável por sua apropriação do saber.

Siemens (2004 apud Veen & Vrakking, 2009, p. 93) reforça esse pensamento ao afirmar que a influência das tecnologias é significativa. O que antes era explicado apenas pelas teorias da aprendizagem, hoje tem o suporte da tecnologia. Não podemos usar a tecnologia como modismo, mas deve fazer parte do cotidiano e do aprendizado de alunos e professores.

Como educadores, não podemos furtar ou negligenciar os conhecimentos circulantes em nosso cotidiano, ou estaremos fadados a um monólogo, ou uma comunicação que realmente não atende ao sentido de interlocução entre os indivíduos, de uma aprendizagem real e significativa.

A tecnologia tem mostrado as mudanças significativas para o corpo docente, especialmente, como diz Ely (1999), quando esse grupo profissional se sente insatisfeito com o status quo e tenta fazer a diferença, vendo neste “novo” aparato a forma eficaz para a solução dos problemas pedagógicos.

Mesmo que esse conceito apontado por Ely (1999) traga a mentalidade de uma época, de um contexto histórico, ele nos revela os contributos da tecnologia como suporte educacional na mediação pedagógica. A tecnologia faz uma construção com a educação e o cotidiano, “desvelando as implicações das novas relações sociais, em especial a formação do trabalhador” (Grinspun, 2002, p. 58).

O desenvolvimento tecnológico traz implicações nas formas de ser, conhecer, comunicar e produzir na sociedade, que já não admite a mera transmissão de informações. A ênfase no ensino passou a defender o foco na aprendizagem e na construção coletiva do conhecimento. Como insiste Freire (1987, p. 25), formar é muito mais do que treinar o aluno em certas destrezas. Para ele, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção”. Era defensor de uma educação problematizadora, a qual nega o ato de transferir, narrar ou transmitir conhecimentos aos educandos.

Para Canclini (2005), o uso de tecnologias não deve ser reduzido a pacotes tecnológicos fundados na racionalidade instrumental e limitado a materiais de ensino que acabam por distanciar o processo de ensino-aprendizagem de sua dimensão emancipatória. As escolas não podem ser reprodutoras do discurso hegemônico da democratização das tecnologias como a via principal para o crescimento pessoal/profissional.

Seguindo a linha teórica da crítica à tecnologia, Postman (1997) afirma que ela pode prejudicar indivíduos/grupos, já que na área educacional os experimentos são humanos. Há que problematizar as estruturas e os contextos sociais quanto ao uso tecnológico. Para esse teórico, a tecnologia altera os significados da própria linguagem, a forma como os indivíduos interagem e se relacionam.

Argumentos a favor ou contra a tecnologia ratificam a força motriz que ela carrega nos mais variados espaços da atualidade, e não poderia deixar de ser também na educação. Não discutir e transferir a responsabilidade para o outro é não permitir que o debate aconteça. As vozes ecoadas precisam anunciar os discursos da eficácia (ou não) da tecnologia como artefato e linguagem. Precisamos nos apropriar cada vez mais desse conhecimento – que de novo não tem nada. Ser humano e ser tecnológico são intrínsecos, constitutivos da mesma raiz já colocada nesta pesquisa, um sobreviver físico, mas também intelectual.

Conclusão

Precisamos pensar que, no mundo globalizado, o projeto político neoliberal se ancora na tecnologia, fazendo-a representante máxima dessa comunicação que delimita o antes e o depois da virilização dos aparatos que a compõem; por isso, a necessidade de refletir que há um aspecto sociológico preponderante presente. “Para o Banco Mundial, as nações devem priorizar a capacitação feita por meio do acesso às tecnologias” (Barreto, 2009, p. 124).

Canclini (2005) aponta que a tendência hegemônica do uso das tecnologias no âmbito do capitalismo atende aos interesses das classes dominantes, em detrimento das necessidades da maioria da população.

A evolução tecnológica impõe-se e transforma o comportamento individual e social. A economia, a política, a divisão social do trabalho, em diferentes épocas, refletem os usos que os homens fazem das tecnologias que estão na base do sistema produtivo. Desde o período inicial da Revolução Industrial – baseada na mecanização da indústria têxtil e no uso industrial da máquina a vapor – até o momento atual, em que predominam as tecnologias eletrônicas de comunicação e informação e a utilização da informação como matéria-prima, que o homem transita culturalmente por intermédio das tecnologias. Elas transformam suas maneiras de pensar, sentir, agir. Mudam também suas formas de se comunicar e de adquirir conhecimentos (Raposo, 2016, p. 75).

A concepção e o entendimento de trabalho sofrem mudança, levando a uma valorização da tecnologia, da técnica como fundamento dessa sociedade atual. O processo prático do trabalho carrega em si essa estrutura. O desenvolvimento tecnológico da modernidade transformou radicalmente a comunicação, a circulação de informações. Espaço e tempo, que seriam elementos importantes a ser considerados, passam a não ter uma dimensão específica.

O processo de globalização implica a perda do sentido da centralidade, o que significa, inclusive, a obsolescência dos quartéis-generais. Ele exige mobilidade e descentralização (Ortiz, 1994, p. 155).

A circulação de informações como elemento constitutivo das interações dialógicas das interlocuções passou por mudanças significativas ao longo do século passado e início deste XXI que demonstram como os artefatos tecnológicos foram importantes demarcadores do terreno das informações, mas, principalmente, do acesso ao conhecimento. Democratização ou segregação?

Para os estudiosos da Escola de Frankfurt, a comunicação e a tecnologia voltadas para as massas serviram aos interesses hegemônicos, à medida que contribuíram para a alienação dos consumidores.

Thompson (1998 apud Pretto; Silveira, 2008, p. 58), por sua vez, critica o caráter monológico desse “diálogo”. A comunicação acontece num único sentido, pois quem a consome fica emudecido diante do sistema que oprime e marca o terreno e o espaço que precisam ser ocupados.

Desde finais dos anos 80, o cenário da comunicação na América Latina é protagonizado pelas "novas tecnologias". [...]. Na América Latina, a irrupção dessas tecnologias delineia, entretanto, uma multiplicidade de questões, desta vez não dissolvidas pelo velho dilema: dizer sim ou não às tecnologias é dizer sim ou não ao desenvolvimento, porque as questões deslocam o problema das tecnologias em si mesmas para o modelo de produção que implicam, seus modos de acesso, aquisição e emprego; deslocamento de sua incidência em abstrato sobre os processos de imposição, deformação e dependência que trazem consigo ou, numa palavra, de dominação, mas também de resistência, refuncionalização e redefinição (Barbero, 2011, p. 252).

As tecnologias na América Latina foram elementos importantes no processo de modernização, de apropriação social e cultural; de acordo com Baudrillard, tornam visível a resistência das culturas populares (Baudrillard, 2011, p. 254), especialmente quanto ao uso dessa nova linguagem e quais significados são trazidos.

As tecnologias não são meras ferramentas transparentes; elas não se deixam usar de qualquer modo: são em última análise a materialização da racionalidade de uma certa cultura e de um "modelo global de organização do poder” (Barbero, 2011, p. 256).

Barbero completa dizendo “que a tecnologia moderna é a causa necessária e suficiente da cultura de massa" (Barbero, 2011, p. 60), visto que são as ferramentas que mobilizam e movimentam a circulação de informações e conhecimentos da atualidade, congregando os indivíduos a interesses nem sempre claros para a maioria da população.

Estar ancorado no mundo tecnológico traz uma imagem, nem sempre real, de que a inserção acontece com todos, em todos os momentos e espaços. De acordo com Barbero (2011, p. 255), “as novas tecnologias educam as classes populares da América Latina na atitude mais conveniente para seus produtores: a fascinação pelo novo fetiche”. O mundo de hoje não consegue dar resposta às inquietações do sujeito e a crise estrutural que o sistema neoliberal implantou chegou aos bancos escolares. Os sistemas tecnológicos que seriam a segurança e porto seguro necessitam a todo momento reconstruir a sua identidade como fator de reflexão e problematização da sociedade atual.

Devemos pensar a mediação por meio dos aparatos tecnológicos. Essa comunicação acontece na relação das ferramentas tecnológicas, dos “ecrãs” (objeto social e simbólico), de acordo com Gustavo Cardoso (2013). A relação de mediação torna-se de consumo também, já que a tecnologia é social, política, econômica e estética.

Assumir a tecnologia como variável independente, mas também potencialmente dependente, é estabelecer o uso enquanto processo reflexivo, como uma prática social mais do que como padrão de consumo (Cardoso, 2013, p. 32).

O acesso tecnológico não garante o pleno exercício da cidadania. Ele traz conteúdos simbólicos com significados que são próprios, tornando-se muitas vezes elementos de exclusão da informação e, consequentemente, da construção do conhecimento, em muitos momentos, como elemento segregador. “As técnicas emergentes do fim do século XX oferecem a possibilidade de superação do impeditivo de tecnologia hegemônica, mas admite-se a proliferação de novos arranjos” (Santos, 2001, p. 165), mas ainda assim temos dúvidas e questionamos o seu papel na atualidade.

Quanto maior a presença da tecnologia, menor necessidade do trabalho humano, bem como maior a subordinação real do trabalho ao capital e aos que se valem das tecnologias para ampliar as formas de controle do trabalho e dos seus produtos (Barreto, 2009, p. 127).

Ser homem, humano, cidadão na atualidade requer uma postura que esteja cada vez mais voltada para um “precisa estar conectado à rede, assim se anuncia o jogo” (Kopp, 2001, p. 67). Jogo que, de acordo com o próprio autor, impulsiona a ver o outro por meio da tecnologia, como um grande manipulador. Algo ou alguém que nos domina e controla.

Barreto (2009) afirma que as ciências tecnológicas expressam a necessidade de trabalhadores adaptáveis às mudanças de forma a acompanhar a modernização fabril. Isso é pensado pela via da observação e da imitação, em um processo de “aprendizagem artesanal”, ou pela via da aquisição de técnicas e profissionais. Essa é uma dualidade que a escola tem que administrar e gerir.

As políticas públicas educacionais forçam um discurso do “fetiche tecnológico”. Algo não questionado e de acordo com organismos internacionais como o Banco Mundial, que propagam a corrida pelo conhecimento como algo determinante da contemporaneidade, um estar em “contato com o mundo”.

Os códigos utilizados pelas tecnologias da atualidade eventualmente transmitem informações que não são compreendidas pelo público em geral e algumas vezes a manipulação da informação e do conhecimento advém desses mesmos códigos. A “manipulação tem interesse comercial, em outros, interesse político, em outros, interesse religioso que terão o óbvio resultado de beneficiar, em primeira instância, os produtores dos meios de comunicação” (Amora, 2011, p. 26).

A tecnologia precisa ser incorporada à sociedade como elemento a contribuir com os diferentes organismos e instâncias, trazendo assim um diferencial a mais na interação com o outro; consequentemente, com esse espaço globalizado.

O Homo zappiens não apenas representa uma geração que faz as coisas de maneira diferente – é um expoente das mudanças sociais relacionadas à globalização, à individualização e ao uso cada vez maior da tecnologia em nossa vida. [...] Considero os valores e o comportamento do Homo zappiens uma oportunidade para nos ajudar a dar nova forma à educação do futuro (Veen; Vrakking, 2009, p. 5).

A expressão Homo zappiensfoi a forma escolhida pelos autores para classificar as pessoas que nasceram após os anos 1990, que não conheceram o mundo sem a internet e a tecnologia.

A globalização traz alguns imperativos para a tecnologia que transmitem controvérsias no interior de seus discursos.

O desenvolvimento das tecnologias permite cada vez mais o barateamento dos meios de produção e aumenta as possibilidades de que as pessoas se apoderem desses meios [...]. Além disso, o próprio desenvolvimento da tecnologia também tem permitido para parte da população a conclusão de trabalhos em menos tempo, sobrando mais horas do dia do cidadão para se dedicar a outras atividades (Amora, 2011, p. 20).

Mas será que esse movimento de um mundo sem fronteiras por meio da tecnologia, em que o tudo está em todos e vice-versa não acarreta um ônus para a maioria da população que em termos tecnológicos precisa de empoderamento e apropriação que o levem ao questionamento do para quê e para quem serve tudo isso?

A revolução tecnológica tem afetado as economias de todo o mundo, que passaram a ter uma interdependência global, apresentando uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a sociedade. Em decorrência desse processo, criamos um novo sistema de comunicação que fala cada vez mais uma língua universal digital; e vem tanto promovendo a integração global da produção e distribuição de palavras, sons e imagens de nossa cultura como personalizando-a ao gosto das identidades e dos humores dos indivíduos (Leite apud Freire, 2011, p. 62-63).

Como vimos, o diálogo que as tecnologias estabelecem não é neutro; pertence a interesses, grupos, mas de qualquer forma essa comunicação traz uma contribuição positiva, segundo Selwyn (2017), superando os obstáculos e as críticas que permeiam esse espaço de discussão, fundamentalmente a escola. Esse é o diálogo necessário que devemos aprofundar e estabelecer entre a tecnologia e a globalização, sabendo que os interesses relacionados a esses dois campos trazem um diálogo crítico e enriquecedor, muito pertinente aos espaços escolares.

Como educadores, sabemos que o espaço escolar traz os embates e tensões ideológicas dos diferentes campos do conhecimento, e não seria diferente com a tecnologia educacional digital. Devemos ter clareza, discernimento quanto à importância do professor como formador, que fazemos parte e somos integrantes da engrenagem mundial que traz marcas e traça o futuro e perspectivas de trabalho.

Sendo assim, não podemos deixar de estabelecer metas conscientes quanto ao conhecimento, prática e importância da tecnologia no cotidiano da sociedade, mas especialmente no chão da sala de aula.

Referências

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Publicado em 14 de janeiro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

OLIVEIRA, Sabrina Guedes; ALMEIDA, Veronica Eloi de; TROTTA, Leonardo Monteiro. As tecnologias e o mundo globalizado: reflexões sobre o cotidiano contemporâneo. Revista Educação Pública, v. 20, nº 2, 14 de janeiro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/2/as-tecnologias-e-o-mundo-globalizado-reflexoes-sobre-o-cotidiano-contemporaneo

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