Capacidade ou deficiência: o que olhar no aluno incluso?
Emanuelle Gonçalves da Rocha Silva
Especialista em neuroaprendizagem
Helena Maria Velloso da Silveira
Docente em EaD
Este artigo tem o objetivo de suscitar nos professores o compromisso com o processo ensino-aprendizagem de todos os alunos, de forma a possibilitar o desenvolvimento dentro de cada especificidade.
Em estudos cada vez mais específicos sobre o funcionamento do cérebro e como se dá o processo de aprendizagem e desenvolvimento do homem, chegou-se à conclusão de que todos podem aprender dentro das suas especificidades. Essa afirmação, confirmada pelos estudos da Neurociência, amplia a visão sobre a aprendizagem e leva a área educacional a outro patamar de realidade.
Tem sido crescente o número de alunos com deficiência matriculados e frequentando o ensino regular, porém nem sempre o atendimento realizado pelo professor da turma é adequado para essa clientela. Os apontamentos para essa questão são diversos, desde falta de preparo, de estrutura, de suporte, de apoio, de materiais específicos até falta de conhecimento sobre o próprio educando.
É preciso ter em mente o olhar na pessoa, no ser humano por trás da deficiência ou da dificuldade, seja ela qual for, e enxergar nele a possibilidade de desenvolvimento dentro das suas particularidades. A visão da educação formal está cada vez mais ampliada e o papel da escola não é mais transmitir conteúdos preestabelecidos, mas sim mediar o desenvolvimento global do indivíduo, fazendo com que ele evolua como pessoa através do processo de ensino-aprendizagem. O aluno não é mais visto como passivo, um mero receptor de informações, e sim um ser ativo e participante da sua educação. O que ainda é preciso desenvolver nos profissionais da Educação é esse mesmo olhar para os alunos com deficiência e/ou com dificuldades.
O presente trabalho se desenvolve no âmbito da pesquisa qualitativa, pois esta tem como foco de interesse a obtenção de dados descritivos que se dão através de um contato mais direto e de forma mais interativa entre o pesquisador e a situação que é objeto de estudo. A pesquisa terá caráter explicativo com base em fontes de informações bibliográficas, visando fornecer um panorama mais abrangente acerca da perspectiva e do trabalho do professor em sala de aula com alunos que apresentem dificuldades ou que sejam inclusos.
Resultados e discussão
A neurociência nos ajuda a perceber e entender como funciona o processo de aquisição do conhecimento pelo cérebro humano. Faz entender que, além da hereditariedade e de todo o aparato biológico, a interação dinâmica e constante advinda do meio cria um fluxo de informação que leva a aprender significativamente. Os teóricos cognitivistas já haviam nos despertado quanto a isso, porém sabemos agora que a intensidade, a clareza, a forma, o momento ideal e a melhor maneira pela qual o cérebro é capaz de aprender, é quando o interesse e a necessidade característica de cada aluno despertam nele novas sinapses que o fazem assimilar o conteúdo. Isso é muito mais importante nos alunos com dificuldades de aprendizagem e/ou inclusos, que requerem maior dedicação do professor e dos demais envolvidos no seu aprendizado. Fitó (2012) ainda reforça que
conhecer as bases cerebrais das diferentes dificuldades de aprendizagem é fundamental para ajudar as crianças com mau desempenho na escola. O fracasso escolar diminuiria se o sistema educativo oferecesse assistência efetiva para os alunos com dificuldades.
Entende-se que, conforme a criança aprende, tanto ela quanto o seu cérebro se desenvolvem, e a aprendizagem ocorre à medida que se estabelece uma relação lógica com o objeto de conhecimento. Sendo assim, durante a infância, a quanto mais estímulos e informações a criança for submetida, mais memória e aprendizado ela terá, tanto na parte motora quanto cognitiva, porém sem sobrecarregar seu sistema nervoso. Essa é a fase da vida mais propícia a estímulos devido ao fato de as alterações sinápticas estarem ocorrendo com maior intensidade e frequência. Uma criança bem estimulada terá maiores e melhores condições para o seu desenvolvimento; aquela privada de informações e conhecimentos de tarefas e habilidades torna-se adulta com menos conhecimentos, fato esse que não está ligado à inteligência.
A criança com dificuldade de aprendizagem apresenta características mais marcantes em sala de aula; elas possibilitam ao professor perceber que algo diferente está acontecendo. Por vezes essas crianças exibem comportamentos inadequados, que divergem da maioria, exatamente por terem essa dificuldade que não é atendida no cotidiano escolar e que acaba por impedir que a aprendizagem ocorra satisfatoriamente. Paín (1985) alerta que “cabe diferenciar dos problemas de aprendizagem aquelas perturbações que se produzem exclusivamente no marco da instituição escolar”, ou seja, alunos que causam problemas por se opor às regras da instituição, a má qualificação do professor, a dificuldade de expressão da criança, a forma arbitrária de inserção no ambiente escolar, entre outros motivos que levam o aluno a apresentar dificuldade, mas que não está relacionada às condições de aprendizagem em si.
Na prática em sala de aula, o professor deveria observar e analisar o perfil da turma, conhecer as particularidades dos seus alunos com conversas e atividades voltadas para o conhecimento da turma e seus interesses, e a partir de então elaborar seu planejamento direcionado para atender as necessidades percebidas tanto do grupo como de cada aluno em particular. Tais atividades para atingir determinado aluno não precisam ser realizadas somente com ele, mas com um grupo grande ou pequeno, dependendo da tarefa, para que haja maior integração, porém a observação do desenvolvimento deve estar atrelada ao aluno em questão.
O aluno não “assimilar” o conteúdo não significa necessariamente que ele não aprendeu nada, pois o desenvolvimento social pode ser um avanço muito mais importante para determinados alunos. Por vezes, a dificuldade se enquadra na socialização e não na aquisição dos conteúdos. Por isso, é preciso saber o que o aluno precisa desenvolver para que, no seu tempo e sem pressão, ele “alcance” a prontidão para adquirir os conteúdos formais do currículo escolar.
As salas de aula atualmente são desafiadoras no quesito da diversidade, pois muitas crianças, por diferentes motivos, estão nascendo com algum tipo de limitação motora, afetiva, emocional, comportamental e/ou social. E todos esses indivíduos têm a possibilidade de aprender, de se desenvolver de alguma forma, seja em maior ou menor grau, dentro daquilo que é possível para cada um. É preciso que se pense nos alunos como seres humanos que estão em processo de desenvolvimento – logo, de crescimento – e que a todo momento experienciam o ensino e a aprendizagem segundo suas diferenças individuais.
Conhecer o funcionamento do cérebro e incluir esse conhecimento prático em sala de aula, atendendo a todos os alunos no seu melhor e no seu pior, é trabalhar a inclusão. É preciso entender que o fracasso escolar ligado às crianças com dificuldade de aprendizagem está diretamente relacionado ao fracasso da escola em oferecer apoio adequado aos alunos. Palangana (2015) completa que
a aprendizagem teria mais chance de ser efetiva quando pautada nas necessidades da criança. Primeiro, porque o interesse partiria da própria criança, revelando que seu nível de organização mental está apto a realizar tal aquisição, já que a necessidade traz implícitas as formas ou estruturas cognitivas das quais a criança dispõe. Segundo, porque a aprendizagem passaria a ser o meio pelo qual a necessidade pode ser satisfeita, tornando-se necessária.
Vemos todos os dias casos de crianças com deficiência que, com o suporte adequado, conseguem superar as expectativas relacionadas ao seu desenvolvimento. O professor consegue ser esse mediador se tiver qualificação para saber o que deve fazer para proporcionar isso ao aluno. Com o conhecimento sobre as limitações e capacidades dos alunos e sobre como se dá o processo de aprendizagem, esse profissional consegue que haja interação maior de linguagem com as crianças inclusas ou com dificuldades, criando estratégias que favoreçam seu desenvolvimento. E proporcionar um ensino voltado as necessidades da criança é dever do professor!
Dentro desse contexto, é preciso descobrir nesse aluno as capacidades que ele possui para se desenvolver e trabalhar a partir daí. É comum atualmente, nas escolas, ver professores justificando seus fracassos e descasos nos laudos dos alunos, como se não fosse possível a eles aprender. Porém sabe-se que nem todos irão aprender com as mesmas metodologias e no mesmo ritmo, e, por isso, se o aluno não consegue aprender com uma metodologia ou não possui maturação para determinado conteúdo, que o professor se adapte à sua necessidade para que todos sejam alcançados.
Conclusão
A realidade do dia a dia em sala de aula é muito desafiadora. Encontram-se os mais diversos tipos de alunos com experiências e realidades que os tornam únicos, fazendo com que a didática tradicional que alguns profissionais ainda insistem em utilizar na sala de aula se torne ineficiente e obsoleta. Grande parte desses alunos necessita de uma mediação mais individual que favoreça seu desenvolvimento, pois apresentam dificuldades maiores em sua aprendizagem, que podem ser crônicas ou temporárias, variando conforme a causa. Para que se alcance o objetivo educacional de levar os alunos à aprendizagem e ao desenvolvimento, é preciso que os professores procurem entender e conhecer esse sujeito.
Cada indivíduo é único e precisa ser atendido em sua especificidade em sala de aula para que o aprendizado ocorra satisfatoriamente. Ter esse olhar sobre cada aluno particularmente é um desafio muito grande para o professor, porém com competência é possível promover uma aprendizagem significativa e enfim a educação poderá avançar para os padrões dignos de formação de um cidadão.
Referências
FITÓ, Anna Sans. Por que é tão difícil aprender? O que são e como lidar com os transtornos de aprendizagem. São Paulo: Paulinas, 2012.
PAÍN, Sara. Diagnósticos e tratamentos dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1985.
PALANGANA, Isilda Campaner. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância do social. 6ª ed. São Paulo: Summus, 2015.
Publicado em 14 de janeiro de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Emanuelle Gonçalves da Rocha; SILVEIRA, Helena Maria Velloso da. Capacidade ou deficiência: o que olhar no aluno incluso? Revista Educação Pública, v. 20, nº 2, 14 de janeiro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/2/capacidade-ou-deficiencia-o-que-olhar-no-aluno-incluso
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