O desafio de educar na diversidade

Tereza Claudia Medella Dias

Graduanda em Pedagogia (UNIRIO/Cederj/Cecierj), professora de Educação Infantil da rede municipal do Rio de Janeiro

Rafael Rossi de Sousa

Professor da rede municipal do Rio de Janeiro, mediador pedagógico a distância do curso de Pedagogia (UNIRIO/Cederj/Cecierj)

Uma das diretrizes das instituições de Educação Infantil é propiciar acesso à educação para todas as crianças sem discriminação, enriquecendo seu desenvolvimento e inserindo-as socialmente (Brasil, 1998). Nesse contexto,

“Educare”, considerando o sentido original da palavra, significa criar, nutrir, orientar, ensinar, treinar, conduzir o indivíduo de um ponto onde ele se encontra para outro que se deseja alcançar. Refere-se à ação do docente sobre o discente, cujo objetivo centra-se no desenvolvimento mental e moral do educando, preparando-o, mediante instrução sistemática, para inserir-se na sociedade (Ecco; Nogaro, 2015, p. 3.525).

Em 1994, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu uma resolução, denominada Declaração de Salamanca, em que são abordados princípios, políticas e práticas voltados para a educação de alunos com necessidades especiais (MEC, 1994).

Historicamente, a deficiência era considerada uma doença crônica, e as atividades envolvendo a área educacional eram vistas apenas como terapêuticas, não sendo consideradas necessárias e muitas vezes vistas como inviáveis, dada a dificuldade de aprendizado dos indivíduos e a falta de expectativas de desenvolvimento acadêmico. Com a institucionalização da Educação Especial na década de 1970, houve um avanço na garantia de acesso às escolas para o público portador de deficiência. A associação da Educação Especial com conceitos de Pedagogia e Psicologia permitiu a criação de novas técnicas e estímulos de aprendizagem para esses alunos, transformando o “modelo médico de ensino” em um modelo educacional (Glat; Mascarenhas, 2005).

Entretanto, mesmo representando um avanço, a Educação Especial era um serviço paralelo ao sistema de ensino tradicional, e na prática consistia em espaços segregados para os que não se enquadravam na sociedade. Com a luta contra a marginalização das minorias, o modelo passou a ser questionado e a Educação Inclusiva ganhou espaço para discussão, principalmente após a proposta da Declaração de Salamanca (Glat; Mascarenhas, 2005).

Para se tornar uma escola inclusiva, é necessário haver adaptação, organização e preparação da escola regular, além de contar com professores capacitados para trabalhar com a diversidade em práticas educativas diferenciadas que promovam a inclusão social (MEC, 2001).

Segundo Matias e Souza (2016), “é crucial que a sociedade como um todo converta sua forma de pensar, aceitando que alunos portadores de necessidades educacionais especiais são sujeitos com as mesmas prerrogativas e atribuições que alunos considerados normais”. Entretanto,

as dificuldades são grandes e diversas. Daí a importância de estudos mais aprofundados e professores mais precisos no que se refere à inclusão, de pensar em inclusão e também nas questões sociais que afetam a todos e principalmente a clientela de alunos com necessidades educacionais especiais (Lopes, 2016, p. 751).

Para Silva (2011), a inclusão está além de compartilhar o espaço físico de ensino; ela engloba um conjunto de atividades que proporcionem a interação de aprendizado significativo a todos os alunos. Trata-se, portanto, de uma questão de direitos; representa um desafio por trabalhar com a heterogeneidade, que pode envolver questões complexas e difíceis de gerir com recursos insuficientes.

Cabe ao professor direcionar o processo pedagógico, transpor os desafios e criar condições necessárias para o aprendizado, de modo que incentive seus alunos a superar barreiras e avançar no campo intelectual, afetivo e social (Rocha, 2017). Nesse sentido, o presente estudo possui como objetivo refletir sobre o papel do professor na inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais em sala de aula.

A motivação para essa temática partiu de interesse pessoal sobre o assunto, reafirmado pelas experiências profissionais em sala de aula e pela complexidade de abordagem, devido a divergências no que tange a metodologias de trabalho dentro da área de educação. Desse modo, a presente pesquisa objetiva apresentar um relato de experiência de dois casos de crianças com necessidades educacionais especiais matriculadas em uma escola regular da rede pública. Pretende-se, assim, discutir as potencialidades do trabalho pedagógico com esse público, bem como identificar as dificuldades enfrentadas pelos educadores no sistema de ensino público.

Metodologia

A pesquisa foi fundamentada em autores como Lopes (2016), que discorre sobre adequação e reflexão constantes sobre o currículo escolar como fonte de transformações sociais e ferramenta para auxiliar as equipes de trabalho dentro da escola de forma funcional. Matias e Souza (2016) ratificam ideias de mudanças na sociedade como um todo, com atitudes pensadas sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.

Trata-se de um relato de experiência vivenciado de 2015 a 2016 em uma escola municipal de Ensino Infantil na cidade do Rio de Janeiro. As experiências relatadas neste estudo descrevem o cotidiano pedagógico e o processo de inclusão desenvolvido em dois casos de crianças com necessidades especiais matriculadas na escola. A vivência profissional, como professora, proporcionou-me aproximação à temática, surgindo inquietações sobre o papel do professor na Educação Inclusiva.

Nesse sentido, questiona-se: quais os desafios de trabalhar a Educação Inclusiva no contexto educacional brasileiro da atualidade? Para contextualização, o presente artigo utilizou como método de pesquisa a revisão bibliográfica, em que são abordados os conceitos de inclusão, necessidades especiais, integração e legislação vigente, trazendo a reflexão e a discussão sobre o papel do professor na promoção da inclusão.

As atividades vivenciadas em sala de aula foram utilizadas como fonte de pesquisa, por meio de observações diárias do trabalho realizado para melhoria das práticas de ensino e assim promover uma forma educacional que reúna diferenças e diversidades, possibilitando conhecer mais sobre o aluno e, o que é mais importante, ensinar.

O primeiro passo consistiu em conhecer o aluno com necessidades educacionais especiais (NEE) e identificar o que ele já possui como conhecimento, seguido da observação e do estímulo às suas formas de comunicação com todos dentro do espaço escolar, já pensando em possíveis alternativas de materiais de trabalho, e a partir daí propor atividades para todo o grupo.

Como segundo passo, cabe refletir, à luz da literatura, sobre os métodos educacionais empregados, sua aplicabilidade e seus impactos na vida das crianças que possuem necessidades especiais, de modo a contribuir para práticas inclusivas em educação.

Cenário

A escola municipal de que trata esta vivência é um espaço de desenvolvimento infantil (EDI) localizado no bairro da Lagoa, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Caracteriza-se por sua infraestrutura térrea; possui sete turmas de Educação Infantil em turno integral de oito horas diárias. Conta com área arborizada e playground para recreação. A sala de leitura possui livros infantis, recursos audiovisuais, mesas de trabalho e materiais de colorir e moldar, como lápis de cor, giz de cera, papéis de diversos tipos, tesouras e massa de modelar, além de recursos de informática – cinco computadores equipados com jogos infantis. Os banheiros femininos e masculinos são mobiliados e adaptados para o público infantil, bem como as salas e o refeitório.

Necessidades especiais e inclusão social

O que é inclusão? Esse termo se refere a quem? Falamos muito essa palavra nas escolas, nos ambientes de Educação, lemos muitas teorias sobre ela e ouvimos muitas definições. Diferentemente da integração, que foca em um pequeno grupo e visa à normalização dos alunos com necessidades especiais, a inclusão rompe os paradigmas e defende que os professores devem trabalhar as potencialidades de todos os alunos (Rocha, 2017).

A escola é um espaço de convívio social e de desenvolvimento de saberes sociais coletivos e sistematizados para que esse aluno possa se desenvolver. Então surge o termo inclusão, que por definição é acrescentar pessoas em grupos de que elas não faziam parte, levando-as a pertencer (Lopes, 2016). A partir dos anos 1990, seu conceito passou a englobar o desenvolvimento humano como resultado das interações sociais, afirmando que o contato com o meio social normal faz com que a pessoa com NEE amplie suas capacidades e desenvolva seus potenciais (Vygotsky, 2007).

A Lei n° 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação, enfatiza que o aprendente deve desenvolver sua capacidade de leitura, cálculo, escrita e assimilação do meio ambiente e social, das artes, da tecnologia, do sistema político e dos valores que fundamentam a sociedade e, para os especiais, habilidades e conhecimentos sobre valores e atitudes, vínculos familiares, fortalecimento da tolerância e respeito à diversidade (Brasil, 1996). Esses pressupostos e referenciais são o caminho para uma educação inclusiva.

Mas a vivência de inclusão encontra-se distante da nossa cultura e da forma como aprendemos sobre educação de crianças, jovens e adultos. Para que ela ocorra, é necessário que as instituições de ensino sejam equipadas com professores capacitados, material pedagógico e espaço físico adequado, porém grande parte dessas instituições não está preparada para atender à demanda dos educandos com necessidades educacionais especiais e suas demandas em sala de aula. De modo geral, encontramos ainda professores despreparados para essa realidade e sem uma rede de apoio para desenvolver o seu trabalho com qualidade. Segundo Matias e Souza (2016), “transpor essa barreira é algo que só um docente comprometido com a mudança pode fazer”.

Ao considerar o termo inclusão no seu sentido mais amplo, a composição de uma equipe multidisciplinar é fundamental para a construção e apoio a novas possibilidades de ação por parte dos diferentes agentes, visando a efetivação e o fortalecimento de uma nova dinâmica que valorize cada sujeito e sua diversidade. E a promoção desse sujeito e tudo o que ele e sua família podem trazer de contribuição para a melhora da qualidade do trabalho (Lopes, 2016, p. 751).

A inclusão deve ser considerada do ponto de vista curricular, considerando a diversidade, em que todas as pessoas possam ser contempladas e acolhidas de acordo com suas necessidades (Matias; Souza, 2016). Por isso a importância de escolas mais adaptadas e com estrutura que favoreça a acessibilidade, como corrimãos para facilitar subidas e descidas de escadas, rampas de acesso ou elevadores para que cadeirantes possam se locomover com autonomia e dignidade, sem dependência de outros; banheiros adaptados para que todos possam usar sem constrangimento ou dependência de terceiros; material pedagógico adequado às necessidades do estudante, com planejamento e avaliação do professor regente e de um professor especializado em Educação Especial para que a escola e o espaço de convivência façam sentido para esse aluno.

Na escola inclusiva, as adaptações de grande porte são de competência dos órgãos de Educação nas esferas federais, estaduais e municipais, dependendo da natureza da instituição de ensino, enquanto as de pequeno porte partem da iniciativa do professor e da sua busca por qualificação (Rocha, 2017). Esse autor destaca ainda que não há inclusão sem a diferenciação pedagógica, porém ela não pode marginalizar o aluno com NEE e sim inseri-lo nas atividades em que for possível sua participação, de preferência trabalhar com aquelas que possam ser realizadas por todos da turma. Para isso, os professores devem atuar como mediadores, criando ambientes que facilitem a interação de acordo com as necessidades particulares de cada um, utilizando a diferenciação apenas para organização do trabalho e não como método pedagógico.

Relato de experiência

O trabalho com alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) traz a necessidade de estímulos à cognição, à socialização, ao autocuidado, ao desenvolvimento motor e à linguagem com atividades pedagógicas pensadas sobre esses aspectos da educação (Lima, 2016, p. 16). E com essa visão desenvolver um plano de ensino que envolva essas cinco áreas, transformando-as em disciplinas de estudo como: Matemática, Natureza e Sociedade, Linguagem Oral, Artes e Formação Social, que trabalha o comportamento de forma positiva e estimula práticas de boas relações entre todos e pode ser feito diariamente em rodas de conversa em que todos são estimulados a falar e opinar.

De acordo com Lima (2016), o ser humano precisa de formas, ou seja, modelos para se construir como indivíduo de uma sociedade. Elas devem ser cuidadosamente trabalhadas para que esse sujeito saiba que não precisa se moldar às normas de conduta pregadas pela sociedade. A pessoa deve ser estimulada a pensar e agir para fazer parte do social, sendo aceito sem regras fixas e sem imposições, construindo-se como indivíduo e ser social e fazendo com que o outro o aceite e respeite, agindo de acordo com conceitos éticos que podem ser aprendidos e que ajudam a construir a convivência entre todos, sejam diferentes ou não.

Em pesquisa realizada com os familiares das crianças citadas nos relatos a seguir, pude perceber que a visão de deficiência para essas famílias é a de que seus filhos têm limitações que os diferenciam das demais crianças em alguns aspectos da vida e ações do dia a dia, porém não as impede de ter uma vida familiar, social e escolar como qualquer outra criança que não tenha necessidades especiais. Em conversas informais pude conhecer um pouco das ideias de cada uma dessas famílias e entender como cada uma lida de forma diferente com sua criança.

Diante dessas considerações, apresento um relato sobre minha experiência em sala de aula com alunos com necessidades educacionais especiais em uma instituição de ensino com poucas adequações para aprendentes com essa realidade.

Apresentação do caso 1

Meu primeiro relato é de um menino na faixa de 6 anos com paralisia cerebral associada a microcefalia e outros componentes agravantes advindos de uma toxoplasmose adquirida pela mãe no sexto mês de gravidez. Vou chamá-lo de J. (nome fictício) por questões éticas. Conheci J. alguns meses depois do início do ano letivo; a turma já havia se formado. Ele tinha muita dificuldade de locomoção, um andar comprometido por conta de as pernas não terem flexibilidade e tônus suficiente para mantê-lo em pé por muito tempo; tinha dificuldades visuais nos dois olhos (segundo relato da avó, responsável legal por ele), com cerca de 40% da visão em ambos os olhos. Sua fala era caracterizada por oralidade tímida, vocabulário aquém da sua idade, comportamento infantilizado; tinha dificuldade de se relacionar com o grupo onde foi inserido.

A rotina estabelecida na escola foi uma ferramenta importante para estimular a socialização de J. Após o café da manhã coletivo, tínhamos o hábito diário e pontual de realizar uma “roda de conversas”. Nessa roda as atividades a serem realizadas no dia eram planejadas e pactuadas. Era um momento de perda da timidez, com musicalização e dinâmicas que encorajavam os alunos a se envolver com a atividade. Para J. perder a timidez, era muito importante em seu processo de integração; o “saquinho da fala” – dinâmica que permitia que o aluno se expressasse – foi uma técnica de grande apoio nesse processo.

J. tinha muita vontade de andar e correr e sempre que possível; com o auxílio do andador, “corria” na área externa da escola com muita alegria. Seu início foi bastante difícil no meio escolar, chorava muito e não conseguia se relacionar com os colegas, o que o fazia ficar mais reservado no dia a dia, além de sua dificuldade de locomoção dentro do espaço da sala de aula. J. não conseguia controlar suas necessidades fisiológicas e por isso necessitava de fraldas durante o todo o período dentro da escola. Isso causava um grande constrangimento para ele, para a família e para todos os profissionais, já q não tínhamos locais adequados para troca.

Em todas as reuniões e encontros com a família, percebia-se muita dificuldade em lidar com toda a demanda que essa criança trazia. Nas reuniões, era sempre a avó (responsável legal) que comparecia e não permitia que nada fosse falado sobre as necessidades reais de J. Era sempre muito delicado tocar nos assuntos referentes às dificuldades reais do menino em questões pedagógicas, pois ela replicava com a justificativa de que era “mimo”, pois João era mimado pela mãe e pela avó (segundo ela).

Eram notórias as limitações de J. para desenhar, colorir e grafar – claro que respeitando o tempo e condições de uma criança com paralisia cerebral. Nas atividades em que eram solicitados a oralização, a criação e o desenvolvimento da memória, J. tinha muitas dificuldades; percebendo-as, se fechava e recusava-se a participar. Mas vale relatar que o espaço escolar não era adequado para uma criança com NEE. Faltava espaço físico adequado, com mobiliário adaptado para ele, faltava material pedagógico adaptado para as necessidades motoras, o que exigia que professor trabalhasse com adaptações e improvisos visando ajudar no desenvolvimento dele.

Iniciava-se assim uma trajetória de planejamento, dedicação e ação. A aproximação com os responsáveis de J., em diversas entrevistas, foi o pilar inicial; aos poucos vinha sendo possível trabalhar questões motoras junto a um fisioterapeuta e construindo novas oportunidades de desenvolvimento. J. agora possuía um andador que o auxiliava em sua locomoção, facilitando sua interação com demais alunos. Por muitas vezes, realizei treinos com o andador no espaço escolar até que J. já conseguia utilizar o playground.

Os jogos pedagógicos também eram utilizados como recurso importante nesse processo: jogos da memória, quebra-cabeças, recorte e cole, materiais recicláveis – todo tipo de recurso era transformado em motivação e incentivo e tinha uma boa recepção por parte de todos os alunos. Outra proposta interessante que pude trabalhar com J. foram as cirandas, que permitiam uma integração ainda maior com os outros alunos. O lúdico conseguia aproximar e criava oportunidades de desenvolvimento e socialização; assim íamos avançando.

À medida que J. ia se integrando às atividades, observei que já reconhecia seu próprio nome, as letras que o compunham, os nomes dos colegas e tantas outras atividades desafiadoras que com empenho foram sendo superadas. 

Nesse percurso de integração, percebi que os avanços obtidos com J. eram resultado de uma experiência profissional prévia com alunos com necessidades educacionais especiais associada a muita pesquisa, uma equipe persistente e muito criativa. Os apoios emocionais e familiares também foram de grande valor nessa integração. Contudo, cabe destacar que dentro do sistema regular não houve preocupação com a inclusão desse aluno e suas reais necessidades. A realidade ainda se apresenta mais dura do que a idealizamos no dia a dia de uma escola. Os trabalhos bem-sucedidos são locais, e nesse ponto considero importante compartilhar experiências exitosas para sejam discutidas e pensadas numa perspectiva de multiplicação.

No ciclo em que J. permaneceu na unidade escolar, ele foi incluído e participou de todas as atividades dentro da escola, sendo respeitado e considerado nas suas necessidades e diferenças. Os profissionais que o atenderam cumpriram seu papel com muita dignidade. J. partiu para outra escola com sua autoestima muito trabalhada positivamente e com mais esperança. Hoje, deixou a timidez e o andador para trás, adentrando uma nova escola de pé, sem andador e cheio de sonhos.

Apresentação do caso 2

B. era uma menina de cinco anos, com diagnóstico de síndrome de Down. Chegou à unidade escolar para ser atendida e incluída em uma classe regular com crianças da mesma faixa etária. A síndrome é causada por alteração genética na fase embrionária que provoca a trissomia do cromossomo 21 e é “associada a um atraso intelectual, devido à malformação congênita” (Lima, 2016). B. chegou bem tímida e retraída, porém com comportamento bem trabalhado pela família e com autonomia para comer, escovar os dentes e guardar seus pertences.

De caminhar bem lento e fala quase inaudível (se limitava a responder quando chamada pelo nome), brincava bastante e se interessava por todas as atividades propostas, inclusive se oferecendo para ajudar na organização do espaço, tudo sem falar praticamente nada, com uma comunicação muito própria dela, com olhares e gestos que se faziam entender por todos. Era uma criança carinhosa e muito alegre no dia a dia, o que nos fazia pensar nas diferenças que tanto procuramos esmiuçar e tanto problematizar. B. não demonstrava nenhuma limitação cognitiva que nos fizesse pensar em futuros grandes problemas por conta de sua diferença. Somente a dependência para utilizar e controlar suas necessidades fisiológicas é que trazia certa complexidade na organização do dia a dia em sala, pois demandava mais tempo fora de sala de aula e instalações adequadas.

Em algumas situações se comunicava com gestos; por exemplo, quando queria comer, levava a mão para perto da boca e fazia gestos que davam perfeitamente para entender que era o desejo de comer algo. Utilizava também palavras monossilábicas, como “tá”, que indicava sua concordância com alguma situação, e “não”, quando discordava e queria se mostrar insatisfeita.

É certo dizer que escolas com instalações adequadas para atender a alunos com NEE deveriam ser uma das prioridades. Em muito facilitaria os profissionais que atendem a essas crianças, além dos outros já citados, haver material pedagógico adequado, com jogos variados e pensados para o desenvolvimento das potencialidades de cada um.

Voltando ao relato sobre B.: seu processo inclusivo foi, dentro das limitações relatadas, satisfatório e de sucesso.

Novamente a “roda de conversa” foi importante. Para B., mais do que para J. A socialização que essa dinâmica proporcionava permitiu que B. passasse a se comunicar mais efetivamente com os colegas de turma. B. tinha um interesse especial pelos livros de histórias infantis e utilizá-los na roda foi uma oportunidade de buscar mais expressão oral de B., que adorava recontar as histórias, gesticular, rir e gargalhar nessa atividade.

O teatro e os desenhos foram outros recursos que permitiram estimular ainda mais a oralização. Com materiais descartáveis – basicamente papel, papelão e tampas de garrafa PET –, foi possível criar uma televisão de brinquedo. As crianças eram estimuladas a utilizar o recurso como parte do teatro, onde encenavam a direção de um jornal. Sempre procurei incluir essa atividade nas turmas, evidenciando que os resultados eram sempre muito motivadores.

Creio que muitos desafios foram enfrentados, e a existência de uma sala de recursos muito ajudaria B. em seu desenvolvimento, uma vez que se trata de um espaço adaptado e adequado às crianças com NEE, com materiais diversos e pedagógicos em um espaço físico bem maior. A criatividade e a capacidade de criar recursos de fato é uma habilidade desenvolvida pelo professor frente à escassez de materiais que o sistema público educacional enfrenta.

Integrar as famílias nas atividades escolares é um ponto que merece destaque. À medida que as famílias iam compreendendo que seus filhos tinham oportunidades em igualdade de condições com os demais, sem distinção, sem preconceitos, e que as outras crianças que não possuíam necessidades especiais podiam acolhê-los como pares, o leque de oportunidades começava se abrir. A participação familiar é sempre um ponto importante no processo de integração.

Todo o trabalho da equipe de Educação Infantil foi extremamente importante para o desenvolvimento de B. Com a filosofia escolar de acolhimento das diferenças, foi possível ter profissionais mais abertos a novas propostas de inclusão, com um planejamento flexível e possibilidades de discussão e debate.

O papel do professor na Educação Inclusiva

A Educação Especial é uma área que só recentemente passou a ser estudada na Pedagogia; isso faz com que boa parte dos professores não tenha preparação suficiente diante das concepções e estruturação social de pessoas com algum tipo de deficiência (Rocha, 2017).

Desde o século XVI, há uma busca por melhorias na qualidade de ensino e aumento no comprometimento dos professores em ensinar na pluralidade. Para que a escola consiga atender a esse público discente de forma adequada, é necessária a capacitação do professor para atender as necessidades reais de cada aluno (Rocha, 2017).

Para alunos com NEE, além de fornecer o conhecimento, o professor atua de maneira sistêmica e tem papel de destaque na promoção da educação inclusiva, pois deve direcionar o processo pedagógico para a criação das condições necessárias à aquisição de conhecimento, fazendo com que esses alunos superem seu senso comum e quebrem as barreiras que lhe foram impostas, atingindo seus potenciais e sendo inseridos no mundo, não somente em sua comunidade (Rocha, 2017).

Acredita-se que o modo mais eficaz de construir o sentimento de solidariedade entre as crianças com necessidades educacionais especiais e seus colegas é a de que o convívio com incentivo a ações positivas para a vida vai fortalecer esses indivíduos. A elaboração de atividades cooperativas com valorização e respeito às diversidades de cada aluno pode resultar em diversos benefícios a todos os envolvidos, como a conscientização do convívio com as diferenças, a eliminação de diferentes formas de discriminação e a promoção do respeito.

A Educação Inclusiva, tal como se apresenta atualmente, representa um desafio para o professor, pois leva-o a repensar seu modo de ensino, a flexibilizar e planejar suas aulas com antecedência, recorrendo a atividades integrativas que normalmente utilizam recursos multimídia, desenhos, mapas e outras opções que nem toda unidade institucional tem facilidade de disponibilizar, mas que tornam a sala de aula mais equitativa.

Além disso, deve atender às demandas do aluno, identificar e explorar cada potencial, seja ele um aluno com NEE ou não. Não existe forma correta de atuação, pois cada aluno reage de forma específica; esse tipo de dificuldade leva a superações de limites e pode gerar inseguranças no profissional para desempenho do seu papel (Rocha, 2017).

Para Kassar (2014), “uma sala de recursos multifuncionais requer um professor também multifuncional”. É papel do Estado oferecer oportunidades de formação continuada a profissionais que já exercem o magistério, mas que ainda não são qualificados em Educação Especial (MEC, 2001). Apesar de não resolver todas as complexidades cotidianas, a formação continuada auxilia o professor na gestão de aprendizagem dos alunos dentro do mesmo espaço, ajustando as necessidades do educando às do educador e equacionando suas tarefas com outro olhar para a criação de estratégias que facilitem a escola inclusiva (Silva, 2011).

A importância da capacitação, do apoio e da supervisão ao trabalho do professor é considerável para a qualidade do desempenho do aluno, para mantê-lo interessado na escola e no trabalho realizado, além de desenvolver as suas potencialidades (Lopes, 2016). Um professor engajado e capacitado para esse trabalho com alunos com necessidades educacionais especiais faz toda a diferença no sucesso desse indivíduo, pois vai colocá-lo em situação de igualdade e de respeito às diferenças, dando a ele uma rotina escolar que contribui muito para a autoestima e o desempenho desses educandos.

Considerações finais

Apesar dos avanços promovidos pelas instituições de ensino na inclusão e integração de alunos com NEE, elas ainda se apresentam como desafio, pois há necessidade de maior preparação dos professores para lidar com a heterogeneidade da turma, exigindo que eles busquem novas formas de ensino para melhorar a autonomia e independência dos alunos especiais de acordo com suas necessidades e características para promover a equidade da educação.

Cabe ao professor estimular o aprendizado respeitando as particularidades de cada aluno, implementando projetos e metodologias educacionais que visem à integração de todos, pois é por meio dele que o aluno aprende a compreender, conviver e respeitar as diferenças. Destaca-se que a busca por especialização para execução e mediação desse tipo de atividade é um importante auxílio na quebra de barreiras e na gestão de educandos com diferentes habilidades e dificuldades.

As instituições de ensino devem disponibilizar infraestrutura adequada, principalmente para alunos com problemas de mobilidade, além de materiais e recursos para desenvolvimento das atividades escolares integrativas e suprir possíveis carências de mão de obra, de forma que os professores tenham uma quantidade adequada de alunos para lecionar e treinamento adequado para lidar com a diversidade.

Referências

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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 59ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

Publicado em 02 de junho de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

DIAS, Tereza Claudai Medella; SOUSA, Rafael Rossi de. O desafio de educar na diversidade. Revista Educação Pública, v. 20, nº 20, 2 de junho de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/19/o-desafio-de-educar-na-diversidade

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