Reflexões acerca da naturalização do uso escolar da prática do "para casa"

Daniel Cardoso Alves

Doutorando em Educação (FaE/UFMG)

Alessandra dos Santos Rocha

Licenciada em Pedagogia (FaE/UEMG)

Fernanda Martins de Almeida

Licenciada em Pedagogia (FaE/UEMG)

Laís Cristina Ferraz Reis

Licenciada em Pedagogia (FaE/UEMG)

Raquel Gonçalves Paula dos Santos

Licenciada em Pedagogia (FaE/UEMG)

Como ensinou Paulo Freire (1967), educar é um ato político porque também é democrático e ético, cujo princípio essencial reside na sua inseparabilidade da conscientização do sujeito. Todavia, o alcance dessa finalidade educativa demanda um processo de ensino-aprendizagem humanizado e dialógico em que os atores desse processo, educandos e educadores, assumam o papel de protagonistas na busca por um saber sócio e coletivamente construído, ou seja, efetivamente autônomo e não meramente restrito a práticas de aprendizagem mecanicistas e generalistas.

Também como ensinam Emília Ferreiro (1985), Magda Soares (2010) e Isabel Frade (2014), alfabetizar não se restringe ao mero domínio do sistema alfabético-ortográfico e da mecânica da aprendizagem do ler e do escrever. Alfabetizar é um processo que deve ser compreendido como uma ação situada que jamais se dissocia do contexto social, histórico, cultural, político, econômico, ambiental e tecnológico no qual o educando está inserido.

Entendemos, nesse sentido, que a educação tem como função mobilizar e propiciar a formação de sujeitos críticos e reflexivos, logo aptos ao agir social transformador. Para tanto, urge dos seus sujeitos, em especial do educador, repensar as diversas práticas educativas das quais faz uso para o desempenho do seu mister de forma a (re)significá-las segundo os contextos de variação social, pois, conforme Libâneo (2013, p. 14-15) explica, “a prática educativa é um fenômeno social e universal, sendo uma atividade necessária à existência e ao funcionamento da sociedade”. Para o autor, o caráter dessa prática ocorre como uma ação consciente, intencional e planejada.

Isso leva à necessidade de que o educador se valha de um trabalho atento à efetiva formação e ao desenvolvimento do educando como sujeito ativo, autônomo e participativo, visto que, conforme Ferreiro (1996), é de extrema importância que o sujeito, desde a sua infância, exercite a confiança na sua própria capacidade de pensar e agir.

Com base nesses teóricos, defendemos neste artigo que a escolha das práticas educativas está diretamente relacionada à qualidade do ensino que se pretende, haja vista que o educador, ao eleger tipos e formas de mediação do conhecimento, não o deve fazer mecanicamente, mas sim de maneira refletida, baseado nas medidas e no conjunto de atividades que melhor implicam na aprendizagem dos educandos.

Dessa forma, a utilização do Para Casa (PC), que se constitui como prática pedagógica historicamente adotada no cotidiano da sala de aula, por isso, muitas vezes executada sem perspectiva qualitativa de aprendizagem, não deve estar apartada do olhar reflexivo do professor.

Lima (2013) esclarece que o PC, no Brasil, constitui-se como prática que foi institucionalizada nos colégios por volta do século XVII e está presente no nosso cotidiano desde a colonização, ou seja, quando das primeiras escolas jesuítas. Com o movimento progressista, o PC passou por um momento de crise, que o reduziu à condição de exercício de memorização, repetição, fixação, revisão e preparação para testes avaliativos, contrastando com um processo de ensino e aprendizagem baseado na autonomia e no diálogo, uma vez que se tornou uma prática tão comum a ponto de não ser mais questionada pelos atores envolvidos no processo de escolarização.

Nogueira (2002), no livro Tarefa de casa: uma violência consentida?, afirma que muitos estudantes veem a Tarefa de Casa (TC) como castigo imposto tanto pelos pais quanto pelos professores, afastando-se da concepção de uma prática que se legitima pela ação dos sujeitos envolvidos, como uma prática importante para o processo educativo do sujeito e como fator de avaliação qualitativa inclusive da relação família-escola. Sobre isso, a autora relata:

Se não faz TC, o aluno é punido: perde o recreio, fica retido após a aula, recebe nota baixa, é impedido de entrar em sala, leva bilhete para casa, é ameaçado de reprovação, chegando às vezes até a ser suspenso. Em casa, os pais também punem, batem, põem de castigo, tiram privilégios (Nogueira, 2002, p. 83).

Apropriado desse modo, o PC perde o seu sentido em um processo educativo que se baseia na dialogicidade; deixa de ser importante para a construção autônoma do conhecimento, reduzindo-se a uma obrigação a ser cumprida para evitar punições praticadas por outrem. A autora também adverte que os pais, apesar de muitos atrelarem o perfil de bom professor àquele que utiliza o PC, incoerentemente apresentam inúmeras queixas em relação a não terem tempo de ensinar seus filhos na realização de atividades extraescolares. Isso se deve ao fato de que muitas famílias não percebem a importância qualitativa do PC e acabam realizando-o de forma a terminá-lo o mais rápido possível e não precisarem, assim, gastar tempo ensinando e explicando as atividades aos filhos, pois entendem que essa é uma tarefa exclusiva da escola.

Visto desse modo, Nogueira (2002) define a Tarefa de Casa como uma tríplice farsa, na qual o educando apresenta algo que não foi feito por ele, os pais fazem a tarefa para seus filhos e os educadores aceitam essas tarefas como se elas tivessem, de fato, sido realizadas pelos educandos.

Entretanto, como estabelece a própria Constituição Federal do Brasil, “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Brasil, 1988).

O educador, assim, sendo mediador do processo de ensino-aprendizagem, encontra na família, com a prática do PC, um importante aliado para a eficácia de um processo educativo que, constitucionalmente, não está restrito aos muros da escola.
Sabe-se que existem variadas expressões que remetem à atividade do Para Casa, tais como: Dever de casa, Tarefa Escolar/de Casa, Lição de Casa e outras. Sobre essa multiplicidade de termos, Lima (2013, p. 12), em um estudo sobre as diferentes abordagens em relação ao PC, traz algumas reflexões sobre seus múltiplos termos:

a definição de tarefa mostra a questão do prazo determinado para sua realização ou entrega, enquanto o dever é algo imposto, uma obrigação. essas duas palavras nos remetem ao caráter de disciplina que tem o dever de casa na perspectiva tradicional, já que as crianças geralmente são punidas (perdem o recreio, os pais são chamados na escola etc.) caso deixem de fazer a lição dentro do prazo. aí está uma das faces do dever de casa, a de disciplinarização física e intelectual, como preparação para a vida, que é recheada de cobranças desta natureza. Já a palavra trabalho é definida como uma atividade com um objetivo. E lição é tanto o conteúdo que o aluno aprende como o exercício que realiza para apropriar-se dele. Essas últimas são expressões mais ligadas ao processo de aprendizagem e essenciais no momento da elaboração das atividades.

Resende (2006, p. 1) também o define de forma semelhante:

O dever de casa é aqui considerado como toda atividade pedagógica elaborada e proposta por professores, destinada ao trabalho dos alunos fora do período regular de aulas (...). Inclui, assim, exercícios escritos, leituras, pesquisas, resolução de problemas, atividades práticas, dentre outras. Dessa forma, o dever de casa é, por um lado, um dos dispositivos curriculares por meio dos quais a escola concretiza seu trabalho pedagógico. Por outro lado, como tarefa a ser realizada geralmente em casa, ele permeia também o cotidiano das famílias, redefinindo, em certa medida, o lar como uma extensão da sala de aula e constituindo, para alguns autores, o principal meio de interação família-escola.

Em sentido demasiadamente conteudista, Comenius (2002, p. 178), no livro Didática Magna, em alusão a práticas pedagógicas memorativas, ressalta a importância da utilização pelo educador de práticas didáticas que valorizem a imitação. Segundo o autor,

Só se devem submeter os jovens àquilo que, por idade e capacidade, não só podem como também desejam apreender. Só se deve pretender que aprendam de cor aquilo que o intelecto já domina. E só se deve pedir à criança que repita de memória aquilo que, com certeza, ela entendeu bem. Só se peça para a criança fazer aquilo cuja forma e cuja regra foram exaustivamente mostradas, para que possam ser imitadas.

Igualmente, em nossas consultas a diversas pesquisas sobre o tema, percebemos em sua maioria uma lógica reprodutivista na utilização do PC, ou seja, “um caráter de exercitação, isto é, após compreender a matéria os alunos reproduzem conhecimentos, aplicando-os a uma situação conhecida” (Libâneo, 2013, p. 208). Por isso, Nogueira (2002, p. 67) enfatiza que “a tarefa de casa precisa ser um momento de enriquecimento da aprendizagem do aluno, direcionada a dar oportunidade a ele para crescer rumo a sua independência na produção do saber”. Nesse sentido, a autora aponta uma concepção mais alargada do PC, baseada no empenho e autonomia do educando.

Com base nesses pressupostos teóricos, temos como objetivo neste artigo apresentar os resultados de uma pesquisa qualitativa realizada no ano de 2019 em uma escola municipal da cidade de Belo Horizonte/MG cujo objetivo era investigar com que perspectiva os educadores dessa escola adotavam a prática do PC no cotidiano escolar.

Esses resultados referem-se tanto a reflexões teóricas sobre a prática do PC como a análises da sua funcionalidade num ambiente escolar específico segundo as percepções de educadores, por entendermos que investigar a finalidade e a eficácia do PC sob o ponto de vista daqueles que o propõem possibilita compreender de maneira mais específica o tipo de educação que se pratica.

Para tanto, as questões centrais que permeiam este estudo são as seguintes:

  • Quais concepções os educadores apresentam sobre a prática do PC?
  • Como os educadores avaliam a eficácia da prática do PC?
  • Que lugar ocupa o PC no processo de ensino-aprendizagem?

Essas questões associam-se aos seguintes objetivos específicos:

  • identificar as concepções dos educadores sobre a prática do PC;
  • apontar os critérios utilizados pelos educadores para avaliar a eficácia da prática do PC;
  • apreender a significância da prática do PC segundo as concepções dos educadores; e
  • relacionar as concepções dos educadores acerca da prática do PC com os usos efetivamente observados.

Para compreendermos o PC como prática pedagógica e as suas concepções segundo o olhar reflexivo dos sujeitos da pesquisa, valemo-nos de uma abordagem qualitativa (Bogdan; Biklen, 1994), adotando como procedimentos metodológicos a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a pesquisa de campo. O estudo se estruturou em três etapas: a primeira se constituiu numa revisão bibliográfica; a segunda referiu-se a uma pesquisa documental no âmbito da escola investigada; e na terceira etapa aplicamos os instrumentos de produção de dados: questionário semiaberto e roteiro de observação.

Na etapa da pesquisa documental, procuramos documentos disponíveis na escola investigada e analisamos o Planejamento Docente Trimestral 2019 do EFI para verificar as habilidades a serem desenvolvidas e a intencionalidade pedagógica das atividades propostas, considerando as metodologias, os conteúdos e as avaliações planejadas; o planejamento pessoal semanal da professora regente da turma do último ano da Educação Infantil (EI); e o conteúdo dos cadernos de PC de dois educandos, um da EI e outro do primeiro segmento do Ensino Fundamental (EFI), à procura da prática do PC em algum registro escolar. Também solicitamos à direção escolar acesso ao projeto político-pedagógico (PPP) da escola, porém obtivemos a informação de que a escola, por estar em um período de transição, não tinha um PPP vigente, visto que os estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental estavam saindo da escola investigada como condição para a abertura de mais vagas na EI. Entendemos, conforme Gil (2008, p. 45-46), que

a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa (...). As fontes são constituídas sobretudo por material impresso localizado nas bibliotecas; na pesquisa documental, as fontes são muito mais diversificadas e dispersas.

Entre esses materiais, está o PPP, um documento de extrema importância institucional, sendo preocupante o fato de que a escola investigada, ainda que transitoriamente, não o disponha entre as suas normativas orientadoras.
Considerando como sujeitos da pesquisa os professores que lecionam na EI e no EFI, foi elaborado um questionário semiaberto que visou à exploração dos significados apreendidos das respostas dos sujeitos acerca das concepções, dos critérios avaliativos e comparativos na adoção da prática do PC. Conforme Severino (1990, p. 125),

o questionário se caracteriza como um conjunto de questões, sistematicamente articuladas, que se destinam a levantar informações escritas por parte dos sujeitos pesquisados, com vistas a conhecer a opinião dos mesmos sobre os assuntos em estudo. As questões devem ser pertinentes ao objeto e claramente formuladas, de modo a serem bem compreendidas pelos sujeitos.

Foram selecionadas duas turmas para a investigação, sendo uma do último ano da EI e outra do primeiro ano do EFI. O questionário foi aplicado às educadoras que lecionavam nessas turmas, duas da EI e também duas do EFI, as quais responderam aos questionamentos de forma escrita. Por se tratar de uma pesquisa com abordagem qualitativa, o interesse não foi quantificar diferentes opiniões, mas sim explorar a diversidade de significados impressos nas variadas opiniões das educadoras. Conforme afirmam Lüdke e André (1986, p. 34), “uma entrevista bem-feita pode permitir o tratamento de assuntos de natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais. Pode permitir o aprofundamento de pontos levantados por outras técnicas de coleta de alcance mais superficial”.

A entrevista semiestruturada nos possibilitou captar mais informações com o posterior diálogo que aprofundamos; isso aconteceu porque a entrevista foi desenrolada a partir de um esquema básico que nos deu liberdade para adaptações.
Além da realização da entrevista, valemo-nos da observação participante, na qual fizemos uso de um roteiro cujo intuito foi identificar as concepções que regem a prática pedagógica dos docentes e comparar suas ações relacionadas à prática do PC com o discurso apreendido da entrevista semiestruturada. Para tanto, observamos o cotidiano de duas salas de aula: a primeira do último ano da Educação Infantil e a segunda do primeiro ano do Ensino Fundamental. Essa observação foi realizada durante três semanas no turno vespertino. De acordo com a definição de Minayo (2001, p. 70), a observação participante constitui-se

como um processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador de uma situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador, no caso, fica em relação direta com seus interlocutores no espaço social da pesquisa, na medida do possível, participando da vida social deles no seu cenário cultural, mas com a finalidade de colher dados e compreender o contexto sob sua observação e, sem dúvida, modifica esse contexto, pois interfere nele, assim como é modificado pessoalmente.

As respostas às perguntas da entrevista foram analisadas por meio da técnica de análise de conteúdo que, conforme Bardin (1991), possibilita a apreensão dos múltiplos significados impressos nas respostas dos sujeitos, cujos conteúdos resultantes dos instrumentos adotados (questionário semiaberto e roteiro de observação), ao complementar as fontes documentais, preenchem lacunas importantes para a compreensão da temática em sua profundidade singular. Sobre essa técnica, Minayo (2001, p. 74) esclarece:

Atualmente podemos destacar duas funções na aplicação da técnica. Uma se refere à verificação de hipóteses e/ou questões. Ou seja, através da análise de conteúdo, podemos encontrar respostas para as questões formuladas e podemos confirmar ou não as afirmações estabelecidas antes do trabalho de investigação (hipóteses). A outra função diz respeito à descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado. As duas funções podem, na prática, se complementar e podem ser aplicadas a partir de princípios da pesquisa quantitativa ou da qualitativa.

Portanto, ao nos valermos de uma abordagem qualitativa avançamos para uma perspectiva de pesquisa que exige do pesquisador um aprofundamento sobre a temática, bem como o seu envolvimento com o objeto de estudo. Nesse sentido, entendemos que observar práticas é um exercício contínuo e que não se limita, conforme ensina Gil (2008, p. 175), “a receituários ou fórmulas predefinidas para orientar os pesquisadores”.

Este artigo compreende quatro seções; a primeira se refere a esses contornos iniciais em que apresentamos o tema pesquisado, a justificativa, o percurso metodológico, os objetivos, a definição do lócus da pesquisa, os principais questionamentos e as bases teóricas fundantes.

A segunda seção destina-se ao referencial teórico, no qual apresentamos o PC e problematizamos o imaginário socioescolar dos sujeitos (educadores e educandos) sobre a prática do PC que se materializa no eixo família-escola. Também exploramos como os educandos concebem essa atividade tão presente no seu cotidiano e como os educadores se utilizam da prática do PC de forma a contribuir para o seu trabalho pedagógico com os estudantes, haja vista que essa atividade, considerada tão natural nas instituições escolares, pode ser aproveitada de diversas maneiras, a depender da concepção que se tem de educação. Dessa forma, nessa seção buscamos um diálogo teórico baseado em algumas questões fundantes: com que perspectiva os educadores inserem o PC nas suas aulas? Como os estudantes percebem essa prática rotineira inserida no seu processo de ensino-aprendizagem?

Na terceira seção apresentamos a análise dos resultados obtidos, com a intenção de estabelecer uma relação das respostas dos sujeitos da pesquisa com os fundamentos teóricos que sustentam este artigo. Para tanto, apresentamos os dados produzidos e os analisamos com base na técnica de análise de conteúdo.

A quarta seção traz os contornos finais do artigo, nela entendemos que o PC se constitui como uma prática enraizada no contexto escolar a ponto de praticamente não ser mais questionada pelos sujeitos que a propõem. Parece-nos que a escola investigada não foge à regra do que Paula (2001) aponta: a prática do PC está tão arraigada na cultura escolar que o ato de o educador passar tarefa de casa é tão natural que a atividade já é esperada pelos educandos e seus responsáveis, o que recai num dever inquestionável de sua utilização.

O PC sob a ótica de educadores e educandos

De acordo com Carvalho et al. (2006), o PC é

uma necessidade educacional reconhecida por pais e professores, sendo concebido como uma ocupação adequada para os estudantes em casa; (...) um componente importante do processo ensino-aprendizagem e do currículo escolar dentro de uma dada tradição cultural; e (...) uma política tanto da escola e do sistema de ensino, objetivando ampliar a aprendizagem em quantidade e qualidade, além do tempo/espaço escolar, quanto da família, visando estimular o progresso educacional e socioeconômico dos descendentes.

Segundo Resende (2006, p. 3), há “um ‘grande consenso’ em torno da importância do dever de casa e da necessidade de sua prescrição pela escola, bem como de seu acompanhamento pelas famílias”, pois, conforme Libâneo (2013, p. 212), por meio da prática do PC a família tem "contato com o trabalho realizado na escola, sendo um importante instrumento de interação dos pais com os professores e destes com aqueles".

Por outro lado, quando se questionam os sujeitos envolvidos no processo educativo sobre a real importância do PC, geralmente as respostas são rasas e não muito convincentes, sendo frequentes os relatos de professores de que essa prática é mais cultural do que pedagógica.

Também, de acordo com Resende (2006), constantemente vemos estudantes e pais queixarem-se de estarem sobrecarregados devido ao número das atividades de PC a serem cumpridas por seus filhos. O tempo extraescolar do educando é frequentemente ocupado com a realização de tarefas de casa. O momento que seria destinado ao descanso, para um período livre de escolha do educando, passa a ser preenchido pela instituição escolar.

Pensando em crianças de até 11 anos de idade, o que corresponde a estudantes do 5° ano (último ano do EFI), o brincar, na concepção de Craemer (2015), é um ato de extrema importância para o desenvolvimento físico e cognitivo delas e proporciona diversos aprendizados de forma não sistematizada.

A criança é a expressão mais pura e espontânea da força vital, a força divina da vida, da criação. Criar é juntar o mundo material, transformando-o por meio do mundo imaginativo de nossa alma. Como expressa Schiller (1992): entre o impulso da forma e o impulso da vida, surge algo maior — o impulso lúdico. Brota da força de criação que reside em nós, como uma centelha divina. O ser humano é humano na medida em que ele cria de dentro para fora: cria pensamentos, sentimentos, ações. E o início dessas criações é o brincar. Impedir ou reduzir o brincar livre e espontâneo significa reduzir o potencial de cada ser de se tornar cada vez mais humano. Além disso, o brincar mistura idades, sexos, povos, culturas — assim, ele se torna contemporâneo. Por isso, o brincar criativo faz parte dos direitos humanos universais (Craemer, 2015, p. 47-48).

Levando em consideração esse potencial que o brincar assume na infância, devemos nos perguntar se, a depender das formas de usos do PC, a escola não estaria se apropriando desse tempo das crianças e impedindo uma série de experiências fundamentais para o seu desenvolvimento.

Esse paradoxo em relação ao PC em que sua aplicabilidade é, ao mesmo tempo, defendida e condenada; Bueno (2012, p. 44) afirma: “a ausência de discussão e a falta de clareza em relação ao que se quer ao trabalhar com os Deveres de Casa me levam a acreditar que os deveres se constituem em uma prática não reflexiva na maioria das instituições escolares”. Da mesma forma, Carvalho et al.(2006, p. 348) expressam que os deveres de casa “são executados apenas como rituais, sem qualquer relação com as atividades que se desenvolvem diariamente”.

Há quem afirme que resolver exercícios em sala de aula implicaria gastar mais tempo, e como este não seria o suficiente, o aluno teria passado a levar exercícios para terminá-los em casa, para obedecer ao paradigma de que a ação e a repetição eram os passos fundamentais da aprendizagem. Com o tempo, tal prática teria se consolidado, dando origem à tarefa de casa (Nogueira, 2002, p. 37).

Souza e Valdemarin (2005) também esclarecem que o PC faz parte de uma tradição nas instituições escolares. Nossas escolas ainda estão ensinando segundo um modelo antigo de educação. A didática que era aplicada aos nossos pais e avós continua sendo praticamente a mesma na atualidade, ou seja, “a instituição escolar continua a consagrar ‘pelo exercício, como hábitos de pensamento comuns’ a diferentes gerações, um hábito mental mais condizente com o século XIX que com o século XXI” (Souza; Valdemarin, 2005, p. 175).

Temos, então, uma percepção do PC como prática costumeira, internalizada e desconectada do contexto temporal vigente, visto que a prática do PC, segundo Carvalho et al. (2006), se tornou parte da rotina dos educandos, porém de forma mecânica e repetitiva; a maioria dos estudantes passa a ter certa desmotivação em relação à sua execução. Segundo a autora e colaboradoras, quando há excesso de PC os educandos se sentem desmotivados a fazê-los, resultando numa realização passiva.

As autoras também advertem que quando o PC não é elaborado considerando o contexto dos educandos, a chance de eles não conseguirem executá-lo aumenta e um possível sentimento de incapacidade pode desestimulá-los a praticar novas tarefas. Por isso, o PC precisa ser elaborado de forma situada ao contexto espaço-temporal dos estudantes, visando permitir que eles consigam de maneira autônoma realizar a atividade com sucesso, pois esse sentimento de satisfação, ao perceberem que cumpriram o desafio, os incentiva a se empenhar e se dedicar a essa prática.

De acordo com Igapó (2013), o PC deve se configurar como uma prática que considere a

participação como suporte básico à realidade escolar para o uso efetivo dos procedimentos aprendidos, para a promoção das capacidades que se quer desenvolver. Assim, devem ser eleitos métodos e atividades que ofereçam experiências de aprendizagem ricas em situações de participação, nas quais os alunos possam opinar, assumir responsabilidades, colocar-se, resolver problemas e conflitos e refletir sobre as consequências de seus atos (Igapó, 2013, p. 16).

Nesse sentido, uma das formas de o PC se tornar uma prática significativa para o estudante reside na vinculação do conteúdo trabalhado em sala à vida social, pois, ainda que sejam conhecimentos não pertencentes ao mundo real do educando, “é preciso que se liguem de forma indissociável à sua significação humana e social” (Libâneo, 1985, p. 39), já que isso contribui para que o estudante veja sentido em realizar o PC. Ao mesmo tempo, a ação do professor de corrigir o PC é de extrema importância para que se possa reconhecer os pontos que precisam ser melhorados e desenvolvidos com os educandos. Entretanto,

para os exercícios a serem resolvidos, o professor já sabe de antemão até a resposta que seus alunos darão, pois é única e já está impressa no livro do aluno ou no caderno de exercícios que o acompanha, ou no do professor. Ratifica-se assim outro comportamento típico da escola tradicional, segundo o qual o professor é o centro do processo, sendo o aluno um mero executor de seus mandos (Nogueira, 2002, p. 45).

Todavia, muitas são as estratégias de correção disponíveis ao educador, sejam elas individuais ou coletivas; o que importa é que cada estudante tenha papel ativo nessa ação. Apenas assim a correção poderá oferecer ao educador uma rica avaliação do seu trabalho de forma a conservar e/ou mudar procedimentos e costumes realizados em sala de aula. Para Meirieu (1998), rever é restabelecer, reconstruir e não meramente buscar relembrar antigos aprendizados. De acordo com o autor, para realizar uma correção eficiente, é preciso perceber a tarefa proposta de forma ampla e não reduzida meramente ao aspecto quantitativo.

Observa-se que esse aspecto se constitui como uma preocupação constante, tanto entre os educandos quanto entre os educadores. Nos primeiros, é causa de ansiedade, angústia e questionamentos como: quanto vale o dever? Essa tarefa vale visto? Entre os outros, há uma utilização constante da nota como efeito recompensa, tornando a obtenção de boas notas sinônimo de reconhecimento, uma vez que “o fato é que o dever de casa repercute direta ou indiretamente na avaliação: vale nota ou pontos somados à nota final ou serve como treino para os testes (Carvalho, 2006, p. 87).

Por isso, é comum encontrar educadores que utilizam a nota como tentativa de estimular os educandos a realizar o PC, frisando que a sua não realização ocasionará a perda de pontos, e isso prejudicará o seu rendimento escolar. Sobre isso, Menegolla (1992, p. 82-83) concorda que “aumentar ou abaixar as notas são ‘incentivos’ ou ameaças usadas por alguns professores como tentativas pedagógicas para solucionar certas situações embaraçosas que ocorrem na sala de aula”.

Entretanto, vincular a importância do PC ao seu aspecto quantitativo o desvia de sua finalidade pedagógica, haja vista que “existem certos alunos que estudam, lutam, esforçam-se e escabelam para tirar as melhores notas, mas não propriamente para aprender e saber mais, dado que mentalizaram a ideia de que o importante é a nota” (Menegolla, 1992, p. 83). O professor, ao colocar a nota como o principal fator motivacional para a execução do PC, contribui para que o educando não perceba na prática do PC nenhuma relevância para a sua aprendizagem, internalizando-o como uma das obrigações a serem concluídas para alcançar determinada pontuação que o possibilite avançar para o ano escolar seguinte.

Por isso, Lopes (2007, p. 196) defende a ideia de que o PC precisa ser entendido como uma produção social, cuja finalidade específica é a “escolarização, expressando um conjunto de interesses e de relações de poder em dado momento histórico. Nessa produção, encontram-se imbricados processos de seleção e de organização dos conteúdos”.

Nesse sentido, (re)significar conceitualmente o PC passa primeiramente pela compreensão das concepções daquele sujeito que o insere no processo educativo: o professor. Sujeito que, com base nas contribuições introduzidas com a pedagogia crítica, não se constitui mais como o dono da verdade e único transmissor de conhecimentos aos educandos, aos quais cabia tão somente a passiva condição de memorizadores de conteúdos e imitadores do mestre detentor da verdade. Para além de uma educação bancária, Freire (1967, p. 110-111) assim descreve a função do professor:

É fundamentalmente dialogar com o analfabeto, sobre situações concretas, oferecendo-lhe simplesmente os instrumentos com que ele se alfabetiza. Por isso, a alfabetização não pode ser feita de cima para baixo, como uma doação ou uma imposição, mas de dentro para fora, pelo próprio analfabeto, apenas com a colaboração do educador. Por isso é que buscávamos um método que fosse também instrumento do educando e não só do educador e que identificasse, como lucidamente observou um jovem sociólogo brasileiro, o conteúdo da aprendizagem com o processo mesmo da aprendizagem.

Em sentido oposto a essa função libertadora que tem o educador, não há espaço para questionamentos acerca da utilização dos métodos e instrumentos de ensino, quando muito acontecem radicalismos que em nada contribuem para o debate reflexivo. Assim, numa concepção “bancária” de educação, o PC é reduzido a um instrumento de controle e adestramento dos educandos. Ou seja, em alusão à crítica que Freire (1967) faz ao uso das cartilhas, o PC perde sua autenticidade na produção do conhecimento, visto que passa a ser “uma doação e reduz o alfabetizando mais à condição de objeto que à de sujeito de sua alfabetização” (Freire, 1967, p. 111).
Todavia, no contexto de uma educação libertadora, na qual ambos os sujeitos do processo de ensino-aprendizagem são considerados ativos, o foco está na mediação e não na transmissão e, ao invés de depositar o conhecimento, o educador tem a função de despertar no educando a curiosidade, o interesse em aprender, em construir conhecimento por meio de estudos e pesquisas, abandonando o perfil de mero receptor acostumado a apenas receber o conteúdo escolar transmitido pelo educador como algo pronto e imutável. Essa função, conforme Freire (1967, p. 4), “é a matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na medida da participação livre e crítica dos educandos”.

As versões libertadora e libertária têm em comum o antiautoritarismo, a valorização da experiência vivida como base da relação educativa e a ideia de autogestão pedagógica (...). A tendência da pedagogia crítico-social dos conteúdos propõe uma síntese superadora das pedagogias tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática social concreta (Libâneo, 1985, p. 20-21).

No contexto de uma educação libertadora, o PC precisa ser potencializado como prática transformadora e enriquecedora para o ensino e a aprendizagem do educando, visto que estão presentes “o educando, e também o educador, como homens concretos, e que não possam limitar-se jamais ao estrito aprendizado de técnicas ou de noções abstratas” (Freire, 1967, p. 6-7).

Assim, entendemos que a concepção de educação do professor e a que se encontra instalada na escola e na família afetam diretamente as formas de uso do PC, “uma prática regulamentada na escola pública [que] faz parte da nossa tradição pedagógica e vem se salientando ultimamente no contexto da política de promoção do sucesso escolar via incentivo à participação da família na escola” (Carvalho et al., 2006, p. 343).

Para que tenhamos educandos ativos na construção de seu conhecimento, o educador precisa trazer à tona os sujeitos ativos que estão adormecidos neles. Do mesmo modo que, se ele almejar que os estudantes valorizem a prática do PC e a ela se dediquem, deve, com o mesmo empenho que planeja sua aula, que se constitui “como toda situação didática na qual se põem objetivos, conhecimentos, problemas, desafios, com fins instrutivos e formativos, que incitam as crianças e jovens a aprender” (Libâneo, 2013, p. 196), motivar os educandos na realização do PC, apresentando-lhes, para tanto, o seu objetivo educacional, ou seja, explicando o porquê e como aquela lição de casa pode auxiliá-los na arte do aprender.

Dessa forma, o PC passa a ter mais chances de se consolidar como uma prática significativa para os estudantes, pois eles perceberão a finalidade de realizá-la. A esse respeito, Nogueira (2002, p. 62) entende que

a prática da TC pode ser um dos elementos a serem usados pelo professor para criar no aluno o desejo da busca, do conhecimento, assim como de seu aprofundamento e de sua ampliação. Mas para isso é fundamental que o professor tenha segurança sobre o que pretende, sobre que objetivos perseguir com a TC.

A clareza do propósito pretendido com o PC é condição para sua eficácia, visto que ela “depende não apenas da contribuição da família, mas do planejamento pedagógico articulador empreendido pela professora de modo a garantir sua eficácia” (Carvalho, 2006, p. 89).

Da mesma forma, a garantia dessa eficácia demanda que o educador durante a correção do PC com os educandos mais problematize a atividade do que forneça respostas. É necessário criar um caminho pedagógico para que os educandos compreendam a resposta e o porquê de aquela ser a correta. Nogueira (2002) esclarece que o hábito de copiarem o resultado que o professor expõe no quadro, apagando frequentemente a resposta que havia escrito sem sequer saber os motivos de ser considerada errada, prejudica a finalidade pedagógica e, por sua vez, a eficácia do PC.

O professor, ao propor o PC, deve analisar as condições necessárias para que o estudante consiga cumprir a tarefa. O educador precisa, nesse sentido, estar atento ao contexto familiar do seu educando com vistas a mitigar possíveis barreiras, valendo-se de estratégias, inclusive no âmbito da escola, que possibilitem avaliar continuamente a eficácia pedagógica do PC.

A avaliação do ensino e da aprendizagem deve ser vista como um processo sistemático e contínuo, no decurso do qual vão sendo obtidas informações e manifestações acerca do desenvolvimento das atividades docentes e discentes, atribuindo-lhes juízos de valor (Libâneo, 2013, p. 209).

Por fim, ao considerarmos, conforme Brandão (2005), que a educação não se restringe ao espaço escolar e que por isso se mistura com a vida, entendemos a prática do PC como um elo entre a escola e a sociedade que reforça essa concepção de educação para além do espaço escolar, ou seja, que atravessa a sociedade e a família e invade a vida do sujeito de forma plena e permanente, pois todos que passaram pela escolarização de alguma forma vivenciaram o exercício dessa prática pedagógica, sendo capazes de emitir reações e/ou opiniões sobre a mesma, o que nos permite afirmar que a prática do PC é uma atividade essencial para a formação social e escolar do sujeito.

O PC sob a percepção das educadoras: os resultados da pesquisa

Como estratégia inicial para a realização das entrevistas, as professoras participantes foram formalmente cientificadas do intuito da pesquisa e que a participação nela se daria de forma voluntária. Após esse esclarecimento, as professoras assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Nesse momento, fornecemos todas as informações sobre a intenção da pesquisa, apresentando os seus objetivos e as formas de uso dos dados produzidos.

Com vistas a preservar a identidade desses sujeitos, adotamos como critério a utilização destas siglas identificadoras: PEI significa Professora da Educação Infantil (PEI1 se refere à professora de projeto e a PEI2 a professora regente da turma de cinco anos); PEF significa Professora do Ensino Fundamental (PEF1 se refere à professora de Matemática da turma do primeiro ano e PEF2 se refere à professora que ensina as demais disciplinas).

As entrevistas foram realizadas por meio impresso (questionário semiaberto) e se constituíram de nove questões sobre as formas de apropriação do PC no contexto da escola investigada e sobre as práticas individuais de cada educadora.

Apresentamos em forma de tabelas a síntese das respostas. A elaboração dessas tabelas teve como base a categorização das respostas segundo a técnica de análise de conteúdo, conforme disposições de Bardin (1991).

Com o primeiro questionamento, nossa intenção era apreender a percepção ampla das educadoras sobre a relevância do PC no espaço escolar. A esse respeito, temos o seguinte conjunto de respostas categorizadas:

Tabela 1: Percepção do PC no espaço escolar

Categorias de análise

PEI1

PEI2

PEF1

PEF2

Importante

X

X

X

 

Beneficia o desenvolvimento da aprendizagem

 

X

X

 

Reforço para criar o hábito de estudar

     

X

 

Para as professoras, o PC se constitui como prática válida no ambiente escolar porque, além de estimular uma rotina de estudos entre os estudantes fora do espaço escolar, apresenta-se como importante instrumento de aprendizagem que potencializa o processo educativo.

Uma das professoras que atuava na sala de aula do EI (PEI1) destacou que a importância da prática do PC deve estar acompanhada do cuidado, pelo professor, em abordar conteúdos que estejam sendo trabalhados na sala de aula com a turma, ou seja, atividades contextualizadas, evitando exigir habilidades cognitivas do educando sobre um universo de conhecimento no qual ele ainda não foi inserido.

Essa resposta se aproxima da ideia de Libâneo (2013), de que o PC é indissociável da aula, haja vista que se configura como uma prática que traz complemento ao que foi ensinado, devendo estar atrelado aos objetivos que o docente almeja alcançar na aula. Vale frisar também que o mesmo autor entende a aula como múltiplas situações realizadoras do ensino e da aprendizagem. Para Libâneo (2013), o PC seria uma dessas situações e, por isso, deve ser orientado por objetivos estabelecidos no planejamento do professor. Assim, conforme esse autor,

na aula se criam, se desenvolvem e se transformam as condições necessárias para que os alunos assimilem conhecimentos, habilidades, atitudes e convicções e, assim, desenvolvam suas capacidades cognoscitivas. (...) A realização de uma aula ou conjunto de aulas requer uma estruturação didática, isto é, etapas ou passos mais ou menos constantes que estabelecem a sequência do ensino de acordo com a matéria ensinada, características do grupo e dos alunos e de cada aluno e situações didáticas específicas (Libâneo, 2013, p. 195-196).

Para a professora atuante no EFI (PEF2), “o PC é um reforço do que é dado em sala para criar nos alunos o hábito de estudar”; então apreendemos pressupostos teóricos baseados Comenius (2002, p. 196) na sua utilização, para o qual “tudo que se ensina deve ser consolidado por razões que não permitam dúvidas nem esquecimentos”. Dessa maneira, para o autor, atividades de repetição e memorização devem ser valorizadas pelo professor.

Constatamos, conforme consta na Tabela 2, que o PC é um instrumento didático utilizado por todas as educadoras entrevistadas, havendo inclusive acordos entre elas em relação aos dias de aplicação do PC: as duas professoras da EI têm um combinado de aplicá-lo duas vezes na semana, nas terças e quintas-feiras, valendo-se da mesma atividade; no EFI as professoras acordam entre si os dias da semana para que cada uma o aplique; assim, a PEF1 aplica o PC às segundas-feiras e a PEF2 nas terças, quartas e quintas-feiras. Observa-se, tanto na EI quanto no EFI, um acordo de que não se deve propor o PC para as sextas-feiras como forma de possibilitar aos pais e às crianças um tempo de descanso dos deveres escolares nos finais de semana. Acerca da necessidade desse tempo livre, Nogueira (2002) explica, em relação às crianças em fase de alfabetização, que

tais alunos ainda não dominam a leitura para poder interpretar os enunciados da TC. Assim, precisam da ajuda de outrem para informá-los sobre o que fazer. A criança precisa ter total independência na feitura da TC, que afinal é dela. Além disso, a criança precisa brincar. Que haja tempo e espaço para bem exercer esse direito, que também é uma necessidade básica (Nogueira, 2002, p. 95).

Tabela 2: Frequência de aplicação do PC

Categorias de análise

PEI1

PEI2

PEF1

PEF2

1 vez na semana

   

X

 

2 a 3 vezes na semana

X

X

 

X

 

Apesar de ter grande quantidade de pais e responsáveis que defendem a presença do PC no processo educativo dos seus filhos, sabemos que não é unânime entre os familiares a valorização dessa prática. Nogueira (2002, p. 91) apresenta em seu estudo sobre essa temática a fala de uma mãe que destaca o descanso que os pais e os filhos precisam ter das atividades escolares: “as crianças deveriam descansar em casa, elas deveriam fazer tudo em aula. Penso que pai e mãe não têm de ajudar, porque eles trabalham fora e os filhos não têm como pesquisar em casa”. As palavras dessa mãe ilustram o paradoxo de defesa e, ao mesmo tempo, de insatisfação que permeia a prática do PC.

Diante da apreensão de que todas as participantes entrevistadas afirmaram que aplicam o PC e que valorizam essa prática como instrumento pedagógico importante para o processo de ensino e de aprendizagem, questionamos o sentido que o PC pode assumir no processo educativo dos estudantes e como a prática pode ajudá-los nos estudos, como se destaca na Tabela 3.

Tabela 3: Sentidos do PC no processo de ensino-aprendizagem

Categorias de análise

PEI1

PEI2

PEF1

PEF2

Reelaborar e refletir sobre o que foi estudado em sala

 

X

X

 

Memorizar e ampliar seu conhecimento

X

     

Criar um hábito de estudo

     

X

 

Para PEI2 e PEF1, o sentido do PC reside na possibilidade reelaboração e reflexão dos conteúdos abordados durante as aulas. Nas palavras da segunda, “acredito sim que o Para Casa é importante para o aprendizado dos alunos e vejo essa prática como forma de ferramenta que faz com que o aluno possa reelaborar e refletir sobre as atividades que já foram tratadas em sala” (PEF1). Essa professora concebe o PC como uma tarefa que se assemelha a uma “técnica de fixação da aprendizagem que visa à aplicação do conhecimento pela reflexão” (Gonçalves, 1969, p. 87).

A PEI1 valoriza no dever de casa a memorização dos conhecimentos e não a reflexão, focando assim, diferentemente de PEI2 e PEF1, na repetição de atividades. A educadora entende a memorização como uma maneira de ampliar o conhecimento dos estudantes de forma que eles armazenem conhecimento, remetendo ao pensamento de que “todas as coisas bem recebidas pelo intelecto devem ser frisadas na memória” (Comenius, 2002, p. 194).

Para PEF2 o sentido do PC está no estímulo aos estudantes para que criem o hábito de estudo, não só no ambiente escolar, mas também em casa, corroborando o pensamento de Nogueira (2002): um estudo mais independente e não centrado na necessidade da presença do professor, estimulando que os educandos criem responsabilidade sobre seus estudos. Contudo, essa perspectiva deve estar associada a características como faixa etária, habilidades e especificidades familiares dos estudantes.

Quanto ao tempo de dedicação dos estudantes à prática do PC, PEI1 defende que os estudantes devem se dedicar ao PC no máximo trinta minutos. Destaca-se que, quando da entrevista, essa professora foi enfática na sua crítica à utilização do PC no ambiente escolar. Para ela, o PC tem se tornado uma atividade “para os pais”, usando essa expressão de forma a acentuar o incômodo que sente ao perceber a passividade dos estudantes na execução dessa prática. Relatou também que geralmente os professores propõem uma grande quantidade de atividades e frequentemente exercícios mais complexos, que exigem dos educandos habilidades muitas vezes não desenvolvidas em sala, o que faz recair “nos pais a responsabilidade de arcar com aquilo que seu filho não dá conta de fazer” (PEI1). Entretanto, mesmo incomodada com as formas de utilização do PC, a educadora defende essa prática e ressalta a sua importância.

PEI2, como se depreende da Tabela 4, deixa explícita a sua apreciação pela prática do PC, enfatizando que ele “é sempre essencial na aprendizagem do aluno”, por isso, desconsidera a mensuração de um tempo específico para a resolução das atividades propostas para serem realizadas fora do espaço escolar. As professoras do EFI responderam que o tempo dedicado ao PC é variável, porém apresentam argumentos distintos a esse respeito. Para PEF1, o que determina o tempo é o tipo das atividades propostas e o nível de dificuldade exigido para elas; segundo PEF2, o que diferencia o tempo de dedicação ao PC é a faixa etária do estudante, ou seja, “depende da idade; na fase de alfabetização acredito em 20 minutos” (PEF2).

Tabela 4: Tempo de dedicação do educando ao PC

Categorias de análise

PEI1

PEI2

PEF1

PEF2

Sempre

 

X

   

Depende da atividade ou idade

   

X

X

Máximo 30 min

X

     
 

Sobre as finalidades, o planejamento e as formas de utilização do PC, prevaleceu como resposta entre as professoras PEI1, PEI2 e PEF2 que o PC é planejado de acordo com o conteúdo apresentado na aula. Conforme o que apreendemos, tanto da observação das aulas, quanto da análise documental do caderno de PC de um dos estudantes, as atividades propostas eram apenas extensões do que os educandos faziam na sala de aula; a professora PEF2 valia-se mesmo da utilização de impressões de livro didático como técnica para a proposição de atividades extraclasse.

PEF1 declarou que utiliza métodos capazes de levar o estudante à reflexão sobre o tema em estudo e que o PC está inserido de forma padrão em datas acordadas com os outros professores. Ela, professora de Matemática, propõe o PC para as segundas-feiras e a PEF2 para as terças e quintas-feiras. É importante destacar que, durante as semanas de observação, não constatamos a aplicação de PC no EFI pelas professoras. Na EI, foi observada a entrega do PC aos estudantes com uma explicação prévia e breve sobre a atividade. A falta da aplicação do PC no EFI tornou-se um percalço para a análise quanto à sua efetivação, a exemplo da incompreensão sobre se as professoras planejavam essas atividades com o mesmo empenho com que preparavam suas aulas.

Tabela 5: Finalidade, planejamento e formas de utilização do PC

Categorias de análise

PEI1

PEI2

PEF1

PEF2

Planejado de acordo com o conteúdo de sala

X

X

 

X

Reforçar, fixando a matéria

 

X

   

Métodos capazes de levar à reflexão do tema; está inserido de forma padrão na data acordada com os outros professores

   

X

 

Uso fotocópia e livro didático

     

X

 

Essas respostas ratificam o pensamento de Silva (2012) sobre o elo que a atividade do PC deve ter com o que foi proposto em sala de aula. Baseado no discurso das entrevistadas, concluímos que elas reconhecem as atividades do PC como forma de consolidação do que foi executado em sala de aula. Há de se questionar se as participantes aplicam essas atividades no conceito real do termo, ou seja, se são atividades educativas construídas com base na criação de momentos de aprendizagens pensados pelo educador de modo a possibilitar o contato dos educandos com situações que possibilitem alcançar os objetivos propostos no planejamento educacional. Para tanto, se faz necessário que a consolidação dos conteúdos seja estabelecida para que o educando experimente e traga para a sua realidade as situações e os conceitos científicos estudados em sala de aula.

Na análise dos cadernos de PC dos estudantes da EI e do EFI, observamos que as atividades distribuídas pelas docentes mantinham equilíbrio entre os conteúdos trabalhados em sala de aula e as atividades propostas, corroborando a lógica de que “todos os estudos devem ser organizados de tal modo que os estudos sucessivos sempre se baseiem nos precedentes e estes sejam consolidados por aqueles” (Comenius, 2002, p. 194).

Para exemplificar os tipos de PC propostos, apresentamos os cadernos de um dos estudantes da turma da EI e outro do EFI.

Figura 1: PC da EI
 Fonte: Caderno de PC do estudante da EI.

 

Figura 2: PC do EFI
Fonte: Caderno de PC do estudante do EFI.

No que concerne à prática da correção, as quatro professoras responderam que as atividades são corrigidas de forma diferente das que são realizadas em sala de aula. PEI1 e PEF1 relataram que fazem a correção do PC de forma a estimular e motivar os estudantes. Segundo PEF1, “na correção às vezes coloco um incentivo de escrita ou de adesivo”, postura que dialoga com a necessidade de “motivar e fornecer ao educando móveis valiosos de ação que o levem a efetuar o esforço que toda a aprendizagem implica” (Gonçalves, 1969, p. 187).
As professoras PEI2 e PEF2 declararam, respectivamente, que a correção ocorre logo no dia seguinte, enfatizando que o feedback do PC aos estudantes é dado de forma rápida; e o faz individualmente visualizando o caderno do estudante.

Tabela 6: Formas de correção do PC

Categorias de análise

PEI1

PEI2

PEF1

PEF2

Estimula e incentiva o aluno

X

 

X

 

No dia seguinte

 

X

   

Individualmente

     

X

 

Considerando o que foi observado e os relatos das entrevistadas sobre as formas de correção, não conseguimos constatar se a prática do PC realmente tinha um objetivo proposto. Outra observação é que o retorno ao educando às vezes revelou-se menosprezado e limitado, pois geralmente a correção era feita por visto no caderno, acompanhado de, no máximo, algumas frases de incentivo e estímulos, como exemplificamos a seguir.

Figura 3: Correção de PC na EI
 Fonte: Caderno de PC do estudante da EI.

 

Figura 4: Correção de PC no EFI
Fonte: Caderno de PC do estudante do EFI.

Esses elogios são, de acordo com Gonçalves (1969), motivações externas positivas, estímulos construtivos que procuram reconhecer e valorizar o esforço do estudante ao realizar o PC. Foi observado que a correção individual deixava de ser o ideal, porque as professoras faziam essa correção sem dialogar com os alunos e perdiam a oportunidade de discutir com os estudantes a atividade proposta, procedimento que poderia aguçar as dúvidas e os novos caminhos de resolução sugeridos pelo coletivo.

Ao serem questionadas quanto à aferição da avaliação do PC, as professoras PEI1, PEF1 e PEF2 relataram que a fazem a partir de conceitos, frequência e participação; PEI2 respondeu que a avaliação consiste em visualizar se a atividade foi completamente realizada, focando na escrita do nome na atividade respectiva por parte dos educandos.

Tabela 7: Parâmetros de feedback em relação à eficácia do PC

Categorias de análise

PEI1

PEI2

PEF1

PEF2

Por conceitos (frequência e participação)

X

 

X

X

Se foi feito por completo e fixo na escrita do nome

 

X

   
 

De forma geral, todas as entrevistadas confirmaram o uso da avaliação como processo contínuo, assim como propõe Libâneo (2013). Entretanto, durante os dias de observação não acompanhamos na prática a correção dessas atividades. Isso nos leva à indagação sobre se essa forma contínua de avaliação efetivamente se concretiza no contexto escolar investigado.

No que diz respeito à relação com a família na execução do PC, as quatro professoras consideram ser fator fundamental na realização da atividade, apresentando em suas respostas aspectos variados, conforme se apreende da Tabela 8.

Tabela 8: Relação família-escola e o PC

Categorias de análise

PEI1

PEI2

PEF1

PEF2

Fundamental

X

X

X

X

Incentiva e estimula os alunos

X

X

   

Ajuda a criar responsabilidade e autonomia

 

X

 

X

Vínculo entre pais e filhos

 

X

   
 

A professora PEF1 se limitou a dizer que considera a participação dos pais fundamental. A PEF2 salientou a importância de os educandos desenvolverem autonomia no processo educativo. Tendo em vista que, segundo Carvalho (2006), cada vez mais, é a família que recebe e assume a responsabilidade pela realização do PC e que a excessiva cobrança escolar em relação à prática do PC pode inclusive prejudicar a relação familiar, como ilustra Nogueira (2002, p. 89) no relato de uma mãe.

A tarefa de casa não deveria ser em excesso. A professora marca muita coisa sobre o mesmo tema. Exemplo: cinco vezes cada tabuada, escrever até 500, mil, 2 mil. Às vezes, a mãe pede ajuda às pessoas de fora porque o desgaste é demais. As relações ficam pesadas. Para uma doença é o médico. Para consertar sapato, o sapateiro. Para ensinar é o professor, e não o pai.

A esse respeito nos questionamos: qual tem sido o papel da família nesse processo que possibilita ao filho responsabilizar-se por seus estudos?

Por último, questionamos as professoras sobre a relação da prática do PC com faixas etárias e fases de ensino dos educandos. As respostas foram generalistas, enfatizando que, em todas as idades e níveis de ensino, o PC funciona como instrumento que disciplina o educando no hábito contínuo de estudar.

Tabela 9: Importância do PC segundo as diferentes faixas etárias

Categorias de análise

PEI1

PEI2

PEF1

PEF2

Com certeza

X

X

X

X

Cria rotina de estudos

X

   

X

 

Pelas respostas, concluímos que para as professoras o PC é uma prática essencial para o processo educativo, independente das fragilidades do seu uso e execução. No entanto, apesar da valorização docente desse instrumento de ensino, ele não se configura consolidado e normatizado pela escola, sendo tratado como uma prática arraigada nas raízes na cultura escolar.

Portanto, como esclarece Resende (2006), constitui-se como uma prática validada pela maioria dos sujeitos da comunidade escolar, havendo consenso quando se discute a importância educativa do seu uso, porém os desafios impostos pelo tradicionalismo pedagógico ainda são barreiras a serem vencidas, visto que dificultam a (re)significação dessa prática pedagógica historicamente inserida no processo de ensino-aprendizagem escolarizado.

Considerações finais

Procuramos neste artigo apresentar os resultados de uma pesquisa qualitativa realizada em 2019 em uma escola municipal de Belo Horizonte/MG cujo objetivo era investigar com que perspectiva seus educadores adotavam a prática do PC no cotidiano escolar. Analisamos, indiretamente, se há diferenças, segundo os sujeitos da pesquisa, nas formas de uso do PC na EI e no EFI.

Com base nesse propósito, apresentamos o lugar que o PC vem ocupando no processo de ensino-aprendizagem e se o seu uso no ambiente escolar investigado tem se revelado eficaz. Para tanto, relacionamos o PC a métodos e técnicas utilizados na construção de atividades que objetivam o desenvolvimento escolar do educando e que servem de instrumento pedagógico aos educadores.

Para a investigação dessa prática pedagógica historicamente enraizada na cultura escolar, dialogamos com diferentes concepções teóricas, visando evidenciar os múltiplos sentidos que permeiam o PC no eixo família-escola.

Sobre a relação do PC com as teorias da educação, entendemos que a escolha dos métodos, das técnicas e formas de avaliação utilizados no planejamento didático e, consequentemente, na prática do PC tem nítida relação com o tradicionalismo escolar. Muitas atividades solicitadas no PC não são coerentes com a fase cognitiva do educando, com seu contexto de vida; em outras não é incentivado no educando o uso de sua criatividade a partir de desafios propostos, o que recai em métodos repetitivos com fim de acumulação de conteúdo.

Todavia, como abordamos no decorrer do artigo, os conteúdos das atividades de PC não podem estar dissociados do planejamento da sala de aula; ao contrário, devem estar em perfeita harmonia, pois o PC é a continuação da aula, daquilo que foi construído com os educandos. Por isso, ao elaborá-lo, o educador deve estar consciente de seu objetivo e de sua intencionalidade pedagógica. Como declara Silva (2012), o PC é um instrumento importante no desenvolvimento de um costume de estudo e de pesquisa; essa prática, quando bem realizada, pode proporcionar aos educandos a oportunidade singular de apropriarem-se dos conteúdos que foram ministrados na sala de aula e colaborar para que eles tenham uma visão ampliada sobre sua aprendizagem.

Diante disso, problematizamos o PC no contexto de uma educação bancária cujos princípios mecanicistas de aprendizagem, com base em Freire (1996), transformam o PC em um instrumento mecânico, de controle e punição dos educandos, reduzindo-o a uma prática de memorização e de repetição desprovida de qualquer intenção pedagógica que possibilite a formação de sujeitos críticos e reflexivos.

Assim, se pensado e executado mecanicamente, o PC caminha no sentido pedagógico de adestramento mecânico, repetitivo e exaustivo do educando. Mas, se apropriado segundo uma concepção de educação libertadora, torna-se um importante aliado para a formação de sujeitos autônomos.

Contudo, segundo teóricos que baseiam este artigo, dentre os quais Nogueira (2002) e Resende (2006), o PC geralmente é utilizado como obrigação e não como desafio à produção autônoma do conhecimento pelo educando. A obrigação de fazer muitas vezes é justificada pela pontuação atribuída à atividade. Com isso, o educador se contenta em relacioná-lo ao aspecto quantitativo, o que influencia negativamente no processo de ensino-aprendizagem dos educandos.

Entendemos, com base nesses teóricos, que o PC se torna uma prática significativa para o educando quando é vinculado aos conteúdos trabalhados em sala de aula, os quais impactam a sua vida extraescolar, pelo que passa a se constituir como desafio pedagógico que estimula o estudante a exercer a sua criatividade e o seu raciocínio de maneira ativa com vistas a uma socioconstrução do conhecimento. Para isso, a ação mediadora do educador no sentido de corrigir as atividades e fornecer retornos ao educando torna-se um condicionante.

De igual modo se dão as discussões em torno da relação entre o PC e o contexto familiar, dado que atualmente as famílias estão mais atentas à vida escolar dos filhos e colocam o êxito escolar e o sucesso profissional como uma de suas maiores preocupações; passamos a entender que essa relação é demasiadamente frágil, pois pondera a idealização de que a finalidade da instituição escolar é possibilitar a ascensão social e econômica. Ou seja, nas palavras de Bourdieu (2001), trata-se de uma relação guiada pelo capital escolar.

Nesse sentido, atividades extraclasse, como o PC, apresentam-se como um dos modos mais tênues de envolvimento da família com a escola, não sendo raros os discursos de insatisfação centrados na defesa da redução da sua aplicabilidade, aquém de questionamentos que levariam a uma reflexão qualitativa acerca de aspectos que incidiriam diretamente nas suas finalidades educativas, a exemplo da eficácia e da contextualização ao contexto social e ao grau de desenvolvimento e conhecimento do educando.

O panorama atual de como o PC tem sido desenvolvido e avaliado por educadores, bem como se tem contribuído e/ou como pode contribuir de forma significativa para a aprendizagem do educando, demonstra que há necessidade de que esse instrumento pedagógico seja utilizado de forma a romper com o sentimento de insegurança dos educandos e das suas famílias quando da sua execução, pois, conforme Libâneo (2013), não se pode fechar os olhos para o fato de que os pais, sem o conhecimento adequado, muitas vezes vêm assumindo isoladamente o papel de educadores.

Com base nas entrevistas das professoras participantes da pesquisa, concluímos que há incoerência entre o discurso e a prática na utilização do PC. Se, por um lado, no discurso elas afirmam que o PC é um instrumento importante para o processo de ensino-aprendizagem do estudante, por outro, na prática, percebem-se posturas pedagógicas costumeiras, dissociadas de intenção pedagógica. Entretanto, ressalvamos que, dada a dimensão subjetiva que envolve a configuração de práticas, referimo-nos neste artigo mais a eventos do que a práticas em si.

Quanto ao planejamento didático, sabemos que a preparação e a introdução dos conteúdos são etapas imprescindíveis que interferem nas aulas. Nesse aspecto, os discursos das professoras, segundo as quais o PC deve ser utilizado como estímulo ao estudo, à memorização, ao reforço do que foi trabalhado em sala e à oportunidade de criar hábitos e rotinas de estudos nos educandos, tanto preconizam a ideia de um suposto planejamento por elas do uso dessa prática quanto são materializados nas aulas observadas. As observações possibilitaram perceber que as educadoras usam o PC como continuação do que foi trabalhado em sala de aula e como forma de reforçar o conteúdo respectivo.

No entanto, se por um lado o conteúdo das atividades extraclasse deve ser o mesmo explorado nas aulas, por outro os modelos e as construções de atividades deveriam ser diferenciados. Essa diferenciação, que não percebemos na fase de observação, deve ocorrer para que as atividades extraclasses impulsionem o raciocínio, a criatividade e a autonomia no educando.

Conforme Silva (2012), as atividades do PC não podem se restringir a questões que peçam respostas prontas; precisam ser atividades que explorem nos educandos a capacidade de resolução de problemas a partir daquilo que foi aprendido. O PC deve possibilitar aos educandos consolidar o que foi aprendido em sala de aula, porém, colocando em prática seus conhecimentos.

Outro aspecto que envolve o uso escolar do PC diz respeito à precariedade na correção e na avaliação dessa prática. Entendemos que a avaliação é um ato contínuo e não deve estar restrita à atribuição de nota, pois é a oportunidade de verificar como os educandos vêm alcançando seus objetivos e desenvolvendo as habilidades propostas. Porém, observamos, no contexto investigado, que a avaliação ainda não alcançou um caráter qualiquantitativo e de continuidade, pois, segundo as professoras entrevistadas, ela se limita à atividade em si, ou seja, não é utilizada como feedback para um processo avaliativo mais profundo. Contudo, ressaltamos que durante o período de observação não percebemos em nenhuma aula a correção oral e coletiva do PC pelas professoras, somente identificamos registros de vistos e/ou palavras de elogios nos cadernos dos estudantes.

À guisa de conclusão, compreendemos que o PC se constitui como uma prática que está culturalmente inserida no ambiente escolar de forma mecânica e sem efetiva intenção pedagógica. Contra essa lógica tradicionalista, urge aos educadores assumir o PC como instrumento pedagógico com fins educativos e avaliativos, visto que nenhuma atividade pode acontecer sem a clara intenção de qualificar o processo de ensino-aprendizagem.

Por todo o exposto, o PC, ainda que tênue, é um elo que aproxima a família da escola. Por essa razão, deve estar num continuum movimento de (re)significação por parte dos principais sujeitos que estão envolvidos com ele: educador, educando e família.

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70 Brasil, 1991.

BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação qualitativa em educação. Trad. Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Porto: Porto Editora, 1994.

BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. Trad. Aparecida Joly Gouveia. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. M. (Orgs.). Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 2001.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccvil_03/constituiçao.htm. Acesso em: 15 maio 2019.

BUENO, Silviane Irulegui. Os deveres de casa e sua função nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Entre Ver, Florianópolis, v. 2, nº 3, 2012.

CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de. Modos deeducação, gênero e relações escola-família. Cadernos de Pesquisa, v. 34, nº 121, 2004.

______. O dever de casa como política educacional e objeto de pesquisa. Revista Lusófona de Educação, 2006.

______; NASCIMENTO, Conceição dos S; PAIVA, Clotilde M. de. O lugar do dever de casa na sala de aula. Olhar de Professor, Ponta Grossa, v. 9(2), p. 341-357, 2006.

COMENIUS, Iohannis Amos. Didática magna. Aparelho crítico. Trad. Marta Fattori e Ivone Castilho Benedetti. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

CRAEMER, Ute. O brincar na comunidade: uma comunidade se transforma com a arte lúdica. In: MEIRELLES, Renata. (Org.). Território do brincar – diálogos com escolas. São Paulo: Instituto Alana, 2015.

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1985.

______. Alfabetização em processo. São Paulo: Cortez, 1996.

FRADE, I. C. A. S. Alfabetização digital. In: VAL, M. da G. C. G.; BREGUNCI, M. das G. C. Glossário Ceale de termos de alfabetização, leitura e escrita par educadores. Belo Horizonte, Ceale/Faculdade de Educação da UFMG, 2014. Disponível em: http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/referencia/frade-
i-c-a-s-alfabetizacao-digital- problematizacao-do-conceito-e-possiveis-relacoes-com-a-pedagogia-e-com-aprendizagem-inicial-do-sistema-de-escrita-in-coscarelli-c-e-ribeiro-e-orgs-letramento-digital-aspectos-sociais-e-possibilidades-pedagogicas-belo-horizonte-autentica-2005. Acesso: 18 abr. 2019.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1967.

______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 20ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GONÇALVES, Irlen Antônio; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. História das culturas e das práticas escolares: perspectivas e desafios teórico-metodológicos. In: SOUZA, Rosa Fátima; VALDEMARIN, Vera Teresa (Orgs.). A cultura escolar em debate: questões conceituais, metodológicas e desafios para a pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2005.

GONÇALVES, Romanda. Didática geral. 6ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1969.
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO AMAZONAS (IFAM). Igapó. Revista de Educação, Ciência e Tecnologia, Manaus, n° especial, dez. 2013.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2013.

LIMA, Thais Ramos de. Dever de casa: os diferentes pontos de vista. 2013. Monografia (Graduação em Pedagogia), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: http://www2.unirio.br/unirio/cchs/educacao/graduacao/pedagogiapresencial/ThaisRamosdeLima.pdf. Acesso: 7 dez. 2018.

LOPES, Alice Casimiro. Currículo e epistemologia. Ijuí: Editora Unijuí, 2007.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. 2ª ed. São Paulo: EPU, 1986.

MEIRIEU, Philippe. Os trabalhos de casa. Trad. Manuela Monteiro. Lisboa: Presença, 1998.

MENEGOLLA, Maximiliano. E agora, aluno? Petrópolis: Vozes, 1992.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa total. Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001.

NOGUEIRA, Marialice; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO, Nadir (Orgs.). Família & escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

NOGUEIRA, Martha Guanaes. Tarefa de casa: uma violência consentida? São Paulo: Loyola, 2002.

PAULA, Flávia Anastácio de. Lições deveres, tarefas, para casa: velhas e novas prescrições para professoras. 2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/253414/1/Paula_FlaviaAnastaciode_M.pdf. Acesso: 9 dez. 2018.

RESENDE, Tânia F. Dever de casa: questões em torno de um consenso. 2006. Pesquisa na Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 16ª ed. São Paulo: Cortez, 1990.

SILVA, Fernanda A. O.; PAULO, Jacks Richard de; COUTRIM, Rosa; SILVA, Marcelo Donizete da; SANTOS, Marcelo Loures dos; SANTANA, Adriene (Orgs.). Diálogos da formação docente com diferentes sujeitos e espaços educativos. Curitiba: CRV, 2018.

SILVA, Tania Maria Paredes Barros. Deveres de casa: Escola x Família. Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 11, nº 2, jul. 2012.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2010.

SOUZA, Rosa Fátima de; VALDEMARIN, Vera Teresa (Orgs.). A cultura escolar em debate questões conceituais, metodológicas e desafios para a pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2005.

Publicado em 16 de junho de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

ALVES, Daniel Cardoso; ROCHA, Alessandra dos Santos; ALMEIDA, Fernanda Martins de; REIS, Laís Cristina Ferraz; SANTOS, Raquel Gonçalves Paula dos. Reflexões acerca da naturalização do uso escolar da prática do "para casa". Revista Educação Pública, v. 20, nº 22, 16 de junho de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/22/reflexoes-acerca-da-naturalizacao-do-uso-escolar-da-pratica-do-para-casa

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.