São João Marcos e Ribeirão das Lajes: progresso, a questão ambiental e a preservação do patrimônio cultural
Paulo Cesar de Almeida Barros Lopes
Graduado em História (UNIRIO)
O patrimônio cultural, tanto em sua dimensão material como na imaterial, representado pelas manifestações culturais, pelos usos e costumes, pela comida, pelos modos de criar, de fazer e de viver de um povo, foi por muito tempo esquecido, não sendo objeto da tutela estatal. Em vista disso, pode-se dizer que essas noções envolvem as questões tanto do passado como do futuro da humanidade; envolvem também o entendimento na formação de uma nação através da leitura do seu patrimônio cultural, da materialização da história; e assim preservar a continuidade do tempo percorrido, ao mesmo tempo possibilitando a conservação de algo de suma importância para a história desse povo.
Em virtude dessa preocupação com a conservação, em 2008 o Instituto Light, mantido pela empresa Light S. A., tem como função a preservação histórica e cultural da região da antiga cidade de São João Marcos e o desenvolvimento do turismo local, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Rio de Janeiro; o Instituto desenvolveu, com a lei de incentivo à cultura e o suporte de inúmeras instituições, o projeto de construção do Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos, que foi oficialmente inaugurado em 9 de junho de 2011. O parque tem como objetivo preservar a História do Vale do Café, com a característica de museu a céu aberto; está localizado no município de Rio Claro. Ali se procura resgatar a memória da antiga cidade de São João Marcos, como sua história e suas tradições culturais. O parque, depois de inaugurado, promoveu inúmeros eventos culturais, tanto que é digno de nota que no mês de seu aniversário foram contabilizados mais de 50.000 visitantes, sendo mais de 15.000 estudantes de escolas públicas.
Não obstante, apesar de todo esse glamour, a história do local revela uma situação dramática vivida por seus habitantes durante quase um século. Analisar a História pouco conhecida da cidade e da represa ajuda a escrutinar até que ponto o progresso pode andar em consonância com a preservação do meio ambiente e do patrimônio cultural; além disso, quanto vale a vida das pessoas em detrimento do desenvolvimento econômico e da ganância das grandes corporações. Para que possamos fazer um quadro do que foi falado, é imperativo entender o processo histórico da cidade e da represa de Ribeirão das Lages.
O início
São Marcos, uma das maiores cidades fluminense no século XIX, era conhecida como Vila de São João Príncipe. As entradas e bandeiras durante o fim do século XVII possibilitaram a construção de uma estrada real para que os paulistas pudessem enviar com segurança para o Rio de Janeiro o imposto da realeza sobre o ouro que era extraído. Olga de Sá (2010) enfatiza que era a principal região na produção de café quando o produto estava em alta no mercado mundial; o município de São João Marcos ganhara destaque, chegando a ter como seu ilustre morador o homem mais rico do Brasil, que foi convidado por D. Pedro I a participar da proclamação da independência brasileira.
Este artigo trata da inundação da cidade para a construção da Hidrelétrica de Ribeirão das Lajes. Sua área e a cidade que foi inundada para dar lugar à represa têm sua representatividade histórica, destacando também a construção da represa com a associação à Estação de Tratamento do Guandu (ETA-Guandu). A região se tornara a mais rica do país e do mundo, porque São João Marcos, além da posição geográfica estratégica, era um dos principais núcleos, pois produzia ao ano aproximadamente dois milhões de arroba de café. Já no fim do século XIX, a cidade chegou a comportar cerca de 20.000 habitantes, além de possuir teatros e escolas públicas; o seu poder aquisitivo proporcionara a muitas famílias a capacidade de contratar professores estrangeiros para seus filhos. Tinha infraestrutura de dar inveja às cidades postulantes da época, com suas fábricas, bibliotecas, profissionais de nobre estirpe e artistas de ópera renomados. O mais interessante nesse contexto é o progresso relacionado às estradas de rodagem, porque na região foi construída a primeira estrada de rodagem do Brasil, que tinha 40km de extensão e foi construída em 1865, possibilitando se tornar um ponto de parada entre o Rio de Janeiro e São Paulo no qual o imperador, nobres e até mesmo pessoas de destaque no período republicano utilizavam, em especial na Fazenda Olaria.
O objetivo da estrada era promover a manutenção desse progresso econômico, fazendo com que o café escoasse das fazendas do Vale do Paraíba para o Porto de Mangaratiba. Essa proeminência era tão destacada que é relatado que o comendador Joaquim José Breves, comendador que era oriundo daquela região, foi considerado o homem mais rico do Brasil, porque se relatava que ele possuía aproximadamente 6.000 escravos registrados e especulava-se que era proprietário de quase o dobro de escravos sem registro. Joaquim Breves foi integrante da Guarda de Honra de D. Pedro I e esteve presente na proclamação da Independência do Brasil; além dele, a cidade teve como moradores os mais proeminentes e poderosos fazendeiros. Sobre esse assunto, Pasin (1993, p. 144) declarou:
O Vale do Paraíba foi a única região do Brasil a participar diretamente dos acontecimentos que culminaram com a separação do Reino do Brasil do Reino de Portugal, no dia 7 de setembro de 1822, na colina do Ipiranga; ali estavam naquela tarde histórica os vale-paraibanos testemunhas oculares do gesto de Dom Pedro, criador do Império do Brasil.
Paralelamente ao desenvolvimento de São João Marcos, foi inaugurada, por Irineu Evangelista de Souza, a primeira estrada de ferro do Brasil ligando Mauá a Raiz da Serra, no fundo da Baía de Guanabara. Em virtude da implantação desse sistema de transporte, que era mais rápido e mais seguro, houve redução na movimentação dos tropeiros (condutores de tropas ou comitivas de muares e cavalos entre as regiões de produção e os centros consumidores no Brasil a partir do século XVII) que utilizavam o caminho que passava por São João Marcos e que vinham de São Paulo, porque esses grupos passaram a utilizar o transporte ferroviário, e por conta disso houve grave queda no comércio da região.
Aliado a isso ocorrera, em virtude do esgotamento das terras, a queda do rendimento; o golpe que acentuou essa queda foi a abolição da escravatura, porque os fazendeiros não conseguiram suprir a necessidade de grandes contingentes humanos e mão de obra praticamente gratuita para trabalhar nas suas plantações. A partir daí o resultado da combinação desses fatores foi catastrófico. Um movimento contrário ao que ocorreu no Oeste Paulista, em virtude de nesse local, as lavouras serem mais recentes e os fazendeiros contarem com lavradores assalariados, meeiros e imigrantes; por esse motivo, os fazendeiros paulistas assumiram a liderança do mercado rapidamente.
O resultado dessa catástrofe econômica repercutiu profundamente na cidade de São João Marcos; mesmo assim, seus moradores tentaram resistir à decadência se adaptando aos novos tempos, dando forte apoio à construção da estrada de ferro entre Barra Mansa e Angra dos Reis. É digno de nota que essa ferrovia trouxe uma nova perspectiva de prosperidade para o futuro de São João Marcos. No entanto, com o desenvolvimento da Capital Federal, o Rio de Janeiro, e as cidades vizinhas, houve necessidade de obtenção de recursos que o progresso exige de qualquer postulante a metrópole, como energia elétrica e água potável encanada. Contudo, o problema se encontrava justamente nisso, porque o caminho do “progresso” metropolitano estava situado na cidade de São João Marcos, já que a opção sugerida para a obtenção dos recursos mencionados era a criação de uma represa e uma hidrelétrica em Ribeirão das Lajes, no alto da Serra das Araras, mas tal obra proporcionaria o alagamento de 97 grandes fazendas, justamente as maiores de São João Marcos.
A primeira inundação: o início do fim
O que era considerado planejamento foi colocado em prática no ano de 1907, quando a The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power, (hoje apenas Light) começou as obras da represa de Piraí com desvios de rios para complementar a inundação da cidade. Conforme os registros históricos, é perceptível que o empreendimento fora feito sem nenhum planejamento; por esse motivo, as consequências foram desastrosas, tanto que em 1909 a inundação destruiu inúmeras plantações e foi responsável pela morte de uma quantidade significativa de animais. O relato das pessoas daquela região sobre esse período chamou a atenção porque o mau cheiro oriundo da morte dos animais se alastrou por toda a redondeza durante meses. Só que não parou por aí: na sequência veio o flagelo da malária,que contaminou mais da metade da população. Isso foi muito chocante em virtude de que a cidade de São João Marcos, antes da inundação, não registrava nem dez óbitos por ano! Só em 1910 morreram 770 pessoas e somam-se a este fato vários depoimentos históricos que registraram inúmeras cenas trágicas. Valas coletivas foram abertas no cemitério e muita gente ainda viva foi para a cova com os defuntos. Os moradores pediam socorro: enviaram cartas às autoridades implorando por médicos. Nenhuma ajuda veio: nem do governo, nem da Light.
Os fazendeiros de São João Marcos pouco puderam fazer contra a inundação de suas terras além de reclamar, pois ficaram desnorteados em sentido literal; economicamente perderam o poder político que possuíam durante os períodos áureos. Os fazendeiros tentaram dissuadir os organizadores de tal empreitada com a emissão de ofícios, atas e moções; tudo em vão. Registros da época pré-inundação retratam o sofrimento dos moradores e mostram com riqueza de detalhes o desespero das autoridades locais com o início da construção da Represa de Ribeirão das Lajes.
Os que restaram foram protagonistas de terríveis histórias, como a presenciada e documentada por Luís Ascendino Dantas, funcionário público estadual aposentado, chefe político local desde a década de 20, mas já afastado da vida pública: "em uma das casas, uma mulher morta tinha em seu colo uma criança que ainda mamava, e a seus pés outra que chorava”. À época residindo em Niterói, sede do governo estadual e vizinha da Capital Federal, Dantas escreveu livros e artigos diversos sobre a importância histórica da cidade, clamando contra a sua destruição. Liderou vários abaixo-assinados, inclusive aquele que havia solicitado o tombamento da cidade, atendido por Mello Franco. Publicou São João Marcos e Rio Claro e um esboço biográfico do Dr. Joaquim José de Souza Breves.
O relato deixado pelos fazendeiros Agrippino Griecco, que foi também crítico literário, poeta, contista, tradutor e jornalista, Luiz de Souza Breves e o coronel Joaquim Luiz de Souza Breves, seu irmão, traz outras cenas trágicas: "No pior período da epidemia, abriam-se valas enormes no cemitério. (...) Nos arredores encontravam-se cães devorando cadáveres e achou-se até uma criancinha morta".
O poderio da Light colocava todos a seu favor. A população pediu desesperadamente por auxílio, mas nada foi feito porque imprensa, políticos e até cientistas afirmaram que a epidemia que ocorrera não teve causa na inundação. A epidemia de malária foi amplamente debatida por cientistas que eram a favor da ideia de que a malária foi ampliada por conta da inundação e pelos que foram contras a tal posição.
A seguir está um trecho de publicação da época sobre o debate:
Na Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, uma sessão memorável. 12 abr. 1911. Sobre a epidemia de S. João Marcos falam: o dr. José Maria Coelho, atacando a Light, e o dr. Floriano de Lemos, que leu um relatório do dr. Oswaldo Cruz, mostrando que não foi devido à açudagem do Rio das Lages que se deu a implantação da malária em Piraí e S. João Marcos. Teve em seguida a palavra o dr. José Maria Coelho, que fez uma conferência sobre a questão do impaludismo no município de São João Marcos, de que tratou, no mês passado, por esta folha, o nosso companheiro dr. Floriano de Lemos. O dr. José Maria pretendia, mesmo, responder apenas ao artigo publicado no Correio da Manhã. E foi o que fez, ocupando a tribuna por espaço de trinta minutos, expendendo francamente sua opinião, que, como ele próprio confessou, era a de alguns colegas seus. "No correr desta conferência – disse o orador –, que o meu trabalho pouco mais foi que reunir os documentos em que baseei para o estudo da questão” etc. Esses documentos, na maior parte, são pareceres de médicos do interior, como os drs. José Ricardo, Baptista Pereira, Ribeiro de Almeida, Ferreira de Figueiredo, Moraes Mello etc. Referiu-se ainda ao relatório do atual diretor de Saúde Publica,analisando vários pontos. Foi uma dissertação eloquente. O dr. José Maria Coelho é um apaixonado pelas coisas do seu torrão natal. É ele mesmo quem o confessa, dizendo ao presidente: "V. Ex. e os meus colegas me desculparão se eu algumas vezes me tiver afastado do terreno exclusivamente científico. Eu tenho muito amor às coisas do meu estado, e sempre que se agita essa questão da epidemia de S. João Marcos, que deu lugar a algumas páginas bem tristes da nossa história, eu não posso reprimir a justa revolta que me invade a alma de fluminense extremado" Ao terminar a conferência, teve a palavra o dr. Floriano de Lemos. Disse que falaria apenas durante cinco minutos. O que tinha a desenvolver, já o fizera pelo Correio da Manhã. Respondendo ao dr. Maria Coelho, pondera o seguinte: "O dr. Coelho acha, baseado no que viu, e na opinião de alguns colegas (José Ricardo, Baptista Pereira etc.), que as obras da Light foram o fator exclusivo da implantação do impaludismo em S. João Marcos e arredores. Eu acho, igualmente baseado no que vi, e também com a opinião de vários colegas e mestres (professores Nuno de Andrade, Dias de Barros etc.), que as obras da Light não podem ser consideradas responsáveis, de modo algum, pela implantação do mesmo impaludismo naqueles lugares. São duas opiniões, que podem correr paralelas; o colega acate a minha e eu acatarei a sua. Agora, para dizer alguma coisa de novo, peço licença para trazer aqui a opinião do dr. Oswaldo Cruz, cuja competência científica e capacidade moral não devem, não podem, não sofrem a menor discussão". A esse ponto o dr. Maria Coelho aparteia o dr. Floriano: – O colega não é capaz de ler aqui o relatório do dr. Oswaldo Cruz. Ainda não está publicado. Como resposta, o nosso companheiro passou a exibir esse relatório, competentemente autenticado e com firma reconhecida, o qual abaixo publicamos na íntegra. Salientemos, porém: o dr. Oswaldo Cruz concorda in totum com a opinião expendida no Correio da Manhã por Floriano de Lemos: o grande brasileiro não só diz "que a região é tipo de região palustre", e que "suas cercanias são há muito conhecidas como zonas malarígenas, onde o impaludismo reinou e reina sob a forma endêmica", mas ainda afirma que "o alagamento dos açudes citados só poderia ser contribuído para sanear a zona em que eles se achavam. Entre nós, como saneamento definitivo de regiões maláricas, podemos apontar as zonas periurbanas da cidade do Rio de Janeiro, que foram saneadas, por ocasião da campanha antiamarílica aqui levada a efeito. Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 1911. Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz" (Firma reconhecida pelo Tabelião Gomes Guimarães) (Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Publicado na edição do jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em 12 de abril de 1911, com ortografia atualizada).
Em conjunto com essa discussão científica foi percebido que houve certa cumplicidade do governo com a Light, visando ao interesse maior do “progresso” e do distrito Federal; tanto foi assim que o Governo Federal impôs uma silenciosa quarentena de duas décadas, na qual a agonia dos habitantes das redondezas de São João Marcos ficara evidente. Os números infelizmente retratam essa agonia: a população de São João Marcos, que era de 18.000 habitantes em 1898, caiu para 7.400 em 1922.
O tombamento e o “destombamento”
O pior estaria por vir. A Light e o governo tinham planos ambiciosos para completar o martírio da maravilhosa cidade, pois o desejo de ambos era ampliar a represa objetivando o aumento da produção de energia elétrica, e isso acarretaria a destruição completa da cidade de São João Marcos. Diante de tal possibilidade, os poderosos fazendeiros se anteciparam para negociar com a Light e o governo antes mesmo que o projeto fosse aprovado. A reportagem do jornal O Globo, publicada na época, relata que em 1939 a Light comprou 78 fazendas e algumas casas dos poderosos e influentes fazendeiros que poderiam demonstrar algum poder de oposição. Em suma, restou para os menos abastados e para o Patrimônio Histórico Cultural o pagamento dessa conta macabra, porque estavam sendo submersos mais de duzentos anos de História. Uma perda irreparável!
Por causa dessa situação, os moradores iniciaram um movimento desesperado na tentativa de reverter esse quadro com perspectivas sombrias, mas a Light, além de ser poderosa, tinha o Governo Federal ao seu lado. No mesmo ano, inesperadamente, o Departamento Cultural do Estado, por meio do recém-criado Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) efetivou o “tombamento” de toda a cidade de São João Marcos como patrimônio artístico e cultural do país. Essa ação impediu temporariamente a Light de demolir as casas; em virtude disso, o povo comemorou, pois a assinatura do tombamento foi na tarde da sexta-feira 19 de maio de 1939. Vale lembrar que a palavra tombamento tem origem portuguesa e significa fazer registro do patrimônio de alguém em livros específicos num órgão que cumpre tal função, a fim de proteger algo que tem valor para uma comunidade. Atualmente, o tombamento é um ato administrativo realizado pelo poder público com o objetivo de preservar, através da aplicação da lei, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados.
Aquele final de semana de maios de 1939 foi memorável para os habitantes daquela região e isso foi demonstrado com as festas e comemorações, inclusive seus duzentos anos de existência. Apesar de o tombamento ser baseado em lei federal, o presidente Getúlio Vargas assinou um decreto-lei em 3 de julho de 1940, um ano após a cidade ter sido “tombada”, “destombando-a”. É imperativo afirmar que essa ação foi totalmente incomum porque São João Marcos foi a primeira cidade do país a ser tombada pelo Sphan e a primeira e única a ser “destombada”; Getúlio entregou a cidade para ser destruída, casa por casa, pela Light.
A segunda inundação: o fim
O processo de destruição foi iniciado em 10 de abril de 1941, apesar da intensa oposição dos moradores, que lutavam para não serem “eliminados” definitivamente da História do Brasil, mas a luta foi em vão, porque o trabalho de demolição começou em ritmo acelerado. Não obstante uma particularidade chamou a atenção neste momento difícil para aquelas pessoas: a igreja, uma construção linda e vistosa, construída a partir de 1796, com arquitetura maneirista, típica dos jesuítas, e barroca. O interior da igreja era todo decorado em ouro. O mais interessante na demolição é que os operários se recusaram a mexer no prédio sagrado, e a construção era tão sólida que os recursos considerados corriqueiros nos processos de demolição não seriam suficientes. Por conta desse impasse, a Light contratou um especialista, conhecido como Sr. Dudu, morador de Rio Claro. Ele conseguiu concluir o serviço, mas consta (não há registro oficial que confirme) que, logo após ter executado o serviço, além de ter ficado “corcunda”, perdeu todos os seus bens e morreu como jardineiro num colégio de freiras em Valença/RJ. A desocupação foi cruel: a Light "indenizava" e imediatamente as pessoas tinham que sair de casa, levando apenas os móveis em caminhões da empresa. Rapidamente entravam os operários com marretas e demoliam tudo; os funcionários da empresa não permitiam que os moradores levassem as madeiras.
Pela segunda vez a cidade de São João Marcos foi inundada; no alto dos morros, curiosos, funcionários da Light e os moradores outrora desalojados observaram a inundação que não ocorrera de forma completa porque as águas não atingiram toda a cidade. Ficou bem claro, com isso, que provavelmente houve erro de planejamento da Light, que, segundo os relatos, quis a qualquer custo fazer valer a inundação da forma como desejava, correndo até o risco de fechar as comportas acima do nível de emergência para concluir o processo. Tornou-se evidente que a inundação de toda a cidade era desnecessária; isso causou revolta na população – justificada, é claro, pois até mesmo com um período de chuva mais intenso as águas nunca alcançaram toda a cidade. Tempos depois a Light foi nacionalizada, e na sequência se tornou uma empresa privada brasileira. Paradoxalmente, a mesma Light, nos dias atuais, ajuda a resgatar a história de São João Marcos patrocinando um trabalho arqueológico no local.
A reflexão e a questão ambiental
Tendo em vista os fatos narrados, surge uma pergunta importante: pode o progresso conviver com a questão ambiental e a preservação do patrimônio cultural? Um trecho de uma reportagem do jornal O Globo em 30 de janeiro de 2019 dá a dimensão da discussão do assunto:
Liminar pedida pelo Ministério Público obriga CSN a retirar escória de Volta Redonda. Material fica em grande depósito de sobra de produção de aço próximo ao Rio Paraíba do Sul. Medo de moradores é que haja contaminação. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) pediu liminar obrigando a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) a retirar a escória que fica em um grande depósito de sobra de produção de aço em Volta Redonda. O material está próximo ao Rio Paraíba do Sul, que abastece mais de 70 cidades do estado e também de São Paulo. O risco de contaminação preocupa a população (O Globo, 2019).
Tendo em vista esse fato, é válido perguntar: qual a associação da Represa de Ribeirão das Lajes, a cidade histórica de São João Marcos e o Rio Paraíba do Sul com a Estação de Tratamento de Águas do Guandu (ETA-Guandu)? De que forma a contaminação mencionada no jornal poderá afetar mais de 16 milhões de pessoas, em especial a Região Metropolitana? O que pode ser feito para que se possa preservar a bacia hidrográfica do Guandu, localizada no Vale do Paraíba?
A resposta se inicia no desenvolvimento do PAF (Projeto Produtores de Água e Floresta). Esse projeto alcança a antiga área do município de São João Marcos, que atualmente é composta pela Represa de Ribeirão das Lajes, formada pelo Ribeirão Pires, Ribeirão da Prata, Ribeirão Machado, Rio Piraí e Rio Paraíba do Sul, e abrange terras dos municípios de Rio Claro e Piraí, no Estado do Rio de Janeiro; chega a aproximadamente 204km². Hoje parte da área é ocupada por uma reserva ecológica que pode ser percorrida por diversas trilhas. Na área de Rio Claro ela se estende por aproximadamente 25% de seu território.
Suas águas seguem para a Usina de Fontes para a produção de energia elétrica pela Light; dali partem para se juntar às águas do reservatório de Santana, formando o reservatório de Ponte Coberta; posteriormente desaguam no Rio Guandu, para abastecer de água potável a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em duas tubulações onde são recolhidas as águas limpas da barragem (elas águas são apenas cloradas) e da Estação de Tratamento de Guandu, pertencente à Cedae, onde são tratadas e distribuídas.
Uma análise da governança no projeto sob a ótica da gestão social,feita por Diná Andrade Lima Ramos, Francine Ramalho de Aguiar e Lamounier Erthal Villela, destaca que no ano de 2006 o Instituto Terra de Preservação Ambiental chegou ao município de Rio Claro para a implantação de uma atividade agroflorestal na Comunidade Quilombola Alto da Serra, localizada no distrito de Lídice. Tal atividade estaria ligada a um projeto aprovado no final de 2005 pelo Ministério do Meio Ambiente, o Construindo Estratégias Participativas e Projetos Demonstrativos de Conservação da Mata Atlântica na Região do Corredor de Biodiversidade Tinguá-Bocaina. A partir de então, teve início não só a aproximação da instituição com novos proprietários localizados no entorno da comunidade quilombola como também a percepção da importância de preservar as propriedades daquela região como medida de proteção do manancial de abastecimento público da cidade do Rio de Janeiro, já que é ali que estão as principais nascentes que formam o Rio das Pedras, afluente do Rio Piraí, que desemboca no Rio Guandu.
O PAF está sendo executado na região da Bacia Hidrográfica do Rio Guandu, mais especificamente na microbacia de Rio das Pedras, situada em Lídice. A área abrange um total de 5.227 hectares, compreendendo as principais nascentes do Rio Piraí. O manancial é responsável por 15% da produção de água no Sistema Guandu. É considerado zona núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e está localizado no entorno do Parque Estadual do Cunhambebe, território da Área de Proteção Ambiental do Alto Piraí.
A meta do PAF é manter a totalidade da cobertura florestal verificada no início do projeto piloto e ampliar a cobertura em áreas consideradas prioritárias para a restauração com as áreas de preservação permanentes (APP) no entorno de nascentes e margens de rios. O projeto é financiado com recursos provenientes da cobrança pelo uso da água dessa região hidrográfica. O recurso paga aos proprietários rurais valores comparados ao custo de oportunidade da terra. No início do projeto, em 2007, apenas 18 das 28 propriedades rurais mapeadas assinaram contratos. Atualmente, existem 62 contratos que abrangem mais de 6,6 mil hectares, sendo quatro mil hectares de conservação e 500 hectares de restauração florestal.
O projeto destaca que é possível que o progresso caminhe junto com a preservação do meio ambiente e do patrimônio cultural, porque políticas públicas planejadas e bem executadas evitam situações que criem adversidades históricas, contribuem para o desenvolvimento da sociedade de forma sustentável; dessa forma, a experiência certamente denota grande avanço no modo de pensar políticas públicas ambientais, deixando claro que há necessidade de pensar todo tipo de políticas públicas capazes de articular o local e o global. No caso do PAF não foi percebido ainda um grande potencial dinamizador da economia a partir do projeto.
Alguns poucos postos de trabalho temporários foram criados, e nenhuma atividade econômica expressiva surgiu. Mesmo assim, é interessante observar que, com os treinamentos proporcionados no âmbito do projeto, algumas ideias estão surgindo ou amadurecendo, como a promoção do turismo e a produção de mudas para reflorestamento. Existe a percepção de que há um desejo dos produtores rurais de abastecer com mudas o mercado local, suprindo assim as demandas do PAF. Pelos estudos, acredita-se que o projeto PSA (Pagamentos por Serviços Ambientais) vem cumprindo seu objetivo principal, que é a conservação e a restauração das florestas, tendo como maior aliada a conscientização ambiental dos produtores rurais participantes. É bem verdade que estudos mais recentes, feitos a partir de 2017, mostram que o PSA possui fragilidades técnicas como a falta de monitoramento das atividades de campo e fiscalização para combate a caça e a incêndios florestais. Possui como fragilidade econômica os valores pagos aos produtores rurais que disponibilizam suas terras para as ações do projeto e a falta de um mercado local de produção de mudas de espécies nativas da Mata Atlântica, que era a paisagem original de 97% do território do Estado do Rio de Janeiro, deixou de ser classificada como sistema provedor de serviços ambientais e considerada como fonte inesgotável de produtos comercializáveis.
Na região onde se encontram duas das maiores metrópoles brasileiras (Rio de Janeiro e São Paulo), atualmente restam pouco mais de 20% da cobertura original da Mata Atlântica, sendo que apenas 7% encontram-se bem conservados, segundo o Relatório MEA 2005.
É importante não desconsiderar que a represa de Ribeirão das Lajes, com seus mais de 600km de perímetro, é de uma beleza espetacular e guarda enorme potencial para a prática da pesca esportiva, por suas águas cristalinas e sem poluição. Entretanto, a infraestrutura para esse aproveitamento pode ser considerado inicial, pois o único acesso à represa é feito pelo Clube de Pesca de Piraí, mas pescadores irregulares, por acessos clandestinos, continuam a praticar a pesca predatória, movimento que pode vir a desestabilizar o ecossistema.
A floresta, em relação à produção de água, é considerada fator indispensável, porque o ecossistema conjugado proporcionará para todos nós, seres vivos, a permanência do fornecimento de água por um período mais prolongado, permitindo a manutenção do equilíbrio do ciclo hídrico. Abramovay (2012) sustenta a urgência de compatibilizar os processos de desenvolvimento com a preservação e a regeneração dos serviços ecossistêmicos que sustentam a sociedade humana. Essa relação deixa bem exposto que a redução da água potável está intrinsecamente associada ao desmatamento. Para Pagiola (2005), a floresta desempenha papel essencial na regulação dos fluxos hídricos e na redução do assoreamento. Mudanças na cobertura florestal podem afetar a quantidade, a qualidade e a dinâmica temporal dos fluxos de água (MMA, s/d).
O recomeço
Por esse e por vários outros motivos, é peremptória a importância de gestão de projetos hídricos para a recuperação da vegetação; também é importante a mudança de foco em relação às atividades econômicas que são realizadas ali para que possam ajudar na gestão dos recursos hídricos, em especial da bacia hidrográfica que é objeto deste trabalho, a região onde se localizava a antiga cidade de São Marcos, pois essa região ainda é de suma importância para o Estado do Rio de Janeiro, com destaque para o Sul Fluminense e a Região Metropolitana.
É importante observar que especialistas e administradores públicos têm dado atenção à questão dos recursos hídricos de forma mais acintosa; entretanto, diferentemente do início do século XIX e, depois, durante o Estado Novo, existe uma análise mais criteriosa em andamento para proporcionar o progresso sem necessariamente provocar um desastre como ocorreu em São João Marcos. Logo, o ponto de vista ambiental gerou reflexão quanto à necessidade de preservação do meio ambiente, consecutivamente acaba ajudando na preservação do patrimônio cultural, porque passa a existir consenso entre todos os envolvidos na questão; dessa forma, criam-se inúmeras atividades que complementam esse esforço da sociedade em geral. Do ponto de vista socioeconômico, as forças se firmaram em torno do aumento do número de pessoas que passaram a visitar a região, o que acarreta aquecimento da economia local, gerando vários benefícios para a região. Isso fica evidente com a nova visão dos envolvidos tanto no progresso como na preservação de determinada identidade cultural e na proteção ambiental, pois a bacia hidrográfica de que a extinta cidade de São João Marcos faz parte é responsável pelo fornecimento da água que abastece a Estação de Tratamento de Água do Guandu, que está no Guinness Book, o Livro dos Recordes, como a maior estação de tratamento de água potável do mundo em produção contínua. A estação foi criada em 1950, mas somente a transposição das águas do Rio Paraíba do Sul e do Rio Piraí para a Bacia do Rio Guandu, em 1952, tornou possível que as águas fossem captadas por esse curso. Em 1955, foi inaugurada a ETA-Guandu. A segunda etapa aconteceu em 1963 e a terceira foi concluída em 1965. A estação foi aumentando sua capacidade e em 1974 já havia se tornado o maior parque de produção de água da América Latina.
Como foi feita a transposição? No Rio Paraíba do Sul, em Barra do Piraí, foi construída uma barragem de nível para captação de água, a Barragem de Santa Cecília; através de uma estação elevatória, ela bombeia a água cerca de 15m acima, fazendo chegar ao Rio Piraí, onde uma barragem impede seu curso normal, que seguiria com águas indo em direção ao Rio Paraíba do Sul, mas que ocorre justamente o contrário, uma inversão do sentido do fluxo original, fazendo com que as águas do Rio Paraíba do Sul se dirijam a Piraí, onde é bombeada novamente e sobe a uma altura de 35 metros até o Reservatório de Vigário.
Daí essa mesma água sofre uma queda de 310 e 303 metros para produzir energia nas usinas de Fontes e Nilo Peçanha, respectivamente. Na sequência essa água segue para a represa de Ribeirão das Lajes, local onde estaria a localização da cidade de São João Marcos; a represa também recebe as águas dos ribeirões Pires, da Prata e Machado. O fluxo das águas do Ribeirão das Lajes segue em direção a Paracambi após se encontrar com o Rio Santana, e a partir deste ponto passa se chamar Guandu.
Alie-se à importância dessa região o fato de que nessa represa foi realizada uma pesquisa sobre o conhecimento das relações entre diversos elos da rede alimentar dos ecossistemas aquáticos, a qual enfatiza a análise de dietas alimentares de peixes objetivando conhecer os processos que regulam os ecossistemas aquáticos tropicais; segundo esse relatório, pode ser considerado que “estudos da dieta natural constituem ferramentas importantes para o conhecimento da estrutura trófica da comunidade íctica do reservatório de Ribeirão das Lajes e podem contribuir para o manejo adequado do local”.
Isso demonstra que a mentalidade das pessoas mudou muito em relação ao período da inundação, porque passou a existir maior preocupação com o equilíbrio do ecossistema, com a preservação da Mata Atlântica e com um bom uso da região para se exercerem atividades comerciais sem destruir o meio ambiente, como é o caso do Clube de Pesca de Piraí, sediado na represa e que recebeu alevinos de tucunarés e tilápias que iriam juntar-se à ictiofauna preexistente (piaus, carás, mandis, lambaris e traíras). O objetivo era a manutenção da qualidade da água do manancial pela geração de um ambiente ecologicamente equilibrado. O sucesso desse povoamento, constatado poucos anos depois, criou na represa de Ribeirão das Lages, um verdadeiro nicho ecológico e um paraíso para a pesca esportiva, porém de acesso restrito.
É mister destacar a percepção de vários autores sobre a questão ambiental dessa bacia hidrográfica: Avelar (2015) trata da importância da água como elemento insubstituível, do aumento acelerado da população dependente dessa água e de sua escassez, tendo em vista que essa escassez influencia a bacia do Rio Paraíba do Sul, que abastece hidricamente o Sudeste do Brasil, incluindo os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que correspondem a quase a metade da população brasileira. Fala também da importância do rio para a geração de energia elétrica e para a piscicultura e da instalação de indústrias nas suas margens. O interessante é que Avelar mostra isso por meio de pesquisas e de dados estatísticos sobre tais questionamentos. Por esse motivo e outros mencionados, é válido destacar que é de suma importância a abordagem da história da criação da Represa de Ribeirão das Lajes e da inundação da antiga cidade de São João Marcos, pois essas histórias fundem-se com a história do Rio Paraíba do Sul e da estação de tratamento do Guandu.
A obra de Brito e Suyá (2017) ajuda a resgatar a história dos sistemas de abastecimento de água da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, deixando clara a dependência do Rio de Janeiro e sua Região Metropolitana ao sistema Guandu. Aborda também o aumento do investimento nesse sistema de abastecimento, acarretando seu aumento no atendimento àquelas regiões. A dificuldade de uma possível nova mudança nessa estrutura, já alterada em relação ao seu objetivo inicial, acarreta dificuldades de atender as áreas da região, em especial a Baixada Fluminense, que precisam ter acesso aos recursos hídricos. Nesse contexto, Francine Ramalho de Aguiar (2017) aborda as políticas públicas ambientais que têm como objetivo melhorar e ampliar os serviços ambientais produzidos pelas florestas, destacando em seu artigo o conceito dos Programas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que beneficiam ações de conservação e restauração florestal e modificam aspectos econômicos e sociais de populações que vivem em propriedades rurais onde o programa é executado, que tinha como objetivo avaliar a visão da população rural sobre a eficiência ambiental, econômica e social do programa Produtores de Água e Florestas (PAF), que foi realizado no município de Rio Claro/RJ, o qual foi submetido às diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos para procurar a melhora na produção e a qualidade da água da bacia hidrográfica do Rio Guandu mediante a restauração e a conservação das florestas, tendo em vista a devastação da fauna e flora da região que foi inundada para a construção da represa de Ribeirão das Lajes. Então, tendo em vista a técnica escolhida para a realização do estudo, bem como o tempo decorrido, é importante frisar que o processo cumpriu o seu papel de preservação florestal, mas, apesar disso, sabemos que essa medida não é suficiente para resolver as questões do risco de contaminação dessa bacia hidrográfica.
Não obstante, é importante destacar que a preocupação com a contaminação da bacia hidrográfica pode ir além do problema do Rio Paraíba do Sul, pois Viviane Japiassú (2009) alerta para os riscos de acidentes ligados ao transporte terrestre nas rodovias que cortam a área territorial da ETA-Guandu, deixando explícito que não existe plano de contingência para lidar com esse tipo de acontecimento, que poderia ou poderá se tornar de natureza catastrófica, comprometendo efetivamente a qualidade da água que irá ser utilizada e tratada pelo ETA-Guandu.
Tendo em vista esse risco, é importante observar que alguns projetos podem servir de incentivo para criar alternativas que tenham o objetivo de diminuir o risco de contaminação dessa preciosa bacia hidrográfica. O projeto estruturante do Instituto Light aborda a exploração de projetos de responsabilidade social nos quais foram abordados métodos para o estudo de casos múltiplos aplicados a dois projetos conduzidos pelo Instituto Light: o Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos e o Museu Light da Energia, cujo objetivo é oportunizar a relevância do conceito de sustentabilidade; logo, tal projeto pode ser usado como referência pela própria Light como direção para o problema que pode gerar uma crise no abastecimento de água para mais de 16 milhões de pessoas no Rio de Janeiro, em especial na capital e na Região Metropolitana – inclusive a Baixada Fluminense, que já sofre em grande parte com o abastecimento básico. Peixinho (2005) disserta sobre a aplicação dos instrumentos de gestão da Política Nacional de Recursos Hídricos na bacia do Rio Paraíba do Sul, que utiliza como referência a Lei nº 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, pois é de suma importância o direcionamento correto para a solução do problema criado pela CSN, como observou a reportagem de O Globo, sob a “batuta” do poder público, que assiste inerte a esse risco iminente de contaminação da bacia hidrográfica, que poderá trazer consequências indescritíveis para o Estado do Rio de Janeiro, em especial para a capital fluminense, a Região Metropolitana e a Baixada Fluminense.
Conclusão
É válido lembrar que, diante do exposto, faz-se necessária uma ponderação sobre considerar quão importantes são a proteção e a conservação de um patrimônio cultural e nacional; podem ser consideradas natural e amplamente reconhecidas, porque a preservação desse patrimônio e sua preservação ambiental podem ser associadas ao processo de construção de um Estado, de uma memória ou de uma identidade nacional ou local, que, por meio da integração do entendimento da leitura que pode ser feita desse patrimônio, ajuda a externar a direção na qual determinada sociedade se projetou, que tipo de integração realizou essa sociedade e qual o grau de interdependência, de conflitos e de situações pontuais que a leitura desse patrimônio nos ajudou a entender, nesse complexo processo de formação de uma sociedade.
E a história de São João Marcos deve ser inserida nesse contexto, tanto que em 2011 foi fundado o Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos. Ruínas foram descobertas, criou-se um museu a céu aberto, com um pequeno centro de memória onde são exibidos objetos encontrados nas escavações. O Parque de São João Marcos possui uma área de 930.000m², com um investimento de R$ 4,5 milhões; parte desse valor foi aplicado, entre outras intervenções, no centro de memória, espaço com cerca de 100m², que conta, em grandes painéis e vídeos, além de objetos de ex-moradores da cidade, a história de São João Marcos. Possui ainda um espaço exclusivo de reserva técnica para higienização, catalogação e armazenamento de objetos encontrados no local. Foram catalogadas cerca de duas mil peças, entre louças, moedas, objetos pessoais e porcelanas até o período da inauguração. Além disso, o parque oferece um circuito de visitação pela antiga cidade, um anfiteatro e cafeteria com capacidade para receber até 280 visitantes por dia. No parque inaugurado foi preparado um programa educativo especialmente para as escolas, promovendo visitas mais elaboradas e capacitação de professores e coordenadores das escolas de Rio Claro. Os alunos poderão acompanhar o processo que envolve o trabalho de arqueologia, a retirada do material encontrado e sua compilação.
Na programação do parque está prevista a realização de seminários, exposições, visitas guiadas de escolas e turistas previamente agendadas, além de festas e demais eventos. Além disso, há diversas atividades desenvolvidas no local que valem a visita. Essa iniciativa pode ser considerada representação do resgate da história do que foi a grande cidade de São João Marcos, e uma preparação para o futuro, além da manutenção da memória dessa linda cidade.
Logo, a preocupação com a preservação da bacia do Rio Guandu, junto com a preservação do patrimônio cultural relacionado à memória da cidade de São João Marcos, é interessante e de suma importância, porque, além de ressaltar que o abastecimento de mais ou menos quase 83% da população da cidade do Rio de Janeiro e de sua Região Metropolitana dependem dessa bacia, está associada à manutenção do complexo hidrelétrico de Lajes/Paraíba do Sul (Ceivap, 2006). O mais interessante em tudo isso está relacionado à construção do complexo hidrelétrico de Lajes/Paraíba do Sul, à sua conexão com a história do café e com a inundação da antiga cidade de São João Marcos, bem como às tentativas de preservação ambiental dessa bacia hidrográfica, mostrando uma análise profunda da situação e dados específicos para corroborar a preocupação de contaminação da bacia. E, por fim, trazer sugestões para a solução desse problema, que poderá afetar uma população de mais de 16 milhões de pessoas.
Referências
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Publicado em 30 de junho de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
LOPES, Paulo Cesar de Almeida Barros. São João Marcos e Ribeirão das Lajes: progresso, a questão ambiental e a preservação do patrimônio cultural. Revista Educação Pública, v. 20, nº 24, 30 de junho de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/24/sao-joao-marcos-e-ribeirao-das-lajes-progresso-a-questao-ambiental-e-a-preservacao-do-patrimonio-cultural
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