Perfil, motivo da escolha e concepções dos ingressantes no curso de licenciatura em Ciências da Natureza em EaD na UAB/IFPI
Junielson Soares da Silva
Professor tutor do curso de licenciatura em Ciências da Natureza (UAB/IFPI, polo Angical/PI), licenciado em Ciências Biológicas (UFPI), especialista em Saúde Pública e em Educação Ambiental (ISESJT), mestre e doutorando em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva (PPG-GCBEv/INPA)
A EaD no Brasil se caracteriza por cinco diferentes momentos: o primeiro, marcado pela comunicação textual, por meio de correspondência; o segundo, pelo ensino por intermédio do rádio e televisão; o terceiro se caracteriza pela invenção das universidades abertas; o quarto foi marcado pela interação a distância em tempo real, em cursos de áudio e videoconferências; o quinto momento envolve o ensino e o aprendizado on-line, em classes e universidades virtuais, baseadas em tecnologias da internet (Moore; Kearsley, 2007).
Com o reconhecimento da Educação a Distância pela LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, os cursos nessa modalidade se intensificaram. Desde o seu surgimento, a EaD tem passado por grandes mudanças, principalmente com o surgimento da internet, o que facilitou o acesso aos cursos on-line de graduação e pós-graduação (Moore, 2002). Várias legislações que se referem ao ensino na modalidade a distância no Brasil foram publicadas, como é o caso das Referências de Qualidade para Educação Superior a Distância, que definem princípios, diretrizes e critérios para as instituições que ofereçam cursos nessa modalidade, a fim de consolidá-la ainda mais, pois até então era mal compreendida (Costa, 2007).
O crescimento da EaD no Brasil tornou-se um desafio para a efetivação das políticas definidas e a qualidade dos cursos ofertados. O sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB é uma das políticas educacionais criadas pelo Ministério da Educação em 2005; tem como prioridade a capacitação de professores da Educação Básica (Ramos, 2013). Esse sistema prevê a articulação e a integração entre instituições de Ensino Superior, estados e municípios para democratização, expansão e interiorização da oferta da educação superior (Mota, 2009).
Nesse sentido, a UAB é formada por instituições públicas que se comprometem a levar Ensino Superior público de qualidade aos municípios brasileiros (UAB, 2011), por meio da modalidade de ensino a distância, passando a “proporcionar acesso à educação para alguns alunos que, de outra forma, não poderiam obtê-la” (Moore; Kearsley, 2007, p. 178).
A Educação a Distância, efetivada pelo intenso uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC), em que professores e alunos estão separados fisicamente no espaço e/ou no tempo, está sendo cada vez mais utilizada na Educação Superior, principalmente na formação de professores (Costa, 2017).
Juntamente com a evolução da EaD houve a expansão dos cursos de formação docente no Brasil, que acompanha a evolução das oportunidades educacionais para a população, uma vez que a Educação Básica apresentou crescimento (Gomes et al., 2019), gerando novas possibilidades de ingresso na área de ensino, sendo a modalidade EaD uma alternativa acessível para realização de um curso de licenciatura.
A segunda licenciatura em Ciências da Natureza da Universidade Aberta do Brasil, vinculada ao Instituto Federal do Piauí, possui carga horária total de 1.550 horas, distribuídas em quatro módulos, sendo 1.050 horas de disciplinas, 300 horas de estágio obrigatório e 200 de atividades complementares.
De acordo com Ramos (2013), conhecer o perfil do aluno do ensino a distância é de extrema importância para garantir um conteúdo significativo e considerá-lo nas atividades de planejamento, no projeto pedagógico do curso, na seleção e organização dos conteúdos e nas atividades previstas, como fez Godoi e Oliveira (2016), Reino e Bueno (2016) e Cancelier et al. (2018). Estes últimos autores acreditam que, tendo o perfil do público ingressante, pode-se traçar metas e objetivos para a construção do perfil do egresso almejado no projeto pedagógico do curso.
O objetivo deste estudo foi identificar o perfil dos ingressantes na segunda licenciatura em Ciências da Natureza da Universidade Aberta do Brasil, no polo Angical/PI.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa é qualitativa, de cunho descritivo e transversal. A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de um questionário do Google Formulários, contendo 19 perguntas fechadas. O link da pesquisa foi enviado para os alunos no ambiente virtual de aprendizagem e por meio do grupo do WhatsApp da turma, criado pelo professor-tutor. Os dados foram colhidos no mês de março de 2019; posteriormente foram analisados e são apresentados a seguir.
A amostra é constituída por 16 discentes da segunda licenciatura em Ciências da Natureza, da UAB. Angical é um dos 17 municípios da Microrregião do Médio Parnaíba Piauiense; possui população estimada de 6.672 habitantes (IBGE, 2017).
Resultados e discussão
O curso teve 18 aprovados; desses, dois desistiram antes mesmo de iniciar, ficando apenas 16 cursistas: 87,5% são do sexo feminino e 12,5% do sexo masculino, com idade variável entre 20 até mais de 46 anos, mas a maioria (74,8%) possui entre 26 e 45 anos de idade (Figura 1a); 50% possuem rendimentos mensais de até um salário mínimo, 37,5% entre um e dois salários, e 12,5% ganham entre dois e três salários mínimos mensais (Figura 1b).
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Figura 1: Idade (a) e faixa salarial (b) dos alunos da segunda licenciatura em Ciências da Natureza da UAB/IFPI
Reino e Bueno (2016) realizaram um estudo com estudantes do Parfor (Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica) no Estado do Maranhão e perceberam que aproximadamente 82% dos acadêmicos são do sexo feminino, e 51,8% deles têm entre 30 e 40 anos; 87% deles têm renda familiar de até dois salários mínimos. Cancelier et al. (2018) verificaram no curso em EaD de licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) que as mulheres representam 81% do público matriculado; observou-se que 41,7% do público possuem entre 30 e 40 anos; 31%, entre 20 e 30 anos; e 25% do grupo têm 40 anos ou mais.
Pesquisando o município de origem dos discentes, 31,3% são de Angical, 18,8% são de Agricolândia e de Amarante, 12,5% são de São Gonçalo do Piauí; Jardim do Mulato, Santo Antônio dos Milagres e Teresina têm 6,3% cada. Foi questionado o local de residência dos alunos e percebeu-se que a maioria (81,2%) reside na zona urbana, enquanto pequena parcela (18,8%) mora na zona rural (Figura 2). Isso pode ser vantajoso para o sucesso no curso, uma vez que no meio urbano a possibilidade de acesso à plataforma do curso é mais acessível. Cancelier et al. (2018) perceberam que a maior parte do público do curso em EaD de Licenciatura em Educação do Campo da UFSM vem da área urbana.
Figura 2: Local de residência dos alunos da segunda licenciatura em Ciências da Natureza
Procurou-se investigar aspectos relacionados à formação dos ingressantes no curso de Ciências da Natureza; 100% são habilitados em licenciatura: 31,3% são da área de Linguagens, 31,3% de Ciências Humanas, 25% de Ciências Exatas e 12,5% de Ciências da Natureza (Figura 3a). A maioria dos discentes (43,8%) tem entre um a cinco anos de formado, 31,3% têm de seis a 10 anos de formado, 12,5% têm entre 10 e 15 anos e 6,3% têm menos de um ou mais de 15 anos de formado (Figura 3b). Quando questionados sobre titulação, dos 16 cursistas, 37,5% têm somente a graduação e 62,5% têm especialização, não havendo nenhum discente com título de mestrado ou doutorado (Figura 3c).
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Figura 3: Área de formação (a), tempo de formado (b) e titulação dos alunos (c)
Cancelier et al. (2018) verificaram que as áreas iniciais de formação dos ingressantes em Educação no Campo são: Administração, Ciências Contábeis, Engenharia Florestal, Medicina Veterinária, Gestão Ambiental, Processos Gerenciais, Pedagogia, Tecnólogo em Alimentos e Biologia, semelhante ao observado nesta pesquisa.
Esses autores verificaram que 29,8% dos alunos pesquisados já possuem pós-graduação (mestrado ou doutorado), 28,6% possuem uma graduação e 28,6% estão realizando a sua primeira graduação.
Procuramos saber também a atuação dos discentes. Para isso, perguntou-se a eles se atuam na área de educação; 56,3% responderam que sim, são professores; 18,8% trabalham na secretaria escolar; também há quem atue como auxiliar de ensino, além de autônomo, dona de casa e trabalhador de comércio (Figura 4a). Foi questionado aos cursistas que já lecionam em qual tipo de escola atua, e 50% responderam que na pública e 18,8% em escola privada; o restante não leciona (Figura 4b). Quanto à localização da escola em que os cursistas lecionam, 50% ficam na zona urbana, 12,5% na zona rural e 6,3% ficam tanto em escola da zona urbana como rural; os demais não lecionam (Figura 4c).
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Figura 4: Atuação dos cursistas (a); tipo de escola (b) e e local em que atuam os alunos (c)
Reino e Bueno (2016), em sua pesquisa com alunos do Parfor no Maranhão, verificaram que a maioria está em sala de aula entre cinco e dez anos, sem formação superior. Esse fato não ocorreu neste estudo, pois todos os ingressantes que já lecionam possuem uma primeira formação em licenciatura; o local de atuação é bastante dividido entre os que atuam no campo e os que atuam na cidade; a maioria atua na zona urbana.
Questionou-se se os discentes já haviam estudado na modalidade EaD; 62,5 disseram que não, 18,8% já fizeram especialização nessa modalidade, 12,5% fizeram graduação e 6,3% participaram de cursos de curta duração, ou seja, de até 60 horas (Figura 5a), mas no momento da pesquisa, nenhum dos alunos realizava outro curso a distância. O que os motivou a realizar a segunda licenciatura em Ciências da Natureza na modalidade EaD foi ampliar a área de atuação profissional (81,3%) ou se qualificar na área que já atua como professor (18,7%) (Figura 5b). Esses dados são similares aos de Godoi e Oliveira (2016), que constataram que 71,1% dos alunos de graduação de uma instituição de ensino superior privada de Minas Gerais nunca fizeram outro curso a distância antes do atual.
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Figura 5: Realização de cursos EaD pelos cursistas (a); o que os motivou a realizar a segunda licenciatura (b)
Entre os motivos que levaram os ingressantes a optar pelo curso de licenciatura em Educação do Campo pela UFSM estão interesse pessoal pela profissão; a especificidade da oferta na modalidade a distância; a gratuidade do curso como oportunidade única; melhores possibilidades de acesso ao mercado de trabalho; o nome da instituição que oferta o curso; e a comodidade e flexibilidade na organização de seus horários, dentre outros (Cancelier et al., 2018).
Questionou-se se os alunos consideram ter habilidades com as tecnologias; 81,3% responderam que têm um pouco e pretende melhorar; 18,7% afirmaram que já possuem bastante habilidade com as ferramentas tecnológicas (Figura 6a), habilidade considerada importante para o bom desempenho do aluno em EaD. No que se refere ao local de acesso ao curso, 93,3% disseram que será em casa e 6,3% na casa de amigos (Figura 6b). Quanto ao aparelho usado para o acesso, 81,3% devem usar o computador e 18,7% o celular (Figura 6c). Reino e Bueno verificaram, em 2016, que somente três a cada dez alunos do Parfor no Maranhão tinham acesso à internet em casa; 11% não tinham qualquer tipo de acesso. Essa realidade é diferente da encontrada neste estudo, uma vez que quase 100% dos cursistas têm acesso à internet em sua própria casa.
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Figura 6: Habilidades com tecnologias (a); local de onde irão acessar (b); e ferramenta usada para acessar a plataforma do curso (c)
Este estudo vai ao encontro do de Godoi e Oliveira (2016), que verificaram que 100% dos alunos do curso em EaD, de uma instituição privada de Minas Gerais possuem computador de uso pessoal; 62,6% deles se consideram experientes com as tecnologias, enquanto 29,7% consideram-se iniciantes; todavia, 17% afirmaram ter bastantes dificuldades para usar tecnologias na aprendizagem e 33,6% consideram ter alguma. Fiuza (2012) constatou que a habilidade com as tecnologias pode aumentar em até 97% o desempenho do aluno a distância. Martins et al. (2013) afirmam que a dificuldade em usar as tecnologias pode se tornar fator de evasão. Por isso, é importante o suporte tecnológico ao aluno.
Quando questionados sobre qual das características essenciais ao aluno em EaD os ingressantes consideram ter bastante, 37,5% deles responderam que possuem bastante disciplina, 25% têm curiosidade, 18,8% têm automotivação, 12,5% se consideram organizados e 6,3% possuem autonomia (Figura 7).
Figura 7: Características essenciais ao aluno EaD, que os ingressantes consideram ter bastante
Assim como neste estudo, Cancelier et al. (2018) perceberam que a maioria dos ingressantes trabalha na educação; eles trazem para a sala de aula virtual experiências interessantes de suas práticas pedagógicas. Os autores ressaltam a importância de conhecer o perfil dos ingressantes, pois trata-se de uma estratégia para buscar metodologias de aprendizagem que se coadunam com o perfil que se deseja formar.
De acordo com Behar e Silva (2012), cada vez mais são necessários sujeitos que tenham competências suficientes para realizar adequadamente a gestão da sua própria aprendizagem, buscando aprender com autonomia. Entender quais são as competências e os elementos que podem facilitar o processo de aprendizagem do aluno na modalidade EaD parece ser essencial aos sujeitos que participam do processo.
Considerações finais
Conhecer o perfil do aluno ingressante no curso a distância de segunda licenciatura em Ciências da Natureza da Universidade Aberta do Brasil, vinculada ao Instituto Federal do Piauí, no polo Angical/PI é essencial para poder traçar estratégias metodológicas condizentes com a realidade deles.
Neste estudo, percebeu-se que a maioria dos estudantes é do sexo feminino, residente na zona urbana de diversas cidades do Médio Parnaíba, tem entre 30 e 45 anos de idade. Grande parte tem entre um e dez anos de formada; a primeira formação de todos os ingressantes é em licenciatura, nas diversas áreas do conhecimento; a maioria deles tem especialização e atua na docência de escolas da rede pública da zona urbana.
Verificou-se que mais da metade nunca fez algum curso na modalidade EaD, não está realizando outro curso na modalidade e teve como motivação principal para a realização da segunda licenciatura em Ciências da Natureza a possibilidade de ampliar a área de atuação profissional. A maioria considera ter poucas habilidades com as ferramentas tecnológicas, mas pretende melhorar, fato que é essencial para o sucesso do aluno em um curso na EaD.
Grande parte dos alunos possui acesso à internet na sua própria residência, de onde irá ter acesso à plataforma do curso; grande parcela deles o fará pelo computador. Isso possibilitará maior flexibilidade aos estudos e melhor desempenho, uma vez que os alunos se consideram disciplinados, curiosos e automotivados, características consideradas importantes para um bom desempenho na modalidade.
A análise desses dados serve como parâmetro para que a instituição e a coordenação do curso possam promover melhorias e inovações, para que os professores das disciplinas criem estratégias metodológicas que contemplem o perfil da turma e para que órgãos mais altos possam desenvolver planos mais assertivos de formação de professores em segunda licenciatura.
Referências
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UAB. Universidade Aberta do Brasil. Disponível em: http://uab.mec.gov.br/. Acesso em: 10 ago. 2019.
Publicado em 21 de janeiro de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Junielson Soares da. Perfil dos ingressantes no curso de licenciatura em Ciências da Natureza em EaD da UAB/IFPI. Revista Educação Pública, v. 20, nº 3, 21 de janeiro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/3/perfil-motivo-da-escolha-e-concepcoes-dos-ingressantes-no-curso-de-licenciatura-em-ciencias-da-natureza-em-ead-na-uabifpi
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