Trajetória do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica: uma vitória contra discursos coloniais e raciais

Emilson Macedo de Moraes

Licenciado em Geografia (UERJ)

Issac Gabriel Gayer Fialho da Rosa

Professor doutor do Colégio Pedro II

Rodrigo Batista Lobato

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia (UFRJ), mediador a distância do curso de Geografia (Cecierj/Cederj)

A inserção do trabalho “o ensino de africanidades nas escolas” aborda a importância da Lei nº 10.639/03, que modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), passando a ser obrigatório na Educação Básica o ensino da História e Cultura dos africanos e afrodescendentes.

O conceito [de afrodescendente] torna-se popular no bojo de debates dos conceitos de negro e de afro-brasileiro no final do século XX, no entendimento de que esse novo conceito pudesse abarcar os dois outros, marcando uma nacionalidade, um território comum de todos aqueles que se vinculam ao continente africano pela descendência na diáspora. O conceito de afrodescendente é filho do contexto da globalização e também de articulações e negociações entre os descendentes de africanos nas diversas partes do mundo (Secretaria Municipal de Educação, 2008, p. 35).

Diante disso, Santos (2007) afirma que a Lei nº 10.639/03 foi responsável pela obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira na grade curricular do ensino brasileiro, conscientizando o aluno quanto ao papel do negro na história do Brasil, para que a ideia construída ao longo do tempo por apresentar o negro como sub-raça em nossa sociedade seja desconstruída para que se possa ter uma sociedade na qual todos possam ser iguais de acordo com a lei.

Observa-se que tal desconstrução tenha início na escola, com a mediação do professor, tanto que Abrucio (2016) aponta que o desenvolvimento de uma nação tem na educação a sua principal potência para impulsionar segmentos como política, economia e a área social; por isso é importante valorizar o professor, pois o futuro da nação tem a participação desse profissional.

Aponta-se como objetivo deste artigo refletir sobre a trajetória do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica, considerado aqui uma vitória contra discursos coloniais e raciais, assim como da importância da Lei nº 10.639 no contexto do ensino de Geografia.

Segundo Pereira (2010), os afrodescendentes enfrentam preconceitos patentes ou latentes no ambiente escolar e no ambiente de trabalho em determinados estados do Brasil; são marginalizados pela herança imposta tanto pelo capitalismo quanto pelo desrespeito ao acesso aos bens imateriais.

As identidades afrodescendentes fazem parte de uma luta ininterrupta, por meio de processos que anseiam por decência, igualdade de direitos e extinção do preconceito racial que é estrutural e está enraizado na história da escravidão negra no Brasil. As identidades estão relacionadas não só com o conhecimento como com o reconhecimento social, pois têm a caracterização das identidades afrodescendentes como elementos políticos e históricos.

Percebe-se assim a dimensão do embate político que envolve os movimentos por tratamento digno e liberdade no passado de escravizados até os diversos campos de atuação da sociedade (Pereira, 2010).

Esse autor destaca que o movimento de resistência do negro deu-se principalmente pela religiosidade de matriz africana, pois os trabalhadores eram bastante religiosos e conseguiram por meio dessa dinâmica sobreviver à escravidão, que é considerada um genocídio; para tanto, vale lembrar a longa viagem nos calabouços dos navios, quando quase 50% dos escravos morriam ou adoeciam.

Diante desse cenário, cabe-nos observar como essa narrativa colonial foi construída, em detrimento da história dos povos derrotados; neste caso, aquele que se tornou escravo, trazido de outro continente; busca-se trazer esse percurso, a começar pelos estudos acadêmicos protagonizaram essa mudança de narrativas e suas consequências na Educação Básica.

De acordo com Pereira (2010), a partir dos anos 1980, com a entrada de recursos financeiros para a realização de estudos, os centros de pesquisa passam a realizar mais estudos afro-brasileiros do que propriamente estudos africanos. Destacam-se o Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (CEAO/UFBA), criado em 1959; o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (CEA/USP), fundado em 1968, e o Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Faculdade Cândido Mendes (CEAA/UCAM), de 1973. As associações de negros requisitavam a realização de estudos sobre África para compreender melhor e obter maior aprofundamento da história dos negros no Brasil.

No campo dos estudos, as Ciências Sociais têm relutado mais para mudar os paradigmas com relação à abordagem da participação do negro na sociedade, ficando atrás da Literatura e da área de História, que têm se empenhado na abordagem da História da África, manifestada, por exemplo, no oferecimento da disciplina História da África nas universidades brasileiras (Pereira, 2010).

Segundo Oliva (2009), o reconhecimento à aprovação da “pluralidade do patrimônio cultural brasileiro”, de acordo com o MEC (Brasil, 1997), ao criar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), está entre os objetivos primordiais, de modo que professores e alunos do Ensino Fundamental obtenham conhecimento da cultura e da sociedade de outros povos e seus aspectos, para que possam assumir uma postura de defesa, por meio do conhecimento cultural.

A sociedade brasileira ainda segrega silenciosamente segundo noções raciais, levando os afrodescendentes a negar a imagem do negro que lhes é apresentada (subalterno, subserviente, carente) nas mídias, em geral e como parte do próprio inconsciente coletivo. Como consequência, tem-se a alienação e o alinhamento às tendências europeias e americanas. Essa automutilação cultural acontece como produto da tentativa de libertação dos rótulos arraigados e da angústia de se sentirem marginais sociais (Pereira, 2010).

A LDB já indicava que as escolas agregassem ao ensino de História do Brasil as contribuições de outras culturas e etnias na formação da sociedade brasileira, em que a matriz foi à união de “indígenas, africanos e europeus”, fundamentos esses que foram substanciados como um dos propósitos principais que os PCN reconheceram e que sejam abordados no ensino de História. No que compreende a História, os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam os procedimentos e responsabilidades de pessoas, de toda uma coletividade com um só objetivo: erguer e reerguer as sociedades, colocando em pauta uma pesquisa para encontrar soluções em problemas regionais, nacionais e mundiais, a fim de buscar soluções entre culturas diversificadas, na convivência, na forma de pensar e de agir e coerência entre indivíduos, pois todos trazem heranças de gerações.

Percursos da inclusão no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira

A Lei nº 10.639/03 foi sancionada em 1999 e proclamada em 9 de janeiro de 2003, quando o presidente era Luiz Inácio Lula da Silva, que em sua cruzada política assumira o compromisso de dar mais atenção às reivindicações da população negra. Destaca-se a relevância da lei, que proporciona mudanças significativas na LDB, com seus artigos 26-A, 79-A e 79-B, modificações de acordo com o formulado na Lei nº 10.639, gerando alteração na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Santos, 2007).

Esse autor interpreta que a finalidade da Lei nº 10.639 é recolocar o cidadão negro no campo educacional em meio às relações raciais; essa tomada de posição se faz necessária para que temas concernentes à educação se articulem, como práticas pedagógicas, matérias e como as relações raciais são tratadas no âmbito escolar e a influência dessa visão nas questões laboradas, pois o racismo recorrente no campo educacional é mencionado por vários atores que dão legitimidade para que indivíduos e grupos se sintam superior.

De acordo com Pereira (2010), a promulgação da Lei nº 10.639/03 inseriu como obrigatórios os conteúdos de História e Cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas de ensino. Tal iniciativa é resultado dos movimentos negros que têm ganhado expressividade no sentido de valorizar a cultura do afrodescendente com ampla conscientização da sociedade para a igualdade de direitos entre todas as raças.

A demanda de conteúdos dessa lei aponta impacto positivo na educação para a igualdade racial. Esse item aponta para mudanças de comportamentos, posturas positivas nas relações entre professores, direção das escolas e alunos e que o assunto venha ser abordado de forma positiva nas reuniões de professores (Santos, 2007).

A LDB, que abriu a possibilidade de regionalização dos currículos, descentralizando-os, tem sofrido alterações para corrigir as distorções nos relatos e preencher as omissões de acontecimentos da história e da geografia do Brasil que geram visões de mundo preconceituosas. Normalmente, os afrodescendentes e os indígenas ficaram alijados da História do Brasil como personagens ativos e atuantes na sociedade, porque em muitas versões esses tipos ficaram à sombra do colonizador europeu. Como a tríade da matriz indígena, africana e europeia na base da formação da sociedade brasileira (Pereira, 2010).

Para Pereira, é possível destacar os movimentos sociais como forma de pressão da sociedade civil, já que estão nessa causa desde a década de 1970, e se intensificaram as reivindicações por maior igualdade no contexto da luta contra o preconceito, contra o racismo, pela extinção da dominação e exclusão e reconhecimento dos direitos das minorias, indígenas e negros.

Segundo Pereira (2010), há crescimento incessante em favor da igualdade de benefícios para todos e por extinção do preconceito racial enraizado na história da escravidão do negro no Brasil. Os movimentos negros passaram a reivindicar de forma incisiva mudanças estruturais nos currículos escolares de modo a repensar a forma como era ensinada e aprendida a participação do negro na história do Brasil, porque:

historicamente a lei da proibição do tráfico negreiro em 1850 foi desrespeitada e o tráfico interno continuou de forma relevante; a Lei do Ventre Livre não surtiu efeito imediato, porque as crianças negras ficaram impedidas de frequentar a escola, ficando alijadas da sociedade; a lei que aboliu a escravatura não mudou a situação econômica e social do negro, pois, o trabalho ficou dificultado pela vinda de imigrantes europeus, que reacenderam o preconceito e o cerceamento das oportunidades da raça negra (Pereira, 2016).

Assim, temos plena consciência de que a lei aprovada é apenas uma parte importante de um processo acompanhado por campanhas de conscientização do verdadeiro papel do negro na sociedade. O peso da lei é suficiente para mudar toda uma ideologia que perdura há anos, há séculos em nossa sociedade (Pereira, 2010).

A importância e a participação do negro na construção da História do Brasil

De acordo com Pereira (2010) , houve um nítido processo de invisibilidade cultural sofrido pela população negra; incontestavelmente, a participação desse grupo étnico foi fundamental para a consolidação da identidade nacional em todas as suas derivações, desde a identidade cultural às heranças na configuração urbana dos assentamentos humanos, principalmente assentamentos espontâneos informais.

Paralelamente às transformações nas abordagens dos movimentos sociais sobre os currículos escolares, a historiografia no Brasil foi sofrendo lentas mudanças, no sentido de os historiadores perceberem que sem uma ampla compreensão da História da África é impossível compreender a participação do negro durante o período escravista e do tráfico negreiro (Pereira, 2010).

Dessa forma, na reestruturação da participação do negro na construção da economia e da sociedade brasileira, tem-se que recorrer à História da África, que está intrinsecamente ligada à história da presença do negro no Brasil, se bem que não se restringe a ela, pois o negro não se restringe à África nem a África restringe-se aos negros (Pereira, 2010).

O argumento estatal-constitucional

A Carta Magna de 1988, no seu Art. 5.º, caput, estabelece, entre outros, o apanágio à vida como primado garantido pela constituição; dessa forma, perante a lei, todos podem usufruir dos direitos que lhes são atribuídos, propiciando-lhes a garantia e o privilégio de viver, a liberdade e a igualdade, com segurança (Brasil, 1988).

O negro, devido à sua herança histórica escravista, deve despertar para o seu papel ativo na sociedade como cidadão pleno com direitos garantidos pela Constituição Federal, que lhe assegura o direito à vida, à saúde, à educação, à livre expressão de sua cultura.

O direito à vida é o que alicerça todos os outros direitos, por ser primordial, pois sem ele os outros perderiam a razão de ser, já que a vida humana como pressuposto elementar suporta todos os demais direitos explícitos na Constituição Federal de 1988; esse direito é tido como limite máximo, sem o qual nenhum outro direito tem valor, não tem existência, caso ele não esteja assegurado (Brasil, 1988).

Decorrente dessa nova visão inserida na Constituição de 1988, surgiu a lei antirracismo, que fez com que o crime de racismo passasse a ser inafiançável; o Programa Nacional de Direitos Humanos foi outro passo dado no sentido de combater o racismo e explicitar a importância do negro no desenvolvimento da sociedade brasileira desde o período colonial.

A Educação, a partir da Constituição de 1988 e passando pela LDB de 1996, no Art. 4.º e demais leis que tratam do ensino, passa a exigir dos gestores do ensino público e privado grande empenho para se informar sobre os novos paradigmas que têm transformado a área educacional (Brasil, 1988).

Ramal (1997) destaca que a Lei nº 9.394/96 possui orientações dentro de suas diretrizes e bases que norteiam a educação nacional para as futuras gerações; a autora explica que seus 92 artigos representam um novo marco da educação no Brasil, serão repetidos desafios e esperanças em que o esforço e a dedicação de profissionais da Educação serão a verdade de tantas diversidades.

No Art. 26 da Lei nº 9.394/96, o Ensino Fundamental e o Médio partem de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que pode ser preenchida com um complemento variado de acordo com cada região.

Os currículos podem se ajustar de acordo com a inclusão de programas dentro do contexto educacional; nas áreas rurais possibilita-se a apropriação de matérias adaptadas aos reais interesses e necessidades dos alunos nas zonas rurais (Art., 28, inciso I).

Depois de concluir o Ensino Médio os alunos terão que dominar o conhecimento das disciplinas de Filosofia e Sociologia, pois é necessária a realização da cidadania (Art. 36, § 1.º), mas a lei não obriga que essas disciplinas façam parte do currículo. Ramal (1997) explica que a avaliação sofreu mudanças, pois o ingresso ao Ensino Superior passa a não ser privilégio somente dos que foram aprovados pelo exame vestibular (Art. 44, inciso ll); a lei apresenta outro processo de seleção, podendo ser pelas notas do Ensino Médio ou até por uma aplicação de prova avaliada pelo Ministério da Educação – MEC.

O desinteresse nos centros universitários sobre africanidades

Segundo Laureano (2008), a História da África não tem a atenção devida nos cursos  de formação de professores, há desinteresse sobre a matéria nos bancos universitários, e o futuro professor fica desprovido de conhecimento sobre a História da África; é do interesse do professor ter informações sobre o assunto, mas lhe falta conteúdo, tornando inviável um projeto de aula sobre o tema.

Laureano cita que os professores que demonstraram interece no tema mesmo diante da falta de material didático e os que reconheceram a importância do tema foram ao encontro do conhecimento em um estudo específico Os que não demonstraram interesse sobre o estudo de África foram pegos de surpresa pela Lei nº 10.639/03; em algumas instituições há exigência de que a lei seja cumprida; há situação em que o professor carece de literatura e só tem como base o livro apresentado pelo aluno. O professor que não busca conhecimento resulta em ensino deficiente sobre o tema África. Oliva (2003, p. 429) relata:

Silêncio e desconhecimento. Poderíamos assim definir o entendimento e a utilização da História da África nas coleções escolares de História no Brasil. Apenas um número muito pequeno de livros possui capítulos específicos sobre a História da África. Nas outras obras, a África aparece apenas como uma figurante que passa despercebida em cena, sendo mencionada como um apêndice misterioso e pouco interessante de outras temáticas. Tornou-se evidente também que, quando o silêncio é quebrado, a formação inadequada e a bibliografia limitada criam obstáculos significativos para uma leitura mais atenta e um tratamento mais pontual sobre a questão. [...] Quase sempre, a África aparece em óbvias passagens da História do Brasil, da América ou da Europa ligadas à escravidão, à expansão ultramarina, ao domínio colonial no século XIX, ao processo de independência e às graves crises sociais, étnicas, econômicas e políticas em que mergulhou grande parte dos países africanos formados no século XX.

Pereira (2016) salienta que pesquisa feita no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) comprovou que a população negra no Brasil detém o maior índice de analfabetismo, maior porcentagem de distorção idade-série; e a mão de obra infantil é a mais explorada (veja a Figura 1).


Figura 1: A diferença entre negros e brancos no Brasil
Fonte: Pereira (2016).

Segundo Pereira (2016), esse conflito começou quando o primeiro navio negreiro atracou no Brasil; essa dura realidade veio sobre a raça negra e começou a luta por direitos, e o negro teve que provar a validade dos seus direitos e fazer valer as leis que já haviam sido aprovadas; diante dessa realidade, vem resistindo para não esmorecer frente a essa desigualdade social, almejando legitimar sua identidade e origens por meio de políticas públicas em favor da igualdade racial e da diversidade cultural. Assim surgiu a militância negra, com as marchas, debates, grupos organizados e teatro, uma diversidade de atos pedindo respeito e igualdade; foi com esses movimentos em busca de igualdade racial que os negros conseguiram alcançar alguns progressos sociais no Brasil.

A Lei 10.639/03 deve ser acompanhada por campanhas de conscientização quanto ao verdadeiro papel do negro na sociedade, pois de outra forma o peso da lei não vai ser suficiente para mudar toda uma ideologia que perdura há anos, há séculos em nossa sociedade.

É incontestável que o procedimento pode gerar melhor entendimento do que está escrito na composição, as atividades de grupos que propõem igualdades raciais vêm sofrendo retaliações ao longo de anos; no centro das discussões há questões que ainda estão sendo avaliadas. No governo não é diferente quanto a essas demandas que são avaliadas por professores, orientadores pedagógicos, líderes de escolas e outros profissionais da área educacional; as distintas observações são estudadas produzindo novas contestações e polêmicas. Santos (2007, p. 2) presenteia com ponderações de grande importância, em que as concepções permeiam o âmbito escolar, afirmando que

para alguns (já que existe a Lei e ela precisa ser cumprida!) bastaria acrescentar conteúdos de História da África e buscar elementos da Cultura Negra tidos como representativos do negro e capazes de atender às exigências da Lei. Em oposição a essa visão que poderia ser considerada conservadora ocorre a denúncia sistemática do euroetnocentrismo e do racismo em interpretações da História da África e na manipulação de estereótipos e folclorização do negro brasileiro.

Santos (2007) sugere que o objetivo da lei é rever a situação do negro no convívio racial no campo da educação onde há necessidade de acrescentar e rever conteúdos, hábitos e procedimentos, materiais e métodos pedagógicos, analisar princípios e paradigmas, produzir uma mudança no modelo de aplicação e domínio nas relações raciais no convívio diário (em que se tem a marca da discriminação produzida pelo silêncio frente ao racismo); essa questão está diretamente ligada ao poder em todas as instâncias de construção e regulamentação das práticas didáticas.

Santos (2007) afirma que é necessária uma educação voltada para a igualdade racial, para que haja mudanças nos referenciais das aptidões; dessa forma haverá mudanças pontuais na construção de qualidades e uma melhor percepção do que está à sua volta e das regras de postura que norteiam as pessoas para que se posicione no mundo, tendo sua própria visão dele e se movimentar dentro dessa visão, pois o racismo não é inato, ele é assimilado por grupos e transferido para indivíduos durante o seguimento social ou ensino, por isso é de fundamental importância a Lei nº 10.639 para o combate ao racismo, e a Geografia é disciplina de grande importância nessa luta para o combate à segregação racial.

A disciplina é de crucial importância para construir posicionamentos e referências nos grupos e nas pessoas, orientando os comportamentos, função essa que a Geografia desempenha para que pessoas se posicionem e se entendam no mundo. Santos (2007, p. 27) explica que o cidadão deve

conhecer sua posição no mundo, e para isto o indivíduo precisa conhecer o mundo; (ii) tomar posição neste mundo, o que significa se colocar politicamente no processo de construção e reconstrução desse mundo. Se posicionar no mundo é, portanto, conhecer a sua posição no mundo e tomar posição nesse mundo, agir. Saber Geografia é saber onde você está, conhecer o mundo, mas isto serve fundamentalmente para você agir sobre esse mundo no processo de reconstrução da sociedade: se apresentar para participar.

De acordo com Santos (2007), uma nova regra com relação à transição dos PCN ocorreu com a pressão que o movimento negro fez junto aos órgãos públicos e à classe política para introduzir uma restruturação do homem negro no coletivo da nação brasileira.

A Lei nº 10.639 apodera-se dos procedimentos elementares da educação brasileira, determinando a integração de estudos da etnia afro-brasileira, sendo essencial em todo o território nacional.

Considerações finais

A formação do professor exige necessária uma constante revisão de conceitos e paradigmas; novas regras e práticas de ensino são aplicadas, o que reivindica do professor uma postura construtiva num constante questionamento, fazendo uso de uma visão reflexiva e critica dos assuntos abordados. Essa postura produz no professor um crescimento profissional em sala de aula.

O presente trabalho enfatiza o tema sobre africanidades na formação de professores abordando a união entre dois continentes distintos, a importância da Lei nº 10.639/03, que deu um grande salto para a educação e um grande avanço na relação racial nas escolas com informações sobre a relação de África e Brasil.

Constata-se através de estudos que a abordagem desse tema nas escolas ainda é muito superficial devido à carência de estudos aprofundados sobre África; é imprescindível que o tema em questão seja aplicado em todo o ciclo escolar, para que essa visão de raça inferior que ainda perdura em alguns grupos sociais seja eliminada nas escolas e na sociedade, e os professores bem preparados em suas aulas venham dar sua contribuição para o fim da discriminação racial nas escolas.

Referências

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OLIVA, Anderson Ribeiro. A história africana nas escolas brasileiras: entre o prescrito e o vivido, da legislação educacional aos olhares dos especialistas (1995-2006). História, São Paulo, v. 28, nº 2, p. 143-172, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/his/v28n2/07.pdf. Acesso em: 15 set. 2018.

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SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Orientações curriculares: expectativas de aprendizagem para a educação étnico-racial na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. São Paulo: SME/DOT, 2008.

Publicado em 21 de janeiro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

MORAES, Emilson Macedo de; ROSA, Isaac Gabriel Gayer Fialho da; LOBATO, Rodrigo Batista. Trajetória do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica: uma vitória contra discurssos coloniais e raciais. Revista Educação Pública, v. 20, nº 3, 21 de janeiro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/3/trajetoria-do-ensino-de-historia-e-cultura-afro-brasileira-na-educacao-basica-uma-vitoria-contra-discursos-coloniais-e-raciais

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