Problematizando a literatura que referencia o bullying nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Juliana Larissa Carvalho Silva
Pedagoga (UFT)
O bullying é um tipo específico de violência pertencente ao ambiente escolar; é caracterizado pela repetição de agressões que podem ocorrer em modelo direto e indireto. O direto é quando as vítimas são atacadas diretamente; podem ser agressões físicas, verbais e emocionais, como ameaças, roubos, apelidos e outras atitudes que geram mal-estar na pessoa alvo. O modelo indireto indicia agressões de exclusão social, como difamação e manipulação social, por parte de um agressor ou grupo de agressores a um sujeito ou grupo específico. Lourenço et al. (2009) argumentam que trata se de um fenômeno com padrão repetitivo de intimidações físicas e psicológicas; a intenção é provocar mal-estar, demonstrar poder e dominar social e fisicamente o outro.
Estudos mais recentes deixam de caracterizar o praticante de bullying como agressor e passam a denominá-lo autor, pois compreendem que “agressor” traz a ideia de criminoso, e esse não é o caso na problemática do bullying; aqui o autor é um sujeito que precisa de ajuda tanto quanto a vítima ou as testemunhas.
As vítimas podem ser distinguidas entre passivas e ativas. Passivas são aquelas que sofrem quietas sem conseguir reagir, sem buscar ajuda; as vítimas ativas são as que reagem agressivamente ou, por sua agressividade, acabam atraindo a atenção para o bullying. Nos dois tipos é imposto o fardo de tornar-se uma espécie de alvo para chacota, ou seja, piada, em que os autores zombam e agridem moralmente; isso gera consequências para o resto da vida, tanto em comportamento quanto em mal-estar psicológico. Nessa ideia, Serpa e Pontes (2013) defendem que a prática do bullying provoca consequências tanto para a vítima quanto para o autor ou testemunhas; não há uma causa objetiva específica para induzir essa prática nem mesmo para escolha do alvo.
A intimidação e a vitimização são processos de grande complexidade que se produzem no marco das relações sociais e com frequência no meio escolar, podendo agravar progressivamente o problema com severas repercussões a médio e longo prazos para os implicados (Libório; Francisco, 2008, p. 201).
Ainda de acordo com Serpa e Pontes (2013), o termo deriva da palavra bully, que significa valentão, brigão; em razão dos diversos aspectos e da condição que a palavra indica, não foi encontrada em português uma palavra que traduza e sustente tais aspectos. Os autores citam que, em 2005, durante a Conferência internacional online School Bullying and Violence, ficou decidida a adoção internacional do termo bullying.
Diante disso, é visível e nítida a necessidade de conhecimento sobre essa temática, tão recorrente nas escolas. Para tanto, esta pesquisa é desenvolvida por meio de um estudo bibliográfico, no qual foram utilizados sites online, como Google Acadêmico, Revista Interações, SciELO e resumos de pesquisas já defendidas e postadas no site da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, além de documentos que abordem a temática em caráter direto ou indireto.
De sua complexidade emerge a necessidade de conhecimento e aprofundamento da área, na medida em que, ao ponderar o fenômeno bullying, também estamos a discorrer sobre a violência na escola. Há necessidade de reconhecer o bullying como fenômeno relacional que impõe a desigualdade de poder que, segundo Raimundo e Seixas (2009), ocorre no seio de um contexto social. Esse contexto pode reproduzir na escola características violentas e assim provocar tal fenômeno nesse ambiente, que deveria ser de satisfação e prazer.
Tal acontecimento torna a escola um ambiente de muito medo e angústia. O tema segue em fase de crescimento de debates e estudos teóricos, mas ainda deixa a desejar. Segundos os autores que o estudam, no espaço escolar poucos têm conhecimento de como agir em casos de bullying, quais ações práticas ou até mesmo legislativas devem ser tomadas por parte do gestor escolar como medida de prevenção, intervenção e acolhimento, como os familiares podem contribuir com tais ações ou como conscientizar os alunos sobre tais atitudes. Portanto pensamos que, como profissional da escola, se faz necessário compreender e conhecer seus fatores, suas características, os documentos oficiais etc.
Outro aspecto que merece atenção diz respeito aos alunos que, após terem tentado ajuda junto aos profissionais da escola e verificarem que tiveram dificuldades em auxiliá-los, não veem mais alternativas para resolver esse problema. Tais dificuldades não estão ligadas somente ao descaso em resolver os conflitos, mas supõe-se que haja falta de informações e recursos para os profissionais da Educação lidarem com as distintas formas de violência. Daí a importância de trazer as discussões sobre tal assunto para o meio acadêmico, escolar e demais segmentos sociais, a fim de que avanços e respostas possam ser oferecidos a toda a sociedade (Libório; Francisco, 2009, p. 206).
A busca de conhecimento sobre tal problema eleva a qualidade e o profissionalismo, impedindo possíveis erros e negligências que podem interferir drasticamente na vida das pessoas envolvidas. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar 2015 – PeNSE (2016), os sujeitos que sofrem essa realidade podem desenvolver transtornos como depressão, ansiedade, distúrbios alimentares, abusos de drogas e até mesmo suicídio. As testemunhas sofrem tanto quanto a vítima, pois convivem com um ambiente violento de medo e repulsa.
O público é descrito em dois tipos: ativos são aqueles reagem em defesa da vítima, acolhendo e procurando ajudar de alguma forma ou aqueles que reagem a favor das ações do autor e intensificam ainda mais sua força. O público passivo é caracterizado como aquelas pessoas que assistem à violência e nada fazem; isso pode acontecer por medo de tornar-se a próxima vítima ou por achar que não tem nada a ver com a situação de coação do autor, forçando a testemunha a apoiar ou ignorar as manifestações; segundo Lemos (2007, p. 72), estes podem “se sentir inseguros e incomodados com a situação e tendem a ter sua aprendizagem comprometida”. Assim, é fato que requer treinamento específico aos gestores, docentes e funcionários das escolas para que saibam como agir nesses casos.
Os autores de bullying são aqueles que só praticam a violência, jovens de famílias geralmente desestruturadas, em que há pouco relacionamento afetivo, indivíduos com pouca empatia e grande probabilidade de se tornarem adultos antissociais ou violentos, podendo vir a adotar inclusive atitudes delinquentes ou criminosas (Pereira et al., 2010, p. 235).
A pesquisa partiu do objetivo de averiguar o bullying nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Assim, este artigo é organizado em tópicos divisores que propõem a ideia de descrever a premissa e contextualizar seus aspectos históricos, identificação das formas de manifestação, análise de como a lei pode contribuir a favor da prevenção, possíveis medidas de prevenção e acolhimento e análise de obras presentes no site da Biblioteca Nacional de Teses e Dissertações (BDTD), onde a seleção foi realizada a partir dos objetivos de compreensão da pesquisa.
Ao buscar referências que estudem o assunto e para problematizar a importância de pesquisas na área faz-se necessário identificar pesquisas realizadas e postadas no site BDTD que abordem o bullying nos anos iniciais do Ensino Fundamental; é nítido perceber que no Brasil a maioria das pesquisas que cercam o tema é mais direcionada aos jovens a partir do 6º ano do Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Segundo alguns autores, é nessa fase que ocorre a maioria dos casos de intimidação sistêmica, assim como é possível perceber grande demanda de pesquisas nessa temática a partir de 2015, ano em que foi sancionada a Lei nº 13.185, que estabelece o programa de combate à intimidação sistêmica em todo o território brasileiro.
Ao pesquisar a palavra bullying no site da BDTD, estão registradas 325 obras das mais variadas especificações envolvendo o bullying, como relacionadas a programas específicos que foram desenvolvidos em escolas que atestavam casos, comparação entre rede privada e pública, questões de gênero, adaptações e aplicação de questionários desenvolvidos por Olweus, casos de homofobia ou racismo que mantêm relação com o bullying, análises de relatos universitários sobre o sofrimento nos tempos de escola, avaliações de como a mídia trabalha e discute o bullying, visto que é fator de forte influência na sociedade atual. Um dos autores a ser ressaltado é Júnior (2016), que expõe em seu resumo estudos sobre a origem da palavra e o fato de o termo ser utilizado para descrever um fenômeno cotidiano, a atenção oferecida pelo espaço científico acadêmico e pelo mercado editorial ao tema violência escolar, o percurso histórico no Brasil, o aumento gradativo de valoração social e mais espaço no meio acadêmico, a indagação por analisar a escola com seus moldes ainda tradicionais e questionar se eles são capazes de promover espaço de diálogo, produção de pensamento crítico e relações não violentas.
Assim, foi necessário realizar uma seleção na ferramenta de pesquisa avançada, especificando os anos de 2007 e 2018 como limites, e, conforme os objetivos da pesquisa, induzir algumas palavras-chave, como bullying e anos iniciais, Ensino Fundamental, infância, que direcionam ao contexto do trabalho. O site reconheceu e direcionou nove pesquisas que possuíam como objeto estudar especificamente bullying nos anos iniciais ou induzia a uma relação de bullying e infância. Porém, ao colocarmos somente a palavra bullying no espaço de pesquisa avançada e analisar os temas e resumos, encontramos mais algumas obras. Ao todo estudamos 18 resumos que consideramos relevantes à problemática.
Formas de manifestação do bullying nos anos iniciais do Ensino Fundamental
As discussões que cercam o tema bullying são recentes; tudo era analisado como fenômeno natural do ambiente escolar. Os estudos se iniciaram na década de 1970 na Dinamarca e na Suécia, porém ganharam força a partir da década de 1980 quando o pesquisador Norueguês Dan Olweus, pioneiro que elevou a problemática a estudos científicos, iniciou questões que hoje são problematizadas e estudadas com mais frequência. Segundo Freire e Aires (2012), inicialmente os estudos do pesquisador não foram levados tão a sério, pois havia muita naturalidade em analisar esses casos de violência escolar como brincadeiras que faziam parte do ambiente. Porém, em 1983, três meninos noruegueses na faixa de 10 a 14 anos cometeram suicídio, e a provável causa seria maus-tratos sofridos na escola. Desse modo, o pesquisador deu continuidade a seus estudos e lançou o livro Bullying na escola o que sabemos e o que podemos fazer, que até o momento ainda não tem tradução para o português.
No Brasil, durante a década de 1980 já eram realizadas pesquisas sobre a violência escolar analisadas pelo olhar de segurança pública; eram restritas a estudar basicamente o vandalismo escolar, como depredações de prédios, pichações etc. A partir dos anos 1990, pesquisas sobre relações interpessoais ganharam espaço com atenção especial ao bullying. Segundo Freire e Aires (2012), as pesquisas abordavam apenas as realidades dos locais onde eram realizadas. Com o início dos anos 2000, o bullying passou a receber projeção também na mídia nacional e internacional.
Quem não se lembra do triste episódio ocorrido em 1999 em Columbine, uma escola de Ensino Médio dos Estados Unidos? Dois alunos entraram, atiraram em várias pessoas e mataram 12 estudantes e um professor, feriram 23 colegas, alguns gravemente, e depois cometeram suicídio. Essa tragédia mobilizou toda a imprensa norte-americana e internacional. Pesquisas sobre a vida pregressa dos dois agressores constataram que haviam sido vítimas de bullying por um tempo prolongado (Clabaugh, 2005 apud Ristum, 2010, p. 108).
A escola é um local que tende a unir as diferenças, sejam elas financeiras, culturais, sociais, psicológicas, físicas, afetivas etc. Diante de tais diferenças, é natural ocorrer estranhamento entre os sujeitos que a compõem, afinal estamos falando de pessoas. Porém, a partir do momento em que esses estranhamentos passam a incitar agressões físicas, verbais, psicológicas a determinado sujeito e com indícios de repetição, também estamos a falar de um caso de bulliying.
Segundo Lopes Neto (2005), a escola é um local pouco explorado cientificamente em relação à violência que ocorre lá, que muitas vezes se perpetua pelo fato de ir além da formação dos sujeitos que compõem. É um local em que a maioria do público é jovem, e ao levar em conta o mapa de violência contra crianças e adolescentes do Brasil (2012), é nítida a percepção de progressivo aumento nas taxas de homicídio e suicídio. No Brasil, é ainda mais fácil perceber a falta de pesquisa científica e de materiais de apoio elaborados especificamente para os anos iniciais; essa falta pode ser mais um fator favorável para incompreensão do fenômeno, banalização e naturalização do processo, formação de estereótipos, como brincadeiras de criança, ou transmitir a falsa ideia de não haver bullying nos anos iniciais.
A escola, multifacetada, vem presenciando situações de violência que estão tomando proporções assustadoras em nossa sociedade. As situações de violência, anteriormente esporádicas, se tornaram uma constante em nossos dias. Fante (2003; 2005) aponta que a violência escolar nas últimas décadas adquiriu crescente dimensão em todas as sociedades. O que a torna questão preocupante é a grande incidência de sua manifestação em todos os níveis de escolaridade (Libório; Francisco, 2008, p. 200).
Um dos maiores problemas enfrentados pela escola diariamente é a violência que ocorre fora e dentro dos seus departamentos, fenômeno provocado pela diferença física, social e individual de cada sujeito pertencente à escola. Lemos (2007) explica que geralmente os autores costumam estar em situação de poder, autoridade e admiração, enquanto Fante (2005 apud Lemos, 2007, p. 72) afirma que a vítima tende a ter uma perfil que engloba “timidez”, ansiedade, insegurança, falta de habilidade para se impor, medo de denunciar seus agressores e baixa autoestima, o que a torna vulnerável e passiva à ação do agressor. Dessa forma, qualquer aspecto físico ou marcante que a destaque dos demais como pessoas de classe média, alta, baixa, características específicas como gordo, magro, negro, branco, destaque intelectual ou pouca intelectualidade, necessidades específicas, como surdas, autistas, que não gosta de praticar esportes, enfim qualquer causa destacada como diferente pode ser um agente ativo para prática do bullying.
Geralmente, é pouco sociável, inseguro e desesperançado quanto à possibilidade de adequação ao grupo. Sua baixa autoestima é agravada por críticas dos adultos sobre a sua vida ou comportamento, dificultando a possibilidade de ajuda. Tem poucos amigos, é passivo, retraído, infeliz e sofre com vergonha, medo, depressão e ansiedade. Sua autoestima pode estar tão comprometida que acredita ser merecedor dos maus-tratos sofridos (Lopes Neto, 2005, p. 167).
É fato que o bullying ocorre nas escolas; trata se de um problema universal que ocorre em todos os níveis de escolaridade, em que os índices de violência são brutais; isso é extremamente preocupante. O local que deveria ser um espaço de tranquilidade, desenvolvimento, interação social, produção de conhecimento pode tornar-se um espaço de repúdio, medo, agressividade e sofrimento, provocando índices de evasão escolar, falha no aprendizado e má compreensão do espaço, tanto por parte da vítima quanto do agressor ou de testemunhas. Essa violência ocorre pelos fatores de interferência que o mundo social exterior provoca no ambiente escolar. Assim, a vítima pode passar a odiar o local e todos que a cercam, pois atribui seu sofrimento não só ao agressor como também àqueles que presenciam tais agressões e nada fazem.
Em decorrência do bullying, a vítima pode desenvolver ou estimular pensamentos suicidas, isolamento, ansiedade, ira, indignação, rebaixamento ainda maior da sua autoestima, depressão, medo, traumas, angústias, vergonha, desejo de vingança, problemas psicossomáticos, marginalização, muito sofrimento e aversão à escola (Lemos, 2007, p. 72).
De acordo com Lopes Neto (2005), isso explica casos como o de Columbine, de 1999, e mais recentemente o caso brasileiro que ocorreu em Realengo, em 2011, no qual Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, ex-aluno da Escola Municipal Tasso da Silveira, levou duas armas, bastante munição para a escola e começou a atirar contra os alunos presentes; foram 12 mortos e 13 feridos, seguidos pelo suicídio do agressor após ser interrompido pelo policial Marcio Alves. Esse foi um dos maiores massacres até então ocorridos em uma escola brasileira; devido à brutalidade, teve grande repercussão midiática e ficou mundialmente conhecido; segundo os sites de noticiários há possibilidade de o autor do massacre de Realengo ter se inspirado no acontecimento de Columbine.
O comportamento violento, que causa tanta preocupação e temor, resulta da interação entre o desenvolvimento individual e os contextos sociais, como a família, a escola e a comunidade. Infelizmente, o modelo do mundo exterior é reproduzido nas escolas, fazendo com que essas instituições deixem de ser ambientes seguros, modulados pela disciplina, amizade e cooperação, e se transformem em espaços onde há violência, sofrimento e medo (Lopes Neto, 2005, p. 165).
Raimundo e Seixas (2009, p. 168) revelam que pesquisas indicam que, em relação aos comportamentos de bullying, os dados empíricos apontam aumento na infância, seguidos pelo declínio na adolescência. Assim, citam que isso aponta para a “Teoria do U invertido, em que existirá um pico mais elevado no início da adolescência, que é precedido por um período da infância em que os comportamentos de bullying tendem a aumentar e seguido de uma fase da adolescência em que eles vão diminuindo”. Raimundo e Seixas (2009, p. 178) também revelam “a ideia dos comportamentos de bullying como uma atividade secreta que ocorre longe da supervisão dos adultos”.
Ristum (2010, p. 107) afirma que, “quanto à idade, a maioria das pesquisas relata que os estudantes mais novos e, portanto, com menor escolaridade, são vítimas de bullying com maior frequência do que os mais velhos”; isso acontece porque são mais novos, mais fracos, não costumam buscar ajuda, ainda não têm capacidade argumentativa tão desenvolvida. Quanto à agressividade, Raimundo e Seixas (2009, p. 69) relatam que elas ainda não adquiriam competências sociais necessárias e de assertividade para lidar com os incidentes de bullying. Os autores ressaltam que, à medida que essas competências sociais e verbais vão se desenvolvendo, as crianças vão se tornando mais capazes de articular suas necessidades e desejos e assim vão criando condições para deixar de recorrer a estratégias agressivas.
De acordo com a PeNSE 2015 (2016), desenvolvida pelo IBGE entre o 6º e o 9º anos do Ensino Fundamental e do 1º ao 3º do Ensino Médio, que busca descrever vários fatores relacionado a saúde escolar brasileira, dentre eles quantifica os resultados de ocorrências de bullying acontecidas nos 30 dias anteriores, os dados demonstram que 7,4% dos brasileiros afirmaram que na maior parte do tempo ou sempre se sentiram humilhados por provocações. Desses, 7,6% são caracterizados como escolares de escola pública e 6,5% de escola privada; a pesquisa ressalta que a Região Sudeste foi a parte brasileira que mais apresentou índices de sofrimento de bullying nos ambientes escolares, e São Paulo destacou-se com 9,0%; quanto ao gênero, apesar de os dados serem próximos (7,6% do sexo masculino e 7,2% do feminino), consta que, em relação ao sofrimento, os meninos demonstram dados quase indiferentes às meninas.
Porém, ao tratar da agressividade, a PeNSE revela que 19,8% dos brasileiros afirmam ter esculachado, zombado, mangado, intimidado ou caçoado de algum de seus colegas nos 30 dias anteriores à pesquisa, com 21,2% entre alunos de escolas privadas e 19,5% de escolas públicas. Os jovens do sexo masculino disparam com 24,2%, e 19,8% feminino. Tais dados certificam as literaturas analisadas e reforçam os meninos como mais propícios à agressividade. Ristum (2010) afirma que os meninos apresentam frequências maiores de bullying no modelo direto; as meninas apresentam mais frequência no modelo indireto. Tal afirmação vai ao encontro de Libório e Francisco (2008, p. 204), que ressaltam que “as meninas podem apresentar formas mais sutis de expressar a violência que os meninos e muitas vezes os meninos são movidos por processos culturais e de socialização que os encorajam a assumir posições violentas rotineiramente naturalizadas pela sociedade”. Apesar de a pesquisa não referenciar os anos iniciais, é útil pela quantificação de dados mais atualizados que caracterizam o bullying em ampla ocorrência de caráter nacional, além de servir como mais um elemento que aponta a falta fundamentação nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Como a lei pode contribuir no enfretamento do bullying
A Lei nº 13.185/15 institui o programa de combate à intimidação sistêmica em todo território brasileiro. Seu Art. 1º § 1º descreve o bullying como “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo contra uma ou mais pessoas com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.
Em seguida, na mesma ideia, o Art. 2º caracteriza como intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e que ainda poderão ocorrer ataques físicos; insultos pessoais; comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; ameaças por quaisquer meios; grafites depreciativos; expressões preconceituosas; isolamento social consciente e premeditado e pilhérias. Segundo o Art. 3º, esses atos são classificados em âmbito verbal, moral, sexual, social, psicológico, físico, material e virtual (cyberbullying).
O programa é instituído para agir em conjunto com o Ministério da Educação, secretarias estaduais, municipais e órgãos envolvidos. A Lei prescreve que é responsabilidade deles buscar prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a sociedade; capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema; implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação; instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores; dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores; integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo; promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua; evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil; promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying) ou constrangimento físico e psicológico cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e da comunidade escolar. O Art. 6º da mesma lei garante que serão produzidos e publicados relatórios bimestrais em casos de intimidação sistêmica por parte dos estados e municípios para planejamento das ações.
A Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96, a LDB) é a lei mais importante e conhecida pelo espaço educacional; nela foram adicionados no Art. 12 os incisos IX e X, que determinam que os estabelecimentos de ensino obrigatoriamente hajam de “IX - promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas; e inciso X - estabelecer ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas”.
Pelo fato de a LDB ser uma das leis básicas da educação brasileira, essa alteração, apesar de não fazer muita diferença por já haver lei específica que garante a responsabilidade da escola em relação à prevenção e ao combate ao bullying, se faz importante, pois, apesar de a Lei nº 13.185 ser de 2015, ela ainda é pouco conhecida; essa alteração reforça a necessidade de responsabilização da escola, de estados e municípios para trabalhar atitudes de prevenção e combate.
A LDB também esclarece, no Art. 2º, que a educação é dever da família e do Estado, se inspira nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o desenvolvimento do educando, seu preparo para a cidadania, a qualificação para mundo trabalho e deve ser vinculada à prática social. Com relação à matriz curricular, na Seção III, Art. 32 § 5º, o currículo do Ensino Fundamental incluirá, obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente, observada a produção e a distribuição de material didático adequado (Incluído pela Lei nº 11.525, de 2007).
O Art. 1º da Constituição Federal de 1988 caracteriza o Brasil como um Estado democrático de direito, que tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana, cidadania e pluralismo de ideias políticas. O Art. 3º articula como um dos objetivos promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; o Art. 4º defende a prevalência dos diretos humanos e defesa da paz. A LDB, no Art. 3º, também defende o pluralismo de ideias, o respeito à liberdade e o apreço à tolerância. A Constituição defende, no Capítulo III, Art. 206, que a educação deve acontecer pelos princípios de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
Em contrapartida, o Plano Nacional de Educação (PNE - 2014/2024) determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional brasileira, estabelece 20 metas e uma serie de estratégias para cada meta. No que diz respeito à violência escolar e possíveis casos de bullying, há algumas metas e estratégias que podem ter relevância na temática.
Apesar de não especificar nada e tratar o termo violência de modo geral, a Meta 2 é relevante, ao universalizar o Ensino Fundamental de 9 anos para toda a população de 6 a 14 anos e garantir que 95% dos alunos concluam na idade recomendada.
A estratégia 2.4 propõe fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso, da permanência e do aproveitamento escolar dos beneficiários de programas de transferência de renda, bem como das situações de discriminação, preconceitos e violências na escola, visando ao estabelecimento de condições adequadas para o sucesso escolar dos alunos em colaboração com as famílias e com órgãos públicos de assistências sociais, saúde e proteção à infância, adolescência e juventude. Podemos compreender que isso mantém certa relação com a intimidação sistêmica na medida em que prescreve estabelecer monitoramento e proteção à criança em situações de risco. Segundo o portal Observatório do PNE – OPNE, esse monitoramento é realizado em parceria com o Programa Bolsa Família e beneficiários da prestação continuada, porém seus dados contemplam mais questões relacionadas à frequência escolar do que resultados e desempenhos qualitativos, ao modo que deixa a desejar no favorecimento a possibilitar desempenho e sucesso escolar.
O OPNE também cita que o Ministério da Educação desenvolve ações de combate à discriminação e à violência, como o projeto Escola que Protege. Segundo ele, o objetivo desse programa é capacitar profissionais de educação, membros dos conselhos de educação, de conselhos escolares, além de profissionais da saúde, assistência social, conselheiros tutelares, agentes de segurança e justiça, entre outros profissionais ligados à Rede de Proteção e Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes, para a promoção e defesa dos direitos dessa população e o enfrentamento e prevenção das violências no contexto escolar. Ele menciona que ações voltadas para combate ao bullying e promoção da cultura da paz nas redes escolares ainda carecem de maiores incentivos e de regulamentação específica.
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA garante a proteção integral da criança e do adolescente e considera o sujeito como criança até os doze anos de idade incompletos. Apesar de não ter nada que fale especificamente sobre o bullying, é importante pelo motivo de defender os direitos da criança, assegurar que ela seja protegida e que não lhe faltem meios que proporcionem desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social; assim é descrito no Art. 4º que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público garantir a efetivação de direitos como educação, saúde, alimentação, respeito, dignidade, liberdade, cultura, lazer etc.
Do mesmo modo, o Art. 17 ressalta que o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. O que é reforçado no Art. 18, que designa que é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
O Capítulo IV do ECA trata especificamente da educação brasileira, porém seu conteúdo é praticamente mais do mesmo que contém na LDB; no caso do ECA é válido destacar somente o Art. 56, o qual menciona que os gestores de estabelecimentos de Ensino Fundamental deverão comunicar ao conselho tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos; reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares e elevados os níveis de repetência.
Bullying na educação escolar: gestão preventiva e acolhedora
O bullying é um problema tão grave e recorrente que já é considerado problema de saúde pública. Para prevenir e evitar casos posteriores, é necessário que a escola os reconheça e intervenha em conjunto com as famílias de tais sujeitos, promovendo conversas e esclarecimentos entre os alunos – estejam eles envolvidos ou não – para que assim os alunos tenham noção da gravidade que esse tipo de violência causa na vida de uma pessoa.
Muitas vezes, quando não entendida como tal pelos alunos e demais integrantes da escola, a agressão é transmitida pela imagem de brincadeira e tratada com naturalidade, algo que na verdade é inadmissível, de modo que medidas precisam ser tomadas diante de tais ocorrências, pois quem sofre não vê graça alguma; pelo contrário, se reprime, não costuma buscar ajuda e com isso são gerados danos sociais e psicológicos para o resto da vida.
Considerando-se que a maioria dos atos de bullying ocorre fora da visão dos adultos, que grande parte das vítimas não reage ou fala sobre a agressão sofrida, pode-se entender por que professores e pais têm pouca percepção do bullying, subestimam a sua prevalência e atuam de forma insuficiente para a redução e interrupção dessas situações. A Abrapia identificou que 51,8% dos autores de bullying admitiram não terem sido advertidos. A aparente aceitação dos adultos e a consequente sensação de impunidade favorecem a perpetuação do comportamento agressivo (Lopes Neto, 2005, p. 166).
Lourenço et al. (2009) e Ristum (2010) descrevem que a maioria das pesquisas retrata o recreio como um dos principais momentos propícios ao bullying; somente no Brasil foi possível encontrar demanda maior de bullying dentro da sala de aula. Os autores expõem que o recreio é o momento escolhido pelo autor de bullying pelo fato de poder praticar sem ser identificado com facilidade, quando ele sabe que é possível evitar prováveis punições. Assim, Lourenço et al. levantam a proposta de desenvolver o recreio monitorado, dinâmico e acompanhado, além da opção de espaços adequados com ofertas de atividades e jogos pedagógicos que intencionem criatividade, interação, sociabilidade e para os alunos e espaços que permitam às crianças falar sobre seus sentimentos, discutir e refletir sobre a temática. Os autores são unânimes em defender a ideia da atuação da família em conjunto com a escola e a necessidade de formação dos integrantes de ação da escola, como professores, gestores, funcionários etc.
Ao analisar a quem os alunos recorrem quando maltratados na escola, percebe-se então que boa parte busca o auxílio dos pais e professores. É fato que o bullying se faz presente nas escolas e que muitas vezes esses casos de violência estão tão bem camuflados que ninguém consegue identificá-los e mediá-los; ou as pessoas veem e preferem não tomar parte ou até mesmo não se sentem preparadas para tal, inclusive os professores, justificando a necessidade de maiores debates na área da Educação visando uma conscientização sobre os efeitos do bullying, os quais não ficam restritos às vítimas, agressores e espectadores, mas à sociedade de uma forma geral (Libório; Francisco, 2009, p. 201).
Quanto aos dados das pesquisas apontarem o Brasil como o único lugar a ter a sala de aula como local mais propício ao bullying, Ristum (2010) menciona que isso se dá pelo fato de na sala de aula ser mais difícil o bullying passar despercebido e ficar impune. Entra em vigência o critério de questionar, nos locais onde isso ocorre, a atuação dos professores, se estaria de certa forma promovendo ou facilitando a presença do bullying. Libório e Francisco (2008, p. 205) revelam que “a maioria dos professores parece preocupada com esse tipo de problemas, mas que muitos não se encontram preparados ou não sabem como impedi-los”.
Segundo Ristum (2010), as intervenções podem ser realizadas na sala de aula, no recreio, na reunião da escola com os pais, nas relações interpessoais dos mais diversos níveis, com o desenvolvimento do clima social e no seu regulamento de divulgação e aplicação. Isso possibilita melhores condições para os integrantes da escola compreenderem o assunto, sua gravidade, as possíveis e futuras consequências geradas tanto na vítima quanto no autor; assim, aumenta a possibilidade de o respectivo funcionário saber como agir nesses casos.
Vale reafirmar que, para prevenção, intervenção e acolhimento são necessários profissionais capacitados. É por isso que Freire e Aires (2012) defendem a necessidade da presença do psicólogo educacional na escola, onde ele, como agente participativo, deverá investigar os motivos do fenômeno, montar o diagnóstico e planejar ações que trabalhem a prevenção em conjunto com o corpo docente, assessorar a equipe pedagógica com estudos e capacitações que induzam à resolução de conflitos por meio do diálogo.
Quando não há intervenções efetivas contra o bullying, o ambiente escolar torna-se totalmente “contaminado”. Todos são afetados negativamente, passando a experimentar sentimentos depressivos; choros, brigas, indignação com alunos, professores, direção, disciplinários, orientadores, supervisores, com todo o ambiente escolar ocorrem a todo momento (Pereira et al., 2010, p. 236).
Segundo Freire e Aires (2012), o enfrentamento e a prevenção do bullying não devem partir do pressuposto de receitas prontas e descontextualizadas da realidade local; cada escola possui uma realidade específica, e o trabalho deve analisar o bullying como fenômeno social. Devem ser levados em conta aspectos importantes, como o econômico, o social e o psicológico; entra em vigência o meio em que a escola está inserida e a demanda que a escola atende. É mais eficaz a escola agir em caráter preventivo e psicopedagógico ao invés de agir com medidas de punição, ameaças e intimidações. “Assim como as características de personalidade e de temperamento, os contextos sociais, familiares e escolares exercem influências no desenvolvimento de comportamentos agressivos entre crianças e jovens” (p. 57).
Freire e Aires (2012) também defendem a ideia da criação de espaços de escuta psicológica a fim de conscientizar e transformar o ambiente de maneira dialogada, consciente e reflexiva, assim como pontuam a proposta de promover na escola espaços de discussões de temas como uso de estratégias para o desenvolvimento da comunicação, verificação de ambiguidades e conflitos existentes, construção de um ambiente de confiança e respeito mútuo, construção de normas e regras institucionais voltadas ao âmbito pedagógico, fortalecimento das boas relações entre alunos, professores e família; nesse modelo de gestão democrática que a LDB e o PNE tanto defendem, prezam o diálogo e a participação de todos, os alunos tornam-se ativos e sentem-se valorizados na escola; dessa forma, a tendência é que comecem a assumir tais regras como suas e passem a esforçar-se para cumpri-las.
Os autores defendem que a promoção do diálogo e o trabalho preventivo devem ocorrer por meio de projetos ou programas pensados e correspondentes à realidade da escola e que deixem o clima escolar mais positivo e harmonioso, o espaço mais agradável; devem realizar ações que promovam a cultura de paz na escola, ou seja, experiências, debates e conscientização de solidariedade, diálogo, valores sociais, reciprocidade, respeito mútuo às diferenças, ações nas quais é importante enfatizar a necessidade de participação ativa e positiva das famílias em conjunto com a escola. Lemos (2007, p. 72) defende que “a influência familiar é definidora no desenvolvimento da estrutura psicológica da criança e, portanto, os pais devem se comprometer a oferecer-lhe, desde o seu nascimento, uma formação digna, respeitosa e saudável”.
Ristum (2010) ressalta a necessidade de trabalhar o bullying dentro da sala de aula; essa é uma forma possível de mediar tais debates e experiências. O site do MEC faz algumas referências a projetos desenvolvidos em relação ao combate ao bullying. Dentre eles está o projeto Unidos no Combate à Prática do Bullying - Jornal, Literatura, Combate e Cidadania, desenvolvido na Escola Municipal Neil Fioravanti em 2008 e 2009; ele foi inicialmente aplicado aos alunos do 1º ano do Ensino Fundamental e depois integrou toda a comunidade escolar. A proposta tem a ideia de promover conteúdos interdisciplinares; na disciplina de Português, por exemplo, os alunos trabalharam famosos da literatura, como O patinho feio, que é excelente para analisar as diferenças, valores familiares etc. além da fábula A cigarra e a formiga e notícias de jornais que possibilitassem confrontar a realidade com a ficção. Em Ciências, o MEC cita que o projeto desenvolveu por meio do estudo do corpo com iniciativa de valorização das características de cada um e respeito à diversidade. Isso rendeu reescrita de histórias, encenação teatral, diminuição de brigas, revisão de conceito em de prol de mudanças positivas, revisão de atitudes e autopoliciamento por parte dos alunos.
Outro livro apto a essa mediação de combate a bullying é o gibi Bullying - isso não é brincadeira, que inicia com alguns alunos que notam as faltas consecutivas de João e a possibilidade de ele estar a sofrer bullying. Os alunos começam questionar e investigar as características do fenômeno e em conjunto com a professora montam um projeto de estudo e combate. No decorrer da história as crianças podem aprender o que é bullying de forma mais dinâmica e interativa. No final, João volta para a escola e todos descobrem que na verdade ele estava afastado por que havia quebrado a perna. O projeto continua e João também é integrado nele. Essa seria uma leitura favorável para iniciar a temática, promover debates, pesquisas etc. Nela podemos destacar que o teatro também é ótimo instrumento metodológico para trabalhar a conscientização e a prevenção e fortalece o conhecimento e a defesa da boa convivência escolar.
Referências diagnosticadas pela BDTD
Dentre as mais variadas especificações dos resumos de obras constadas no site da BDTD que discutem o bullying, averiguamos e consideramos importante ressaltar alguns que destacaram em suas pesquisas os anos iniciais do Ensino Fundamental, a infância ou aspectos que consideramos importantes descrever mais precisamente.
Machida (2007) propõe uma análise do fenômeno por meio das narrativas das próprias vítimas que apresentam sentimentos de sofrimento, angústia e impotência. Pelos relatos das vítimas, o autor menciona apresentar o ser humano e suas relações sociais e culturais como visão panorâmica da educação do século XXI, crises, efeitos e reflexos provocados na vida dos jovens, a intensidade de sentimentos e angústias universais na vida dos envolvidos, explica o bullying como fenômeno que contém especificidades e consequências prejudiciais à formação psicológica, emocional e socioeducacional do indivíduo vitimizado pelo bullying. Assim, ele propõe a ideia de promover atividades que incentivem a resiliência e o convívio com a tolerância na busca pela igualdade.
Frick (2011) busca analisar as formas de resolução de conflitos utilizadas pelos professores, as quais podem ou não ser servir como estilo a ser assimilado pelos estudantes nas relações entre pares, influenciando a propagação da violência do bullying entre as crianças. A pesquisa se passou em uma escola pública do interior de São Paulo; os envolvidos foram duas professoras dos anos iniciais e seus alunos, assim o modo de agir dos alunos também foi analisado.
Medeiros (2012) manifesta que ainda há risco de acontecer no Brasil um processo de banalização do fenômeno, com a utilização do termo para além dos muros da escola. Descreve o bullying como conflito nas relações pessoais que afeta todos os envolvidos de maneira direta ou indireta; há questionamentos se o bullying é especifico do espaço escolar ou se pode ocorrer em outros ambientes, como trabalho, quartéis etc. Segundo o mesmo autor, no Brasil o termo é compreendido e utilizado para designar conflitos entre alunos no ambiente escolar e finaliza ressaltando a necessidade de delimitar as fronteiras do fenômeno para compreender as consequências aos envolvidos, as políticas de combate, diagnóstico, prevenção, punição, tratamento e repreensão da banalização do termo.
Pinto (2013), ao buscar analisar as compreensões, crenças, valores e ações presentes nas narrativas de crianças, professores e equipe escolar que tenham relação com o bullying do 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Brasília, constatou nas narrativas das crianças evidências de bullying e sugestões das próprias crianças para prevenção e resolução do problema. Pinto revela que os adultos apresentaram dificuldade em definir conceitos como paz e violência, em lidar com a complexidade das relações sociais e pensar em soluções que intencionem a paz sem necessariamente monopolizar a simples transmissão de regras e punições.
Nascimento (2015) destaca que a violência está cada vez mais presente em todos os segmentos da sociedade; dessa forma, no interior das escolas acontecem diversos conflitos e tensões que podem ser caracterizados como bullying, porém segundo a autora muitas delas negam ou desconhecem a existência do bullying. Assim, segundo ela, com frequência comportamentos agressivos entre estudantes não são levados em conta e são ignorados pelos professores e membros da escola; em geral, esses comportamentos provocam sérias consequências individuais e sociais. Desse modo, a autora propõe explicar a presença dos valores éticos no combate à violência escolar como tentativa favorável a educar para a paz.
Moraes (2015) apresenta a importância do tema violência no espaço escolar, passando pelas ciências filosóficas, políticas, econômicas, culturais e sociais, aborda a educação pelo olhar de política pública. A pesquisa de Moraes foi desenvolvida em duas escolas municipais de Ensino Fundamental completo. Destaca as meninas como agressoras e reforça que a escola não consegue acompanhar todas as ocorrências de violência. Moraes descreve que seus principais resultados foram: falta de diálogo curricular, falta de infraestrutura e formação, regimento pedagógico e projeto político-pedagógico em reconstrução; a nova gestão da escola entende que o PPP precisa estar integrado à realidade escolar da comunidade local e apresenta o diálogo e o afeto como estratégias de enfrentamento, destacando Paulo Freire como o autor que possui estudos impulsionadores de mudança.
Considerações finais
Diante deste estudo, concluímos que fica clara a evidência do tema como necessidade social prática de estudos científicos. Assim constatou-se que o bullying é um fenômeno relacional, intencional e repetitivo que impõe desigualdade de poder entre pares, é influenciado por características sociais externas à escola e possui particularidades específicas complexas, podendo gerar drásticas consequências e deixar lembranças complicadas para o resto da vida de todos os envolvidos. Uma causa apontada para tal fenômeno são as diferenças e individualidades de cada sujeito aliadas à intolerância de não aceitar que o outro pode ser diferente.
O bullying pode interferir na vida social dos sujeitos e gerar consequências psicológicas, afetivas, sociais, cognitivas, além de transtornos como depressão, suicídio, distúrbios alimentares etc. Pelo fato de ocorrer na escola, pode interferir inclusive no interesse do aluno pela aprendizagem, já que necessita de motivação. Isso pode aumentar os índices de evasão escolar, pois a criança passa a não querer frequentar a escola, a deixar de fazer as atividades escolares, a parar de prestar atenção nas aulas etc.
As referências bibliográficas e os documentos estudados, como a Lei de Combate e Prevenção à Intimidação Sistêmica (Lei nº 13.185/15), a LDB (1996) e o ECA (1990) demonstram a necessidade de a escola agir para prevenção e com isso promover a cultura de paz, o incentivo ao respeito mútuo, o diálogo, o espaço de escuta, o recreio monitorado, as atividades que promovam boas relações, debates e formações que envolvam a problemática, interação e envolvimento familiar com a escola etc. Essas são algumas ações pacificadoras mencionadas pelas obras referenciadas que podem melhorar o espaço escolar.
Os autores também citam que as escolas costumam negar ou desconhecer a existência do bullying e não sabem como agir nesses casos. Por isso há necessidade de formação dos sujeitos que as compõem. De acordo com os mesmos autores, não há receitas prontas para trabalhar o bullying, a escola deve estar contextualizada à realidade local e desenvolver projetos que promovam mediação conscientizada de tais crianças, pais e comunidade escolar em geral. Essas medidas podem ocorrer em espaços e horários diversos, como sala de aula ou pátios de recreio.
As pesquisas presentes no site da BDTD reforçam o estudo diagnosticado, confirmam que muitas escolas negam a existência do bullying, revelam pesquisas que demonstram narrativas de alunos que expressam sentimentos de angústia e sofrimento, a necessidade de realizar uma gestão preventiva que promova a cultura de paz mediando às boas relações no espaço escolar etc. Conforme as referências demonstram, trata-se de um problema gravíssimo e ainda pouco compreendido.
Há diversos pontos de referência que podem interferir na temática do bullying, como olhar pedagógico, legislativo, psicológico, político, cultural e assim por diante. Portanto, é valido ressaltar que o bullying é uma problemática que ainda requer muita pesquisa, escrita, mais conhecimento e formação de todos que integram a comunidade escolar e o espaço acadêmico científico. E, se direcionarmos isso aos anos iniciais, essa necessidade de referência teórica aumenta, pois a maioria das pesquisas e projetos faz integração dos alunos a partir do 6º ano do Ensino Fundamental e deixa a desejar em relação os anos iniciais.
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Publicado em 11 de agosto de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Juliana Larissa Carvalho. Problematizando a literatura que referencia o bullying nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, v. 20, nº 30, 11 de agosto de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/30/problematizando-a-literatura-que-referencia-o-ibullyingi-nos-anos-iniciais-do-ensino-fundamental
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