Avaliação do nível de satisfação do uso de jogos eletrônicos em sala de aula: um estudo de caso utilizando o software Kahoot!

Marcelo Henrique Souza Bomfim

Mestre em Engenharia Mecânica (UFMG), professor (IFMG – Câmpus Congonhas)

Felipe Farage David

Mestre em Engenharia Mecânica (UFPE), professor (IFMG – Câmpus Congonhas)

Adilson Ribeiro de Oliveira

Doutor em Letras (PUC-Minas), professor (IFMG – Câmpus Ouro Branco)

Considerações sobre o contexto investigativo

A Educação 4.0 é uma realidade nas escolas. Modelos tradicionais e mecanicistas, em que o aluno deve “decorar” o que o professor leciona, não têm mais espaço no cenário das tecnologias digitais. É impossível mitigar o caráter dispersivo do discente utilizando apenas o pincel e o quadro. Assim, é imprescindível que o docente utilize ferramentas tecnológicas, digitais ou não, com o intuito de tornar a aula mais lúdica e pouco cansativa. Segundo Ribeiro e Coscarelli (2017), a sociedade vive uma convergência digital, em que a Revolução da Informação vai mudar todas as práticas em todos os setores. De forma geral, as autoras citadas apresentam um contexto de imersão digital, em que todos os setores da sociedade utilizam-se de ferramentas tecnológicas para auxiliar na execução de determinadas tarefas, e na educação não é diferente.

No contexto educacional, a tecnologia vem ampliar a capacidade de comunicação entre o aluno e o professor, possibilitar novas e variadas formas de interação e permitir estratégias de ensino e aprendizagem antes não imaginadas, entre outros aspectos. Dessa forma, o docente pode contribuir para a construção do conhecimento com metodologias que estão em consonância com as novas competências e habilidades exigidas no mundo atual. Apesar das muitas e variadas contribuições que os avanços tecnológicos vêm proporcionando, o emprego de seus recursos na prática da sala de aula deve ser considerado um caminho e não uma solução para todos os impasses e crises do âmbito escolar (Barbosa, 2017).

Com o desenvolvimento dos computadores após a década de 1950, verificou-se sua utilização massiva em todos os setores da sociedade. Evidentemente, conforme já anunciado – e como consequência inequívoca das transformações socioculturais advindas do boom tecnológico vivenciado nos últimos anos –, no campo educacional o fenômeno não é diferente, salvaguardadas as devidas proporções de uma afirmação dessa natureza. Atualmente, por exemplo, pode ser observado o emprego de softwares para o ensino, aprendizagem e avaliação do conhecimento em disciplinas de todas as áreas. Esses softwares são conhecidos como objetos de aprendizagem computacional – OAC (Vieira Junior, 2012); um exemplo amplamente utilizado por diversos docentes nas redes de ensino na atualidade é o software Kahoot!.

Portanto, no contexto educacional, em que se verifica essa articulação entre tecnologias digitais e seu emprego no processo de ensino-aprendizagem, as metodologias ativas vêm ganhando espaço importante. Essas metodologias são formas de lecionar que tornam o aluno protagonista no binômio ensino-aprendizagem (Paiva et al., 2016). Mais do que simplesmente memorizar uma “cartilha”, o discente é responsável pela edificação do próprio conhecimento, sendo participante ativo desse processo (Freire, 2008). Nessa filosofia de trabalho, os jogos eletrônicos conquistam cada vez mais espaço em sala de aula. Um exemplo é o game Kahoot!, um jogo de perguntas e respostas em que o aluno que responder a alternativa correta em menor intervalo de tempo obtém maior pontuação.

Segundo Reis e Vieira Junior (2019), a utilização de softwares didáticos não implica, obrigatoriamente, melhora ou um melhor desempenho das atividades escolares. Nesse sentido, a qualidade do aplicativo deve ser avaliada, e Rodrigues (2014) apresenta, em sua dissertação, instrumentos para verificar a eficácia dos jogos eletrônicos. Assim, este trabalho tem a finalidade de quantificar a qualidade do software Kahoot! com base na perspectiva de Rodrigues (2014) e segundo a percepção de estudantes de Ensino Médio integrado em uma instituição federal de Educação Profissional e Tecnológica.

Na metodologia Kahoot!, geralmente o professor constrói um questionário de perguntas e respostas com o conteúdo a ser avaliado. O software permite que em cada pergunta sejam adicionados vídeos, imagens e músicas. Assim, o Kahoot! pode ser considerado um poderoso recurso didático a ser aplicado no Ensino Médio, tendo em vista que na faixa etária de 15 e 18 anos os alunos utilizam mais os polos sensoriais e visuais como estilos de aprendizagem, segundo a ótica de Felder-Silverman (Cury, 2000; Felder; Henriquez, 1995). Dessa forma, o aluno pode associar um aprendizado a uma figura, a um vídeo ou até mesmo a um efeito sonoro.

Estudos de caso recentes envolvendo o software podem ser analisados em Esteves et al. (2017) e Silva Júnior et al. (2017). Os artigos informam que o uso do software proporcionou resultados positivos, como maior concentração do aluno, aulas lúdicas, diversão dos alunos e imersão no conteúdo de modo não convencional, trazendo maior aceitação do assunto e tornando o aprendizado divertido (Silva Júnior et al., 2017).

Uma lacuna verificada nos artigos, a nosso ver, é que eles não realizam uma análise quantitativa do emprego do Kahoot!. Por isso, a presente pesquisa tem a finalidade de contribuir com a abordagem desse aspecto, oferecendo resultados numéricos sobre o emprego do aplicativo, por meio de uma estatística descritiva.

Proposições metodológicas: explanações sobre a pesquisa e a intervenção didática

Considerando que o estudo desenvolvido teve como finalidade o aprimoramento da atuação docente com vistas a melhorias no ensino-aprendizagem, o trabalho descrito neste artigo foi realizado de acordo com os princípios da pesquisa-ação, já que se trata de uma intervenção pedagógica com base empírica em estreita associação com ações e resoluções de problemas nos quais os pesquisadores e demais sujeitos envolvidos estão envolvidos de modo participativo e cooperativo (Thiollent, 2011).

Nesse quadro, a pesquisa foi realizada em uma aula de 50 minutos, em que 30 deles foram destinados para o docente ministrar uma aula expositiva. Nos últimos 20, o jogo foi aplicado por meio de perguntas de múltipla escolha. Após sua aplicação, um relatório em formato Excel foi gerado e analisado. Caso uma alternativa tivesse elevado grau de erro (acima de 50%), o professor retomava a explicação desse tópico da disciplina, trabalhando novamente o conteúdo não absorvido pelos discentes.

A aula expositiva foi da disciplina de Tecnologia dos Materiais, do curso técnico em Mecânica integrado ao Ensino Médio, em uma turma com 26 alunos. O conteúdo ministrado foi sobre as propriedades físico-mecânicas do aço, em que o aluno deveria relacionar as características de dureza do aço de acordo a seu teor de carbono. Como metodologia de ensino, o docente utilizou aula expositiva, em que houve a apresentação da estrutura molecular do aço por meio de slides e vídeos. As perguntas que compõem o jogo foram baseadas na aula. Foram utilizados vídeos e figuras que compõem os slides, com a finalidade de estimular o maior número de sentidos do aluno, o que facilita a edificação do aprendizado, segundo a perspectiva de Felder-Silverman (Cury, 2000; Felder; Henriquez, 1995).

Caso uma alternativa obtivesse grau de assertividade inferior a 50%, ocorria uma intervenção do professor. Nessa intervenção o docente buscava realizar o ensino de forma diferente. No caso da presente disciplina, o material confeccionado em isopor foi utilizado para apresentar os fenômenos físicos que ocorrem e aumentam a dureza do aço à medida que átomos de carbono são adicionados nos espaços intersticiais. Como resultado, houve a melhora da assertividade das questões para patamares superiores a 50%.

Como instrumento de investigação e avaliação da qualidade do software Kahoot! foi utilizado o quadro proposto por Rodrigues (2014), conforme apresentado a seguir. Após o preenchimento pelos alunos, os dados foram compilados em uma escala qualitativa, que confere a seguinte pontuação: 0, 0,5 ou 1 ponto, para as respostas, respectivamente, “não”, “em parte” e “sim”. Ao somar cada item, foi obtida uma nota para classificar o jogo como “ótimo” (8 a 10 pontos), “bom” (5,5 a 7,5 pontos), “regular” (3 a 5 pontos) ou “ruim” (0 a 2,5 pontos).

Quadro 1: Questionário modelo para avaliação pelos alunos

Opiniões

Sim

Em parte

Não

Entendi melhor o assunto que o professor ensinou na sala de aula.

     

Enquanto eu jogava o tempo passou que nem percebi.

     

Tentei fazer bons resultados no jogo.

     

Eu não me senti cansado durante a partida, queria jogar todas as etapas.

     

Gostaria de jogar novamente esse jogo.

     

Vou lembrar o que aprendi no jogo quando estiver fazendo atividades em sala de aula que tenham o mesmo assunto do jogo.

     

Pude ajudar meus colegas durante o jogo.

     

Gostei da animação, das cores e do som que o jogo tem.

     

Consegui compreender todas as regras do jogo.

     

Achei o jogo interessante, pois teve desafios.

     

Fonte: Rodrigues (2014, p. 67).

As questões do Quadro 1 foram aplicadas para os 26 alunos da turma em que a pesquisa foi desenvolvida.

Na sequência, a Figura 1 apresenta um fluxograma com a metodologia proposta na pesquisa. Pela figura, pode ser analisado que, após a análise do relatório gerado em formato Excel, o professor definiu se deveria voltar ao conteúdo ministrado ou prosseguir na disciplina. Como já foi descrito, caso uma alternativa obtivesse grau de acerto inferior a 50%, o conteúdo era ministrado novamente, com a metodologia citada.

Figura 1: Metodologia proposta para a pesquisa-ação

Discussão dos resultados: apontamentos sobre a utilização do instrumento didático

Com base na aplicação e compilação dos dados do questionário do Quadro 1 na turma de Técnico em Mecânica, foi verificado que o software recebeu nota média de 9,2, como está indicado na Tabela 1, a seguir. Ou seja, o software Kahoot! foi classificado como um jogo “ótimo” pelos alunos. Esse resultado está em concordância com os resultados da pesquisa de Sá e Grillo (2019), que também realizaram uma avaliação de aceitação do software por parte dos estudantes do Ensino Médio. A conclusão dos autores indicou boa aceitação da ferramenta por parte dos discentes (Sá; Grillo, 2019).

O resultado, em porcentagem em relação a cada afirmativa do questionário, está apresentado na Tabela 1. Nota-se que nove das dez afirmativas obtiveram parecer consideravelmente positivo pelos alunos. Esse é um indicativo de que, de fato, o jogo Kahoot! é uma ferramenta lúdica para auxiliar o docente a aumentar o grau de satisfação do aluno na construção do conhecimento em sala de aula.

Tabela 1: Compilação dos resultados da avaliação do software Kahoot! pelos alunos

Opiniões

Sim

Em parte

Não

Entendi melhor o assunto que o professor ensinou na sala de aula.

96%

4%

0%

Enquanto eu jogava o tempo passou que nem percebi.

77%

23%

0%

Tentei fazer bons resultados no jogo.

100%

0%

0%

Eu não me senti cansado durante a partida, queria jogar todas as etapas.

85%

15%

0%

Gostaria de jogar novamente este jogo.

100%

0%

0%

Vou lembrar o que aprendi no jogo quando estiver fazendo atividades em sala de aula que tenham o mesmo assunto do jogo.

77%

23%

0%

Pude ajudar meus colegas durante o jogo.

38%

46%

15%

Gostei da animação, das cores e do som que o jogo tem.

73%

27%

0%

Consegui compreender todas as regras do jogo.

100%

0%

0%

Achei o jogo interessante, pois teve desafios.

100%

0%

0%

A afirmativa “Pude ajudar meus colegas durante o jogo” apresentou baixa aderência positiva, quando comparada às outras afirmativas. De fato, o software Kahoot! é um jogo que estimula a competição entre os discentes, realizando um ranking de pontos on-line das cinco primeiras melhores pontuações dos alunos.  Por conseguinte, os discentes não ajudam uns aos outros, já que em geral todos estão disputando as primeiras posições na classificação. Se, por um lado, o aumento do nível de competitividade entre os alunos em sala de aula pode ser considerado um aspecto negativo do jogo, já que a cooperação entre os discentes é um aspecto importante a ser desenvolvido para crescimento do indivíduo na sociedade, por outro lado é importante considerar que a competição, quando não exacerbada, pode ser um elemento estimulador da superação dos próprios limites.

Como aspectos positivos, o game trouxe uma aula lúdica e contagiante. Nas aulas posteriores à aplicação do jogo, houve alunos que perguntaram se haveria atividades com o Kahoot! novamente. Isso mostra seu grau elevado de satisfação, o que faz a aula ser efusiva e dinâmica. Outro aspecto positivo do Kahoot! consiste no fato de o aluno utilizar o próprio aparelho celular para participar do jogo. Assim, o dispositivo móvel, geralmente considerado um vilão na sala de aula, por contribuir para a dispersão dos alunos, pode ser utilizado como meio para auxiliar o ensino e aprendizagem e sua avaliação.

Conclusão

Utilizando a metodologia de Rodrigues (2014) para avaliar a qualidade de um OAC, o software utilizado como objeto de pesquisa foi classificado pelos alunos com a menção “ótima”. Cabe ressaltar que somente no item “Pude ajudar meus colegas durante o jogo” foi obtida avaliação relativamente baixa. Tal resultado pode ser justificado pela análise da vocação do Kahoot!, já que o jogo foi desenvolvido para ser um quiz interativo on-line que estimula a competição entre os seus usuários.

Com a aplicação do questionário, foi possível obter uma resposta dos alunos em relação ao game. Essa resposta foi satisfatória, tendo em vista que o jogo obteve menção positiva média de 92%. Dessa forma, foi possível analisar o jogo de forma quantitativa, dando um parecer favorável ao prosseguimento da sua utilização, considerando-se, evidentemente, a opinião dos alunos quanto ao seu engajamento na atividade proposta e a percepção que tiveram quanto à aprendizagem do conteúdo.

Referências

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FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

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PAIVA, M. R. F.; PARENTE, J. R. F.; BRANDÃO, I. R.; QUEIROZ, A. H. B. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem: revisão integrativa. Sanare – Revista de Políticas Públicas, Sobral, v. 15, nº 2, dezembro 2016. Disponível em: https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/view/1049. Acesso em: 20 abr. 2020.

REIS, D. A.; VIEIRA JUNIOR, N. Utilização de games para a aprendizagem e a sensibilização sobre saneamento básico no Ensino Fundamental. Ensino, Saúde e Ambiente (no prelo).

RIBEIRO, A. E.; COSCARELLI, C. V. Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Uberlândia: Autêntica, 2017.

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Publicado em 18 de agosto de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

BOMFIM, Marcelo Henrique Souza; DAVID, Felipe Farage; OLIVEIRA, Adilson Ribeiro de. Avaliação do nível de satisfação do uso de jogos eletrônicos em sala de aula: um estudo de caso utilizando o software Kahoot! Revista Educação Pública, v. 20, nº 31, 18 de agosto de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/31/avaliacao-do-nivel-de-satisfacao-do-uso-de-jogos-eletronicos-em-sala-de-aula-um-estudo-de-caso-utilizando-o-isoftwarei-kahoot

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