A formação do docente da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na jurisdição da Superintendência Regional de Ensino de Leopoldina/MG
Daniela Ferreira de Souza
Licenciada em Ciências Biológicas (FIC – Cataguases), mestra em Educação Profissional e Tecnológica (IF Sudeste de Minas – Câmpus Rio Pomba)
Este estudo visou conhecer o perfil dos docentes de duas escolas da Rede Estadual de Educação Profissional de Minas Gerais (Rede), sob a jurisdição da Superintendência Regional de Ensino de Leopoldina (SRE Leopoldina), especialmente no que se refere à formação acadêmica e à habilitação para ministrar disciplinas dos cursos técnicos.
A aproximação com o tema se deu por meio da atuação da autora como analista educacional da equipe pedagógica da SRE Leopoldina, a partir do segundo semestre de 2016, quando da implantação da Rede, instituída legalmente em 2017 pela Resolução da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) nº 3.435/17 (Minas Gerais, 2017).
Com base na análise de documentos institucionais da Rede em 2017, foi possível perceber que muitos docentes (58%) recorrem ao Certificado de Avaliação de Título (CAT). O CAT é uma autorização para lecionar em título precário em escola estadual de Educação Básica para os profissionais que não tiveram suas formações voltadas para a docência, ou seja, não têm formação em licenciatura.
A jurisdição da SRE Leopoldina abrange 10 municípios: Além Paraíba, Argirita, Cataguases, Estrela Dalva, Itamarati de Minas, Leopoldina, Pirapetinga, Recreio, Santo Antônio do Aventureiro e Volta Grande. Nessa regional, a oferta de cursos da Rede iniciou-se no segundo semestre de 2016, ocorrendo expansão no número de municípios, escolas e turmas no segundo semestre de 2017 e de 2018.
A Tabela 1 mostra o número de municípios e escolas ofertantes da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM) sob jurisdição da SRE Leopoldina desde a implantação da Rede, em 2016.
Tabela 1: Conformação da Rede na jurisdição da SRE Leopoldina nos anos de 2016 a 2018
Período |
Município |
Escolas |
Turmas |
2º semestre de 2016 e 1º semestre de 2017 |
Cataguases |
01 |
05 |
Leopoldina |
01 |
04 |
|
Total de escolas e turmas |
02 |
09 |
|
2º semestre de 2017 e 1º semestre de 2018 |
Além Paraíba |
01 |
04 |
Cataguases |
02 |
15 |
|
Leopoldina |
01 |
12 |
|
Total de escolas e turmas |
04 |
31 |
|
2º semestre de 2018 |
Além Paraíba |
02 |
04 |
Cataguases |
02 |
11 |
|
Itamarati de Minas |
01 |
01 |
|
Leopoldina |
02 |
11 |
|
Recreio |
01 |
02 |
|
Total de escolas e turmas |
08 |
29 |
Fonte: Elaborada com base em planilhas com turmas autorizadas para a SRE Leopoldina enviadas pela SEE/MG.
A expansão da oferta da EPTNM implica a necessidade da reflexão sobre as práticas educativas, sendo fundamental reconhecer a importância da formação profissional docente. É indispensável que os profissionais reflitam sobre suas práticas e disponham de saberes essenciais para dar significado à profissão, em contraposição à crescente desvalorização profissional do professor e à ideia que o julga como um mero reprodutor de conhecimentos ou instrutor de programas pré-elaborados (Pimenta, 2002).
Objetivos
A questão-problema da pesquisa levou à proposição do seu objetivo, que incluiu conhecer o perfil dos docentes no que se relaciona à trajetória acadêmica, à habilitação para ministrar disciplinas dos cursos técnicos e às impressões desses docentes sobre como ocorreram suas formações para atuar na docência.
Referencial teórico
O que normalmente se espera da formação docente por meio da graduação é a habilitação para o exercício do magistério, tendo em vista que a docência não é uma atividade para a qual se adquirem habilidades mecânicas, e sim habilidades para proporcionar uma formação humanizada, na qual o discente seja ativo na construção do seu conhecimento.
Os cursos de graduação para formação de docentes tiveram muitas modificações ao longo do século XX e no século XXI. A partir da reforma curricular, feita inicialmente pela Secretaria de Educação Superior do MEC (Sesu/MEC), por meio do Edital nº 4, de 10 de dezembro de 1997, foi solicitado que as instituições de ensino superior (IES) enviassem propostas para a elaboração das diretrizes curriculares dos cursos de graduação. As propostas direcionaram a organização dos cursos de graduaçãoe forma a torná-los flexíveis estruturalmente. Para Macedo (2008), os parâmetros de flexibilidade fazem com que o curso de graduação passe a ser entendido somente como espaço de formação inicial, em que o recém-formado
fica então com a responsabilidade de atualizar-se por meio do acompanhamento das mudanças processadas no mundo moderno. Nesse ideário, percebe-se a necessidade de formação de um profissional mais dinâmico, adaptável às mudanças e apto a aprender a aprender (Macedo, 2008, p. 53).
Dessa forma, reduz-se a definição da universidade a um espaço de ensino e formação de profissionais para o mercado de trabalho, levando à separação entre ensino e pesquisa e, como consequência, uma justificativa para que os ricos frequentem as universidades de ponta e sejam preparados para assumir posições de destaque no meio social e, por outro lado, a classe trabalhadora se conforme com a situação.
A autora aponta três eixos que podem nortear as discussões acerca da formação dos profissionais da Educação:
- a formação inicial, que supõe a base da formação para o trabalho na docência e deve preceder o exercício profissional;
- a formação continuada ou permanente, que deve ser posterior à formação inicial e perpassar toda a carreira docente; e
- a preparação do docente para intervir na sociedade.
Os eixos apontados vão ao encontro do que Tardif (2014) afirma sobre o saber docente; para o autor, esse saber deve ser compreendido como aquele que guarda relação com seu trabalho na escola. Deve servir ao trabalho e às variáveis que se relacionam a ele, estabelecendo uma ligação entre o saber do trabalhador e o seu trabalho. Entretanto, as pesquisas demonstram que os cursos de formação elaboram seus currículos formais com componentes e atividades de prática de ensino muito distanciadas da realidade das escolas, de forma burocrática, que, conforme Pimenta (2002, p. 162), “não dá conta de captar as contradições presentes na prática social de educar”.
Esse distanciamento mostra-se quando, conforme Souza (2011), observamos repetidas iniciativas governamentais que enquadram as universidades públicas na lógica de formação em massa de futuros e atuais professores, determinando um modelo de formação considerada por muitos como acelerada e precarizada, ajustada à lógica da sociedade neoliberal, ou seja, à lógica do mercado de consumo, que determina a marginalização da classe trabalhadora. Sobre a precarização da formação docente, Macedo (2008, p. 54) identifica nos cursos que formam professores “um retorno a uma preparação aligeirada e de baixo custo, cujo principal objetivo é o oferecimento de um diploma de ensino superior e na qual a formação está pautada na técnica, ou seja, nos cursos profissionalizantes”.
As organizações multilaterais, a exemplo do Banco Mundial, ditam as políticas neoliberais para a educação com o objetivo de modificar a estrutura e o funcionamento do ensino em todos os seus graus, no âmbito público e no privado; buscam também definir as fontes de financiamento para a educação, o papel do governo e as formas de educar (Macedo, 2008). Para a autora, as medidas impostas pelas organizações multilaterais buscam
consolidar a ideologia conservadora neoliberal a fim de solucionar os problemas educacionais por meio de medidas com base na economia, ou seja, busca tratar a educação com a mesma teoria e a mesma metodologia de uma economia de mercado (Macedo, 2008, p. 38).
Trazendo a discussão da formação docente para o âmbito da EPTNM e considerando suas peculiaridades, Costa (2016) afirma que a Educação Profissional demanda uma formação de docentes que se organize sob a ideação do trinômio Educação, Trabalho e Sociedade. A construção dos saberes profissionais na docência deve se desenvolver com base nas crenças e nas ideologias relacionadas à forma de entender o mundo, a sociedade, o trabalho e a educação, ou seja, deve responder à função social da docência.
Dessa forma, é de suma importância que o docente compreenda o trabalho como princípio educativo, o que não é simples, já que a escola básica brasileira é historicamente segmentada e dual.
Mais especificamente falando em Educação Profissional e sobre trabalho como princípio educativo, Abreu (2009, p. 122) também confirma que
temos que nos preocupar com os saberes necessários ao professor da Educação Profissional, a fim de que possa assumir um papel compromissado com as exigências de formar um aluno cidadão-autônomo, crítico e reflexivo, capaz de lidar com situações complexas e inesperadas, as quais exijam tomadas de decisões, mas também preocupado com as questões sociais que permeiam a vida em sociedade.
Os currículos da Educação Básica majoritariamente não abordam as questões relativas ao trabalho e ao mundo do trabalho. Logo, é natural que tal dualidade repercuta nos requisitos colocados para o perfil e a formação dos docentes dos cursos profissionalizantes, tendo em vista a inexistência de uma proposta consistente de formação para tais professores (Moura, 2008).
Segundo o autor, os profissionais que atuam como docentes na EPTNM estão categorizados em, no mínimo, três situações:
não graduados, principalmente no sistema “S”; graduados que já atuam como docentes, mas não têm formação específica para Educação Profissional; e licenciados para as disciplinas da Educação Básica. Estes últimos são habilitados para o exercício da docência no âmbito do Ensino Fundamental ou Médio, o que é diferente de atuar nessas disciplinas em formação profissional. Sendo assim, é fundamental que o docente busque uma formação específica que o aproxime das relações entre educação e trabalho, do vasto campo da Educação Profissional, em particular da área do curso no qual ele está lecionando, a fim de estabelecer as conexões entre essas disciplinas e a formação profissional específica, contribuindo para a diminuição da fragmentação do currículo.
Verifica-se que é de fundamental importância formular uma política de formação docente que contemple os profissionais das três categorias e os futuros docentes. Há que ser ainda de caráter constante e definitivo, em substituição às soluções emergenciais e pouco eficientes que, segundo Costa (2016), não se configuram como políticas de Estado, mas sim como políticas de governo; as primeiras passam por diferentes foros de discussão e atingem largamente a sociedade, enquanto as segundas são decididas em processos simples de implementação. Conforme Oliveira (2011), as políticas de governo são aquelas decididas pelo Executivo com vistas a atender demandas da agenda política interna, mesmo que envolvam escolhas complexas, ao passo que as políticas de Estado passam por diversas instâncias de discussão, originando mudanças em normas ou disposições já existentes, surtindo efeitos em setores mais amplos da sociedade.
Como exemplos de estratégias emergenciais de formação de docentes para a EPTNM temos os cursos denominados Esquema I e Esquema II, citados por Machado (2008), que objetivavam respectivamente complementação pedagógica para portadores de diploma de nível superior; e disciplinas pedagógicas e de conteúdo técnico específico para técnicos diplomados. Tais estratégias reservaram-se a disciplinas especializadas e a grupos focais, viabilizando o acesso às salas de aula por profissionais sem formação para a docência, colocando em risco os alicerces de uma formação emancipatória e crítica para os alunos.
A formação docente não deve se limitar ao domínio dos conhecimentos específicos de uma determinada área, mas integrar-se ao trabalho, à cultura, à ciência e à tecnologia. Tais dimensões caracterizam o trabalho como princípio educativo, cuja discussão está associada à discussão sobre a politecnia e sua viabilidade social e política no país (Pereira; Lima, 2008).
Saviani (2003, p. 140) define a politecnia como característica da Educação que se relaciona ao “domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno, que se fundamenta nas diferentes modalidades de trabalho e tem como base determinados princípios”. Para o autor, se o trabalhador domina tais fundamentos e princípios, está em condições de desenvolver as diferentes modalidades de trabalho, compreender o caráter e a essência desse trabalho. Não será um trabalhador adestrado para executar tarefas. Tal formação propicia-lhe um desenvolvimento multilateral, “que abarca todos os ângulos da prática produtiva na medida em que ele domina aqueles princípios que estão na base da organização da produção moderna” (Saviani, 2003, p. 140).
A compreensão acerca do conceito de politecnia, juntamente a outros conceitos, como escola unitária e educação tecnológica, é essencial à formação omnilateral que, na sociedade regida pelo capital, é impossível de ser consolidada, sendo negada de forma mais contundente à classe trabalhadora (Ribeiro et al., 2016). O conceito de omnilateralidade se refere a uma formação humana oposta à formação unilateral, provocada pelo trabalho alienado, pela divisão social do trabalho, pela reificação, pelas relações burguesas estranhadas (Pereira; Lima, 2008).
Maciel (2015) reforça a existência do debate histórico dentro do campo Trabalho e Educação defendendo a educação politécnica como aquela que atribui ao trabalho um princípio educativo na busca por essa formação na conjuntura de oposição e luta para superar o capitalismo. Tal superação constitui-se em perspectiva de uma educação omnilateral, que não ocorre no modo de produção capitalista, já que este se sustenta na desigualdade e na alienação do trabalhador, especialmente no que se refere ao resultado do seu trabalho. Frigotto (2009) enfatiza que a luta é necessária para que não sejamos remetidos a um imaginário futuro para superação do sistema capitalista.
A formação omnilateral deve orientar a prática docente, na qual os currículos e as atividades devem ser organizados de forma a contribuir para abolir a abordagem fragmentada do conhecimento. A formação docente é um dos desafios para o bom andamento da EPTNM e faz-se necessário que políticas públicas sejam garantidas, permitindo que as habilidades do docente estejam aliadas à oferta de educação pública, gratuita, obrigatória e única, rompendo com o monopólio da cultura e do conhecimento por parte da burguesia. Uma educação que permita a compreensão integral do processo produtivo (educação intelectual, corporal e tecnológica), superando a dualidade historicamente construída entre trabalho manual (execução, técnica) e trabalho intelectual (concepção, ciência) e que seja capaz de proporcionar a formação integral da personalidade, de modo a tornar o ser humano capaz de produzir e fruir ciência, arte e técnica e promover a integração recíproca da escola à sociedade, com o propósito de superar o estranhamento entre as práticas educativas e as demais práticas sociais (Pereira; Lima, 2008).
Procedimentos metodológicos
A pesquisa foi realizada com docentes que atuam na EPTNM em duas escolas sob jurisdição da SRE Leopoldina, ambas localizadas no município de Cataguases: a Escola Estadual Marieta Soares Teixeira e a Escola Estadual Manuel Inácio Peixoto.
Além dos cursos técnicos de nível médio, na forma de turmas mistas (concomitantes e subsequentes), as escolas oferecem também o ensino regular (anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio) e a educação integral e integrada. No primeiro semestre de 2018, as duas escolas ofertavam sete cursos técnicos e contavam com um total de 32 docentes na EPTNM, dos quais 27 (84,37%) participaram da pesquisa, conforme apresentado na Tabela 2.
Tabela 2: Cursos técnicos ofertados no 1º semestre de 2018 pela Rede nas escolas pesquisadas
Curso |
Eixo tecnológico |
Nº de turmas |
|
E. E. Marieta Soares Teixeira |
Técnico em Administração |
Gestão e Negócios |
4 |
Técnico em Agricultura |
Recursos Naturais |
1 |
|
Técnico em Logística |
Gestão e Negócios |
2 |
|
Técnico em Marketing |
Gestão e Negócios |
1 |
|
Técnico em Secretariado |
Gestão e Negócios |
2 |
|
E. E. Manuel Inácio Peixoto |
Técnico em Agente Comunitário de Saúde |
Ambiente e Saúde |
2 |
Técnico em Recursos Humanos |
Gestão e Negócios |
2 |
|
Total |
14 |
Fonte: Adaptado de documentos institucionais da SRE Leopoldina (planilhas com turmas autorizadas enviadas pela SEE/MG).
A Escola Estadual Marieta Soares Teixeira oferta um maior número de cursos (5) e de turmas (10). A Escola Estadual Manuel Inácio Peixoto oferta dois cursos em quatro turmas. O maior número de turmas na Escola Estadual Marieta Soares Teixeira explica-se pelo fato de que a SEE-MG, ao implantar a Rede em 2016, priorizou as escolas que em sua origem eram denominadas “Escolas Polivalentes”, com a finalidade de resgatar sua essência (os “ginásios estaduais polivalentes”, criados pela Lei nº 5.760, de 14 de setembro de 1971, eram orientados para o trabalho, associando iniciação técnica, compreendendo as disciplinas práticas de Artes Industriais, Técnicas Agrícolas, Técnicas Comerciais e Educação para o Lar; e educação geral, compreendendo cinco áreas de estudo: Comunicação e Expressão, Estudos Sociais, Ciências e Matemática, Ensino Religioso e Biblioteca). Em 2017, com a ampliação da Rede, as escolas polivalentesforam contempladas com mais cursos e outras escolas foram incluídas na Rede.
Percebe-se que predomina na oferta da EPTNM nessa jurisdição o eixo tecnológico Gestão e Negócios, considerando que ele representa 71% dos cursos ofertados nas duas escolas. O curso com o maior número de turmas é o de Técnico em Administração (4) ofertado na Escola Estadual Marieta Soares Teixeira.
Tal fato é corroborado pelo resultado de uma pesquisa prévia à implantação da Rede na jurisdição da SRE Leopoldina. Foram pesquisados 4.227 estudantes do Ensino Médio da rede estadual dos municípios de Cataguases e Leopoldina, por meio de uma enquete realizada pela Diretoria Educacional da SRE Leopoldina, na qual onde foram elencados para escolha os 31 cursos técnicos da Rede, distribuídos em seus respectivos eixos tecnológicos. A enquete objetivou levantar a demanda de interesse por cursos técnicos; os resultados demonstraram que maioria dos estudantes (67%) optou por cursos do eixo tecnológico Gestão em Negócios, seguido dos eixos Informação e Comunicação, como opção de 23% dos estudantes; Ambiente e Saúde, como opção de 7%; e Desenvolvimento Educacional e Social, como opção de 3% (informação institucional).
Os dados coletados na pesquisa de campo foram de natureza quali-quantitativa. A coleta consistiu na aplicação de um formulário de pesquisa na forma de questionário semiestruturado. A aplicação do questionário foi precedida de autorização da SRE Leopoldina, com um termo de anuência e pela leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) pelos sujeitos da pesquisa, conforme exigência do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos CEP/IF Sudeste MG, ao qual o projeto de pesquisa foi submetido e aprovado sob CAAE 83515918.8.0000.5588.
As questões objetivas abordavam, entre outros aspectos, o perfil dos docentes, sua trajetória acadêmica, a necessidade de autorização para lecionar e como ocorreu a formação docente. Nas questões abertas, os professores responderam e discutiram a experiência necessária para atuar na Educação Profissional.
Apresentação e discussão dos resultados
Os resultados acerca da formação dos docentes na graduação são apresentados no Gráfico 1 e apontam que todos os docentes são graduados.
Gráfico 1: Formação acadêmica dos docentes pesquisados na graduação
Os resultados sobre a formação dos docentes na graduação guardam semelhançacom pesquisa feita com docentes da Educação Básica, Técnica e Tecnológica do IF Sudeste MG – Câmpus Rio Pomba, na qual foi constatado que 48% dos docentes têm somente o curso de bacharelado, que 22% têm somente o curso de Licenciatura, que 5% têm apenas o curso de Tecnólogo e que 19% têm os cursos de bacharelado e licenciatura/curso de Formação Pedagógica (Santiago, 2015).
Para Machado (2008), essa carência de pessoal docente qualificado é um dos pontos de fragilidade para a expansão da EPTNM na rede federal de ensino; e as ofertas formativas para o campo são reduzidas a programas especiais, pós-graduação, formação em trabalho e formação a distância, tudo isso aliado ao fato de que as iniciativas de cursos de licenciatura são escassas. Costa (2016) também coloca a situação como problema e ressalta a existência de aligeiramento na formação do professor, considerando que as licenciaturas demandam maior tempo de formação e maiores investimentos em infraestrutura física e humana.
Além da formação na graduação, foi constatado que 70% dos docentes possuem formação técnica de nível médio. Quanto à pós-graduação, 44% têm especialização, 7% têm mestrado e nenhum tem doutorado.
A carência de professores licenciados também foi identificada quando se contabilizaram os professores que recorrem ao certificado de avaliação de título (CAT), que é uma autorização para lecionar a título precário. É destinado ao profissional que pretende se candidatar ao exercício do magistério na rede estadual, mas não é habilitado para lecionar a disciplina que pleiteia. O documento tem validade de um ano e, de posse dele, o candidato pode se inscrever para concorrer às designações nas escolas onde haja edital divulgado com abertura de vagas. Um percentual de 4% dos docentes não respondeu se busca ou não a autorização, mas a maioria deles (70%) recorre para lecionar a título precário, o que se deve ao fato de não possuírem formação em licenciatura para as disciplinas em que atuam. Apenas 26% dos profissionais não recorrem à autorização, ou seja, são licenciados.
A despeito do que se constatou na formação acadêmica dos docentes, com 48% com formação em licenciatura (licenciatura ou bacharelado + licenciatura), nem sempre a formação é na disciplina específica, o que traz a necessidade da autorização para lecionar. Os docentes que não recorrem à autorização normalmente são aqueles que lecionam as disciplinas instrumentais da EPTNM, como Português, Redação, Inglês, Matemática e Informática, entre outras, aqueles que trazem em seus históricos escolares da licenciatura a disciplina específica a ser ministrada ou aqueles com licenciatura plena de formação correspondente ou correlata ao curso técnico.
Sobre a obtenção da formação docente, foram dadas cinco opções de respostas: se essa formação aconteceu na graduação; se os candidatos aprenderam na prática, atuando como docente; se foi no mestrado ou doutorado; se foi com base na observação e nas conversas com outros docentes; ou se foi em programas de capacitação, educação continuada, treinamentos etc. Os resultados são apresentados na Tabela 3.
Tabela 3: Forma como os docentes pesquisados obtiveram formação para atuar na docência
Obtenção da formação docente |
Docentes (%) |
Graduação |
29,7% |
Graduação e prática |
22,2% |
Graduação e observação |
7,4% |
Prática e observação |
7,4% |
Graduação, prática e observação |
7,4% |
Prática |
3,7% |
Graduação e capacitação |
3,7% |
Prática e mestrado/doutorado |
3,7% |
Prática, observação e capacitação |
3,7% |
Graduação, prática, observação e capacitação |
3,7% |
Graduação, prática, mestrado/doutorado, observação e capacitação |
3,7% |
Não responderam |
3,7% |
Total |
100,0% |
A graduação foi a forma mais citada de formação docente (29,7%). Totalizaram 22,2% os docentes que consideraram que a graduação e a prática são formas de formação docente. As opções Graduação e observação; prática e observação; e Graduação, prática e observação foram apontadas, cada uma delas, por 7,4% dos docentes. As opções Prática; Graduação e capacitação; Prática e mestrado/doutorado; Prática, observação e capacitação; Graduação, prática, mestrado/doutorado, observação e capacitação foram apontadas, cada uma delas, por 3,7% dos docentes. Outros 3,7% não responderam à questão. É importante ressaltar que cerca 63% julgam que sua formação ocorreu na prática, atuando como docente e com base na observação e na conversa com outros docentes, ou seja, fora da educação formal, o que, junto com a escolha por parte de alguns docentes da opção “capacitação” (14,8%), tem consonância com a importância dada ao tema por Nóvoa (2002), que coloca a formação contínua do docente como fator decisivo no processo de criação de uma nova profissionalidade docente. Para o autor, “a formação não se constrói por acumulação de conhecimentos ou técnicas, mas sim através de um trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal” (Nóvoa, 2002, p. 57). Essa formação contínua pode se dar em um formato construtivista, que provoque modificações autênticas na prática e seja pautada pela interatividade e reflexão, para que efetivamente seja significativa.
É importante ressaltar que 56% dos docentes atribuem sua formação docente a um processo envolvendo mais de uma forma e 4% afirmaram que essa formação é resultado de todas essas cinco formas de aprender. Apenas 29% responderam que essa formação aconteceu somente na graduação e 7% consideram que essa formação aconteceu apenas na prática do dia a dia. Alguns docentes (4%) não responderam à questão.
Considerações finais
A pesquisa tomou como objetivo conhecer o perfil dos docentes no que se relaciona à trajetória acadêmica, à habilitação para ministrar disciplinas dos cursos técnicos e às impressões desses docentes sobre como ocorreram suas formações para atuar na docência.
A revisão de literatura permitiu a compreensão de como se dá a formação dos docentes a priori, de forma geral, e posteriormente, especificamente no contexto da EPTNM.
Os dados da pesquisa mostram que, olhando para a trajetória acadêmica dos docentes, percebemos que todos são graduados, mas boa parte também possui formação técnica de nível médio. Também foi possível observar que a maioria dos docentes não possui graduação em licenciatura; 51% são pós-graduados, mas, destes, 44% têm especialização e 7% mestrado. Existe a carência de docentes com licenciatura ou formação pedagógica equivalente. Desta forma, como foi constatado, grande parcela dos docentes recorre à autorização para lecionar a título precário.
Quanto à percepção da forma em que aconteceu a formação em docência, 78% consideram que foi na graduação; no entanto, parcela importante (63%) considera que essa formação ocorreu fora da educação formal – na prática docente e na observação de outros docentes.
A realidade mostrada pela pesquisa, que certamente não é restrita à jurisdição da SRE Leopoldina, precisa ser objeto de estudos mais aprofundados nos seus diversos aspectos, tais como formação continuada, no sentido de que o docente se sinta seguro para atuação nessa área. Além disso, coloca claramente a necessidade de que os gestores considerem a importância de investir na formação desses docentes.
Referências
ABREU, G. R. Ressignificação da formação do professor de ensino técnico-profissional: por uma prática reflexiva na reconstrução de sua identidade. RPD – Revista Profissão Docente, Uberaba, v. 9, nº 21, p. 114-132, jan./jul. 2009.
COSTA, M. A. Políticas de formação docente para a Educação Profissional. Realidade ou utopia? Curitiba: Appris, 2016.
FRIGOTTO, G. A polissemia da categoria trabalho e a batalha das ideias nas sociedades de classe. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 14, nº 40, p. 168-194, jan./abr. 2009.
MACEDO, J. M. A formação do pedagogo em tempos neoliberais: a experiência da UESB. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2008.
MACHADO, L. R. de S. Diferenciais inovadores na formação de professores para a Educação Profissional. Revista Brasileira para a Educação Profissional e Tecnológica, Natal, v. 1, nº 1, p. 8- 22, jun. 2008.
MACIEL, C. L. A. Educação integral: limites e possibilidades sob a hegemonia do capital. Revista Contemporânea de Educação, Rio de Janeiro, v. 19, nº 20, p. 405-426, jul./dez. 2015.
MINAS GERAIS. Lei nº 4.760, de 14 de setembro de 1971. Cria oito ginásios estaduais polivalentes e dá outras providências. Belo Horizonte: Governo de Minas Gerais, 1971. Disponível em: https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=LEI&num=5760&comp=&ano=1971. Acesso em: 20 jul.2018.
______. Resolução nº 3.425, de 22 de junho de 2017. Institui a Rede Estadual de Educação Profissional – Rede. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Educação, 2017. Disponível em: http://www2.educacao.mg.gov.br/images/documentos/3435-17-r.pdf. Acesso em: 14 nov. 2017.
MOURA, D. H. A formação de docentes para a educação profissional e tecnológica. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, Brasília, v. 1, nº 1, p. 23-38, jun. 2008.
NÓVOA, A. Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa: Educa, 2002.
OLIVEIRA, D. Das políticas de governo à política de Estado: reflexões sobre a atual agenda educacional brasileira. Educ. Soc., Campinas, v. 32, nº 115, p. 323-337, abr./jun. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v32n115/v32n115a05.pdf. Acesso em: 20 jul.2018.
PEREIRA, I. B.; LIMA, J. C. F. (Orgs.). Dicionário da Educação Profissional em Saúde. 2ª ed. Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.
PIMENTA, S. G. Formação de professores: saberes da docência e identidade do professor. In: FAZENDA, I. C. A. (Org.). Didática e interdisciplinaridade. 7ª ed. Campinas: Papirus, 2002.
RIBEIRO, E. C. S. et al. Omnilateralidade, politecnia, escola unitária e educação tecnológica: uma análise marxista. In: JORNADA INTERNACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ANTONIO GRAMSCI, I, Práxis, Formação Humana e a Luta por uma Nova Hegemonia. Anais...Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2016. p. 1-11.
SANTIAGO, R. V. O trabalho docente no ensino básico, técnico e tecnológico: o caso do IF Sudeste MG – Campus Rio Pomba. 2015. Dissertação (Magister Scientiae), Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2015. Disponível em: http://www.locus.ufv.br/handle/123456789/20172. Acesso em: 04 maio 2019.
SAVIANI, D. O. O choque teórico da politecnia. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 1, nº 1, p. 131-152, mar. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tes/v1n1/10.pdf. Acesso em: 20 jan. 2018.
SOUZA, D. D. L. Educação, currículo e formação. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES, V. Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior. Anais...João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2011, p. 3.456-3.467.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
Publicado em 01 de setembro de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
SOUZA, Daniela Ferreira de. A formação do docente da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na jurisdição da Superintendência Regional de Ensino de Leopoldina/MG. Revista Educação Pública, v. 20, nº 33, 1 de setembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/33/a-formacao-do-docente-da-educacao-profissional-tecnica-de-nivel-medio-na-jurisdicao-da-superintendencia-regional-de-ensino-de-leopoldinamg
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.