O estudo do eletromagnetismo utilizando o anime Dr. Stone como ferramenta didática
Inaiara Leite Rodrigues
Licencianda em Física (IFPI – Câmpus Picos)
Isaiane Rocha Bezerra
Licencianda em Física (IFPI – Câmpus Picos)
Maura Vieira dos Santos Sousa
Licencianda em Física (IFPI – Câmpus Picos)
Haroldo Reis Alves de Macêdo
Professor doutor em Ciência e Engenharia de Materiais (IFPI - Câmpus Picos)
Com o desenvolvimento da tecnologia, vários meios de comunicações passaram a integrar parte da sociedade diariamente, como meios sonoros como rádios e telefones, e os audiovisuais, como televisões e computadores. Atualmente, esses meios tornaram-se uma das principais fontes em expandir informações de forma rápida e segura. Diante disso, surge então a utilização desses recursos audiovisuais os quais podem ser aliados no processo de aprendizagem e na construção de conhecimento científico com o desenvolvimento de análise crítica das informações neles veiculadas.
Os recursos audiovisuais como vídeos podem ser excelente opção para atingir um dado público-alvo, pois apresenta vantagens interessantes, como, atrair a atenção do receptor, oferecer uma experiência sensorial e permitir interação mais ampla. Visando essas vantagens, buscou-se a utilização de desenhos animados, os quais podem ser ferramenta auxiliadora e/ou facilitadora no processo de aprendizagem.
Segundo Mesquita e Soares (2008), os desenhos animados, dependendo do gênero, abordam temas relacionados às ciências, podendo ser classificadas as animações em dois grupos distintos: os que usam conceitos relacionados à ciência para ensinar o público telespectador (desenho educativo) e os desenhos não comprometidos com a educação, mas que utilizam os conceitos recreativos da sua linguagem, didatizando, de forma diferencial, o texto audiovisual (desenhos criativos). Dessa forma, ambos os desenhos têm papel fundamental pela informação veiculada neles.
Segundo Secco e Teixeira (2008), os desenhos animados podem funcionar como ferramenta didática, podendo promover interação entre o cotidiano dos alunos e o conteúdo a ser ministrado, fazendo a aula ser mais atrativa e dinâmica. Analisando os conteúdos temáticos abordados nos animes, constatou-se que o uso didático desse material permite uma abordagem interdisciplinar.
Para Santos (2008, p. 33), “a aprendizagem ocorre somente quando quatro condições básicas forem atendidas: a motivação, o interesse, a habilidade de compartilhar experiências e a habilidade de interagir com os diferentes contextos”. Visando essas condições de aprendizagem, propõem-se métodos alternativos como materiais paradidáticos que viabilizem essas condições e possibilitem em alcançar os objetivos traçados para a aprendizagem do conteúdo.
Desenhos animados na área de ciências em geral já são abordados como ferramentas pedagógicas, buscando contextualizar com o mundo real o máximo possível. Como bem expõe Linsingen (2007), as vantagens da utilização didática de mangás e animes é ter narrativas que abordam o destino da humanidade e a natureza em seus roteiros, tendo como pontos positivos pedagógicos as representações visuais, pois são recursos cruciais para a construção de significados de conhecimentos, e, por estar sempre acompanhada por um texto dinâmico e de aparência suave, torna-se possível uma construção mais significativa, pois as informações veiculadas são mais facilmente assimiladas pelo receptor.
Assim como os mangás, os animes podem ser utilizados como ferramenta pedagógica nas diversas áreas do conhecimento, como, por exemplo, na Química e na Biologia. Lopes e Carvalho (2019) utilizaram em seu trabalho a anime Pokémon como recurso didático para desenvolver nos alunos a habilidade de observação e elaboração de hipóteses para a construção do conhecimento científico, buscando desenvolver o ensino de Botânica e Ecologia com auxílio do anime, pois oferecia, segundo eles, inúmeras relações com o mundo real; logo, o objetivo geral era associar as estruturas análogas às plantas e os processos fotossintéticos.
Do exposto, propôs-se a utilização de animes, pois mantêm uma característica única do início ao fim, definidos por capítulos ou temporadas. Para Silva (2011), os animes apresentam diferenças quanto ao estilo dos traços gráficos, ao conteúdo da narrativa, à descrição e à caracterização dos personagens, pois o público é bem heterogêneo. O anime escolhido para ser empregado no presente trabalho é do gênero: ação, aventura, sci-fi, shounen, pois busca explorar os conteúdos de ficção científica abordados. “No Ocidente, o termo anime é usado para designar as animações ou desenhos animados que são produzidos no Japão” (Silva, 2011, p. 25).
Podendo ser utilizado como material didático, buscou-se neste projeto a elaboração de uma sequência didática utilizando o anime Dr. Stone para o ensino de eletromagnetismo, com o intuito de aprender a discutir sobre ciência de modo mais interativo e mostrar em exibição da animação a utilizada como saber científico. Uma sequência didática com essa abordagem é de suma importância, uma vez que possa auxiliar os professores na elaboração de uma metodologia de ensino.
Proposta metodológica
Propõe-se uma sequência didática com o objetivo de contribuir para melhoria do processo de aprendizagem com o auxílio de recursos audiovisuais do tipo anime. O anime Dr. Stone é utilizado como proposta para a discussão de conceitos físicos e históricos do eletromagnetismo, didatizando e facilitando a compreensão dos conteúdos e a importância da habilidade crítica na análise de informações.
A utilização de mídia desse tipo é prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), ao mencionar que é possível “propor estudos comparativos de personagens e ambientes de novelas, desenhos, seriados”. E reforçado quando afirmam que “propostas desse tipo favorecem o desenvolvimento de habilidades relacionadas à linguagem oral e escrita, e de uma atitude mais crítica diante da televisão como veículo de informação e comunicação” (Brasil, 1998, p. 143).
Atualmente não só as redes de televisões e rádios podem disseminar informações, mas smartphones e tablets são potencializados por dois fatos principais: ter acesso à internet e serem portáteis. Usando isso em favor da educação, é possível fazer o download a partir de sites ou aplicativos que trabalham com esse tipo de conteúdo e utilizá-los em aula em smartphones, tornando a aula mais dinâmica.
Dr. Stone é um anime baseado no mangá de aventuras que conta a história do jovem Senku e seus amigos, que renascem há 3.700 anos depois que toda a humanidade ficou petrificada por motivo desconhecido. Senku é um gênio que pretende salvar a humanidade com o conhecimento científico. Todos os episódios lançados até o momento fazem referência ao conhecimento da ciência auxiliando a vida do personagem em seu cotidiano. O autor da obra é Riicichiro Inagaki; é ilustrada por Boichi.
Em Dr. Stone, pode-se abordar diferentes temas, visto que o conhecimento cientifico é abordado em todos os episódios. O tema escolhido foi o eletromagnetismo, pois no episódio 9 é abordado tal tema juntamente com eletricidade. Senku, com toda a sua “genialidade”, consegue montar um aparato capaz de gerar energia elétrica e faz referência a cientistas conhecidos, como Thomas Edison e Albert Einstein, dentre outros; na Figura 1 está a capa do anime.
Figura 1: Capa do anime Dr. Stone
Fonte: https://saikoanimes.net/anime/dr-stone/.
A sequência didática aqui abordada propõe uma análise qualitativa dos conteúdos e problemas de estudo possibilitando aos discentes a pesquisa, o estudo e a análise das referências selecionadas, bem como refletir sobre as informações contidas no anime e vincular à realidade. Os estudantes serão avaliados com base no rendimento escolar adquirido.
A metodologia será avaliada com base nos objetivos iniciais e nos alcançados, levando em consideração o quanto essa metodologia direciona os estudantes aos resultados obtidos, utilizando assim um processo de avaliação formativa que apresenta uma relação beneficiando o aluno/saber, em grande medida influenciada pelos avanços da Psicologia Cognitiva no reconhecer que os alunos podem ser os provedores dos seus saberes, sem medição direta do professor, sendo os alunos os construtores do seu próprio conhecimento (Pinto, 2002).
A proposta
Busca-se nessa sequência explorar o máximo dos discentes para que possa desenvolver habilidades que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) cita em seus documentos oficiais; essa proposta estabelece habilidades conceituais e atitudinais a serem desenvolvidas, conforme apresentado no Quadro 1.
Quadro 1: Habilidades: conceituais; atitudinais
Habilidades conceituais |
Habilidades procedimentais |
Habilidades atitudinais |
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Quanto ao anime:
Quanto à atividade em grupo:
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Para tornar possível o desenvolvimento dessas habilidades, propõe-se um planejamento instrucional que compreenda a exibição do anime e uma sequência de aulas expositivas e discussões com os discentes. A sequência didática segue a metodologia apresentada no Quadro 2, considerando uma aula de 50 minutos.
Quadro 2: Sequência das atividades propostas
Aulas |
Atividades propostas |
01-02 |
Pesquisa sobre a História do Eletromagnetismo e suas contribuições para a ciência. Discussões sobre os conceitos físicos do eletromagnetismo |
03-04 |
Aula sobre o campo magnético - parte 1: magnetismo; eletromagnetismo; campo magnético |
05-06 |
Aula sobre o campo magnético parte 1: movimento circular em um campo magnético; força magnética em um condutor |
07 |
Aula sobre indução eletromagnética: força eletromotriz induzida; a lei de Faraday; lei de Lenz |
08-09 |
Exibição do episódio 1: Mundo de Pedra |
10 |
Debate sobre os conhecimentos científicos e sobre o tema abordado no anime |
11-12 |
Exibição do episódio 9: Faça-se a luz da ciência |
13 |
Avaliação formativa: um diálogo sobre as atividades desenvolvidas e suas concepções a respeito do conhecimento científico e do conteúdo abordado |
Num primeiro momento, propõe-se conceituar os fenômenos físicos do eletromagnetismo, bem como apresentar os quadros que os descrevem, para em seguida utilizar o anime e analisar os conteúdos exibidos e correlacionar com a realidade, debatendo se condiz ou não com a literatura estudada no livro e nas pesquisas realizadas. As aulas 01 e 02 fazem parte da História e Filosofia da Ciência (HFC), que abordam o contexto histórico do eletromagnetismo e a relevância do seu estudo para a ciência. As aulas 03 a 07 explorarão e trabalharão os conteúdos principais do eletromagnetismo para os discentes se familiarizarem com o tema.
Serão exibidos os episódios 1 e 2, que duram cerca de 25min cada, nas aulas 08 a 10 para que os discentes possam conhecer a temática do anime. Seguindo a ordem, na aula 11 será exibido o episódio 9, pois é o tema propriamente dito; o primeiro passo é exibir sem nenhuma interrupção e após o término da exibição fazer uma discussão com os discentes sobre a temática, com o intuito de verificar suas percepções a respeito do contexto histórico, identificar os fenômenos físicos e descrever se são coerentes com os conceitos abordados em sala de aula. A aula 12 segue o mesmo eixo, a exibição do episódio 9, mas sugerindo que haja pausa na exibição nos momentos apresentados nas Figuras 2 a 4, para instigar a discussão.
Na Figura 2, é apresentado o momento em que Senku e seus amigos conseguem obter o superímã, que é o primeiro item na construção do gerador de energia elétrica. Utilizando o Quadro 1 e os conteúdos abordados no Quadro 2, pode-se fazer os seguintes questionamentos: quais as propriedades dos ímãs? O ímã de fato vai ajudar? O método como adquiriu o ímã condiz com a realidade?
Figura 2: Pausa 1ª: Print screen do instante 17’06”, comSenku obtendo o ímã junto com seus amigos
Fonte: Print do aplicativo TV Anime, em 17 dez. 2019.
Seguindo o mesmo método anterior, pausa-se o vídeo no momento 18’38” mostrado na Figura 3 e se fazem as seguintes perguntas: quais conceitos físicos abordados? Para que eles adquiriram o gerador? Qual a diferença aparece quando eles colocaram os ímãs (2) próximos da placa de cobre (1)?
Figura 3: Pausa 2ª: Print screen do instante 18’38”: obtenção do gerador de energia
Fonte: Adaptado print do aplicativo TV Anime, em 17 dez. 2019.
A Figura 4 mostra a obtenção da lâmpada incandescente, que era o objetivo final de Senku e seus amigos, pois necessitavam de “luz” para iluminar o local onde moravam, já que não existe eletricidade na época em que transcorre o episódio, e nesse contexto Senku menciona Thomas Edison como criador da lâmpada utilizando bambu japonês. Seguindo os procedimentos adotados anteriormente, é possível fazer os seguintes questionamentos: quem é Thomas Edison? A referência a Thomas Edison condiz com a literatura? Qual conceito físico da utilização do gerador? Qual o conceito físico da lâmpada?
Figura 4: Pausa 3ª: Print screen do instante 21’00”; Lâmpada de Edison
Fonte: Print do aplicativo TV Anime, em 17 dez. 2019
Depois da exibição do anime e seus respectivos episódios, o intuito é fazer a discussão e a contextualização dos conceitos científicos e averiguar se condizem com a literatura, levando a uma socialização de conhecimentos; sendo assim, a aula 13 é a avaliação formativa, na qual os alunos descrevem suas concepções sobre as atividades propostas, verificando se condizem com o objetivo que corresponde às habilidades prescritas no Quadro 1. Mas vale salientar que o professor pode incrementar outros métodos de avaliação, dependendo da realidade escolar do ambiente.
Considerações finais
Espera-se, com essa proposta metodológica, contribuir de forma significativa na aprendizagem do aluno a respeito dos conceitos físicos abordados no anime e na autonomia para averiguar os conhecimentos científicos repassados pelos meios de comunicação.
Como pode ser visto, o anime Dr. Stone traz consigo informações riquíssimas sobre ciência em geral e tem seus pontos positivos, visto que usa a ciência em seu cotidiano, dando significado para o conhecimento científico. Além disso, o anime pode auxiliar o aluno a compreender que a Física é uma ciência da sua realidade e que contribui de forma significativa para a sociedade moderna.
Outro fator importante a ser destacado é a imagem do cientista nessa animação: Senku é sempre ajudado por seus colegas para conseguir chegar a seus objetivos, mostrando que todos necessitam de ajuda e que apenas a inteligência dele não é suficiente, comprovando que companheirismo e solidariedade dos amigos são essenciais. Os cientistas representados em desenhos normalmente são solitários em suas atividades e presos em laboratório com jalecos brancos. Os que aparecem em Dr. Stone compõem uma imagem contraditória, dando um significado à utilização desse tipo de mídia.
Além disso, espera-se que esse material possa ser utilizado como suporte aos professores que buscam usar novas dinâmicas em sala de aula, para ter uma nova contextualização para os conteúdos abordados, e mostrar que existem outras abordagens que podem ser utilizadas no ensino de Física.
Assim, trabalhar com anime ou qualquer desenho para contextualização do conteúdo pode ser um procedimento auxiliador do professor no processo de explicação de conteúdo, trazendo para a realidade do alunado, desenvolvendo seu senso crítico diante da sua realidade.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução. Brasília: MEC, 1998.
LINSINGEN, V. L. Mangás e sua utilização pedagógica no ensino de ciências sob a perspectiva CTS. Ciência & Ensino, v. 1, número especial, nov. 2007. Disponível em: http://200.133.218.118:3535/ojs/index.php/cienciaeensino/article/view/125. Acesso em: 12 dez. 2019.
LOPES, S. J. A.; OLIVEIRA, S. A. C. Utilização do anime Pokémon para o ensino-aprendizagem de ciências naturais. CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE CIÊNCIAS, v. 1, 2019. Disponível em: https://editorarealize.com.br/revistas/conapesc/anais.php. Acesso em: 01 jan. 2020.
PINTO, B. M. J. Avaliação formal no 1º ciclo do ensino básico: uma construção social. Dissertação (Doutorado em Estudos da Criança), Universidade do Minho, Braga, 2002.
SANTOS, J. C. F. Aprendizagem significativa: modalidades de aprendizagem e o papel do professor. Porto Alegre: Mediação, 2008.
SECCO, M.; TEIXEIRA, R. R. P. As leis da Física e os desenhos animados na educação científica. Sinergia, São Paulo, v. 9, nº 2, jul./dez. 2008. Disponível em: http://www.cienciamao.usp.br/tudo/exibir.php?midia=snef&cod=_asleisdafisicaeosdesenho. Acesso em: 01 dez. 2019.
SILVA, S. A. Os animes e o ensino de ciências. 2011. 212 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências), Universidade de Brasília, Brasília, 2011. Disponível em: http://repositorio.unb.br/handle/10482/9602. Acesso em: 01 dez. 2019.
Publicado em 01 de setembro de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
RODRIGUES, Inaiara Leite; BEZERRA, Isaiane Rocha; SOUSA, Maura Vieira dos Santos; MACÊDO, Haroldo Reis Alves de. O estudo do eletromagnetismo utilizando o anime Dr. Stone como ferramenta didática. Revista Educação Pública, v. 20, nº 33, 1 de setembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/33/o-estudo-do-eletromagnetismo-utilizando-o-ianime-dr-stonei-como-ferramenta-didatica
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