O déficit de conhecimentos básicos em português dos discentes do Curso Normal: uma experiência no Pibid

Lucas de Souza

Graduando do Curso de Letras – Português/Inglês (UGB/FERP)

Maria Clara Nobre de Mello

Graduanda do Curso de Letras – Português/Inglês (UGB/FERP)

O presente artigo refere-se a um relato das atividades desenvolvidas por bolsistas do Programa de Iniciação à Docência (Pibid), do curso de licenciatura em Letras – Português e Inglês de Volta Redonda/RJ, atuando em um colégio estadual da região sul do Estado do Rio de Janeiro. O trabalho se caracteriza como um relato de experiência vivenciada por nós, bolsistas Pibid, buscando elucidar algumas potencialidades do programa para a formação inicial de professores de Língua Portuguesa, além da percepção, em sala de aula, do nível de conhecimento na área demonstrado pelos alunos, em especial, os alunos do Ensino Médio – modalidade Curso Normal (também chamado de Formação de professores e/ou Magistério).

O PIBID é um programa criado para dar experiência pedagógica aos formandos em licenciaturas e aproximá-los da realidade das salas de aula. Segundo Sartori (2011), o programa, sem dúvida, constitui-se numa das alternativas potenciais para fortalecer a formação inicial, considerando as conexões entre os saberes que se constroem na universidade e os saberes que cotidianamente são produzidos e se entrecruzam nas unidades escolares.

Dentre as atividades desempenhadas na unidade escolar, foi-nos proposto trabalhar as releituras de trechos de algumas obras de autores renomados da Literatura Brasileira com os discentes; trabalho oriundo da Secretaria Estadual de Educação (Seeduc/RJ), integrante do Projeto de Leitura Escolar (PLE) 2019.

As releituras foram realizadas da seguinte maneira: em maio de 2019, uma parte do poema Operário em Construção, de Vinicius de Moraes, com três turmas do 9° ano do Ensino Fundamental; em agosto de 2019, uma parte da peça O santo e a porca, de Ariano Suassuna, em uma turma da 1ª série e uma turma da 2ª série do Ensino Médio, ambas da modalidade Curso Normal. Ressaltamos entretanto que, para fins de análise neste trabalho, foram usadas apenas as produções realizadas pelas turmas do Curso Normal para o texto de Ariano Suassuna. A escolha se baseia no fato de ter havido mais desvios nas regras do português dentre essas turmas e, principalmente, pelo fato de serem alunos em formação para professores.

Na atividade, percebeu-se que há defasagem no aprendizado básico de tais alunos, desde as regras básicas de acentuação e pontuação até o entendimento de gêneros literários, estilística e semântica. Além de demonstrarem baixo domínio na aplicação de regras de escrita e suas concordâncias, percebeu-se, também, uma problemática acerca do uso do espaço físico na produção de textos, nos quais os alunos demonstraram desconhecer a limitação proposta por margens e parágrafos.

Metodologia de aplicação

Para avaliar o domínio dos alunos no que tange à Língua Portuguesa, como ortografia e gramática, por exemplo, foram aplicados os textos das releituras em sala de aula e pedido a eles que refizessem trechos selecionados, adequando-os à sua realidade, social e linguística. Antes, porém, da confecção das releituras em si, foram aplicadas atividades relacionadas aos temas dos quais eles tratavam, a fim de contextualizar os temas junto aos alunos, para evitar que eles pudessem ter baixo entendimento dos assuntos tratados nas obras.

No texto 1, Operário em construção, de Vinicius de Moraes, foi apresentado aos discentes um material sobre a Revolução Industrial e uma dinâmica sobre Mercado x Consumo, a fim de definir o que é um operário e as funções que ele possa desempenhar na sociedade de trabalho. No texto 2, O santo e a porca, de Ariano Suassuna, foi feito um debate sobre a cultura do Nordeste e suas peculiaridades, a fim de um maior conhecimento sobre a origem da peça apresentada.

Resultados

Dentre as maiores incorreções encontradas, pudemos elencar o desrespeito ao espaço delimitado na folha destinada para a escrita dos textos, mesmo sendo uma folha padronizada para todos, com as margens bem explicitadas; a falta de organização textual, não sendo respeitados espaços para parágrafo, por exemplo; ortografia, onde foram encontradas várias palavras grafadas fora da norma padrão; concordância nominal e verbal, nas quais os alunos demonstraram pouco domínio em concordar nomes e verbos com suas flexões de número e com as flexões dos termos relacionados a eles dentro do período; erros no uso de letras maiúsculas e minúsculas, não seguindo o que diz a norma gramatical sobre os usos em substantivos comuns e próprios, bem como o uso de letras maiúsculas após ponto final.

O Quadro 1 ilustra o resultado final da aplicação da releitura quanto à quantidade de cada desvio apresentado. Vale ressaltar que foram feitos 25 textos na turma da 1ª série e 37 na turma da 2ª série, totalizando 62 trabalhos.

Quadro 1: Desvios mais comuns presentes nas releituras

Principais incorreções

1ª série

2ª série

Total

Concordância verbal e nominal

12

11

23

Desrespeito ao espaço de escrita determinado

19

19

38

Desorganização textual

6

25

31

Ortografia

18

14

32

Uso indiscriminado de letras maiúsculas e minúsculas

16

16

32

Percepções e preocupações

O resultado apresentado aqui reflete preocupação de alguns de nós, professores de Língua Portuguesa em formação, sobre o cenário que enfrentaremos em sala de aula a respeito das competências linguísticas e textuais de nossos alunos. Isso se dá baseado no fato de que, na atual configuração das licenciaturas em nosso país, o professor formado para uma disciplina específica, como Língua Portuguesa, está habilitado para lecionar a partir do sexto ano do ensino fundamental, enquanto o professor formado no Curso Normal, assim como o formado em Pedagogia, é quem fica responsável pelas primeiras séries dos estudantes, inclusive toda a parte de alfabetização e letramento.

Pelos resultados obtidos, abre-se caminho para discussões mais profundas sobre a qualidade da educação que os futuros professores da educação primária estão recebendo e, consequentemente, a qualidade da educação que eles irão ofertar. Desejamos deixar claro, entretanto, que o presente trabalho não tem a intenção de atribuir nenhum demérito ao formado em tal modalidade, tampouco aos mestres desses alunos. A intenção pretendida aqui é a de chamar atenção para um fenômeno que supera a responsabilidade individual, revelando ser algo sistemático que, observado em uma única unidade escolar, pode refletir em toda a rede de ensino do nosso estado.

Sendo assim, acreditamos que um professor que não consegue dominar regras básicas da sua própria língua, como escrever o próprio nome com letra maiúscula (foram identificados três textos com esse gravíssimo desvio), dificilmente conseguirá ensinar a seus alunos e exigir deles a boa prática de escrita, ainda que em níveis mais simples da linguagem. Mello (2000, p. 105) corrobora parte dessa percepção, quando diz que o professor polivalente ou especialista, independentemente de sua área de especialidade, deve dominar a Língua Portuguesa, a Matemática, a Informática e as linguagens de expressão artística.

Conclusão

O Pibid se mostrou um programa de imensa utilidade para nós, como bolsistas atuantes por meio dele, pois proporcionou uma breve noção da atual conjuntura educacional do nosso país de forma mais consistente e real. O convívio com os alunos e professores atuantes no colégio em que estagiamos, entre setembro de 2018 e fevereiro de 2020, nos fez perceber que ainda há muitos desafios a serem percorridos em nossa formação, bem como em nossa área de atuação, depois de formados, além de nos alertar sobre possíveis mazelas que enfrentaremos dentro de sala de aula. Isso nos dá, antecipadamente, a oportunidade de buscar entender melhor as raízes de tais problemas, bem como suas possíveis soluções – a curto e a longo prazo.

Referências

MELLO, Guiomar Namo de. Formação inicial de professores para a educação básica: uma (re)visão radical. São Paulo em Perspectiva, v. 14, nº 1, p. 98-110, 2000.

SARTORI, J. Formação de professores: conexões entre saberes da universidade e fazeres na educação básica. II ENCONTRO INSTITUCIONAL DO PIBID. Anais... Porto Alegre, UFRGS, 1 e 2 de março de 2011.

Publicado em 08 de setembro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

SOUZA, Lucas de; MELLO, Maria Clara Nobre. O déficit de conhecimentos básicos em português dos discentes do Curso Normal: uma experiência Pibid. Revista Educação Pública, v. 20, nº 34, 8 de setembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/34/o-deficit-de-conhecimentos-basicos-em-portugues-dos-discentes-do-curso-normal-uma-experiencia-no-pibid

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