Do Facebook para a sala de aula: utilização do texto "Em toda propaganda está escrita a mesma coisa", de Henrique Cunha Júnior

Márcia Aparecida de Souza

Mestra em Ensino (PPGEn/UFF), graduada em Letras (UEMG) e em Pedagogia (Unimes), especialista em Planejamento, Implementação e Gestão da EAD (UFF), em Educação Infantil (UCB), em Gestão Escolar (Faculdade de Ciências e Educação do Espírito Santo), professora da Seeduc/RJ, pesquisadora na área de População Negra e Inserções Urbanas

Observa-se que muitos alunos frequentam a escola durante anos e não compreendem a função social da leitura e da escrita. Essa dificuldade de entendimento por vezes culmina em desinteresse pelas aulas, em fracasso escolar, baixo rendimento e altos índices de reprovação, uma situação que preocupa e que é alvo de pesquisas e estudos à procura das causas dessa dificuldade e das soluções no sentido da motivar os alunos.

Diante desse cenário, torna-se relevante que se repensem as práticas pedagógicas e as formas de apresentação dos conteúdos. Propor atividades mais significativas e interessantes para o universo de motivação atual dos alunos, que atraiam a atenção desses e despertem o interesse e gosto pela leitura e pela escrita é um dos desafios da contemporaneidade.

Como é notável o interesse dos alunos pelas formas de apresentação com suporte de novas tecnologias, mais especificamente pelas denominadas redes sociais informatizadas (WhatsApp, Facebook e Instagram, entre outras), a utilização desses recursos em sala de aula pode ser estratégia para obter êxito em diversas atividades a serem propostas, de forma que as redes sociais possam servir não só para entretenimento, mas também para favorecer o aprendizado escolar do educando.

Conhecimentos adquiridos em selecionadas produções publicadas nas redes sociais podem contribuir para o desenvolvimento dos alunos, pois se o desenrolar do trabalho pedagógico acontecer de forma prazerosa facilitará a assimilação e, consequentemente, a aprendizagem.

Linguagens e tecnologias

Uma das propostas cobradas na área de Linguagens e Suas Tecnologias e presente na matriz de referência do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), documento que apresenta as competências e habilidades que as escolas devem oferecer/desenvolver nos alunos em diferentes disciplinas, trata da relação entre as tecnologias de comunicação e informação e o conhecimento que elas podem produzir, o que justifica a utilização desse recurso como material didático.

Ainda sobre o termo matriz de referência, vale ressaltar que é utilizado especificamente no contexto das avaliações em larga escala para indicar habilidades a serem avaliadas em cada etapa da escolarização e orientar a elaboração de itens de testes e provas.

Na área de conhecimento Linguagens e Suas Tecnologias, há um tópico que se refere a levar os discentes a compreender função, princípios, natureza e impacto das tecnologias de informação e comunicação na vida social e pessoal, bem como no desenvolvimento do conhecimento, relacionando os conhecimentos científicos às linguagens que os sustentam, a outras tecnologias, a processos de produção e por fim a propostas de solução de problemas, como se pode observar a seguir.

H3 - Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.
H4 - Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.
H28 - Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.
H29 – Identificar, pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.
H30 - Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem (Brasil, 2018, p. 2 e 4).

Moran (1994) discute que a internet vem provocando relevantes alterações na educação devido à sua larga difusão e à forma como ela altera o cotidiano da população. Entende que as tecnologias da informação dão vigor às escolas, pois os estudantes podem ir muito além de uma conversa com o colega do lado, podem dialogar com alunos de outras cidades, estados ou mesmo de outro país, uma hipótese que nem sempre se materializa em realidade, mas existe em potencial.

Nessa mesma direção, Bencini (2002), ao apontar a Era da Informação, entende que de fato os discentes estão a cada dia mais conectados, entretanto se faz necessário que o(a) professor(a) os auxilie no processo de aprender a interpretar e selecionar as informações que recebem, pois o simples fato de estarem conectados nem sempre implica estarem recebendo informação útil e de interesse pedagógico.

Mesmo que atualmente informações não sejam mais privilégio de poucos, além de obtê-las é necessário entendê-las e saber selecioná-las para que efetivamente se transformem em conhecimento favorável, pois é fato que nem sempre o uso da informação resultará na obtenção de novos conhecimentos benéficos à solução de problemas da vida humana.

Entende-se então que é possível à comunidade escolar, pela utilização das redes sociais do ciberespaço, se beneficiar no sentido de tornar o aprendizado mais estimulante e reflexivo, desde que haja a devida seleção do que usar e de usar como ferramenta pedagógica.

Realização da atividade

O autor do texto “Em toda propaganda está escrita a mesma coisa”, publicado no Facebook em 18 de junho de 2018, prof. dr. Henrique Cunha Júnior, autorizou a sua utilização como material didático em sala de aula. Uma das motivações para trabalhar o referido texto é que ele foi redigido usando uma linguagem informal própria do veículo em que foi publicado.

Iniciando os trabalhos, os alunos foram para a sala de informática e acessaram a página do Facebook na qual tiveram acesso ao texto do autor. Ele aponta que as propagandas configuram-se como fortes ferramentas manipuladoras de verdades, de opiniões, de regras e de valores. Utilizando estratégias de persuasão, não conversam, mas sim passam uma mensagem unidirecional aos interlocutores, levando-os a ver determinados produtos de acordo com o viés desejado, incentivando fortemente o consumo. O texto também alerta para a variedade de imposições de padrões, que vão desde produtos alimentícios a estéticos; com o poder das propagandas, elas se tornam verdades inquestionáveis, que são adicionadas ao discurso diário sem a menor oportunidade de reflexão de que possam ser muito prejudiciais, principalmente por levarem as pessoas a se esforçar para adquirir produtos por vezes desnecessários e, em outros casos, de valores aquisitivos fora do padrão de grande parte dos consumidores, o que pode resultar em drásticas consequências.

Continuando o trabalho pedagógico com o texto, os argumentos do autor foram debatidos e os alunos tiveram a oportunidade de desenvolver seu senso crítico. Ao serem questionados sobre a ideia principal do texto, a Aluna 1, por exemplo, observou que ele mostra o quanto somos manipulados por mídias e propagandas e comentou que a leitura vai fazer com que ela pense antes de se deixar levar pelos estímulos. A Aluna 2 afirmou que o texto a levou a refletir sobre o consumismo e a impulsividade dos jovens frente a padrões impostos.

Conforme o ponto de vista de outro aluno,

pessoas são influenciadas diariamente por propagandas, especialmente por causa da vaidade, pois se preocupam apenas com as aparências. Querem ter o melhor celular, o melhor carro... não por precisarem, mas para ostentação, para desfilar e se exibir (Aluno 3, 2º ano do Ensino Médio).

Os estudantes foram unânimes em concordar com a opinião do autor, inclusive discutiram a força da indução, tanto que muitas pessoas passam a ver o que é bom como ruim e vice-versa. Essa discussão levou-os a um novo questionamento: se as pessoas concordassem com o autor e mudassem as atitudes, qual seria o impacto na economia e no sistema de produção?

Seria esse o fim do famoso capitalismo? O capitalista sempre arruma uma solução para adquirir mais capital. Os impactos dos prejuízos causados pela conscientização do povo de que não precisa de determinados produtos afetaria a economia por um tempo, mas logo eles mudariam o produto, a forma de produzir, melhorariam a entrega, colocariam novos produtos no mercado até que as pessoas voltassem a acreditar que precisam do “melhor” e o ciclo se reiniciaria (Aluno 5, 2º ano do Ensino Médio).

Observando as respostas, percebe-se que estimular “o pensamento crítico pode produzir melhoria na educação, porque aumenta a quantidade e a qualidade do significado que os alunos retiram daquilo que leem e percebem, e que expressam através daquilo que escrevem e dizem” (Lipman, 1995, p. 183).

Desenvolver o senso crítico é também um dos principais objetivos presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), visto que prioriza uma educação voltada para a formação de cidadãos. E saber argumentar é essencial para que o indivíduo possa exercer sua cidadania. Textos que possibilitem a seleção e a identificação de argumentos podem ser fundamentais para o desenvolvimento do senso crítico.

Decorrências da atividade inicial

No decurso da atividade de discussão do texto aconteceu uma projeção realizada pelos alunos e não prevista no planejamento inicial que levou à atividade a ser proposta. Os alunos lançaram questões confrontando o referido texto oriundo do Facebook com textos de livros didáticos; comentavam e faziam distinção entre as formas de apresentação. Aproveitou-se então a imprevista sugestão e o interesse dos estudantes para promover na sala de aula um espaço de valorização e incentivo a uma outra atividade pedagógica, a comparação de textos em suportes diferentes. Os suportes diferentes em questão são: texto de uma rede social, no caso o Facebook (a que tiveram acesso utilizando um computador), e os textos de livros didáticos que normalmente usam em sala de aula.

Entende-se que a valorização das interações e ideias dos alunos pode facilitar a construção da aprendizagem, pois um dos fatores que dificultam a assimilação dos conteúdos é exatamente o desinteresse; quando há interesse a aprendizagem ocorre naturalmente, de forma que não se deve perder ocasiões de considerar o potencial que há nas salas de aula. Documento do governo do Paraná (2008, p. 21) afirma que

a oralidade em alguns contextos educacionais não é muito valorizada; entretanto, é rica e permite muitas possibilidades de trabalho a serem pautadas em situações reais de uso da fala e na produção de discurso nas quais o aluno se constitui como sujeito do processo interativo.

Aproveitando as sugestões dos estudantes, que atribuíram características distintas a textos oriundos do Facebook e de livros didáticos, agruparam-se essas distinções em doze categorias colhidas a partir da discussão dos alunos e anotadas pelo docente: Atualizados; Conteúdo aprofundado; Fácil acesso; Sequencia lógica; Fácil consulta/revê-lo; Linguagem acessível; Complemento e continuação; Inovador; Passível a feedback ao autor; Maior confiança no conteúdo; Motivadores; Repetitivos. No complemento das atividades, outra habilidade foi trabalhada, pois os alunos transformaram essas categorias em gráficos.

De volta à sala de informática, valendo-se das anotações citadas, os alunos utilizaram um editor de planilha, organizaram os dados e transformaram-nos em gráficos. Alguns deles, são apresentados a seguir. Vale a pena ressaltar que os próprios alunos se organizaram para trabalhar com o editor de planilhas, pois havia alunos que nunca tinham acessado essa ferramenta, visto não terem internet em suas residências e somente na escola têm esse contato. De forma que os alunos ensinavam e auxiliavam uns aos outros; até mesmo alunos que tem acesso diário à internet, mas que não detinham aquele conhecimento interessaram-se em aprender. Na discussão observaram a enorme variedade de informações e possibilidades que a internet oferece.

Estes são os gráficos derivados dos dados coletados.

Todas as categorias geraram gráficos, mas apresento apenas alguns para ilustrar o trabalho. Como era esperado, a maioria dos alunos apontou que textos oriundos do Facebook são mais atualizados, uma vez que podem ser escritos e publicados de acordo com os acontecimentos do momento. “No mesmo dia que acontece um fato importante é possível que algum autor escreva a respeito, enquanto no livro didático isso não seria possível, por ser impresso até mesmo anos antes” (Aluno 6).

Almeida (2003) corrobora essa afirmação colocação, quando informa que

o uso das TIC na escola, principalmente com o acesso à internet, contribui para expandir o acesso à informação atualizada, permite estabelecer novas relações com o saber que ultrapassam os limites dos materiais instrucionais tradicionais (Almeida, 2003, p. 114).

Também sobre a categoria Fácil acesso, era previsível o posicionamento dos alunos, visto passarem maior parte do tempo disponível com seus celulares em mãos. As tecnologias invadiram nossas vidas, ampliaram a memória e garantem novas possibilidades (Kenski, 2007).

A constatação de que certamente se encontrará conteúdo aprofundado e sequência lógica nos livros didáticos foi discutida pelos alunos como decorrente de organização prévia por parte dos autores, que distribuem os conteúdos de acordo com o planejado e exigido pelo currículo.

As observações realizadas nessa experiência de trabalho demonstrou a eficácia de um trabalho utilizando recurso multimidiático, no caso computador e celulares. Foi possível realizar uma atividade interdisciplinar, pois as reflexões abordaram Sociologia, História, Língua Portuguesa e Matemática, entre outras, além de tornar as aulas muito mais atrativas. Depreende-se então que a utilização de redes sociais, se bem orientadas, torna-se rica ferramenta de trabalho em sala de aula.

Essa atividade também provocou naquele espaço a construção de uma importante virtude: a solidariedade; os alunos por eles mesmos esclareciam dúvidas, estimulavam o aprendizado do outro, praticavam a troca e consequentemente fortaleciam a autoestima e a interação entre eles.

Considerações finais

Não há duvida de que a cada dia a tecnologia da informação conquista uso maior na sociedade; diariamente veem-se inesperadas novidades. Porém, para a efetiva inclusão dessa tecnologia no campo da Educação, ainda é necessário ser pensadas metodologias de ensino e aprendizagem que atendam ao universo motivacional atual dos alunos. Práticas pedagógicas diferenciadas utilizadas em salas de aula podem criar uma motivação que incentive e desperte o interesse dos alunos pelas atividades curriculares propostas.

O trabalho com o texto “Em toda propaganda está escrita a mesma coisa”, de Henrique Cunha Júnior, utilizando o Facebook, possibilitou trazer para a sala de aula um assunto de grande relevância, principalmente para os jovens, e foi possível perceber pelos relatos dos alunos o quanto surtiu efeito positivo a origem do texto. Foi notável a motivação dos alunos ao realizar a atividade proposta. Houve uma produtiva e inesperada participação dos alunos que acabou por ampliar a ideia inicial e trabalhar habilidades específicas de diversas disciplinas. Foi possível perceber que realizaram as atividades com interesse e compromisso.

Essa experiência possibilitou verificar resultados positivos na prática de aula atrativa, vista como novidade, e demonstrou que os alunos gostam do novo; portanto, vale a pena sair da rotina e propor aulas diferenciadas, principalmente com a utilização de recursos tecnológicos. Além disso, outra importante constatação foi a possibilidade de realizar um trabalho interdisciplinar.

Referências

ALMEIDA, M. E. B.; VIEIRA, A. T.; ALONSO, M. (Orgs.). Gestão educacional e tecnologia. São Paulo: Avercamp, 2003.

BENCINI, R. Da informação ao conhecimento. Revista Nova Escola, jun./jul. 2002.

BRASIL. Ministério da Educação. Matriz de Referência do ENEM. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/enem/matriz_referencia.pdf. Acesso em: 24 mar. 2020.

KENSKI, V. M. Educação e tecnologias. O novo ritmo da informação. 2ª ed. São Paulo: Papirus, 2007.

LIPMAN, M. O pensar na educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

MORAN, J. M. Novos caminhos do ensino a distância. Informe CEAD - Centro de Educação a Distância do Senai, Rio de Janeiro, ano 1, nº 5, out./dez. 1994.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica: Língua Portuguesa. Curitiba: SEED, 2008.

Publicado em 15 de setembro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

SOUZA, Márcia Aparecida de. Do Facebook para a sala de aula: utilização do texto "Em toda propaganda está escrita a mesma coisa", de Henrique Cunha Júnior. Revista Educação Pública, v. 20, nº 35, 15 de setembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/35/do-facebook-para-a-sala-de-aula-utilizacao-do-texto-em-toda-propaganda-esta-escrita-a-mesma-coisa-de-henrique-cunha-junior

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