Ensino de Imunologia na educação formal: o que os docentes e discentes devem saber sobre o movimento antivacina e o processo de imunização?
Wellington Fernando da Silva Júnior
Licenciado (Faculdade de Saúde de Paulista/PE), docente da rede privada de ensino de Pernambuco
Liderlanio de Almeida Araújo
Mestre em Saúde e Meio Ambiente (UFPE)
A educação formal é desenvolvida principalmente em espaços escolares normatizados por leis, onde se destaca o objetivo de formar indivíduos como cidadãos ativos, desenvolvendo e aplicando várias competências e habilidades tais como criatividade, motricidade, percepção, crítica e reflexão (Gohn, 2006) na sociedade em que vivem. Gonh (2006) afirma que, para que isso venha a ocorrer plenamente, demanda tempo, local específico e profissionais especializados, como professores, coordenadores e gestores, entre outros. É necessário haver organização de vários tipos, principalmente as que norteiam o currículo escolar, a sistematização das atividades, normas e regras que regem toda instituição. Esse tipo de educação possui caráter metódico e, usualmente, divide-se por idade e classe de conhecimento.
Em algumas instituições brasileiras de ensino formal a abordagem tradicional ainda se encontra instaurada. Essa abordagem se baseia na transmissão de conteúdo, em que o discente assume um comportamento passivo frente ao processo de ensino-aprendizagem, cabendo a ele receber e absorver uma quantidade demasiada de informações expostas pelo docente durante a aula (Diesel; Santos Baldez; Neumann Martins, 2017).
Nos últimos anos, a tríade ensino-aprendizagem-avaliação vem passando por uma revolução no que tange ao exercício da prática docente, cuja fundamentação não está direcionada mais à prática de ensino tradicional, mas à estimulação do estudante na construção de uma consciência crítica e do reconhecimento e aplicação da ciência como essencial em seu cotidiano (Delizoicov et al., 2009).
Segundo Krasilchik (2000), não podemos esquecer que um dos objetivos maiores que norteiam o ensino de Ciências é a aplicação do conhecimento científico de maneira que a população venha compreender e valorizar a Ciência como empreendimento social. Entretanto, para que tal compreensão e valorização venham a ocorrer, se torna necessário que os professores correlacionem os conteúdos de suas disciplinas aos problemas sociais.
Essa correlação dos conteúdos vistos em sala com os problemas de cunho social presentes na vida dos estudantes deve ser corrente nas salas de aula, mas para isso é preciso que o professor possua domínio do que leciona. Cordeiro e Cordeiro (2017) afirmam que o professor precisa conhecer o assunto para despertar a curiosidade dos alunos:
Para exercer a docência é preciso que o professor tenha domínio dos assuntos trabalhados e criatividade para exercer a regência das disciplinas, pois pode despertar a curiosidade dos alunos por refletir um conhecimento de mundo e de universo. Dessa forma, o processo ensino-aprendizado deve ser pautado em aspectos pedagógicos e didáticos que favoreçam o conhecimento existente do aluno, para, a partir desse ponto, conduzir os conhecimentos científicos.
É preciso também que o professor tenha o hábito e a prática de pesquisar, ou seja, o docente precisa estar constantemente se atualizando e se inteirando da produção científica em sua área de atuação (Demo, 2010). Um professor-pesquisador está preparado para transmitir informações científicas concretas e desmistificadas sobre os problemas de cunho individual ou coletivo correlacionados aos conteúdos.
A abordagem de uma temática vinculada ao cotidiano dos estudantes tem mais sentido, pois discussões contextualizadas dão novo significado às ações dos discentes, buscando desenvolver competências e habilidades que os tornem cidadãos reflexivos e atuantes (Martins et al., 2017).
Levando em consideração que alguns professores de Biologia na Educação Básica da rede pública de ensino não possuem formação acadêmica na área nem conhecimento do sistema imunológico humano, não entendem o processo de imunização e a recusa vacinal oriunda da ação do movimento antivacina. E isso se reflete na saída dos discentes do Ensino Médio com conhecimento defasado sobre essa temática.
Sendo assim, objetiva-se compilar informações de caráter científico em relação a essa temática tanto para docentes quanto discentes da Educação Básica, para que possam disseminar conhecimentos combatendo ideias pseudocientíficas instauradas na sociedade. E associar o sistema imunológico, componente curricular no Ensino Fundamental e Médio, a questões sociais como a imunização e a recusa vacinal.
Surgimento do movimento antivacina até os diais atuais, seus objetivos e consequências
As vacinas foram introduzidas no Brasil no final do século XIX, na epidemia da febre amarela, da peste bubônica e, principalmente, de varíola no Rio de Janeiro, que neste período era a capital do país. A imunização nessa época foi liderada pelo médico sanitarista e diretor geral de Saúde Pública Oswaldo Cruz com o intuito de imunizar a população contra a varíola; essa medida foi imposta autoritariamente pelo governo federal. As pessoas mais pobres rejeitavam esse processo, pois não sabiam como os imunobiológicos funcionavam (Sato, 2018; Shimizu, 2018; Reis et al., 2019), dando início à Revolta da Vacina.
O uso de força policial estava presente na imunização obrigatória dos indivíduos; após uma ação, uma mulher veio a óbito pouco tempo depois de ser vacinada; um médico legista alegou que a causa do óbito foi uma infecção generalizada causada pela má administração da vacina. Em seguida, políticos que se opunham ao governo se associaram às classes operárias, dando surgimento à Liga Contra a Vacina Obrigatória, que defendia a liberdade de escolha dos cidadãos, criticando a obrigatoriedade da imunização e disseminando dúvidas e insegurança, chamando as vacinas de injeção de veneno (Shimizu, 2018; Reis et al., 2019).
Para Levi (2013), a decisão atual de não se submeter ao processo de imunização acontece por meio de concepções filosóficas e receio das consequências em relação às reações adversas, entre outros fatores. A não imunização nos dias de hoje é uma ideologia defendida pelo movimento denominado Antivacina, que rejeita esse aparato de prevenção induzindo atitudes que colocam em risco não só a saúde individual do não vacinado, mas de todos à sua volta (Mizuta et al., 2019).
Essas ideias são complementadas por Shimizu (2018) dizendo que
no Brasil esses grupos se desenvolvem e conquistam seguidores, sobretudo na internet, em grupos do Facebook destinados à troca de informação sobre o assunto. Ao analisar essas páginas, percebe-se que o conteúdo veiculado é geralmente importado de sites estrangeiros de caráter antivacinacionista, considerando que o movimento é mais forte em países europeus e nos Estados Unidos. São notícias sem cunho científico, muitas vezes copiadas de blogs que pregam tratamentos de saúde sem a intervenção de químicos ou relatos de pais sobre os efeitos colaterais das vacinas (Shimizu, 2018).
O fato de pais de crianças e adolescentes, de gestantes e idosos que optam por recusar o processo de imunização é um fenômeno crescente em nosso país (Reis et al., 2019), mediante a expansão do movimento antivacina, da indecisão e da hesitação quanto às vacinas; as razões para que essas atitudes sejam tomadas ainda não estão adequadamente avaliadas e identificadas no Brasil (Mizuta et al., 2019), sendo relevante a realização de estudos sobre a concepção dos estudantes nessa perspectiva.
O medo dos riscos à saúde derivados da administração das vacinas ainda perdura na população (Reis et al., 2019) principalmente no que se refere às reações adversas e à circulação de informações pseudocientíficas sobre o processo de produção dos imunobiológicos. Sendo assim, a produção de matérias imparciais que veiculam conhecimentos científicos é justificada e se faz necessário que elas circulem entre os discentes da Educação Básica.
Sistema imunológico humano e a produção, objetivo e os tipos de vacinas
As defesas do organismo são de responsabilidade do sistema imune, composto por dois tipos de respostas distintas, a inata e a adaptativa. A resposta imune inata é a primeira linha de defesa imediata contra patógenos, consistindo em barreiras físicas (pele, epitélio, saliva, lagrimas, entre outras) e celulares (monócitos, macrófagos, neutrófilos etc.); essas defesas, juntas, desempenham papel essencial na prevenção de infecções (Biron, 2016; Patel; Chartterjee, 2018; McDonald; Levy, 2019).
A segunda linha de defesa, denominada resposta imune adaptativa, objetiva eliminar patógenos específicos que romperam as barreiras citadas. É caracterizada pela produção e secreção de anticorpos por linfócitos B e pela ativação de linfócitos T sensibilizados, que são detectados dias após a exposição inicial ao patógeno (Moticka, 2016; Snyder, 2017).
A vacinação estimula a resposta imune adaptativa contra os microrganismos (Reis et al., 2019), que se caracteriza pela aplicação clínica do processo de imunização que é projetado para auxiliar artificialmente o organismo a se defender. O desenvolvimento devacina contra qualquer tipo de infecção é uma forma modificada do seu agente causal ou imunógeno natural, que pode ser o patógeno inteiro, um de seus componentes e/ou uma toxina (Mak; Saunders; Jett, 2014).
Os objetivos da vacinação são definidos em dois níveis: 1) conferir proteção contra instalação do patógeno e posteriormente seus sintomas; 2) indução de imunidade coletiva para restringir a transmissão do agente causal dentro de uma determinada população ameaçada. Sendo assim, uma vacina não causa doença após sua administração, mas induz o hospedeiro saudável a desencadear uma resposta primária contra o organismo patogênico modificado e gerar um grande número de linfócitos B e T de memória (Mak; Saunders; Jett, 2014; Salk; Salk, 1977).
As vacinas fornecidas atualmente são encontradas em três tipos de formulações diferentes: vacinas com o agente patológico vivo atenuado; de subunidade e dividido; ou com detergente (Wong; Webby, 2013).
As vacinas constituídas com o agente vivo atenuado contêm uma versão do patógeno que foi enfraquecido de modo a não causar doenças graves em pessoas com sistemas imunológicos saudáveis. A atenuação é o processo que inibe a replicação do agente causal, mas sem destruir sua antigenicidade. Em outras palavras: esse processo deve causar alterações mínimas na capacidade infectiva do agente causal (Herrera-Rodrigez et al., 2019; Plitnick, 2013).
O objetivo para esse tipo de vacina foi obter maior imunogenicidade, capacidade de desencadeamento de resposta imune humoral (produção de anticorpos por células B ou plasmócitos) quanto celular (células TCD8+ e TCD4+), uma vez que se assemelha à infecção de ocorrência natural. Uma única administração dessa vacina geralmente é suficiente para induzir proteção em longo prazo, sendo às vezes até vitalícia (Rossen, 2006; Wong; Webby, 2013).
Entretanto, essa vacina apresenta desvantagem no que diz respeito à segurança, pois algumas podem apresentar reversão para forma de virulência natural por meio de mutações reversas no organismo atenuado e a possibilidade de causar um efeito sintomático, assim como o patógeno em estado selvagem. Desse modo, devido a esses riscos, esse tipo de vacina não é recomendado a indivíduos imunocomprometidos ou em contato próximo com populações vulneráveis (Rossen, 2006; Wong; Webby, 2013).
As vacinas de subunidades são constituídas por estruturas proteicas do patógeno. As compostas por agentes divididos possuem uma etapa adicional de tratamento com detergentes para dissociar estruturas lipídicas. Tanto as vacinas com organismos divididos com subunidades possuem imunogenicidade comparável com patogenicidade reduzida em comparação com as atenuadas. A maioria das vacinas produzidas desde os anos 1970 foram formuladas com agentes divididos ou subunidades (Brady; Furminger, 1976; Laver; Webster, 1976; Wong; Webby, 2013).
Em um indivíduo não imunizado, os linfócitos B e T estão em quantidade relativamente baixa e só serão capazes de combater um patógeno quando este é encontrado pela primeira vez. Uma resposta imune primária é tudo que pode ser montado de modo que, em muitos casos, o indivíduo fica doente até que os anticorpos e/ou as células T efetoras possam agir para eliminar o agressor (Mak; Saunders; Jett, 2014).
Quando um patógeno em forma selvagem ataca um indivíduo anteriormente imunizado, suas células B e T de memória circulantes são ativadas rapidamente e uma resposta secundária é elaborada, eliminando assim a infecção antes que ela cause sintomas graves. A imunização é chamada de vacinação profilática porque se destina à prevenção contra doenças (Mak; Saunders; Jett, 2014).
O processo de imunização é classificado em dois níveis. Na imunização ativa, o indivíduo recebe um antígeno patogênico e cabe ao organismo a responsabilidade por ativar os linfócitos e tornar os anticorpos necessários para fornecer defesa contra futuras agressões. Em outras palavras, o organismo responde ativamente ao patógeno, sendo capaz de gerar memória contra possíveis reinfecções. A administração de vacinas é definida como uma forma de imunização ativa (Abbas, 2015; Jawetz, 2014; Mak; Saunders; Jett, 2014).
A imunização passiva é a transferência de anticorpos específicos pré-formados de fonte exógena. Esse tipo de imunização pode ser usado tanto antes quanto depois da exposição para tratar um indivíduo não vacinado que acaba de estar ou espera estar exposto a um patógeno ou toxina. Este tipo também é útil quando não existe vacina para um patógeno, quando a vacina não é 100% eficaz ou não é amplamente utilizada (Mak; Saunders; Jett, 2014).
A imunização passiva diverge da vacinação, pois fornece proteção imediata, não necessitando de tempo para elaborar uma resposta adaptativa. No entanto, o sistema imunológico do indivíduo não é estimulado; sendo assim, não é gerada memória imunológica, durando apenas alguns dias ou meses. Esse tipo é recomendado para indivíduos que não podem ser vacinados, como imunodeficientes, imunossuprimidos ou imunocomprometidos (Mak; Saunders; Jett, 2014).
Considerações finais
Em consonância com Krasilchik (2008), o ensino de Biologia objetiva contribuir para que os discentes sejam capazes de compreender e aprofundar explicações atualizadas dos processos biológicos tanto micro como macroscópicos. Eles devem aplicar os conhecimentos adquiridos ao tomar decisões de interesse individual e coletivo, no contexto de um quadro ético de responsabilidade e respeito.As ideias citadas são complementadas por Moura et al. (2013), que afirmam que dessa forma se compreende a importância e a aplicabilidade dessa ciência e o indivíduo passa a ter condição de se posicionar de forma coerente frente a temas diversos da sociedade moderna, tais como a temática em questão.
Vale salientar também que informações desse cunho possuem relevância para serem discutidas em sala de aula, pois um dos objetivos da educação é a alfabetização ou letramento científico. Sendo assim, este material compilado de divulgação científica é ideal para os docentes e discentes do nível básico de ensino.
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Publicado em 15 de setembro de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA JÚNIOR, Wellington Fernando da; ARAÚJO, Liderlanio de Almeida. Ensino de Imunologia na educação formal: o que os docentes e discentes devem saber sobre o movimento antivacina e o processo de imunização? Revista Educação Pública, v. 20, nº 35, 15 de setembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/35/ensino-de-imunologia-na-educacao-formal-o-que-os-docentes-e-discentes-devem-saber-sobre-o-movimento-antivacina-e-o-processo-de-imunizacao
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