Disco da afetividade: abordando a inteligência emocional no processo de ensino aprendizagem sob reflexão discente
Cecilia Decarli
Doutoranda em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFRGS), mestra em Biologia (Unisinos), especialista em Gerenciamento Ambiental (Ulbra), em Gestão Pública (UFSM), em Ensino de Filosofia (UFPel) e Tecnologias Educacionais para a prática docente no ensino da saúde na escola (Fiocruz), graduada em Ciências Biológicas (Unisinos), professora de Biologia e Ciências na rede pública de ensino do Rio Grande do Sul, tutora presencial do curso de Licenciatura em Filosofia (UFPel, Câmpus Novo Hamburgo)
Cristiano da Cruz Fraga
Mestrando em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFRGS), especialista em História da África e Afro-Brasileira (FAPA) e em Ensino da Filosofia (UFPel), licenciado em História (FAPA), professor de História na rede pública de ensino do Estado do Rio Grande do Sul, tutor presencial do curso de Licenciatura em Filosofia (UFPel, Câmpus Novo Hamburgo)
Cíntia Inês Boll
Doutora e mestra em Educação - linha de pesquisa Educação, Arte, Linguagem e Tecnologia (UFRGS), pedagoga. diretora do Departamento de Cursos e Políticas da Graduação (DCPGRAD/UFRGS), líder do grupo de pesquisa CNPq Laboratório de Estudos em Linguagem Interação Cognição/Criação (Lelic), na linha de pesquisa Provia: Comunidades Virtuais de Aprendizagem, professora orientadora no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFRGS)
Em tempos de imediatismo, relações frágeis e valores invertidos na sociedade, a escola torna-se um local muitas vezes desarmonioso e com conflitos que interferem no processo de busca de conhecimento, já que cognitivo, afetivo e motor desenvolvem-se em conjunto. Compreender melhor os alunos é um desafio ao professor atual, para que possa partir das suas necessidades emocionais para o desenvolvimento das habilidades cognitivas.
Propor atividades que permitam que o aluno expresse-se e mostre as emoções que vivencia e sente auxilia o professor, já que mostra o estado emocional de cada um. O disco da afetividade traz oito situações cotidianas de convivência importantes para a sociabilização e a interação dos indivíduos; ao refletir sobre tais situações, o aluno permite que o professor saiba sobre suas escolhas socioemocionais e ainda pensa nelas, verifica a análise dos dados em contexto de turma, dá subsídios para trabalhos posteriores sob o perfil da turma e gera vínculos positivos e humanísticos entre professor e aluno.
Este estudo tem por objetivo verificar as emoções expressas rotineiramente por discentes das séries finais do Ensino Fundamental, sob reflexão do próprio discente em relação ao seu contexto socioemocional.
A metodologia usada foi pesquisa com abordagem quantitativa, buscando quantificar por turma e no geral a intensidade das emoções expressas pelos alunos analisados, por meio da atividade do disco da afetividade, aplicado em oito turmas de 6° ao 9° ano de uma escola municipal do Estado do Rio Grande do Sul.
Os resultados e discussões permitem verificar o contexto socioemocional das turmas que tiveram a aplicação do disco da afetividade e trazer informações que podem servir de base para o docente conhecer melhor suas turmas e estabelecer vínculos harmoniosos no âmbito escolar.
Atitudes sociais demonstram o quanto engajado e atuante um indivíduo está na sociedade na qual está inserido; um aluno que tem as questões sociais e emocionais bem resolvidas tem capacidade emocional para desenvolver habilidades como a criatividade e o cognitivo com mais facilidade. Técnicas de desenvolvimento de habilidades socioemocionais trabalham o individual de cada um para o coletivo.
Metodologia
O estudo foi realizado em uma escola pública do município de Campo Bom/RS com 191 alunos, sendo 42 de 6° ano, 63 de 7° ano, 47 de 8° ano e 39 de 9° ano, especificados por turma na Figura 1.
Figura 1: Número de alunos por turma
A atividade do disco da afetividade foi retirada da proposta feita pelo projeto Oficinas de Afetividade, do professor Nourival Cardozo Junior, que tem por objetivo resgatar a autoestima e liberar o desejo de aprender. Cardozo Junior as usa para compreender seus alunos e faz o registro dos sentimentos trazidos pelos discentes (Cardozo Junior, 2006).
Foi entregue aos alunos um disco da afetividade (Figura 2) contendo oito frases, com atitudes de cunho socioemocional: Participa de atividades em grupos; Verbaliza seus sentimentos; Sorri com espontaneidade; É tolerante no trato com as pessoas; Cumprimenta espontaneamente as pessoas; Emociona-se com histórias; Abraça ou toca as pessoas; e esforça-se para ajudar as pessoas. Foi solicitado que colorissem de vermelho (nunca), amarelo (às vezes) e verde (sempre), de acordo com a frequência com que praticam as ações. Antes ele explicou o sentido de cada frase. Os discos foram recolhidos ao final da oficina.
O disco possui oito partes, que totalizaram 1.528 espaços coloridos pelos alunos.
Figura 2: Disco da afetividade
A abordagem utilizada foi de pesquisa quantitativa; os métodos desse tipo de pesquisa, de modo geral, são utilizados quando se quer medir opiniões, reações, sensações, hábitos e atitudes de um universo (público-alvo), por meio de uma amostra que o represente de forma estatisticamente comprovada (Souza; Kerbauy, 2017).
O papel do método estatístico é, essencialmente, possibilitar uma descrição quantitativa da parcela da sociedade estudada, considerada como um todo organizado. Conforme Gil (2008),
esse método se fundamenta na aplicação da teoria estatística da probabilidade e constitui importante auxílio para a investigação em ciências sociais. Devemos considerar, no entanto, que as explicações obtidas mediante a utilização do método estatístico não devem ser consideradas absolutamente verdadeiras, mas portadoras de boa probabilidade de serem verdadeiras (Gil, 2008, p. 17).
No caso do disco da afetividade, os alunos refletem sobre suas atitudes, mas os dados são quantitativos, pois nos interessa saber a intensidade das emoções por turma, estabelecendo como critério geral; quando replicada a tarefa em sala de aula, o professor irá verificar dados de cada aluno.
Desenvolvimento
A nona competência da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) fala de empatia e colaboração, em que reconhecer e valorizar o outro, participar de grupos variados no âmbito social, ter empatia, saber se colocar no lugar do outro e compreender que as diferenças são importantes e contribuem para formação da nossa sociedade e que é essencial saber lidar com emoções vivenciadas nas relações sociais (Ghio et al., 2019).
Goleman (1998) explica que a empatia é a capacidade de conseguir compreender e colocar-se no lugar do outro; portanto, uma pessoa emocionalmente inteligente consegue adquirir essa habilidade, tendo destaque a forma com que consegue lidar com os seus próprios problemas, sobrepondo de forma efetiva o positivo sobre o negativo, tendo em si o controle sobre suas próprias emoções, sejam elas boas ou ruins.
Para Decarli e Fraga (2019), estabelecer laços afetivos e humanizar o processo de ensino-aprendizagem é algo que os docentes deveriam estar dispostos a experimentar. A escola é formada por um conjunto de práticas antigas que ainda permeiam todo o pensar educacional, reproduzindo métodos que não dialogam mais com os anseios sociais da atualidade, ocorrendo supervalorização do conhecimento, deixando os afetos e sentimentos em terceiro plano; reflete o panorama social individualista e competitivo que afeta de maneira negativa as relações éticas em praticamente todas as instâncias sociais.
A dimensão afetiva parece ser negligenciada na prática educativa dos professores do Ensino Fundamental, mas nos currículos dos cursos de formação docente no Ensino Superior falta a inter-relação entre os aspectos cognitivos, emocionais e afetivos e há insuficiência de obras relativas à afetividade na relação educativa (Ribeiro, 2010). As habilidades socioemocionais devem ser repensadas e planejadas para o currículo escolar em todas as etapas de ensino.
A educação e o ensino são formas universais e necessárias para o desenvolvimento humano; esse processo está interligado pelos fatores socioculturais e a atividade interna de cada indivíduo (Albuquerque, 2015). Portanto, conhecer ações individuais dos educandos pode auxiliar no processo de entendimento do coletivo, levando à percepção dos fatores sociais e culturais impregnados na sociedade e na escola contemporâneas.
A escola precisa abordar a inteligência emocional no currículo para que o estudante saiba lidar com suas próprias emoções e tenha boa convivência com os demais; atividades de reflexão sobre as práticas sociais de cunho emocional auxiliam no processo educacional. Para Goleman (2001, p. 18),
uma visão da natureza humana que ignore o poder das emoções é lamentavelmente míope. A própria denominação Homo sapiens, a espécie pensante, é enganosa à luz do que hoje a ciência diz acerca do lugar que as emoções ocupam em nossas vidas. Como sabemos por experiência própria, quando se trata de moldar nossas decisões e ações, a emoção pesa tanto – e às vezes muito mais – quanto a razão. Fomos longe demais quando enfatizamos o valor e a importância do puramente racional – do que mede o QI – na vida humana. Para o bem ou para o mal, quando são as emoções que dominam, o intelecto não pode nos conduzir a lugar nenhum.
Portanto, um aluno que tenha desenvolvimento emocional incompleto encontrará dificuldades para assimilação cognitiva dos saberes. Goleman (2001) traz as aptidões básicas para obter inteligência emocional: conhecer as próprias emoções (aprender a identificar e avaliar a intensidade dos sentimentos e definir até que ponto eles podem influenciar a si mesmo e os que fazem parte da convivência); ter capacidade de empatia (conseguir se colocar no lugar do outro e conseguir sentir como o outro); lidar com as emoções (saber identificar as próprias emoções e expressar sentimentos, sem reprimi-los, assim como aguardar o momento adequado para se expressar); reconhecer as emoções nos outros (ser verdadeiro e reconhecer os próprios erros); e saber se relacionar (estar consciente do próprio estado emocional e em sintonia com o estado emocional do outro).
Resultados e discussões
Essa atividade mostra-se muito útil para ser feita no início do ano como sondagem da turma, para perceber como os alunos abordam as questões sociais e afetivas na sua vida. Neste estudo temos um panorama das turmas e das 1.528 partes pintadas; o professor pode utilizar os dados individuais e ainda abordar por temática de cada parte, por exemplo: tenho x alunos que não gostam de abraçar as pessoas, então posso desenvolver atividades que tragam habilidades socioemocionais nesse quesito, a fim de modificar a situação.
O resultado geral dos discos aplicados mostra que tivemos 42% dos alunos que sempre realizam as atitudes elencadas, 41% às vezes e 17% nunca (Figura 3), trazendo o dado de que menos de 50% sempre realizam as atitudes, dado um tanto alarmante, pois são adolescentes em preparação para a vida adulta, para o mercado de trabalho, para a vida social e outros espaços; dados assim mostram que a frieza nas relações e a falta de diálogo e empatia entre as pessoas vêm desde muito cedo. Então abordar e trabalhar esse tema na escola é de suma importância.
Figura 3: Resultado do disco da afetividade em todas as turmas
Quando analisamos os dados por turma, verificamos que os alunos de 6° ano são os que mais apresentam a cor verde, o que representa que sempre realizam as atitudes elencadas no disco; os de 7° ano são os que mais apresentam as cores amarela, de às vezes, e a vermelha, de nunca; as turmas de 8° ano têm equilíbrio entre verde e amarelo; nas turmas de 9° ano prevalecem os amarelos (Figura 4).
Figura 4: Resultado do disco da afetividade por turma
Apesar de a maioria ser verde, o amarelo veio logo na sequência; 17% de vermelhos é bastante e aparece em todas as turmas abordadas, mostrando a necessidade de parar e trabalhar habilidades socioemocionais e contato com colegas e professores para fins de socialização do educando.
Segundo Ghio et al. (2019, p. 32),
o desenvolvimento da empatia se relaciona ao diálogo e à interação nos mais diversos ambientes e contextos sociais, e a escola é o local em excelência para vivenciar as regras necessárias para um bom convívio entre as pessoas. Ter empatia e controle emocional são habilidades que precisam ser desenvolvidas nos seres humanos e cabe à escola proporcionar um espaço constante de reflexões e de proposição de situações de ensino e de aprendizagem nas quais os alunos possam desenvolver a empatia com as pessoas, assim como o diálogo e o respeito mútuo. As escolas devem promover muitas ações nesse sentido.
Manter o diálogo sobre questões sociais e emocionais é essencial; portanto, a atividade do disco da afetividade pode oferecer dados importantes para desenvolver reflexões e promover situações para mudanças de hábito entre os discentes envolvidos, proporcionando maior empatia na sala de aula e, consequentemente, na vida em sociedade. Sua aplicação pode resultar de inúmeras ações posteriores aplicadas pelo professor.
Considerações finais
A atividade aplicada para este estudo, o disco da afetividade, serve de subsídio para introduzir a inteligência emocional nas aulas e, a partir disso, elencar trabalhos e abordar em sala de aula habilidades e competências socioemocionais.
Conhecer os contextos social e cultural e os parâmetros emocionais vivenciados pelos educandos produz afinidade e construção de laços significativos entre professor e aluno, além de esclarecer atitudes comportamentais e de indisciplina.
A atividade deve ser feita e trabalhados posteriormente os dados quantitativos obtidos; na escola em que aplicamos o disco tivemos muitas atitudes praticadas às vezes ou nunca, o que faz pensar na hipótese de verificar melhor quais delas são mais elencadas em cada turma, para poder levar dinâmicas e propostas específicas para trabalhar cada atitude emocional, levando os educandos à sensibilidade para com os outros e melhorando sua convivência em grupo, proporcionando harmonia e companheirismo na escola.
Referências
ALBUQUERQUE, T. C. C. O desenvolvimento humano segundo a teoria sócio-histórica e cultural da Escola Soviética. Texto produzido para aulas na graduação. Arapiraca, 2009. 6p.
CARDOZO JUNIOR, N. Oficina de Afeto. 2006. Disponível em: https://www.oficinadeafeto.com/. Acesso em: 23 dez. 2019.
DECARLI, C.; FRAGA, C. C. Amorismo: análise de perfis docentes e práticas pedagógicas envolvendo afeto, por docentes de diferentes níveis de ensino. Competência, v. 12, nº 2, p. 14-22, jul. 2019.
GHIO, M.; MÉLEGA, G. A.; KORZENIESKI, V.; SILVA, G.; MASCARENHAS, R.; SIQUEIRA, R. R. F.; AGUIAR, R. M. A. M. M.; CEZAR, H. V. A. S.; QUEIROZ, K. S. Somos educação. Caderno pedagógico, n° 2, 2019.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GOLEMAN, D. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que define o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
______. Trabalhando com a inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.
RIBEIRO, M. R. A afetividade na relação educativa. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 27, nº 3, p. 403-412, 2010.
SOUZA, K. R; KERBAUY, M. T. M. Abordagem quanti-qualitativa: superação da dicotomia quantitativa-qualitativa na pesquisa em educação. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 31, nº 61, p. 21-44, jan./abr. 2017. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/29099. Acesso em: 30 mar. 2020.
Publicado em 22 de setembro de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
DECARLI, Cecília; FRAGA, Cristiano da Cruz; BOLL, Cíntia Inês. Disco da afetividade: abordando a inteligência emocional no processo de ensino aprendizagem sob reflexão discente. Revista Educação Pública, v. 20, nº 26, 22 de setembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/36/disco-da-afetividade-abordando-a-inteligencia-emocional-no-processo-de-ensino-aprendizagem-sob-reflexao-discente
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.