Ensino de História: uma reflexão sobre materiais e métodos de ensino

José Clécio Silva de Souza

Graduado em Serviço Social (Unopar), especialista em Gestão de Serviços Sociais e Políticas Públicas (UCAM)

Para que se efetive um ensino de qualidade, é preciso buscar no referencial teórico as bases cientificas que orientam a ciência que se quer ministrar e que norteiam sua aplicação como disciplina escolar nos diferentes níveis de ensino, pois será  a partir a clareza teórico-metodológica que o professor terá subsídios para construir uma prática pedagógica significativa para o aluno.

Reconsiderar o papel da educação como ferramenta da construção social é um ideal de sociedade pelo qual se luta. É necessário definir metodologias de aprendizagem vinculadas à dimensão sociopolítica da educação, questionando sempre a respeito de que sociedade está se ajudando a construir. Nesse caso, os educadores  em História podem definir o referencial sociopolítico historicamente correto, de acordo com o momento que ele atravessa. Partindo daí, a proposição se torna diferente das outras, pois as práticas do dia a dia de professores e alunos os ajudam a construir coletivamente, inserindo-os no contexto sociocultural.

Uma das maiores dificuldades que os professores de História enfrentam é estimular o interesse  do aluno por conteúdos que não parecem ter utilidade  imediata na vida do aluno. O aluno estuda por estudar, para ser aprovado no fim do ano letivo, fica desestimulado, sem criatividade. Para desenvolver seus conhecimentos e capacidades que lhe darão maior liberdade de escolha e satisfação em sua vida, é necessário que o educador use a imaginação e evidencie a  aplicabilidade do conteúdo de forma  imediata e simples no ambiente em sala de aula, utilizando para isso  materiais e métodos  que despertem o interesse dos alunos em aprender.

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma análise sobre os principais métodos e materiais utilizados no ensino de História e suas implicações no processo de ensino-aprendizagem. Esta análise contempla desde os materiais mais utilizados, como o livro didático, até aqueles que são pouco ou quase não são explorados, como a memória, chamando sempre a atenção da  importância de cada matéria e  método no processo de (re)construção do conhecimento histórico.

Materiais e métodos de ensino

Diante da própria natureza do capitalismo, um grande número de bens materiais e culturais está fora do alcance de homens e mulheres que  vivem do trabalho. Sendo assim, como  ensinar História, na perspectiva de preparar homens e mulheres para enfrentar a nova realidade como atores  nessa cena?

Estamos vivendo um momento fértil, rico em desafios e possibilidades, que tem a  LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96) como uma forte aliada, uma vez que determina a formulação de novos modelos e diretrizes. É nesse momento que os professores assumem a sua responsabilidade na formulação de uma nova proposta de ensino como protagonistas do processo de construção, que orienta o educando para o verdadeiro caminho da cidadania. A meta da escola é  contribuir para  a formação de cidadãos críticos e engajados na transformação social.

O desejo e o prazer de compreender, de explicar  a realidade, de questionar para procurar alternativas, de conhecer para agir conscientemente são sem dúvida fatores poderosos na formação de indivíduos responsáveis e intervenientes. Não foi decerto  por acaso que os regimes totalitários declaram  morte à  cultura e reduziram drasticamente o tempo de escolaridade e o acesso ao saber (Roldâo apud Proença, 1999, p. 25-26).

Segundo Proença (1999), o ensino de História pode contribuir para o desenvolvimento pessoal e social do indivíduo não apenas pelo conteúdo formativo do saber histórico, mas também pela metodologia adotada. Práticas educativas apoiadas em metodologias implicativas que apelem à participação ativa do aluno como sujeito que aprende, tais como o ensino pela descoberta a  partir da análise e crítica de fontes, o trabalho de projeto centrado em problemas, o estudo independente e outras práticas autorreguladoras de aprendizagem contribuem para o desenvolvimento do raciocínio crítico e da autonomia pessoal do aluno, que são componentes essenciais da educação cívica.

O ensino de História, em nossos dias, não pode se restringir ao chamado “giz e lousa”. Nosso aluno é fruto da sociedade midiática, convive com a informação rápida da Internet e o bombardeio de imagens oriundos da TV. Não se trata de “aposentar” o livro ou a exposição oral, mas, sim, de atualizar os instrumentos e a linguagem para que se possa, de fato, estabelecer um vínculo de comunicação com os educandos.

A seguir está uma análise de cinco diferentes materiais, a partir dos quais muitos professores instrumentalizam o seu trabalho com o ensino de História:

O livro didático

Passando do método mnemônico – ou seja, de memorização – para o método intuitivo – observação/conclusão, os livros começam a deixar a estrutura apenas textual para adotarem gravuras e mapas; tendência dominante e que se intensifica aceleradamente. Perguntando-se então para que serviria o livro didático, temos que, antes de mais nada, este deve ser compreendido como mercadoria, e que, portanto, estaria submetido às regras do mercado – agradabilidade/receptividade do produto; é ainda um depositário de informações, pois difunde o saber oriundo da academia; é ele que elabora grande parte das técnicas de aprendizagem – sugestões de trabalho, exercícios. Circe Bittencourt discute a questão, afirmando que o livro didático é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia e de uma cultura. Ele é o portador e difusor de uma ideologia e será a forma de selecionar e utilizar esse material determinante para o destino do trabalho do professor. Da mesma forma, as ilustrações também serão escolhidas em função dos elementos que determinam a existência do livro didático. A escolha de determinadas imagens concretizariam o projeto mercadológico e ideológico de um material didático.

O exercício sugerido pela autora, para que o professor utilize o livro didático de forma crítica e geradora de reflexão, é o da comparação e do questionamento do conteúdo. Como e por quem este material foi produzido? Para que e para quem se fez esta produção? Quando foi realizada? Por que foram selecionados estes tópicos? Por que outros tais foram excluídos? O exercício questionador liberta o aluno das amarras do discurso preparado e concluído pelo conteúdo; ele vai além, tendo o documento – livro – como sujeito de sua pesquisa, compreendendo as relações que envolvem não apenas o fato mais a sua construção/reconstrução e difusão.

As imagens

A pintura pode ser vista como fonte não apenas da pesquisa – acadêmica –, mas também do ensino de História, pois ela compõe um discurso sobre o seu tempo; a obra dialoga com questões, temas, critica-os, apresenta-os, satiriza-os, denuncia-os. Não é só o conteúdo que faz uma obra, mas fundamentalmente a forma como o autor reconstrói o conteúdo e o seu enunciado, impingindo-lhe os múltiplos diálogos travados com outros autores, com sua época e, principalmente, a sua originalidade. A partir dos detalhes, das cores, dos lugares, das roupas, das expressões faciais, da composição da paisagem, da investigação sobre a vida e as ideias do autor e de seu público-alvo, uma série de novas situações e conclusões se nos irão apresentar. A busca do desvendamento dos diálogos que as obras de arte mantém com as diferentes dimensões socioculturais do seu tempo possibilita-nos conhecer melhores contextos culturais complexos, escapamos das leituras lineares, dando força a estas vozes do passado que ressoam ainda no presente, permitindo aos alunos que se dispuserem a realizar esse exercício, esse diálogo, construir um novo enunciado, uma nova obra.

O museu

Na maioria das vezes, os professores vão aos museus com seus alunos  com o intuito de que eles tomem contato com preciosidades do nosso patrimônio histórico. É a concepção do objeto material como objeto testemunho. Desta forma, erroneamente, o acervo museológico é compreendido como coisa estática e definida, pois a sua razão de ser, de “estar lá” resume-se à sua antiguidade e à sua “preciosidade”. O potencial educativo do acervo estaria, porém, na sua compreensão enquanto objeto diálogo. O conjunto exposto, bem como o conjunto geral do acervo comporia um discurso sobre o que aqueles pesquisadores, museólogos, ou mesmo o que a nossa sociedade pensa sobre um determinado tema ou aspecto do passado.

Por que o pesquisador selecionou estas e não outras peças da reserva técnica do museu para compor uma exposição? O que ele quis dizer com esta composição de peças? Que ideia está contida, que discurso está contido nesta disposição do acervo? A visita ao museu deveria deixar de ser ilustrativa e passar a ser fonte de questionamento. Toda visita deveria ser organizada a partir de um roteiro que contemplaria os pontos principais para o planejamento de uma ação com os alunos:

  • definir os objetivos da visita;
  • selecionar o museu mais apropriado para o estudo do tema escolhido ou parte de uma exposição ou um conjunto de museus;
  • visitar a exposição antecipadamente;
  • verificar as atividades educativas oferecidas pelo museu;
  • preparar os alunos para a visita: conteúdos, conceitos, etc.;
  • coordenar a visita de acordo com os objetivos da pesquisa feita;
  • dar continuidade à discussão na sala de aula;
  • avaliar o processo que envolveu a visita para futuro replanejamento.

A televisão

A mídia – principalmente a televisiva – não destrói de todo as representações e as expressões das sociedades sobre si e sobre o mundo; apresenta-nos, como resultado do processo de globalização, o comportamento cada vez mais passivo do espectador, que impotente e estático, assimila as informações e definições da televisão como verdades definitivas. A imagem, portanto, não ilustra e nem reproduz a realidade – ela a constrói a partir de uma linguagem própria ligada a um determinado contexto histórico. Hoje se vive um momento em que o acontecimento transformou-se em imagem; dessa forma, é a informação que vem fazendo o acontecimento, e não o inverso. Portanto, para a mídia, o que constrói o acontecimento não é o fato, mas a divulgação. Ao entrar na sala de aula, o professor terá diante de si pessoas, como todos nós, impregnadas por definições, valores e representações sociais – imagens, símbolos – originárias da divulgação dos meios de comunicação de massa, uma forma de transformar essas informações em objeto de reflexão e, juntamente com seus alunos, executar o questionamento, a desconstrução das notícias, averiguando o porquê de sua existência e de sua veiculação.

Ao escolher o trabalho com a televisão, no caso brasileiro, o professor terá ao seu alcance uma gama variada de material em teledramaturgia e telejornalismo; caso queira trabalhar com material das décadas de 60 e 70, encontrará problemas, por não existirem ainda museus da televisão; portanto, que o professor trabalhe com material mais recente. Para realizar esse trabalho, é necessário que o professor atualize suas leituras sobre as teorias dos meios de comunicação de massas, bem como tenha claro para si que televisão e cinema diferenciam-se não apenas nas formas de produção, mas também na perspectiva de tempo de exibição: o cinema é feito para ser visto por vários anos, o programa de televisão responde ao apelo do momento. Existem alguns pontos a serem levados em consideração na análise da TV:

  • Intenções do remetente;
  • O meio e o código da mensagem;
  • As reações do receptor.

Quanto ao trabalho específico em sala de aula, delimita alguns passos que devem ser seguidos para que o trabalho com a programação televisiva não seja visto pelos alunos e pais como o popular “matar aula”. Para que o trabalho se torne pedagogicamente proveitoso, o professor deverá ter para si muito claro o seu objetivo. É possível, por exemplo, analisar um mesmo gênero em vários programas diferentes ou um mesmo tema em programas distintos. Os passos básicos seriam:

    • Assistência do material: impressões primárias do grupo, observação de temas e códigos básicos presentes;
    • Análise semântica: o grupo deve buscar o sentido explícito e implícito dos discursos, opiniões ideológicas, representações sociais, valores;
    • Crítica ideológica: o grupo deve posicionar-se quanto ao conteúdo dos discursos e sua linguagem, explicação de conceitos e sistematização de contradições;
    • Síntese das fases anteriores: sistematização dos valores e opiniões surgidos durante o trabalho e articulação com o conteúdo estudado em sala de aula.

A memória

A palavra-chave para a reflexão sobre memória e História é construção. Durante as décadas de 70 e 80, muitos grupos das chamadas minorias lutaram pela preservação de suas memórias. A sociedade como um todo, em diferentes regiões do país, organizam-se pela preservação da memória cultural de suas regiões, do patrimônio cultural. Por muito tempo, no Brasil, associou-se patrimônio a monumento, desde sua criação em 1937, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tombou centenas de bens imóveis ligados às classes dominantes: casarões, fortes, igrejas barrocas, construindo um discurso sobre o passado a partir da fala dessas classes, construindo uma memória de nosso passado a partir dos seus valores. Hoje, em função da ação de órgãos como o Instituto de Arquitetos Brasileiros, a Associação dos Geógrafos do Brasil e a Associação Nacional de História, o conceito de “patrimônio histórico e cultural” foi substituído pelo de “patrimônio cultural”, constituído de unidades designadas “bem culturais”, subdivididos em três tipos de elementos:

  • 1º relativos a natureza e ao meio ambiente;
  • 2º relativos ao conhecimento e às técnicas;
  • 3º relativos aos bens culturais, toda a sorte de objetos, obras e artefatos produzidos pelos homens.

Portanto, a ideia de patrimônio histórico não está mais restrita a patrimônio edificado – pedra e cal – mas também ao patrimônio documental, arquivístico, bibliográfico, hemerográfico, iconográfico, oral, visual, museológico, enfim, todo o conjunto de bens que nos falam sobre a História de uma sociedade.

Considerações finais

Ao escolher trabalhar com novas estratégias de aula, o professor não deve se iludir, pois tais estratégias não solucionam os problemas didático-pedagógicos do processo de ensino-aprendizagem de História e nem alteram as representações sociais e o valor dado ao conhecimento pela nossa sociedade imediatizada e presentista. O objetivo central do uso de novas estratégias em sala de aula deverá sempre ser a busca por uma linguagem que possibilite uma melhor compreensão das dimensões da problemática histórica pelos alunos.

A metodologia e os recursos usados no ensino de História devem possibilitar, ou melhor, levar o aluno a perceber que a História é social, dá-se coletivamente, é produção humana, e que o professor é o mediador no processo de elaboração conceitual do educando.

Referências

BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e Imagens. In: ______. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998.

______. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998.

PROENÇA, M. C. Ensino da História e formação para a cidadania. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999.

Publicado em 29 de setembro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

SOUZA, José Clécio Silva de. Ensino de História: uma reflexão sobre materiais e métodos de ensino. Revista Educação Pública, v. 20, nº 37, 29 de setembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/37/joseph-ensino-de-historia-uma-reflexao-sobre-materiais-e-metodos-de-ensino

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