Adequação curricular e ensino estruturado: trabalho colaborativo entre professores para o desenvolvimento do estudante com TEA

Isis Grace da Silva

Graduada em Pedagogia (PUC-SP), pós-graduada em Educação Inclusiva (Unesp), mestre em Gestão de Práticas Educacionais (Uninove), professora do atendimento educacional especializado (AEE) na rede pública do Estado de São Paulo

Rosiley Aparecida Teixeira

Doutora em Educação: História, Política e Sociedade, professora do Programa de Gestão de Práticas Educacionais (Uninove)

O transtorno do espectro autista (TEA) é um conjunto de alterações no desenvolvimento caracterizado por dificuldades nas habilidades de comunicação, relacionamento social e comportamento. A ampliação do direito educacional para estudante com TEA deverá levar em consideração suas características com relação a comunicação, relacionamento social, padrões de interesse e dificuldades na aprendizagem e como o professor da sala comum o percebe no grupo. Há diversos programas que contribuem para a inserção social das pessoas com TEA. Neste momento, consideramos aqueles programas que visam as estratégias educacionais para a promoção de aprendizagem dos conteúdos acadêmicos, comunicação e comportamento. As três mais citadas nas pesquisas bibliográficas realizadas para este estudo foram:

  • TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children), que em português chamamos de Tratamento e Educação para Criança com Autismo ou Desordens Relacionadas à Comunicação. Esse programa tem como princípio organizar o ambiente desde o espaço físico até as tarefas escolares ou atividades de vida diária, a previsibilidade (o que fazer, onde fazer, como fazer, o que fazer em seguida) com foco no desenvolvimento autônomo e na aprendizagem. Espera-se que, com esse programa, no qual também se inclui o ensino estruturado, os comportamentos disruptivos diminuam enquanto o repertório comunicativo e o engajamento nas atividades se ampliem. O programa TEACCH considera que a pessoa com TEA tenha autonomia e seja capaz de compreender o que as pessoas e o ambiente esperam dela.
  • ABA (Applied Behavior Analysis), que, em português, traduziu-se por Análise Aplicada ao Comportamento; é uma parte da abordagem da Psicologia cujo objetivo é estudar o comportamento humano e traz consigo princípios de antecipação, incentivo à comunicação e à autonomia, podendo ser aplicado em diversos ambientes: escolar, clínica, hospitalar e empresas. No contexto desta pesquisa, predominam as questões que envolvem o ambiente educacional.
  • PECS (Picture Exchange Communication System) é um sistema de comunicação por troca de figuras, um método que estimula a comunicação e a diminuição de problemas de comportamento. Esse sistema se baseia nos princípios ABA e visa a, primeiramente, ensinar à criança “como” se comunicar para depois aprender a transmitir mensagens específicas, com a combinação de imagens e objetos para mais tarde partir para estruturas mais complexas da comunicação, fazendo uso das relações semânticas, funções comunicativas e estruturas gramaticais.

Selecionamos o programa TEACCH por ser um modelo psicoeducacional e por ser composto por diversas estratégias que podem ser utilizadas pelo professor no ensino regular. Considerando o aumento da matrícula de estudantes com deficiência no Censo da Educação Básica nos anos de 2014-2018, que em todas as etapas da Educação Básica apresentam mais 88,0% de alunos incluídos em salas comuns no ano de 2018, percebemos a necessidade de seguir com a atualização em práticas pedagógicas que envolvem toda ação de ensino-aprendizagem. Partindo de dados reais e vivências no ambiente escolar, surgem algumas perguntas: como o professor da sala comum organiza as atividades para o estudante com TEA? É possível fazer adequações curriculares usando elementos do ensino estruturado? O trabalho colaborativo entre professor do atendimento educacional especializado (AEE) e professor da sala comum possibilita a troca de experiências educativas e socialização de conhecimento em uma perspectiva inclusiva? As adequações curriculares contribuem para que o estudante participe das aulas juntamente com seus colegas de classe?

Como objetivos específicos da pesquisa elencamos: observar como o professor da sala comum organiza as atividades para o estudante com TEA; verificar se o ensino estruturado abordado no programa TEACCH pode ser ajustado ao currículo escolar; atuar numa proposta de trabalho colaborativo entre a pesquisadora (professora especializada) e a professora da sala comum; aumentar a participação do estudante com TEA nas atividades propostas na sala de aula; e contribuir com a socialização no grupo.

Para este estudo, apresentam-se duas estratégias de ensino: a adequação curricular e o ensino estruturado baseado nos princípios do TEACCH, um programa psicoeducacional que propõe a estruturação de atividades com informações visuais que orientam o estudante na realização das atividades escolares.

Para elaboração das adequações curriculares, utilizamos a proposta de autores como Capellini (2004; 2007; 2014), Mendes (2006; 2007; 2008), Mendes, Vilaronga e Zerbato (2014), Zanata (2004) e Fontes (2009), que propõem o trabalho colaborativo, visto como uma estratégia em potencial para o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes e aprendizagem dos alunos.  Surge assim o desafio de associar teoria e prática, uma oportunidade de experimentar adequação curricular, ensino estruturado e trabalho colaborativo para sair da improvisação de atividades oferecidas aos estudantes com TEA e fortalecer o vínculo profissional.

Para reunir informações com caráter comunicativo, foram utilizados dois instrumentos: roteiro de entrevista e roteiro de observação. Fez-se uso de um roteiro de entrevista com a mãe do estudante e dois roteiros de entrevista com a professora. Os dois roteiros de observações foram usados em contexto natural e serviram para direcionar a atuação dos participantes e contribuir com os registros narrativos e avaliações das atividades desenvolvidas durante a pesquisa. Dois roteiros adicionais foram usados para confecção e avaliação do material de ensino estruturado.

A pesquisa aconteceu em uma escola da rede regular de ensino do Estado de São Paulo, tendo como participantes uma professora da sala comum, um estudante com TEA, sua mãe e a pesquisadora, que também é a professora especializada da sala de recursos multifuncionais.

A metodologia comunicativa crítica privilegia o papel da intersubjetividade e da argumentação na construção do conhecimento, buscando a transformação da realidade estudada no sentido de uma sociedade mais igualitária. Houve limitações para a aplicação em profundidade da metodologia crítica, dada a sua própria complexidade e restrições de tempo para a realização desse diagnóstico; apesar disso, procuramos seguir alguns de seus princípios. Desse modo, durante o processo de construção dos instrumentos, das observações e elaboração das adequações curriculares, procurou-se estabelecer uma relação de diálogo com os participantes do estudo (pais, professor, estudante), considerando a contribuição de cada um para a melhor compreensão da realidade estudada. Uma das ações da pesquisa foi apresentar os instrumentos (roteiro para entrevista e para observação), os dados e as análises realizadas junto com os sujeitos da pesquisa, buscando a validação da interpretação dos resultados e uma interlocução na produção do conhecimento.

Os resultados mostraram que o ensino estruturado proposto pelo programa TEACCH pode ser ajustado ao currículo escolar, contribuindo com a forma de apresentação das atividades acadêmicas. Do programa TEACCH podem ser levados para sala de aula regular a estrutura visual, o estabelecimento de uma rotina e o uso do sistema de ensino independente. Estudos como este envolvem o “fazer” adequações em um contexto real, não sendo muitas vezes necessário disponibilizar grandes recursos financeiros. Apoiada no trabalho colaborativo entre professores, a adequação curricular utiliza elementos do ensino estruturado; é uma estratégia de ensino-aprendizagem que pode contribuir com a experiência escolar do estudante com TEA.

Métodos e procedimentos da pesquisa

A Metodologia Comunicativa Crítica (MCC) rompe com a ideia de que o pesquisador é protagonista durante o processo de coleta/análise de dados. Tem como proposta investigar e transformar a realidade. O pesquisador tem a responsabilidade de conhecer a comunidade científica e criar um clima de diálogo que possibilite a comunicação. O conhecimento construído nessa interação entre pesquisador e participante é resultado do consenso entre ambos (Gómez et al., 2006).

É considerada uma metodologia crítica porque parte do pressuposto de que todos são capazes de refletir sobre as pessoas no seu entorno e suas próprias ações. Tem um caráter democrático e transformador da realidade. É uma metodologia que requer uma interação horizontal que busca uma situação ideal de diálogo. O conhecimento é construído por todos, e o conhecimento científico é apenas uma das modalidades do conhecimento, uma das várias possibilidades de interpretação da realidade, uma das leituras possíveis (Mello, 2008, p. 17).

Nessa metodologia está prevista a revisão documental, que tem por objetivo examinar antecedentes teóricos e/ou práticos do tema de estudo e revisar as pesquisas realizadas e as teorias que têm relação com o problema apresentado nas primeiras seções desta pesquisa. Além das leituras de teses, dissertações, artigos e livros, compõem este estudo análises de documentos usados na escola, como atas de conselhos de classe, documento que informa, ao final de cada bimestre, o desempenho acadêmico da turma. É emitido após as avaliações finais de cada disciplina e serve para comunicar os resultados (notas/conceitos) obtidos pelos estudantes.

O pesquisador toma uma posição diante dos temas discutidos, e sua prática é centrada no diálogo igualitário e na transformação social, pois ouve os participantes para compreender a realidade, propõe e experimenta mudanças na prática. Seu posicionamento não ocupa lugar de destaque ou domínio, sua palavra não é a de um especialista, no sentido de ter valor em si pela posição social ocupada. É uma relação de igualdade entre pesquisador e participante. Trata-se de entender que todas pessoas são capazes de interpretar e explicar as situações vividas, havendo, contudo, diferença de função da interpretação entre os envolvidos (Mello, 2008).

Nosso compromisso é levar o conhecimento da comunidade científica para a comunidade escolar e criar um clima que possibilite a comunicação. Na perspectiva da MCC, propõe-se difundir os resultados não apenas para o âmbito da comunidade cientifica, mas também para o âmbito institucional e popular, compartilhar e refletir sobre os resultados da pesquisa no local onde ela foi realizada, possibilitando, pois, uma mudança de paradigmas. O objetivo é aproximar o pesquisador do seu objeto de estudo e participação das mudanças que poderão acontecer no local em que a pesquisa está inserida (Santos; Azevedo, 2017).

Se a proposta é transformar o meio, precisamos dar voz aos participantes, seguindo um compromisso ético de que os envolvidos podem interagir com o pesquisador, validando os resultados ou propondo novas ações. De acordo com Gómez et al. (2006), na MCC todos os envolvidos são agentes de transformação do meio em que atuam, têm suas capacidades/potencialidades, linguagem/ação, são agentes sociais da sua vida. Além de descrever e explicar a realidade, também compreendemos a atuação da professora na sala comum no espaço escolar, condições de trabalho e relação com o estudante. A participação da mãe oportunizou conhecermos um pouco sobre a vida do estudante e a expectativa da família diante do filho e da escola. Juntos, podemos estudar para transformar tendo como base a interação. Procuramos garantir que todos os envolvidos tivessem a oportunidade de expressar seu ponto de vista durante as entrevistas e na atuação do ambiente físico (sala de aula) até o compartilhamento dos resultados finais.

As técnicas para coletar e analisar dados na MCC podem ser qualitativas e/ou quantitativas. De acordo com Gómez et al.(2006), para a pesquisa qualitativa, pode-se usar entrevistas, grupos de discussões, observação, relato/história de vida e análise documental. Qualquer tipo de técnica para coletar informações pode ser utilizado, desde que as pessoas participem da elaboração do início ao fim nas recomendações e conclusões, ou seja, o uso de entrevistas ou questionários é permitido, contanto que os critérios e as perguntas sejam informados e o participante esteja de acordo. Nas palavras de Flecha, Vargas e Davila (2004), em qualquer caso com relação às estratégias de coleta de dados, a importância não recai no fato de serem quantitativas ou qualitativas, mas sim que, sendo quais forem, ocorram sob orientação comunicativa.

Estabelecidos comunicativamente o contexto e os sujeitos da pesquisa, selecionamos dois tipos de instrumentos de apoio para levantamento e análise dos dados: entrevistas e roteiros de observação utilizados em contexto natural (escola) para direcionar a abordagem comunicativa e a atuação de todos os participantes, contribuindo assim com o registro narrativo e a avaliação das ações desenvolvidas durante este estudo. Tanto as entrevistas quanto os roteiros foram previamente compartilhados com os participantes. As entrevistas foram registradas por escrito.

As entrevistas contribuíram para reunir informações e orientar a análise dos dados por meio do relato comunicativo. Para Gómez et al. (2016), entende-se por relato comunicativo uma narrativa da vida cotidiana no presente, passado e futuro. Nesse sentido, todo pensamento, reflexão, forma de atuar, viver e resolver as situações-problema, as vivências e saberes cria um clima de confiança entre as pessoas. Procuramos recuperar partes da experiência e expectativa da família e do professor. O relato reuniu alguns pensamentos, reflexões, formas de atuar e as interações que a própria pessoa elabora diante da sua vivência e aplica para resolver situações concretas de seu cotidiano (Flecha; Vargas; Davila, 2004, p. 28, em tradução livre).

De acordo com Vianna (2003), em se tratando de informações científicas, a observação casual não será a mais adequada. As observações científicas procuram coletar dados que sejam válidos e confiáveis, por isso é preciso usar uma metodologia adequada.

Em se tratando de observação de escola ou sala de aula, os registros, sobretudo os que se destinam à análise qualitativa, devem ser imediatamente tratados e analisados, pela complexidade do campo objeto em estudo. Na observação, é interessante para a análise estabelecer uma relação entre teoria e dados, sem engessar os dados pela teoria. A observação, no contexto de uma pesquisa, no caso, gera novos conhecimentos e não confirmam, necessariamente, teorias (Vianna, 2003, p. 97-98).

É preciso definir o contexto e o local, uma vez que a observação dever acontecer onde é realizada a atividade – no nosso caso, uma sala de aula comum. O pesquisador deve anotar tudo que achar oportuno e ter em mente as diferentes ideias e teorias, compartilhar as observações ou relatórios com o pesquisado, ter em mente o objetivo, a orientação; a professora da sala conhece e comparte com a pesquisadora o propósito da pesquisa, participam juntas; ambos realizam a interpretação por meio do diálogo e, por fim, o papel do pesquisador é ter atitude de diálogo e apontar conhecimento científico sobre o tema (Gómez et al., 2016, p. 87).

A observação comunicativa nos permite apreciar as condutas habituais das pessoas, suas atitudes, interpretações, habilidades, elementos característicos da linguagem não verbal etc. As pessoas que intervêm, pesquisador e participante, estudam e compartem de maneira igual os significados da atuação e interpretam juntos. (...) Há um diálogo com as pessoas observadas, antes e depois da aplicação técnica, que de início serve para colocar os objetivos da observação e finalmente um diálogo durante a observação, sempre que não interfira na atividade que se está exercendo (Flecha; Vargas; Davila, 2004, p. 29, em tradução livre).

Diante da observação em sala de aula, foram realizados apontamentos relacionados a dúvidas ou sugestões para a professora da sala relacionadas às estratégias de ensino que envolvessem o estudante Carlos nas aulas. Consideraram-se também os seguintes princípios: selecionar o lugar, um contexto natural – neste caso, a sala de aula; realizar visitas para conhecer o espaço; conversar com as pessoas antecipadamente a respeito do propósito da pesquisa e perguntar se pode gravar ou fazer anotações; facilitar os horários; apresentar-se; informar o objetivo da pesquisa e a técnica utilizada, confrontar a pesquisa com a teoria científica sobre o tema e a opinião das pessoas envolvidas;  reorientar a conversa, caso tome outro rumo; e agradecer a colaboração (Gómez et al., 2016, p. 88-89).

A metodologia comunicativa crítica prevê uma participação dialógica em que os sujeitos participam juntos na reflexão da teoria e da prática, superando a divisão entre investigador e investigado, abandonando situações de poder e dando lugar para os argumentos e o entendimento entre todos os envolvidos (Gómez et al., 2006).
É um encontro entre o conhecimento científico e o conhecimento da prática exercida no contexto em que ocorre a pesquisa, um não eliminando o outro, já que a ação comunicativa é para todos.

Quem converte em tema o que os participantes se limitam a supor e adota uma atitude reflexiva frente ao “interpretandum” não se situa fora do contexto de comunicação investigado, mais sim o aprofunda e radicaliza por um caminho que em princípio está aberto a todos os participantes. Esse caminho que vai da ação comunicativa ao discurso está bloqueado de múltiplos modos nos contextos naturais, porém é algo inscrito sempre na ação orientada ao entendimento (Habermas, 1992, p.182, em tradução livre).

A pesquisa buscou encontrar caminhos para que esses conhecimentos fossem transformados e ampliados no contexto de atuação. Não é a pesquisadora que muda a realidade, mas as próprias pessoas envolvidas que decidem se desejam mudar, ou seja, não é o pesquisador que vai transformar a prática do professor na sala de aula, é o professor envolvido na pesquisa que irá reinterpretar a sua prática e decidir se irá ampliar ou confrontar tudo que foi aprendido no ambiente de trabalho. Ao envolver a professora da sala comum nas decisões das ações pedagógicas, pretende-se viabilizar transformações que atendam às reais demandas do estudante e sua família.

Procedimentos e análise dos dados

O primeiro passo foi apresentar a pesquisa para a equipe gestora da unidade escolar, solicitar autorização e fazer o mesmo com a mãe do estudante e com a professora. Com apoio da coordenadora, apresentamos na unidade escolar. O encontro com a diretora e a coordenadora aconteceu em curto espaço de tempo para acertos de autorização e explicar os objetivos da pesquisa. A coordenadora contribuiu com informações quanto à quantidade de alunos, profissionais e alguns detalhes que compuseram a escrita da caracterização da escola. Nesse encontro também definimos os dias de visita em sala de aula com a professora da sala comum. A equipe gestora solicitou que, ao final da pesquisa, fossem compartilhados, na reunião pedagógica, os resultados para compor a formação dos professores no ambiente de trabalho e para a troca de experiência.

A sala de recursos multifuncionais (SRM) foi adaptada (antes mesmo da pesquisa) utilizando os princípios do programa TEACCH no ano de 2018 pela professora especializada após iniciar estudos em curso de pós-graduação e outros de curta duração referentes ao programa e experimentar o uso da proposta na SRM. Devido aos bons resultados, decidimos manter organizada até os dias atuais. Para melhor compreensão dessa organização, iremos detalhar as características das divisões dos espaços, o significado de cada uma delas, a organização dos materiais e os recursos disponibilizados pela Secretaria de Educação.

As entrevistas e os roteiros de observação contribuíram para conhecer os participantes, compreender a prática docente e os procedimentos metodológicos usuais na sala comum que aconteceram antes da elaboração das adequações curriculares.

Nomeamos como “encontros” os momentos das entrevistas, as observações em sala de aula e intervenções com o estudante. Foram realizados três encontros com a mãe e uma vez por semana com a professora, envolvendo momentos de conversa para seleção de conteúdos, preparação das adequações e atuação junto com o estudante, além de quatro encontros individuais com Carlos para avaliação diagnóstica de habilidades. As quantidades dos encontros estão apresentadas aqui apenas com numeração aproximada. Em razão da flexibilidade dos professores e dos encontros com a mãe nos horários de entrada e saída do filho, esses encontros aconteceram de forma dinâmica. Eu, como pesquisadora e professora da SRM, desenvolvi a pesquisa no própria ambiente de trabalho, o que contribuiu para a flexibilização dos encontros com a família, o estudante e professora da sala comum.

Os dois primeiros encontros com a mãe do estudante Carlos tiveram duração de quatro horas para cada momento da entrevista. Nosso último encontro aconteceu no final do ano de 2019 para conversarmos sobre os resultados percebidos por ela quanto ao desempenho escolar do filho. Outros encontros aconteceram em momentos de aula para observação e apoio na aprendizagem do estudante. As atividades de observação e apoio para Carlos tinham em média uma hora e trinta minutos por encontro.

Quanto às entrevistas com a professora, a princípio ela pareceu arredia, pois já iniciou a conversa dizendo que não tinha conhecimento sobre autismo. No decorrer dos trabalhos, tudo fluiu com tranquilidade e, aos poucos, “meu papel como professora especialista” foi dando lugar a parceira de trabalho.

Na sequência, tivemos um período para apropriação da rotina em sala de aula, quando observei a interação do estudante nas aulas e constatei os ajustes nas estratégias de ensino e adequações curriculares envolvendo as atividades desenvolvidas em sala de aula. Em parceria com a professora, consideramos os itens que já faziam parte da rotina das aulas e os que poderiam ser implementados. Nesse momento, iniciamos a proposta de adequações curriculares, selecionando alguns conteúdos e os elementos do ensino estruturados para logo disponibilizar para o estudante. Nesse contexto, o trabalho na SRM e as contribuições do trabalho colaborativo aparecem como uma ação complementar que auxilia na inclusão do estudante na escola.

Por fim, todos os participantes avaliaram o trabalho que foi desenvolvido durante os meses da pesquisa e, ao final, tivemos a apresentação dos resultados para a comunidade escolar nas reuniões semanais.

Considerações finais

Diante dos resultados, consideramos que um trabalho de adequação curricular envolvendo o trabalho colaborativo entre professores não se resume a uma parceria entre dois professores, mas sim à participação de toda a equipe: gestores, docentes, família e estudantes. Por questões de tempo de pesquisa e organização do trabalho na unidade escolar, não foi possível concretizar o trabalho colaborativo envolvendo toda a equipe da escola, mas houve colaboração entre professor especializado e a professora da sala comum durante todo o estudo de atuação com o estudante e a elaboração das adequações curriculares. Além disso, os resultados desta pesquisa foram apresentados nas aulas de trabalho pedagógico coletivo (ATPC) que são reuniões semanais para todos os docentes; foram compartilhadas as adequações para que outros professores tomassem conhecimento das possibilidades de realizar esse modelo de trabalho com os pares.

Com o início do trabalho colaborativo, tomamos conhecimento de que não havia um planejamento de adequações para o estudante, pois tanto as atividades em sala como as avaliações eram feitas de forma aleatória. Conseguimos elaborar uma proposta de adequação curricular com base em princípios do estruturado na perspectiva do programa TEACCH para um estudante com TEA matriculado no 3º ano do Ensino Fundamental e percebemos os avanços em sala de aula. O estudante passou a interagir mais com colegas de classe, outros estudantes entenderam que às vezes Carlos não iria falar, iria ficar de cabeça baixa ou que levaria mais tempo para terminar as atividades. Os avanços na comunicação foi um dos pontos fortes na avaliação da professora Carolina, uma vez que, no último semestre de 2019, ele já solicitava ajuda sem precisar do cartão de comunicação, além da aprendizagem na leitura/escrita. A família ficou feliz e considerou o avanço na comunicação a mudança mais importante, pois havia meses e meses que não escutava a voz da criança.

Quando iniciamos a pesquisa, o estudante conhecia todas as letras, nomeava algumas sílabas e contava até cinquenta. No final do ano, porém, fazia adições com unidades, contando até cem e lendo palavras com sílabas simples. Em uma das atividades desenvolvidas no final do quarto bimestre, pouco antes do início das férias, o estudante disse: “Professora, sabia que eu já sei ler?”.

O ensino estruturado proposto no programa TEACCH pode ser ajustado ao currículo escolar, contribuindo, portanto, com a forma de apresentação das adequações no caderno, além de poder ser usado para outros estudantes. Os princípios do TEACCH podem ser levados para a sala de aula regular no quesito de estrutura visual, podendo estabelecer uma rotina e um uso do sistema de ensino independente. Estudos como esse envolvem o “fazer” adequações em um contexto real, não sendo, muitas vezes, necessário dispor de grandes recursos financeiros.

Precisamos realmente melhorar nossas práticas de ensino, considerar diferentes formas de participação do estudante durante sua passagem pela escola e, por vezes, até reduzir a necessidade de adequações personalizadas que talvez possam dificultar o processo de inclusão.

Para finalizar, faz-se necessário salientar que a pesquisa sobre a temática que envolve o processo de inclusão de pessoas com deficiência não se esgota aqui. Diferentemente do nosso estudo, que levou em consideração a adequação curricular e o ensino estruturado envolvendo um trabalho colaborativo entre professores para o desenvolvimento do estudante com TEA, uma investigação possível e que fica aberta a futuros pesquisadores seria examinar como trabalhar com o desenho universal de aprendizagem com vistas a auxiliar o processo de desenvolvimento acadêmico do estudante com TEA.

Referências

CAPELLINI, Vera Lúcia Messias Fialho. Adaptações curriculares na inclusão escolar: contrastes e semelhanças entre dois países. Curitiba: Appris, 2018.

FLECHA, Ramón; VARGAS, Julio; DAVILA, Andrés. Metodología comunicativa critica  en la investigación en ciencias sociales. La investigación Workaló. 2004.

FONSECA, Maria Elisa Granchi; CIOLA, Juliana de Cássia Baptistella. Vejo e aprendo: fundamentos do programa TEACCH e ensino estruturado para pessoas com autismo. 2ª ed. Ribeirão Preto: Book Toy, 2016.

GÓMEZ, Jesus; LATORRE, António; SÁNCHES, Montse; FECHA, Ramón. Metodologia Comunicativa Crítica. Barcelona: El Roure, 2006.

GRANDIN, Temple; PANEK, Richard. O cérebro autista: pensando através do espectro. Trad. Cristina Cavalcanti. 6ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2017.

HABERMAS, Jurgen. Teoria de la acción comunicativa I racionalidade de la acción y racionalización social. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus, 1992.

HEREDERO, Eladio Sebastián. Adaptaciones curriculares. Material de Curso. Marília: Unesp, 1999.

______. Necesidades educativas especiales y adaptaciones curriculares. Araraquara: Unesp/FCLAR, 2007.

______. A escola inclusiva e estratégias para fazer frente a ela: as adaptações curriculares. Revista Acta Scientiarum Education, Maringá, v. 32, nº 2, p. 193-208, 2010.

______; MANZANO, José Luis Galve; FLORES, Carlos Luis Ayala; SANZ, Jesús Cabrera. Programas de Diversificación Curricular. Madrid: Cepe, 1996.

LEON, Viviane Costa de. Práticas baseadas em experiências para aplicação do TEACCH nos Transtornos do Espectro do Autismo. São Paulo: Memnon, 2016.

MELLO, Roseli Rodrigues de. Metodologia Comunicativa Crítica: avanços metodológicos e produção de conhecimento na extensão universitária. In: ARAÚJO Filho, Targino; THIOLLENT, Michel Jean-Marie. Metodologia para projetos de extensão: apresentação e discussão. São Carlos: Cubo Multimídia/UFSCar, 2008.

MENDES, Enicéia Gonçalves; VILARONGA, Carla Ariela Rios; ZERBATO, Ana Paula. Ensino colaborativo como apoio à inclusão escolar: unindo esforços entre educação comum e especial. São Carlos: EDUFSCar, 2014.

SANTOS, Raquel da Silva; AZEVEDO, Sandra Raquel dos Santos. Metodologia Comunicativa Crítica: reflexões do Projeto Semiárido em Tela. In: XII CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE MÍDIA CIDADÃ, 2017. Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Comunicação. Anais... Juiz de Fora, 2017.

SCHMIDT, Carlo (Org.). Autismo, educação e transdisciplinaridade. Campinas: Papirus, 2013.

VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em educação: a observação. Brasília: Plano, 2003.

Publicado em 06 de outubro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Isis Grace da; TEXEIRA, Rosiley Aparecida. Adequação curricular e ensino estruturado: trabalho colaborativo entre professores para o desenvolvimento do estudante com TEA. Revista Educação Pública, v. 20, nº 38, 6 de outubro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/38/lou-adequacao-curricular-e-ensino-estruturado-trabalho-colaborativo-entre-professores-para-o-desenvolvimento-do-estudante-com-tea

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.