Aprendizagem "dentro e fora da caverna"

Claudia Menezes Nunes

Professora, mestra em Educação (UNIRIO). especialista em Tecnologia Educacional, Neurociência Pedagógica e Psicopedagogia (AVM/UCAM)

De novo pensando em aprendizagem. Em tempos de ensino remoto, de novo pensamos em aprendizagem. Na base da discussão, dois setores importantes: família e escola. No meio da discussão, aprendentes em desenvolvimento. Pomo da discórdia: conteúdo. Que pena! Nós estamos com faca, queijo e ratos em mãos para desenvolver novas possibilidades de criar e estimular aprendizagens, mas, de novo, o tal conteúdo.

Saímos de uma dimensão de realidade em que todos os comportamentos se realizavam em velocidade. Por uma questão de produtividade, objetividade e inovação, nós estávamos multissensoriais e multitarefas. Agora, na interseção do tempo, independente de nossa vontade (isso é ótimo), de novo, uma escolha se faz necessária: pílula azul (voltaremos à vida ilusória e superficial) ou pílula vermelha (enfrentamento da verdade de um mundo que julgávamos real)? E o medo prevalece. Um medo que paralisa. Um medo em que nos escondemos no ‘de sempre’. E, quando discutimos aprendizagem, em tempos de “ensino remoto”, lá vem o “de sempre”: conteúdo. Que pena!

Nós temos a oportunidade de construir, mesmo na urgência ou emergência, o mundo da pílula vermelha, ajudados pelas mídias digitais. Um mundo de homens de livre pensamento, estratégias de atuação firmes e versáteis em sociedade. Um mundo de muitos conteúdos, mas que precisa de inteligências para observá-los, associá-los, adaptá-los e executá-los de acordo com a necessidade, levando em consideração os outros e também suas necessidades.

Mesmo escolhendo a pílula vermelha, nossa humanidade sempre será um construto incerto. É o peso do tempo líquido de Bauman. Mesmo depois de aberta a porteira da quarentena, teremos nova pílula de cor ainda indefinida: transformação ou evolução? Então, dentro desse período de isolamento social, o que nos resta é reinventar a comunicação. Vivemos num tempo de provocação para recriar comunicação. Vivemos um tempo de inspiração para repensar comunicação. Para continuarmos aprendendo ou desenvolvendo aprendizagem, nós precisamos cocriar comunicação. Nessa seara a neurociência de novo nos ajuda. Quando nos referimos à comunicação, devemos entender conexão.

Diante de tantos estímulos diferentes, nosso terreno é o sistema nervoso em suas múltiplas funções, sendo influenciado em seu desenvolvimento intrauterino e por sua participação no meio ambiente extrauterino. É um sistema cujas células se comunicam veloz e intensamente, formando uma rede de interconexões mais profusas e profundas para sustentar a evolução e a transformação humanas.

Essas células agem em conjunto, nunca igual, com suas particularidades, e oferecendo competências e habilidades a nós, seres vivos humanos. Nós deveríamos, então, aproveitar o entendimento dessas intercomunicações, tão importantes para nossa sobrevida, para reajustar e qualificar nossas comunicações pós-quarentena. Pelo menos nós deveríamos ter essa intenção.

Nós estamos com tempo em mãos. Nossa máquina química (o cérebro) merece esse alento e essa atenção. Como afirma Viviane Mosé, nós somos “a espécie que pensa”. Será? Somos bioquímicos. Somos eletroquímicos. Somos biopsicossociais. Somos executivos. Mas não somos deuses! Com a intenção certa, nós precisaremos de novas maneiras de nos relacionar na pós-pandemia. E qual seria essa intenção? Aprender a “ser gente”, como sempre dizem as mães. Aprender a conviver com outras ferramentas, outros recursos e emoções. Aprender valores como humildade e respeito à diversidade executiva. Aprender que somos imperfeitos e precisamos “sair das cavernas” com outras posturas filiais, familiares, profissionais, educacionais, relacionais etc. Podem escolher!

Enquanto a intenção não surge, no meio de nós há aqueles que nos oferecem sinais para aprender (células bioelétricas); há aqueles que, com suas conexões, podem nos ajudar a amadurecer (células musculares, glandulares e muito nervosas); e há aqueles que agem em nossas memórias por um tempo, mas desaparecerão ou morrerão noutro tempo (ação de apoptose). E para que servem essas células ou pessoas? Para comunicação,cuja resposta dependerá de como o sistema nervoso foi estimulado e influenciado até então. Por isso, em tempos tão sombrios e surpreendentes, aprender é um processo de excitabilidade das células nervosas (capacidade de gerar potencial elétrico) ao movimento de comunhão com outras células, estabelecendo a vontade de continuar aprendendo de forma individual. É um movimento que une várias informações pessoais (memória singular) para conduzir corpo e mente ao prazer e à vontade de aprender. É complexo? Somos seres complexos também.

Nós estamos nos referindo aos potenciais de ação, liberação de transmissores químicos e hormônios preparando cérebro, corpo e mente para uma transformação emocional, cognitiva, física e social. E esse preparo acontece pela entrada de múltiplos estímulos continuamente. E apenas a carga contínua de conteúdos, no século XXI, não adianta mais; nós precisamos dar criatividade aos potenciais de ação, à nossa eletroquímica, aos nossos neurotransmissores para agir “fora das cavernas”.

Sentir, pensar e agir sob a égide da pílula azul nos daria desafios constantes e até cansativos; mas, sob a égide da pílula vermelha, nos dariam inovações, formas de cocriação, mais protagonismo, novos pontos de equilíbrio e ferramentais mentais estratégicos, de acordo com a intenção.

Em tempos de pandemia, experimentemos excitar as células nervosas para um futuro de possibilidades, não tanto de assertividades. Nossos aprendentes estão tão ansiosos quanto nós; vivem nosso tempo com tanto receio quanto nós; precisam de tantos entendimentos e atenções quanto nós; logo, em casa, com o ensino remoto, devemos aproveitar para excitá-los à compreensão da importância deste momento histórico no diálogo mais próximo, na pesquisa constante, nos desafios lúdicos e pedagógicos, nas leituras diferentes, no acesso às mídias, na escrita intencional, nas atitudes claras, nas relações significativas, em quaisquer dos ambientes em que isso for possível e necessário.

Em tempos de emergência humana, não percamos tempo! O humano se faz a partir da excitação da criatividade. Mudemos nossos olhares, esqueçamos um pouco a tradição, experimentemos a pílula vermelha, aceitemos o movediço do tempo como oportunidade e estimulemos rotinas de estudos com múltiplos significados e sentidos.

Nós estamos no tempo da verdade, da clareza, da potencialidade de conteúdos menos disformes e mais contextualizados. Tempo em que se exige saída da zona de conforto para pensar mais qualidade no processo de ensino-aprendizagem. Por isso trarei de novo um trecho que fiz em outro artigo.

Todo o conteúdo escolar existe na realidade, e é por isso que a escola existe. Só precisamos mudar o foco e nos perguntar: quem nós queremos gerindo nossa sociedade no futuro? O cara cheio de conteúdo ou o estratégico? Lembremos: o cara estratégico viveu muitas realidades e sabe o que fazer com o que aprendeu em situações de urgência; o cara de conteúdo disfarça, diz como aprendeu e manda fazer. Faça sua opção!

Publicado em 06 de outubro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

NUNES, Claudia Menezes. Aprendizagem "dentro e fora da caverna". Revista Educação Pública, v. 20, nº 38, 6 de outubro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/38/aprendizagem-dentro-e-fora-da-caverna

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