Evocação livre de palavras como instrumento de avaliação diagnóstica

Ana Carla de Oliveira Faria

Licenciada em Ciências Naturais (Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior/UFF)

Marcelo Nocelle de Almeida

Departamento de Ciências Exatas, Biológicas e da Terra (Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior/UFF)

Saviani (2011) iniciou o Capítulo 1 de seu livro Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações com uma pergunta: o que diferencia os homens dos outros animais? O próprio autor respondeu que os animais não humanos se adaptam à realidade natural de onde extraem sua subsistência. O homem, por outro lado, não se adapta à natureza; transforma-a para adaptá-la às suas necessidades; essa adaptação é feita pelo trabalho. Saviani conclui afirmando que a diferença entre homens e os outros animais é o trabalho. Assim, a transformação da natureza pelo homem cria, segundo ele, um mundo humano, o mundo da cultura.

Em outro momento, Saviani (2016) afirmou que características especificamente humanas não são herdadas geneticamente; são produzidas historicamente e herdadas pelos indivíduos, que ao nascer são inseridos em um contexto produzido pelas ações das gerações precedentes. Dessa forma, cada criança é influenciada pelos meios físico e social nos quais está inserida. Reforçando o que foi dito por Saviani (2016), Delizoicov et al. (2011) trouxeram essa condição humana para o contexto escolar afirmando que nenhum aluno é uma folha de papel em branco e muitos conceitos sobre variados assuntos são explicações socialmente construídas.

Nesse ponto fazemos nosso primeiro questionamento: como descobrir as explicações socialmente construídas pelos nossos alunos? Vamos buscar responder a essa pergunta utilizando a Teoria das Representações Sociais. Segundo Reis e Bellini (2011), “a Teoria das Representações Sociais é uma teoria sobre a produção dos saberes sociais”, isto é, saberes que são produzidos no cotidiano. Não serão abordados neste trabalho os aspectos teóricos acerca da Teoria das Representações Sociais. Detalhes mais aprofundados podem ser observados em Spink (1993), Alves-Mazzotti (1994, 2008), Alexandre (2004) e Reis e Bellini (2011).

O Brasil tem uma rica biodiversidade que abriga aproximadamente cerca de 13% das espécies descritas pela ciência em nível global (ICMBio, 2018). Em contrapartida, o Brasil também é o país que mais perde suas riquezas naturais, principalmente por meio de atividades que degradam os hábitats, pela introdução de espécies exóticas, pela biopirataria, pela caça e pela exploração descontrolada dos recursos (Silva, 2008). O cerrado, com 22%, e a Mata Atlântica, com apenas 8,1% de remanescentes, são os biomas mais destruídos e ameaçados do Brasil. A Mata Atlântica é conhecida como um hot spot mundial, por ser uma das florestas mais ricas em biodiversidade e taxa de endemismo do planeta (Mittermeier et al., 2005).

O processo de ocupação da Mata Atlântica teve início no período colonial e se estende até os dias atuais. Houve intensificação maior durante o século XX, atingindo atualmente uma redução em torno de 90%. O domínio da Mata Atlântica abriga a maior parcela da população brasileira, o que gerou, entre outras consequências, a degradação dos recursos naturais de maneira exacerbada, por meio da derrubada de diversos fragmentos de mata nativa, queimadas e os esgotos que são despejados sem tratamento diretamente nos rios de toda a região (Pádua, 2015). Toda essa perda deixou um grande número de espécies endêmicas sob risco de extinção – 593 espécies, segundo o ICMBio (2018); diversos autores têm ressaltado a necessidade e a importância da preservação deste bioma mundialmente conhecido como um dos mais ameaçados do mundo (Varjabedian, 2010).

O Estado do Rio de Janeiro está inserido integralmente no bioma Mata Atlântica, cujas fitofisionomias foram moldadas em função da variação do relevo, da geomorfologia, das bacias hidrográficas e do clima. Em função dessas características vegetais e geológicas, o estado possui elevada biodiversidade (Coelho et al., 2017). Na mesorregião Noroeste Fluminense predominavam as florestas estacionais semideciduais, que se mantiveram preservadas até meados do século XVIII (Peiter et al., 2011). A partir de 1760 teve início a colonização na região, que expandiu a fronteira agrícola (Marinho, 2017). Essa expansão iniciou a supressão quase total das florestas nativas do Noroeste Fluminense (Soffiati Neto, 2011), sendo substituídas ao longo do tempo pela pecuária leiteira, agricultura, extração de rochas ornamentais e indústria alimentícia (Silva Neto et al., 2013). Atualmente, a região encontra-se em franco processo de aridez (Soffiati Neto, 2011).

Devido a toda essa degradação ambiental, o Noroeste Fluminense possui atualmente 20 espécies ameaçadas de extinção, sendo três crustáceos, seis peixes, um réptil, oito aves e dois mamíferos. Conservar e proteger a biodiversidade não é tarefa fácil, mas se faz necessária, pois a cada nova lista vermelha lançada o número de espécies ameaçadas de extinção aumenta.

Promover o conhecimento da fauna local e sensibilizar os alunos em relação às espécies ameaçadas de extinção se constitui em um importante papel para a formação do aluno enquanto cidadão. A discussão desse tema na escola amplia o seu espectro, podendo alcançar, além das crianças, os pais e familiares de forma direta (Dias, 2013).

Assim, diante do exposto, o presente trabalho irá percorrer as seguintes questões: qual o conhecimento prévio dos alunos do 7º ano do Ensino Fundamental acerca do tema espécies ameaçadas de extinção? A Teoria das Representações Sociais pode ser usada como avaliação diagnóstica sobre esse tema?

Caracterização da Mesorregião Noroeste Fluminense

Formado por 13 municípios, o Noroeste Fluminense agrega apenas 2% de toda a população do estado. É a mesorregião com o maior índice de pobreza do estado e que possui a menor densidade demográfica (Sebrae, 2015).

O município de Santo Antônio de Pádua é o segundo maior do Noroeste Fluminense; tem como principais atividades agrícolas a plantação de tomate e a criação de gado leiteiro. No passado, era conhecida como a cidade das águas e das pedras, por possuir muitas fontes de águas minerais com propriedades medicinais e diversas pedreiras de onde são extraídas pedras ornamentais (Sebrae, 2015).

As principais atividades econômicas do município de Miracema, até meados do século XIX, eram as lavouras de arroz, feijão, café e milho. Atualmente, outras atividades econômicas, como o plantio de cana-de-açúcar e a pecuária leiteira, se destacam. O município possui uma reserva florestal conhecida como Horto Municipal de Miracema, aberta à visitação do público; seu espaço é muito utilizado para atividades de lazer e para o plantio de mudas que são utilizadas em projetos de reflorestamento.

Caracterização das escolas e do público-alvo

Este trabalho foi realizado em duas escolas municipais, uma localizada em Santo Antônio de Pádua e a outra em Miracema, ambas na mesorregião Noroeste Fluminense. As duas escolas ficam na zona urbana e atendem alunos do Ensino Fundamental regular dos anos iniciais até os anos finais, funcionando nos turnos matutino e vespertino. Este trabalho foi realizado com 51 alunos na faixa etária entre 11 e 14 anos regularmente matriculados no 7º ano do Ensino Fundamental, sendo 24 na escola de Santo Antônio de Pádua e 27 na escola de Miracema. A escolha do 7º ano se deu em razão de que no currículo do Ensino Fundamental o conteúdo Zoologia é abordado nesse ano.

Evocação livre de palavras

Conforme Reis e Bellini (2015), uma das metodologias para identificar a representação social é a coleta de dados. Nesse método, trabalha-se com pequenas amostras de diferentes populações para evidenciar os processos sociais a serem estudados. Uma das técnicas utilizadas nesse método é a evocação livre de palavras a partir de um tema gerador.

Assim, optou-se por utilizar a técnica de evocação livre de palavras como forma de descobrir o conhecimento prévio dos alunos, sujeitos da pesquisa, sendo realizada de acordo com Ferreira et al. (2005), Cortes Jr. et al. (2009) e Magalhães Jr. e Tomanik (2012; 2013). Ao utilizar a representação social para a realização de determinado trabalho, o intuito é investigar o que pensam, por que pensam e como pensam os indivíduos de um grupo acerca de determinado objeto de pesquisa. O estudo dessas representações tem por objetivo gerar um importante alicerce teórico baseado nas ações e práticas cotidianas de diferentes sujeitos (Almeida, 2005).

Em um primeiro momento, foi entregue aos alunos uma folha de papel A4 e lápis preto e foi solicitado que escrevessem as cinco primeiras palavras que lhes viessem à mente acerca do tema indutor “espécies ameaçadas de extinção do Estado do Rio de Janeiro”. Posteriormente, solicitou-se que classificassem essas palavras em ordem numericamente crescente, sendo um para a palavra considerada com grau de maior importância, dois para a segunda mais importante e assim por diante, até a menos importante sendo colocada na quinta posição.

As palavras evocadas pelos alunos foram analisadas em três etapas:

  • organização das palavras em grupos semânticos;
  • cálculo da frequência de ocorrência dos grupos semânticos; e
  • cálculo da ordem média de evocação (OME).

O método de agrupar as palavras evocadas de forma a organizá-las em grupos semânticos é uma importante ferramenta que visa evitar que termos e expressões semelhantes sejam considerados diferentes (Ferreira et al., 2005). As palavras que apareceram apenas uma única vez – frequência unitária – nas evocações dos alunos foram desconsideradas, levando em conta que, de acordo com esses autores, a representação só pode ser considerada como sendo representação social quando compartilhada por um conjunto de indivíduos inseridos num mesmo lugar da sociedade, compartilhando saberes.

Inicialmente cada uma das palavras evocadas pelos alunos colaboradores da pesquisa foi identificada e analisada separadamente, mediante o tema introdutor apresentado. Em seguida, essas palavras foram organizadas e reunidas em grupos semânticos conforme a proximidade dos elementos e expressões semelhantes, que puderam ser analisadas em cada vocábulo. Logo após esse procedimento, foi calculada a frequência dos grupos semânticos (FGS) utilizando a soma para identificar o número de vezes em que cada palavra foi citada.

A análise das evocações foi realizada utilizando o cálculo das ordens médias de evocação (OME); para isso considerou-se quantas vezes e em qual posição determinada palavra é citada, tornando possível a classificação dos elementos periféricos e centrais. Optou-se por utilizar a fórmula citada por Ferreira et al. (2005): OME = [(A x 1) + (B x 2) + (C x 3) + (D x 4) + (E x 5)]/FGS, em que as letras representam o somatório do número de vezes que determinada palavra foi evocada em cada posição e multiplicada pelo seu grau de importância, que na fórmula é representado pelos números. Ilustrado no Quadro 1 encontra-se o exemplo do grupo semântico “animais” da escola de Santo Antônio de Pádua. Para cada um dos grupos semânticos foi observada e calculada a OME separadamente, conforme representado no Quadro 1.

Quadro 1: Cálculo da frequência e da ordem média de evocação do grupo semântico “Animais” da escola municipal de Santo Antônio de Pádua

Exemplo: Grupo semântico “Animais”

Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 1º lugar: 2

Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 2º lugar: 3

Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 3º lugar: 3

Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 4º lugar: 3

Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 5º lugar: 2

Frequência total:  2 + 3 + 3 + 3 + 2 = 13

Cálculo da OME: [(2 x 1) + (3 x 2) + (3 x 3) + (3 x 4) + (2 x 5)]/13 = 3,0

Fonte: Adaptado de Ferreira et al. (2005).

Em seguida foram organizados e classificados os dados obtidos, sendo os diversos grupos semânticos dispostos em quadros com quatro quadrantes, em que o 1º quadrante é composto por elementos do núcleo central, ao 2º e 3º quadrante pertencem as palavras consideradas como grupo intermediário e o 4º quadrante seria o núcleo periférico das representações sociais (Ferreira et al., 2005; Cortes Jr. et al., 2009; Magalhães Jr.; Tomanik, 2012, 2013).

Os dados obtidos que foram considerados pertencentes ao núcleo central, dispostos no primeiro quadrante e por isso mais relevantes, foram analisados seguindo alguns critérios como: possuir frequência superior à frequência média de evocação; possuir OME inferior à OME média, ou seja, estar entre os termos que foram mais prontamente evocados; e, por último mas não menos importante, as palavras que foram consideradas com maior grau de importância em mais de 50% das vezes que foram citadas. É importante lembrar que as palavras classificadas no primeiro quadrante possuem alta frequência e baixa ordem de evocação; são aquelas que trazem maior interesse para a análise do núcleo central das representações sociais (Wachelke; Wolter, 2011).

Cabe aqui ressaltar que a participação dos alunos foi voluntária; os instrumentos de coleta de dados foram respondidos de forma anônima e a participação dos alunos não constituiu qualquer tipo de avaliação e não foi atribuída nota aos alunos em nenhuma disciplina regular.

Resultados e discussão

Foram evocadas 59 palavras diferentes em ambas as escolas; na escola de Miracema foram excluídas 32 palavras por se tratar de evocações unitárias; na escola de Santo Antônio de Pádua foram excluídas 38 pela mesma razão. As palavras restantes foram reunidas em grupos semânticos, os quais estão reunidos na Tabela 1.

Tabela 1: Frequência de evocação dos grupos semânticos e da ordem média de evocação (OME) das palavras na escola de Santo Antônio de Pádua (E.M.SAP), e na escola de Miracema (E.M.MIR)

Grupo semântico de palavras

Frequência de evocação

OME

E.M.SAP

E.M.MIR

E.M.SAP

E.M.MIR

Extinção

30

55

3,47

2,85

Caça

10

18

3,2

2,55

Animais

13

6

3,0

4

Tráfico

-

10

-

3,3

Natureza

6

-

2,17

-

Ameaçado

-

6

-

2,5

Maldade

-

6

-

2,33

Rio

4

-

2,5

-

Trabalho

4

-

2,75

-

Vida

3

-

1,67

-

Futuro

2

-

4,0

-

Desmatamento

-

2

-

4,5

Total

72

103

22,76

22,03

Média

9,0

14,7

2,85

3,14

Os resultados obtidos por meio da ordem média de evocação permitiram observar os núcleos centrais, intermediários e periféricos na escola de Santo Antônio de Pádua (E.M.SAP) (Quadro 2) e na escola de Miracema (E.M.MIR) (Quadro 3).

A análise da evocação livre de palavras produzida pelos alunos da escola de Santo Antônio de Pádua não permitiu incluir nenhum grupo semântico no núcleo central de evocações, localizado no primeiro quadrante. Isso ocorreu porque não houve determinada palavra ou grupo semântico evocado em posições superiores, uma vez que essa é a principal característica para que a OME seja baixa e a torne o núcleo central das evocações (Quadro 2). Isso se deve ao fato de que a turma nunca havia participado de atividade desse tipo antes e talvez não tenha compreendido a sua real finalidade.

O grupo semântico “Extinção” foi a expressão mais frequente em ambas as escolas. Contudo, ressalta-se que essa expressão se encontrava no termo indutor da pesquisa, e talvez por esse motivo tenha aparecido com elevada frequência nas evocações. Foi incluída no segundo quadrante na escola de Santo Antônio de Pádua, pois mesmo com elevada frequência foi hierarquizada em posições inferiores nas evocações (alta OME). Por outro lado, esse mesmo grupo semântico compôs o núcleo central das evocações na escola de Miracema, uma vez que apresentou alta frequência e baixa OME, isto é, foi hierarquizada em posições superiores.

Outro grupo semântico que compôs o núcleo central das evocações na escola de Miracema foi “Caça”. Acredita-se que esse fato se deva a um hábito muito comum na região, conforme foi relatado pelos próprios alunos durante a execução da atividade e nas atividades subsequentes. Alguns alunos relataram que em algumas oportunidades participavam da caça com familiares. Entre os animais caçados estão as jiboias (Boa constrictor Linnaeus, 1758), pombas-trocal (Patagioenas speciosa Gmelin, 1789) e tatus (não souberam informar a espécie exatamente). Ainda de acordo com os alunos, o objetivo da caça era a alimentação e concluíram afirmando que gostavam de caçar por ser uma prática “divertida”.

Dias (2013) entrevistou participantes de uma feira de ciências realizada em uma escola municipal de Ensino Fundamental em Osório/RS. Embora a maioria dos entrevistados respondesse ser contra a caça, um pequeno percentual respondeu que consome carne de caça raramente e às vezes. Proença et al. (2014) também investigaram as percepções de estudantes do Ensino Fundamental em relação às espécies exóticas em duas escolas da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS com alunos entre a 5ª e 8ª série do Ensino Fundamental. Mais de 75% dos alunos responderam que consumiam carne de espécies nativas e exóticas.

Quadro2: Composição dos núcleos central, intermediários e periférico das representações sociais da escola municipal de Santo Antônio de Pádua/RJ

Elementos centrais

1º quadrante

Elementos intermediários

2º quadrante

Frequência média ≥ 9,0

OME < 2,85

Frequência média > 9,0

OME ≥ 2,85

Freq.

OME

Freq.

OME

-

-

-

Extinção

30

3,47

Animais

13

3,0

Caça

10

3,2

Elementos intermediários

3º quadrante

Elementos periféricos

4º quadrante

Frequência média < 9,0

OME < 2,85

Frequência Média < 9,0

OME ≥ 2,85

Freq.

OME

Freq.

OME

Rio

4

2,5

Futuro

2

4,0

Natureza

6

2,17

Vida

3

1,67

Trabalho

4

2,75

Quadro 3: Composição dos núcleos central, intermediários e periférico das representações sociais da escola municipal de Miracema/RJ

Elementos centrais

1º quadrante

Elementos intermediários

2º quadrante

Frequência média ≥ 14,7

OME < 3,14

Frequência média > 14,7

OME ≥ 3,14

Freq.

OME

Freq.

OME

Extinção

55

2,85

-

-

-

Caça

18

2,55

Elementos intermediários

3º quadrante

Elementos periféricos

4º quadrante

Frequência média < 14,7

OME < 3,14

Frequência média<14,7

OME ≥ 3,14

Freq.

OME

Freq.

OME

Ameaçado

6

2,5

Tráfico

10

3,3

Maldade

6

2,33

Animais

6

4,0

Desmatamento

2

4,5

Presente no segundo quadrante da escola de Santo Antônio de Pádua e no quarto quadrante da escola de Miracema encontra-se o grupo semântico “Animais”, o qual foi formado pela união das palavras animais, espécies, bichos e macacos. A expressão “macacos” foi citada por dois alunos, que descreveram costumar ver alguns macacos na mata perto de suas casas, pois a cidade possui seus limites cercados por fragmentos de matas onde diversas pessoas relatam ver alguns macacos e outros animais silvestres. Outra expressão que compôs esse grupo semântico foi “arara-azul”. A citação dessa espécie pode ser devida ao fato de ser considerada espécie bandeira para a conservação das espécies ameaçadas de extinção. Uma alternativa que se soma àquela citada anteriormente foi a recordação do filme Rio, cujo enredo discorre sobre a extinção das araras-azuis e o tráfico de animais.

Cabe aqui uma reflexão: os alunos não evocaram nenhuma palavra que representasse espécies da flora ameaçadas de extinção. Será que os alunos consideram que apenas os animais estão em extinção?

O terceiro quadrante da escola de Santo Antônio de Pádua foi composto pelos elementos intermediários caracterizados por possuírem frequência e OME abaixo da média. Presentes nesse quadrante encontram-se os grupos semânticos “Rio”, “Natureza”, “Vida” e “Trabalho”. As palavras presentes nesse quadrante se referem a elementos do cotidiano, como pode ser observado na expressão “Trabalho”, porém não foi possível determinar se a intenção dos alunos foi afirmar que muitas pessoas trabalham com espécies ameaçadas de extinção ou se a extinção pode afetar o trabalho de forma geral. Da mesma forma, a expressão “Vida” pode significar que a extinção de espécies pode prejudicar todo e qualquer tipo de vida existente no planeta.

Os grupos semânticos “Ameaçado” e “Maldade” foram incluídos no terceiro quadrante da escola de Miracema. A expressão “Ameaçado” foi representada provavelmente em decorrência de compor o tema indutor. Alguns alunos acreditam que caçar ou colocar os animais em cativeiro são maldades feitas com os animais. Foram expressões relatadas por eles durante a execução da pesquisa.

Observou-se que o grupo semântico “Futuro” possui pequena representação social para os alunos da escola de Santo Antônio de Pádua, sendo um elemento periférico (4º quadrante) que foi evocado apenas duas vezes e que mostra que alguns alunos não versam apenas sobre espécies extintas, mas expõem que muitas outras espécies podem vir a ser extintas num futuro próximo.

As expressões “Tráfico” e "Desmatamento” foram classificadas como elementos periféricos (4º quadrante) na escola de Miracema. Conforme ressaltaram Branco e Ribeiro (2011), o comércio ilegal de animais silvestres é uma das causas para a extinção das espécies nativas. Contudo, em nosso estudo poucos alunos consideraram essa prática como uma ameaça para espécies nativas. Rodrigues e Leite (2014) e Lourenço et al. (2017) estudaram essa temática e concluíram que os meios de comunicação influenciaram a representação do tráfico de animais entre alunos do Ensino Fundamental e Médio. Nossos dados e a literatura indicam que esse assunto deve ser abordado com mais frequência nas escolas da Educação Básica.

A expressão “Desmatamento” foi incluída; sua baixa frequência de evocação indica que poucos alunos percebem que o desmatamento é uma das principais causas para a extinção das espécies. A expressão foi hierarquizada em posições inferiores, mostrando que possui pouca importância para os alunos. Nossa investigação demonstrou resultados opostos àqueles obtidos por Smiljanic e Almeida Jr. (2017). De acordo com esses autores, para 30,83% dos alunos do Ensino Básico e do Programa de Educação de Jovens e Adultos em escolas da rede pública no município de Mineiros/GO, o desmatamento é uma das causas de problemas ambientais globais.

Considerações finais

Após a análise da evocação livre de palavras podemos responder à primeira questão norteadora deste trabalho: qual o conhecimento prévio dos alunos do 7º ano do Ensino Fundamental acerca do tema espécies ameaçadas de extinção?

As representações obtidas demonstraram que os alunos possuíam poucos conhecimentos gerais sobre o tema. Dentre as expressões evocadas, a caça compôs o núcleo central da escola de Miracema e como elemento intermediário (2º quadrante) da escola de Santo Antônio de Pádua, o que consideramos muito significativo, uma vez que essa prática é uma das principais causas para a extinção das espécies. Contudo, outras duas importantes causas só estiveram presentes – e como elementos periféricos – na escola de Miracema: tráfico e desmatamento. Esses dados indicam a necessidade urgente de abordar esse tema com mais frequência nas escolas da Educação Básica.

Partindo do pressuposto de que a Teoria das Representações Sociais considera como verdadeiro o conhecimento de senso comum, permitindo ao sujeito se comunicar, se expressar e interpretar o mundo de forma mais simples, entendemos que o comportamento não é determinado pelas características objetivas da situação, mas sim pela representação dessa situação. Dessa forma, entendemos que a escola é um local onde circulam diversas representações que não podem ser desconsideradas, pois interferem em toda a prática pedagógica. O conhecimento dessas representações se fez necessário para a organização deste trabalho, pois é preciso conhecer a realidade do aluno e seu conhecimento prévio para que possam ser traçadas estratégias que envolvam e estimulem os alunos.

A segunda questão deste trabalho foi: a Teoria das Representações Sociais, por meio da evocação livre de palavras, pode ser usada como avaliação diagnóstica sobre o tema espécies ameaçadas de extinção? A avaliação diagnóstica pode ser feita por meio de vários instrumentos. Concluímos neste trabalho que a evocação livre de palavras pode ser um deles, agregando facilidade e simplicidade de execução, confiabilidade e análise. A avaliação diagnóstica instrumentalizará o professor e oferecerá subsídios para que ele possa construir práticas educativas significativas que integrem o conhecimento científico e a realidade local do aluno.

O ser humano possui infinitas habilidades de se comunicar com o mundo; entre elas está a capacidade de representar as coisas do cotidiano, em que cada sujeito atribui um significado às coisas que vive e presencia no mundo ao seu redor. Surge assim a representação social, que estabelece uma ligação entre as imagens que diferentes indivíduos produzem sobre determinado conteúdo de seu cotidiano, respeitando as experiências vividas pelos integrantes de uma sociedade.

Por último, os resultados obtidos indicaram que a evocação livre de palavras atendeu à expectativa inicial de funcionar como forma de avaliação diagnóstica.

Referências

ALEXANDRE, M. Representação social: uma genealogia do conceito.Comum, v. 10, nº 23, p. 122-138, 2004.

ALMEIDA, A. M. O. A pesquisa em representações sociais: proposições teórico-metodológicas. In: SANTOS, M. F. S.; ALMEIDA, L. M. (Orgs.). Diálogos com a Teoria das Representações Sociais. Recife: Universitária UFPE, 2005. p. 117-160.

ALVES-MAZZOTTI, A. J. Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à Educação. Em Aberto, ano 14, nº 61, p. 60-78, 1994.

______. Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à educação. Múltiplas Leituras, v. 1, nº 1, p. 18-43, 2008.

BRANCO, A. M.; RIBEIRO, H. Descentralização da gestão e manejo da fauna silvestre: o caso da divisão técnica de medicina veterinária e manejo da fauna silvestre do município de São Paulo. Interfacehs, v. 6, nº 1, p. 20-38, 2011.

COELHO, M. A. N.; BAUMGRATZ, J. F. A.; LOBÃO, A. Q.; SYLVESTRE, L. S.; TROVÓ, M.; SILVA, L. A. E. Flora do Estado do Rio de Janeiro: avanços no conhecimento da diversidade. Rodriguésia, v. 68, nº 1, p. 1-11, 2017.

CORTES Jr., L. P.; CORIO, P.; FERNANDEZ, C. As representações sociais de Química Ambiental dos alunos iniciantes na graduação em Química. Química Nova na Escola, v. 31, nº 1, p. 46-54, 2009.

DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências – fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez. 2011.

DIAS, V. G. A importância do estudo dos animais em extinção dentro da escola para a conservação das espécies a partir de relatos dos presentes na I Feira de Ciências da Escola 16 de Dezembro. Revista Mirante, v. 3, nº 1, p. 83-90, 2013.

FERREIRA, V. C. P.; SANTOS Jr., A. F.; AZEVEDO, R. C.; VALVERDE, G. A representação social do trabalho: uma contribuição para o estudo da motivação. Estação Científica, nº 1, p. 1-13, 2005.

INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio). Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção. Volume I. Brasília: ICMBio/MMA, 2018.

LOURENÇO, L. L.; OLIVEIRA NETO, J. F.; ROMANO, C. A.; PONTES, U. M. F. Tráfico de animais: o que dizem alunos do ensino médio? Amazônia - Revista de Educação em Ciências e Matemática, v. 13, nº 26, p. 100-108, 2017.

MAGALHÃES Jr., C. A. O.; TOMANIK, E. A. Representações sociais e direcionamento para a Educação Ambiental na reserva biológica das Perobas, Paraná. Investigações em Ensino de Ciências, v. 17, nº 1, p. 227-248, 2012.

______; ______. Representações sociais de meio ambiente: subsídios para a formação continuada de professores. Ciência & Educação, v. 19, nº 1, p. 181-199, 2013.

MARINHO, I. Processo de regionalização do Noroeste Fluminense. Rev. Tamoios, v. 13, nº 2, p. 78-93, 2017.

MITTERMEIER, R. A.; GIL, P. R.; HOFFMANN, M.; PILGRIM, J.; BROOKS, T.; MITTERMEIER, C. G.; LAMOUREX, J.; FONSECA, G. A. B. Hotspots Revisitados. Disponível em: https://www.conservation.org/global/brasil/publicacoes/Documents/HotspotsRevisitados.pdf. Acesso em: 22 maio 2018.

PÁDUA, J. A. A Mata Atlântica e a Floresta Amazônica na construção do território brasileiro: estabelecendo um marco de análise. Revista de História Regional, v. 20, nº 2, p. 232-251, 2015.

PEITER, C. C.; CARRISSO, R. C. C.; PIRES, D. C. B. O arranjo produtivo local de Santo Antônio de Pádua (RJ). In: Recursos minerais & sustentabilidade territorial. Arranjos Produtivos Locais. Rio de Janeiro: Cetem/MCTI, 2011. v. 2, p. 177-198.

PROENÇA, M. S.; OSLAJ, E. U.; DAL-FARRA, R. A. As percepções de estudantes do Ensino Fundamental em relação às espécies exóticas e o efeito antrópico sobre o ambiente: uma análise com base nos pressupostos da CTSA – Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente. Pesquisa em Educação Ambiental, v. 9, nº 2, p. 51-66, 2014.

REIS, S. L. A.; BELLINI, M. Representações sociais: teoria, procedimentos metodológicos e Educação Ambiental. Acta Scientiarum - Human and Social Sciences, v. 33, nº 2, p. 149-159, 2011.

RIO. Direção: Carlos Saldanha. Produção: Bruce Anderson, John C. Donkin. Estados Unidos: 20th Century Fox e Blue Sky Studios, 2011.

RODRIGUES, J. F. M.; LEITE, R. C. M. O que as crianças pensam sobre o tráfico de animais silvestres? Educação Ambiental em Ação, v. 12, nº 47, 2014.

SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011.

______. A Pedagogia histórico-crítica na educação do campo. In: BASSO, J. D.; SANTOS NETO, J. L.; BEZERRA, M. C. S. (Orgs.). Pedagogia histórico-crítica e educação no campo: história, desafios e perspectivas atuais. São Carlos: Pedro & João Editores e Navegando, 2016. p. 16-43.

SEBRAE. Painel Regional Noroeste Fluminense. Disponível em: http://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/RJ/Anexos/Sebrae_INFREG_2014_Noroeste.pdf. Acesso em: 15 jan. 2018.

SILVA, M. Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção. v. 1. Brasília: Fundação Biodiversitas, 2008.

SILVA-NETO, R.; BURLA, R. S.; WERNECK, L. G.; MACIEL, C. P. Proposta social, econômica e ambiental de exploração da silvicultura nas Regiões Norte e Noroeste Fluminense. Sistemas & Gestão, v. 8, p. 222-232, 2013.

SMILJANIC, K. B. A.; ALMEIDA Jr., J. J. Percepção ambiental dos estudantes de Ensino Básico e do Programa de Educação de Jovens e Adultos - EJA em escolas da rede pública no município de Mineiros-GO. Revista Interação Interdisciplinar, v. 1, nº 1, p. 5-20, 2017.

SOFFIATI-NETO, A. A. Breve estudo de eco-história sobre a utilização humana das florestas estacionais do Norte-Noroeste entre os períodos colonial e republicano. Vértices, v. 13, nº 2, p. 7-30, 2011.

SPINK, M. J. P. The concept of social representations in Social Psychology. Cad. Saúde Públ., v. 9, nº 3, p. 300-308, 1993.

VARJABEDIAN, R. Lei da Mata Atlântica: Retrocesso ambiental. Estudos Avançados, v. 24, nº 68, p. 147-160, 2010.

WACHELKE, J.; WOLTER, R. Critérios de construção e relato da análise prototípica para representações sociais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 27, nº 4, p. 521-526, 2011.

Publicado em 06 de outubro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

FARIA, Ana Carla de Oliveira; ALMEIDA, Marcelo Nocelle de. Evocação livre de palavras como instrumento de avaliação diagnóstica. Revista Educação Pública, v. 20, nº 38, 6 de outubro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/38/lou-evocacao-livre-de-palavras-como-instrumento-de-avaliacao-diagnostica

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.