Uma exposição sobre Astrobiologia como recurso didático no Ensino Médio

Rita de Cassia Gomes de Araujo Goes

Instituto de Biologia (Ibrag/UERJ), polo Cederj Nova Friburgo/RJ

Adriana Oliveira Bernardes

Pemat/UFRJ

Desde os primórdios, a humanidade tem mostrado o seu fascínio pelo Universo, buscando desvendar os mistérios das estrelas como forma de compreender a sua própria existência.

Neste percurso, finalmente o homem conseguiu chegar à Lua e explorar outros planetas. Não se contentando com o que encontrou no sistema solar, pesquisa hoje planetas localizados além deste sistema, os chamados planetas extrassolares.

Algumas perguntas que há muito tempo esperavam por respostas, finalmente puderam ser respondidas. Outras ainda aguardam o momento oportuno, e outras perguntas surgiram com a nova perspectiva de alcançar as estrelas e explorar o Universo. O desenvolvimento tecnológico e científico proporcionou ao homem alcançar o céu e conhecer muito do Universo.

Várias missões foram enviadas para o espaço, a Viking Program (1970), a Beagle II (20030), a Expose (2008) e a Curiosity (2011) são alguns exemplos de conquista do homem; essas sondas procuram por tipos de moléculas orgânicas, por água, microrganismos ou qualquer evidência de forma de vida.

E assim, surge uma nova ciência que pretende explicar como a vida começou aqui na Terra, a sua evolução e a possibilidade de vida no Universo.

Astrobiologia é ciência interdisciplinar que utiliza várias áreas do conhecimento, tais como a Biologia, a Geologia, a Microbiologia, a Física, a Química, a Astronomia, por exemplo, para desenvolver suas pesquisas e consolidar o seu conhecimento, tomando por base a pesquisa interdisciplinar (Santos et al., 2016).

Astrobiologia - uma ciência interdisciplinar

A ciência é ensinada de forma fragmentada, em blocos, proporcionando um aprendizado parcial, impedindo, desta forma, que as disciplinas se integrem e que os conteúdos sejam contextualizados Brandi e Gurgel (2002), tornando o aprendizado mais significativo e interessante, quando visto por vários ângulos, dando significado e sentido para aquilo que estamos aprendendo, contribuindo para um olhar mais crítico para a realidade à nossa volta.

A Astrobiologia mudou a visão da definição da vida como conhecemos e trouxe à tona a problemática da origem da vida, após a descoberta de moléculas orgânicas encontradas num fragmento de meteoro, com a descoberta dos exoplanetas e de água em Marte (Impey, 2009).

Mas, afinal, o que é a vida? A Nasa (National Aeronautics and Space Administration) define a vida como “um sistema químico autossustentável sujeito à evolução darwiniana” (Joyce, 1994). A definição de vida, pelo olhar da Física, é baseada na lei da Termodinâmica de Schrödinger (1997). Essa é uma das várias definições, porém o conceito de “vida” é muito mais complexo e amplo, à medida que adquirimos novos conhecimentos e nos deparamos com situações às quais certos conceitos não podem ser aplicados (Damineli, 2007).

Inicialmente, a Terra primitiva não tinha atmosfera e era composta por dióxido de carbono, sem oxigênio, um ambiente inóspito para o desenvolvimento da vida (Kasting, 1993).

Ao longo dos anos, surgiram teorias sobre como a vida surgiu. A teoria da abiogênese, de Aristóteles (384-322 a.C.), explica que a vida surgiu de forma espontânea, o que foi refutado mais tarde pelos experimentos de Louis Pasteur. Posteriormente, foi apresentada a teoria da biogênese de Francesco Redi (1626-1697), onde a vida teria surgido a partir de outra vida. Em 1920, Oparin e Haldane propuseram a teoria de que a vida na Terra se originou a partir de material orgânico que se formou na Terra primitiva e posteriormente nos oceanos, a partir de uma evolução química. E finalmente, a panspermia, que acredita que a vida se originou no espaço.

Em 1952, Stanley L. Miller e Harold C. Urey fizeram um experimento que reproduziu as condições da Terra primitiva e confirmou que moléculas inorgânicas formam as moléculas orgânicas a partir da mistura de metano, amônia e hidrogênio para formar aminoácidos, utilizando descargas elétricas.

A árvore da vida é organizada em três domínios: Eukarya, Bactérias e Archaea, que representa os seres que vivem em ambientes inóspitos. Chega-se então à ideia de que devemos considerar a possibilidade de organismos vivos em outros sistemas solares (Woese et al.,1990;1998).

Os extremófilos habitam os mais variados tipos de ambiente onde a vida como conhecemos seria impossível de se desenvolver. Fontes termais, lagos ácidos, regiões de lodo tóxico de áreas poluídas, regiões hipersalinas, usando como base para o seu metabolismo o dióxido de carbono, ácido sulfúrico, o metano e a amônia - o que despertou o interesse dos pesquisadores e tornou estes seres objeto de estudo, inclusive para explicar a origem da vida em nosso planeta.

Astronomia na Escola

Em 2012, foram incluídos no currículo de Física da rede estadual do Rio de Janeiro conteúdos de Astronomia. As habilidades e competências a serem desenvolvidas relacionadas ao conteúdo estão listadas no quadro abaixo.

Habilidades e competências do Currículo Mínimo Estadual de Física relacionadas à Astronomia

Saber comparar as ideias do Universo geoestático de Aristóteles-Ptolomeu e heliostático de Copérnico-Galileu-Kepler.

Conhecer as relações entre os movimentos da Terra, da Lua e do Sol para a descrição de fenômenos astronômicos (duração do dia/noite, estações do ano, fases da lua, eclipses, marés etc.).

Reconhecer ordens de grandeza de medidas astronômicas.

Compreender os conceitos de velocidade e aceleração associados ao movimento dos planetas associados ao movimento dos planetas.

Reconhecer os modelos atuais do Universo (evolução estelar, buracos negros, espaço curvo e Big-Bang).

Fonte: Currículo Mínimo Estadual do Rio de Janeiro.

A interdisciplinaridade é, num contexto mais amplo, a troca de conhecimento entre as diversas áreas do conhecimento. Isso é evidenciado quando pensamos nas diversas áreas do saber que se interagem para resolver uma problemática.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),

a interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de significados e registro sistemático dos resultados (Brasil, 1999, p. 89).

Neste contexto, percebemos a importância da integração das disciplinas para uma melhor compreensão não fragmentada, mas em sua totalidade, a partir de visões e abordagens diferentes áreas do conhecimento. O uso da Matemática, da Física, da Química, da Filosofia, por exemplo, para criar um modelo que explique “o que é a vida”, muito além do modelo biológico que conhecemos.  E a Astrobiologia pode ser inserida no ambiente escolar, adequando essa área do conhecimento ao currículo mínimo da área de Ciências, adequando os temas à realidade escolar.

A Astrobiologia já foi introduzida no Ensino Médio com êxito em sala de aula, apresentando resultados importantes. Em Portella; Bernardes (2017), as autoras que desenvolveram o projeto, afirmam que: “Temas de Astrobiologia são apresentados todos os dias pela mídia, e muitos desses temas são alvo de interesse dos alunos, que discutem entre si e recorrem ao professor em busca de mais informações”.

Neste trabalho, busca-se uma integração entre as várias áreas do saber, proporcionando aos alunos um conhecimento mais amplo da ciência, que deve ser apresentada de forma contextualizada e não fragmentada ou em blocos. Neste contexto, os temas abordados na Astrobiologia fazem conexão com os temas estudados na sala de aula e trazem o conhecimento científico, o que é estudado nas universidades, para o espaço do aluno, incentivando seu interesse sobre o que é estudado. Além de despertar o senso crítico, a formação de opinião, o questionamento, contribuindo para a formação de cidadãos, o que é uma das premissas da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de 1996, favorecendo assim a formação de seres pensantes capazes de entender, se posicionar e questionar perante questões científicas e da realidade à sua volta.

Metodologia

Este trabalho foi desenvolvido no Colégio Estadual Canadá, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, nas turmas do Ensino Médio do turno matutino. Participaram do trabalho, respondendo ao questionário, aproximadamente 46 alunos, com idade entre 15 e 19 anos, de ambos os sexos.

Num primeiro momento, aplicamos um questionário com questões fechadas para podermos avaliar o conhecimento prévio dos alunos sobre o tema, conforme abaixo:

1) Você sabe o que é Astrobiologia?

            Sim (   )   Não (  )     Explique:

2) Você sabe quais são as condições para que a vida possa existir?

           Sim (  )       Não (   )   Explique:

3) Você sabe o que é um exoplaneta?

          Sim (   )      Não (  )  Explique:

4) Você sabe o que são os seres extremófilos?

          Sim (   )   Não (   )    Explique:

Após o preenchimento do questionário, os alunos se dirigiram para o pátio da escola, onde puderam conhecer os pôsteres com os seguintes temas: Astrobiologia, definição e conceitos; A Terra primitiva; e A origem da vida na Terra, onde foram apresentadas as teorias sobre a origem da vida, como a Teoria Criacionista, a Teoria de Gaia, a Teoria de Oparin e seus experimentos, a geração espontânea, as descobertas de Pasteur, o experimento de Miller, a teoria da panspermia, a definição do que é a vida e suas propriedades e características.

A exposição abordava também: os três reinos e a árvore filogenética, com ênfase nas Arqueias, Extremófilos, seres que vivem em condições extremas, e o tardígrado, um artrópode minúsculo, alvo de estudos, pois se adapta a vários ambientes diferentes em condições extremas. A exposição abordava também o conceito de bioassinaturas, importante método de detecção de vestígios de vida, a definição de exoplanetas e habitabilidade, os locais onde há possibilidade de a vida se desenvolver, e a busca por água.

Resultados

Os alunos participaram da apresentação, num primeiro momento, como ouvintes; posteriormente, interagiram, questionaram, deram a sua contribuição, colocando o seu posicionamento sobre o assunto.

Em relação à Questão 1, sobre o que é a Astrobiologia, antes da apresentação do pôster, cerca de 75% dos alunos erraram e cerca de 25% acertaram a questão. Após a apresentação do pôster, cerca de 72% dos alunos acertaram e somente 28% erraram a questão.

Em relação à Questão 2 sobre as condições para que haja vida, antes da apresentação do pôster cerca de 75% dos alunos erraram e cerca de 25% dos acertaram a questão. Após a apresentação do pôster, cerca de 72% dos alunos acertaram e 28% erraram a questão.

Em relação à questão sobre o conceito de Exoplaneta, antes da apresentação do pôster cerca de 71% dos alunos erraram e 29% dos alunos acertaram a questão. Após a apresentação do pôster, cerca de 79% dos alunos acertaram e 21% erraram a questão.

Em relação à Questão 4, antes da apresentação do pôster, cerca de 71% dos alunos erraram e 29% dos alunos acertaram a questão. Após a apresentação do pôster, cerca de 79% dos alunos acertaram a questão e 21% erraram a questão.

Considerações finais

Pelos resultados obtidos, é possível concluir a importância de buscar novas maneiras de ensinar e divulgar Astronomia na escola; neste caso específico, o uso da Exposição para a motivação da aprendizagem da ciência (Leite Filho; Mancuso, 2006).

Falar dos resultados obtidos é um tanto precoce, porém é possível perceber o aproveitamento dos alunos, comparando os dados antes e depois da realização da exposição – o que mostra o quanto é importante buscar alternativas para enriquecer o aprendizado. Este trabalho pode ser considerado como instrumento da divulgação científica e do ensino da ciência de forma contextualizada, proporcionando o aprendizado e o crescimento pessoal enquanto cidadãos.

Essa apresentação abre possibilidades de desenvolvimento de ações conjuntas, tais como atividades de Biologia, integradas a outras áreas do conhecimento, contribuindo para que se desperte no público o gosto pela ciência. Busca-se, também, contribuir para a percepção da comunidade sobre a produção científica no país e mostrar a exposição como um meio eficaz de divulgação, motivação do ensino e como troca de conhecimento, contribuindo para que o aluno construa e expresse os seus próprios conceitos e desenvolva o senso crítico e argumentativo, deixando de ser um mero observador e absorvedor de informações. O despertar pela ciência.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

BRANDI, A. T. E.; GURGEL, C. M. do A. Alfabetização científica e o processo de ler e escrever em séries iniciais: emergências de um estudo de investigação-ação. Ciência e Educação, São Paulo, v. 8, nº 1, p. 113-125, 2002.

D ́ÁVILA, C. et al. Profissão docente: novos sentidos, novas perspectivas. Campinas: Papirus, 2008.

IMPEY, Chris. O Universo vivo: nossa busca por vida no cosmo. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009. Disponível em: https://www.astrobio.net/origin-and-evolution-of-life/os-tres-dominios-da-vida/. Acesso em: 10 jul. 2019.

KASTING, J. F. Earth's Early Atmosphere. Science,v. 259, p. 920-926, 1993.

LEITE FILHO, Ivo; MANCUSO, Ronaldo. Feira de Ciências no Brasil: uma trajetória de quatro décadas. Brasília: Programa Nacional de apoio às Feiras de Ciências da Educação Básica, 2006.

PORTELLA, A. F.; BERNARDES, A. O. Introduzindo o estudo da Astrobiologia em colégio da rede estadual do Rio de Janeiro: uma experiência no âmbito do Proemi. Educação Pública, v. 17, no 17, 2017. Disponível em: https://educacaopublica.cederj.edu.br/artigos/17/17/introduzindo-o-estudo-da-astrobiologia-em-colgio-da-rede-estadual-do-rio-de-janeiro-uma-experincia-no-mbito-do-proemi. Acesso em 10 mar. 2020.

RIO DE JANEIRO (Estado). Secretaria de Educação. Currículo Mínimo Estadual de Física. Rio de Janeiro: Seeduc, 2012.

SANTOS, C. M. D.; ALABl, L. P.; FRIAÇA, A. C. S.; GALANTE, D. On the parallels between cosmology and astrobiology: a transdisciplinary approach to the search for extraterrestrial life. International Journal of Astrobiology. Doi: 10.1017/S1473550416000094.

SCHRODINGER, Erwin. O que é vida? O aspecto físico da célula viva - seguido de mente e matéria. São Paulo: Unesp, 1997.

WOESE, C. R. The universal ancestor. Proc. Natl. Acad. Sci., v. 95(6), p. 854-859, 1998.

______; KANDLER, O.; WHEELIS, M. L. Towards a natural system of organisms: proposal for the domains Archaea, Bacteria, and Eucarya. Proc. Natl. Acad. Sci., v. 87, p. 4.576-4.579, 1990.

Publicado em 06 de outubro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

GOES, Rita de Cassia Gomes de Araujo; BERNARDES, Adriana Oliveira. Uma exposição sobre Astrobiologia como recurso didático no Ensino Médio. Revista Educação Pública, v. 20, nº 38, 6 de outubro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/38/lou-uma-exposicao-sobre-astrobiologia-como-recurso-didatico-no-ensino-medio

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