Contextualizando o pH por meio de uma aula criativa para alunos da Educação de Jovens e Adultos

Anaquel Gonçalves Albuquerque

Mestre em Humanidades, Cultura e Artes (Unigranrio), especialista em Educação de Jovens e Adultos (UFF), Gestão Escolar (UFF) e Gênero e Diversidade (UERJ), graduada em Pedagogia (UERJ), atua como apoio à direção da Escola Municipal Deputado Hilton Gama (SME/RJ) e mediadora (Consórcio Cederj)

Maria José da Silva de Oliveira Quirino

Mestre em Ensino de Ciências (IFRJ), graduada em Ciências Biológicas (UFRJ), técnica em controle ambiental (Cefeteq), docente (Seeduc/RJ) e na SME/RJ

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino destinada aos jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso à educação na idade apropriada, possibilitando a qualificação desses indivíduos para que alcancem melhores oportunidades no mercado de trabalho. Sua realização é assegurada pela Constituição Federal de 1988, em seu Art. 208, ao determinar que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: Ensino fundamental obrigatório e gratuito para todos aqueles que não tiveram acesso na idade própria”. Corrobora ainda para a existência dessa modalidade de ensino a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), ao definir como objetivo da EJA a formação básica do cidadão, de acordo com seu Art. 32.

Os alunos da Educação de Jovens e Adultos são, em sua maioria, trabalhadores que tiveram suas trajetórias escolares interrompidas e que buscam na EJA uma oportunidade de retomar e concluir seus estudos. O perfil da EJA noturna inclui desde os jovens que ultrapassaram a idade estabelecida para estudar no diurno a donas de casa, idosos e adultos trabalhadores.

Pedroso (2010) destaca que o público atendido pela EJA é formado por pessoas que, na idade regular, não puderam estudar ou até mesmo desistiram dos estudos por não se sentirem atraídos pelo conteúdo escolar. Neste sentido, se faz necessário, que os professores que trabalham na EJA considerem toda a diversidade deste público e compreendam que a maior parte da turma geralmente é composta por pessoas que tiveram uma jornada de trabalho intensa ao longo do dia e, por este motivo, lutam contra o cansaço para que possam completar os estudos. Para auxiliar este público no alcance de seus objetivos, é importante levar em conta uma metodologia de ensino que ofereça aulas atrativas, prazerosas e significativas. Considerando o Ensino de Ciências como um todo e a importância das aulas práticas de Ciências, vale ressaltar que

as atividades práticas são indispensáveis para a construção do pensamento científico, por meio de estímulos ocasionados pela experimentação. Na aula teórica, o aluno recebe as informações do conteúdo por meio das explicações do professor, diferentemente de uma aula prática, pois ao ter o contato físico com o objeto de análise, ele irá descobrir o sentido da atividade, o objetivo e qual o conhecimento que a aula lhe proporcionará (Bartzik; Zander, 2016, p. 33).

Sendo assim, acreditamos que as aulas práticas possam trazer uma aprendizagem mais significativa, sendo capazes de auxiliar na contextualização do conhecimento para este púbico diverso composto por jovens e adultos.

O contexto da contextualização

Segundo Kato e Kawasaki (2011), o surgimento da contextualização se deu em um período no qual os conteúdos trabalhados em sala de aula eram apresentados de forma isolada e fragmentada, caracterizados pelo afastamento de seus contextos de produção científica, educacional e social. Visando assegurar a aprendizagem, os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 2000) enfatizam que, ao se utilizar as experiências vivenciadas pelos alunos durante a abordagem dos conteúdos propostos nas aulas de Ciências, os conhecimentos já estabelecidos por estes indivíduos passam a ser reconstruídos, estando alicerçados no conhecimento científico. Sendo assim, ao se propor aulas práticas no cotidiano escolar, tomando por base as vivências dos alunos, contribui-se para o estímulo à curiosidade, iniciativa e autoconfiança, possibilitando ainda o aprimoramento do desenvolvimento de habilidades linguísticas, mentais e de concentração, bem como exercitando interações sociais e trabalho em equipe, como enfatiza Vygotsky (1989).

Para Silva (2007), a contextualização se caracteriza pelas relações que se estabelecem entre o que os alunos sabem sobre o contexto a ser estudado e os conteúdos a que estão interligados. Desta forma, a prática de aulas de Ciências contextualizadas podem auxiliar na aprendizagem de conceitos importantes e relacionados ao mundo que nos cerca, como veremos no decorrer do presente trabalho.

A contextualização na abordagem das Ciências

Mortimer (2000) afirma que a visão limitada de Ciências dos alunos é resultante de um processo em que a estrutura escolar trata o conhecimento científico como algo pronto e acabado, sem oportunizar ao estudante o questionamento sobre verdades ditas como absolutas.

A partir de então, acreditamos que as aulas práticas com experimentação compõem o leque das possibilidades para a aprendizagem em Ciências, sendo apenas uma dentre as muitas alternativas possíveis, para que de fato ocorra a aprendizagem. Assim, a atividade prática se apresenta como mais uma forma de levar os estudantes a perceberem o ensino de Ciências como uma ferramenta importante para sua formação crítica e questionadora quanto ao mundo que os cerca. Sobre isto, Broietti e Leite (2019, p. 27) citam que “a contextualização no ensino de Ciências abarca competências de inserção da ciência em um processo histórico, cultural e social”. Assim, a aprendizagem se dá de maneira mais interessante, possibilitando que a ciência seja associada a uma construção humana.

No entanto, vale ressaltar que a atividade experimental, para ser proveitosa e verdadeiramente auxiliar na construção de conhecimento, precisa ser bem elaborada pelo professor, que deve levar em consideração os conhecimentos prévios dos alunos e aproveitá-los no processo de construção de conhecimento junto à turma.

Por conseguinte, não é tão simples realizar uma aula prática de Ciências com os alunos, principalmente em escolas da rede pública. Isto porque, em sua maioria, as escolas não dispõem de laboratórios, equipamentos e/ou instrumentos para esta finalidade. Sobre isto, Cruz (2007) ressalta as dificuldades encontradas nesta área, ao nos depararmos com um grande quantitativo de escolas que sequer possuem laboratório para realização de experimentações, ou até mesmo configurando como espaço sucateado e desprovido de investimentos capazes de assegurar a sua respectiva modernização. Desta forma, é preciso reconhecer a necessidade da utilização de outros espaços escolares para que se possa estabelecer a relação entre a teoria e prática no ensino de Ciências, compreendendo que a experimentação não deve se restringir apenas ao laboratório em si, mas na utilização da própria sala de aula ou em qualquer outro local que não ofereça risco para os alunos, mas que possibilite a mudança da rotina proporcionada pelas aulas tradicionais, como ressaltam Oliveira e Gastal (2009).

É preciso também reconhecer que ao idealizar uma aula prática, na maioria das vezes, o próprio docente terá que providenciar e arcar com todo o custeio de uma aula experimental. E por este motivo é que foi idealizada e realizada uma aula para identificar substâncias ácidas, neutras e básicas por meio da identificação do pH com materiais de baixo custo e do dia a dia dos alunos.

Desta forma, apresentamos a seguir as características do estabelecimento em que se deu a experiência escolar, seguido do detalhamento prático das ações desenvolvidas.

O lócus da pesquisa

A experiência prática foi realizada em uma unidade escolar pertencente à rede municipal de educação do Rio de Janeiro, que atende às modalidades regular de ensino e a Educação de Jovens e Adultos (EJA), sendo destinada aos anos finais de escolaridade do 2º segmento de ensino ( 6º ao 9º ano e bloco II, respectivamente).

Os alunos pertencentes à Educação de Jovens e adultos são atendidos no turno da noite e usufruem dos mesmos direitos dos alunos matriculados no ensino regular, tais como uniforme escolar, RioCard, material didático e alimentação. Geralmente, as turmas comportam  20 a 35 alunos.

Como disciplinas do currículo a serem trabalhadas no cotidiano escolar, temos Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, História, Ciências, Linguagens Artísticas e Língua Estrangeira.

A escola em relevo localiza-se em um bairro de alta periculosidade, sendo desprovida de laboratórios de pesquisa. Não há laboratório de Ciências, e o Laboratório de Informática encontra-se em condições inadequadas para uso, de maneira que as aulas diferenciadas são geralmente realizadas no próprio espaço da sala de aula ou refeitório.

pH: um aprendizado prático

Podemos conceituar o pH como uma escala numérica adimensional utilizada para indicar a acidez, neutralidade ou basicidade de uma solução. O pH (potencial hidrogêniônico) é determinado pela concentração de íons de hidrogênio (H+) dispersos na solução. Os valores de pH variam de 0 a 14. As substâncias que possuem valores de pH entre 0 a 7, são consideradas ácidas, valores em torno de 7 são consideradas neutras e valores acima de 7 são denominadas básicas ou alcalinas. Observe a seguir a escala de pH (Figura 1).

Figura 2: https://www.manualdaquimica.com/fisico-quimica/indicadores-acido-base-naturais.htm

Os ácidos e as bases são substâncias que têm por característica certo grau de corrosão e são considerados opostos químicos. Conceitualmente, podemos dizer que as bases, em contato com solução aquosa, liberam íons negativos, as hidroxilas (OH-) e os ácidos, em contato com água, liberam íons positivos de hidrogênio (H+). Para indicar a acidez ou basicidade de uma substância, são utilizados os indicadores ácidos-bases, substâncias naturais (como extratos de plantas, vegetais) ou sintéticas que possuem a capacidade de mudar de cor de acordo com o pH do meio. Então, percebe-se que apenas conceituar em sala de aula e definir não trará aos alunos a real importância e significação deste conhecimento. Porém acreditamos que com a aula prática, a percepção e compreensão do tema, bem como sua desmistificação quanto à agressividade e periculosidade dessas substâncias presentes em diversas substâncias do seu cotidiano, possa ser esclarecida.

Sendo assim, o objetivo inicial deste trabalho foi a realização de uma aula experimental contextualizada, de baixo custo, sobre pH, com alunos da EJA, relacionando-se assim teoria e prática. Já o objetivo da aula prática foi a determinação do pH ácido ou básico de substâncias presentes no dia a dia dos alunos a partir de uma solução indicadora de repolho-roxo.

Metodologia, materiais utilizados e procedimentos experimentais

O experimento para determinação do pH de substâncias do cotidiano dos alunos foi realizado com uma turma de 35 alunos da EJA de uma escola pública do município do RJ. Essa turma faz parte da última unidade de progressão do ensino fundamental do Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA).

A identificação do pH das substâncias se deu por meio de um indicador natural ácido-base. Primeiramente, os alunos tiveram uma aula teórica sobre os conceitos de ácidos e bases e a função dos indicadores. Posteriormente, procedeu-se com a parte prática.

Materiais: repolho roxo, água, coador, liquidificador, copos descartáveis transparentes, luvas descartáveis, canetas para identificação, soda cáustica, limpador com amoníaco, água sanitária, detergente, vinagre, suco de limão, sabão em pó, antiácido, bicarbonato.

Procedimento: Preparo do extrato de repolho roxo – Bater no liquidificador cinco folhas de repolho roxo para 1 litro de água. Coar. Logo após identificar os copos com os nomes das substâncias que serão testadas. Calçar as luvas e adicionar cerca de 100mL de extrato de repolho-roxo nos copos descartáveis; depois, em cada copo, adicionar cerca de 10-20mL de cada uma das substâncias. Observar, verificar a coloração, comparar com a Figura 2 e anotar os resultados no caderno.

Resultados e discussões

Ao perceber as mudanças de coloração, os estudantes questionaram sobre o que fazia do extrato de repolho roxo uma substância indicadora. Foi solicitado pela professora que os estudantes utilizassem seus próprios celulares como forma de pesquisa. A partir de então, eles descobriram que a antocianina é a substância que muda de cor na presença de ácidos e bases e que está presente no repolho roxo e em outros vegetais, frutas e flores. Comparando as cores obtidas com a tabela de cores de pH disponibilizada, obtiveram os seguintes resultados: soda cáustica (coloração amarela, pH = 13), limpador com amoníaco (coloração verde muito claro , pH = 12), água sanitária (coloração verde limão, pH = 11), detergente (coloração azul, pH = 7), vinagre (coloração rosa, pH = 5), suco de limão (coloração vermelha, pH = 2), sabão em pó (coloração verde intenso, pH = 9), antiácido (coloração verde azulado, pH = 8), bicarbonato (coloração verde azulada, pH = 8). Os alunos perceberam que o antiácido e o bicarbonato, ambos utilizados para amenizar a “queimação” no estômago, possuíam valores iguais de pH. Nesse momento, a professora teceu uma breve explicação quanto ao seu uso, relembrando com os alunos o pH do estômago e o ácido que está presente no órgão para a digestão dos alimentos.

Conclusões

Preliminarmente, durante as aulas teóricas, o tema pH se mostrara distante e abstrato aos alunos. No entanto, durante a experimentação, eles conseguiram compreender que o pH era a “tal unidade adimensional” que determinava acidez, neutralidade e basicidade. Com a experimentação, foi possível que os estudantes percebessem ácidos e bases como opostos químicos, a partir da visualização das colorações e dos valores evidenciados na tabela de pH.  O objetivo inicial de realizar uma aula experimental de baixo custo relacionando teoria e prática foi alcançado.

Evidenciamos que os estudantes fizeram um link sobre os valores encontrados para o pH dos antiácidos e do bicarbonato, e a explicação contextualizada foi desenvolvida pela professora ao abordar a questão da digestão e do pH do estômago. O desafio de realizar uma aula criativa também foi alcançado, visto que os estudantes foram despertados quanto a realizar questionamentos relacionados ao comportamento das substâncias utilizadas - fato percebido no questionamento do porquê da escolha do repolho roxo e por qual motivo ele mudava de cor e servia como um indicador ácido-base.  Atuantes e participativos, acreditamos que cada um dos indivíduos presentes se tornou sujeito de sua própria aprendizagem, de forma a torná-la muito mais significativa.

Referências

BARTZIK, Franciele; ZANDER, Leiza Daniele. @rquivo Brasileiro de Educação, Belo Horizonte, v. 4, nº 8, maio/ago. 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria e Educação básica, 1996.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares para o Ensino Médio. Brasília: MEC, 2000.

BROIETTI, F. C. D.; LEITE, R. F. Contextualização no ensino de Ciências: compreensões de um grupo de professores em serviço. Imagens da Educação, v. 9, nº 2, p. 16-32, 2019.

CRUZ, J. B. C. Experiência de laboratório. Profuncionário – Curso técnico de formação para os funcionários da Educação. Brasília, 2007.

KATO, D. S.; KAWASAKI, C. S. As concepções de contextualização do ensino em documentos curriculares oficiais e de professores de Ciências. Ciência & Educação, v. 17, nº 1, p. 35-50, 2000.

MORTIMER, E. F. Linguagem e formação de conceitos no ensino de Ciências. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.

OLIVEIRA, R. I. R.; GASTAL, M. L. A educação formal fora da sala de aula – Olhares sobre o ensino de Ciências utilizando espaços não formais. In: VII ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 2009. Anais... Florianópolis, p. 1-11, 2009.

PEDROSO, Sandra Gramilich. Dificuldades encontradas no processo de educação de jovens e adultos. In: I CONGRESSO INTERNACIONAL DA CÁTEDRA UNESCO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, 2010. Anais... João Pessoa. Jovens, Adultos e Idosos: os sujeitos da EJA. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2010.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

Publicado em 13 de outubro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

ALBUQUERQUE, Anaquel Gonçalves; QUIRINO, Maria José da Silva de Oliveira. Contextualizando o pH por meio de uma aula criativa para alunos da Educação de Jovens e Adultos. Revista Educação Pública, v. 20, nº 39, 13 de outubro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/39/contextualizando-o-ph-por-meio-de-uma-aula-criativa-para-alunos-da-educacao-de-jovens-e-adultos

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