O papel da família no acompanhamento da vida escolar dos filhos

Ana Clécia Alves Calado

Professora do Ensino Fundamental II da rede municipal de ensino de Paulo Afonso/BA, graduada em Letras (AESA/CESA), especialista em Docência do Ensino Superior e Ciências da Educação (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias) e em Gestão de Meio Ambiente, mestre em Ciências da Educação (Faculdades Integradas de Várzea Grande)

O presente estudo visa trazer reflexões acerca da relevância do acompanhamento da família na vida escolar dos filhos com o intuito de fortalecer a relação família/escola bem como escola/família na tentativa de minimizar a distância existente entre ambas as instituições.

Engels (2000), em estudo sobre a trajetória familiar, observa que a família passa por transformações que são correspondentes às mudanças na ordem econômica e social e estas refletem-se diretamente na escola, pois, atualmente, a família vem transferindo para a instituição escolar a tarefa não só de formar, mas também a de educar. Daí a necessidade de conscientizar a família de que as responsabilidades precisam ser compartilhadas.

Gadotti (1996, p. 96), trabalhando o pensamento de Freire, destaca a relevância do trabalho da escola com os pais, dando-lhes condições para mudanças de “hábitos antigos de passividade para hábitos novos de participação”; nesse sentido, os pais necessitam ser mais engajados, atuantes e presentes na escola.

Sob essa óptica, entende-se que a relação entre a família e a escola caracteriza-se por desafios e perspectivas a serem superados, onde à família confere não só a socialização, mas também o caráter educacional, pois,

ao aproximar a escola da vida ou das preocupações profissionais dos pais e ao proporcionar, reciprocamente, aos pais um interesse pelas coisas da escola, chega-se a uma divisão de responsabilidades (Piaget, 2007, p. 50).

Sob esse olhar, Ariès (2011, p. 194-195) afirma que, no século XVII, o cuidado dispensado às crianças passou  a inspirar sentimentos novos, o sentimento moderno da família, e “os pais não se contentavam mais em pôr filhos no mundo”; assim surge uma preocupação nova dos pais em relação à educação das crianças. E “as lições dos moralistas ensinavam que era dever da família enviar as crianças bem cedo à escola”, pois

os pais (...) que se preocupam com a educação de suas crianças (...) merecem mais respeito do que aqueles que se contentam em pô-las no mundo. Eles lhe dão não apenas a vida, mas uma vida boa e santa. Por esse motivo, esses pais têm razão em enviar seus filhos, desde a mais tenra idade, ao mercado da verdadeira sabedoria’, ou seja, ao colégio, ‘onde eles se tornarão os artífices de sua própria fortuna, os ornamentos da pátria, da família e dos amigos (Arnheim, 1602 apud, Ariès, 2011, p. 195).

Para Donatelli (2006, p. 120), “os pais esperam que a escola cumpra a tarefa moral de educar seus filhos e, do outro lado, os gestores das escolas acabam por acatar tal demanda com o intuito de responder aos desígnios ‘do mercado’, ou seja, à vontade do cliente”. Nesse sentido, o autor ratifica que “a crise por que passa a escola é fruto da esquizofrenia institucional”, pois “do mesmo modo que os avós não são pais, escola não é família”, o que resulta na perda de autoridade moral do professor diante não só dos alunos, mas também dos pais desses.

Nessa perspectiva, o fio condutor desta discussão se volta para ética do humano, o “saber cuidar” (Boff, 2000), cuja característica não é julgar, mas compreender de que maneira se dá o processo de acompanhamento escolar dos pais em relação à aprendizagem dos filhos, o cuidado atribuído à educação desses, pois

toda a criança de qualquer meio sociocultural aprende, mesmo que os processos de legitimação social não reconheçam de igual modo a educogenia do informal, da educação difusa (Furter,1983 apud Benavente, 1991, p. 245).

Nessa perspectiva, é importante ressaltar os novos desafios pelos quais passa a escola em relação às boas práticas metodológicas em sala de aula e o ensinar com qualidade. Segundo Piaget (1934, p. 31 apud Munari, 2010, p. 17), “somente a educação pode salvar nossas sociedades de uma possível dissolução, violenta e gradual”, pois “a ação educativa é algo pelo que vale a pena lutar, confiando no êxito final” (Idem).

Todas essas reflexões voltam-se para a inter-relação entre a família e a escola com vistas para o fortalecimento dos laços entre ambas as instituições, pois, quando a escola se aproxima da família e a família do processo educativo, há uma aproximação significativa que resulta num maior  desempenho acadêmico dos educandos; no entanto, quando esse envolvimento parental na escola é baixo, corre-se sério risco de abandono e fracasso escolar. Assim, cabe tanto à família quanto à escola cumprir a parte que lhes compete, uma vez que, para a escola, seus alunos são “transeuntes curriculares”, enquanto, para os pais, os filhos são para sempre.

Sob esse olhar, Szymanski (2010, p. 128) entende que a família deve estar preparada para dar as condições necessárias aos seus filhos para que eles possam cumprir as expectativas da escola.

As crianças de famílias que proporcionavam a seus filhos condições de relacionamento com a escrita e desenvolviam hábitos, valores e estratégias disciplinares coerentes com as da escola tinham mais condições de sucesso escolar (Lahire, 1998 apud, Szymanski, 2010, p. 131).

Portanto, este trabalho perpassa a necessidade de compreensão da relevância, para a escola, do papel da família no processo de aprendizagem do aluno que vem ao longo de décadas sendo considerado “um desafio” da educação, pois registrou-se, nos últimos vinte anos, um processo de inibição das responsabilidades educativas de outros agentes de socialização, sendo atribuído à “família o caso mais significativo” (Esteve, 1999, p. 101).

Dessa forma, por ter como foco o conhecimento acerca do acompanhamento parental deficiente, no processo de aprendizagem e sua influência dentro desse, cuja perspectiva perpassa pela possível identificação dos motivos que levam a família a não apresentar interesse pela vida escolar dos seus filhos, faz-se necessário viabilizar prováveis possibilidades de “estreitamento de laços” entre ambas as instituições, família/escola, e dessa forma contribuir para a melhoria do ensino-aprendizagem, promovendo a autonomia do aluno e sua inserção dentro do contexto sociocultural, econômico e político.

Assim, a problemática do envolvimento parental tem-se tornado uma temática relevante, pois o desenvolvimento do aluno, na escola, também está atrelado ao acompanhamento dos pais no processo escolar, tendo em vista que quando esses se envolvem na educação dos filhos, as crianças e/ou adolescentes se tornam cidadãos com melhores perspectivas de vida bem como escolar, o que reflete direta e positivamente nos campos social e profissional do educando. No entanto, o que se tem observado entre ambas as instituições é um descompasso nessa relação, que tem gerado discórdia e motivado discussões.

A instituição família

Conceituar família, segundo Sierra (2011, p. 11), “consiste em entendê-la como algo mais que uma associação de pessoas”, onde vislumbra-se o interesse, no relacionamento, tendo em vista que é a partir  dessa instituição que nos damos conta da relevância dos valores transmitidos pela mesma.

Nesse sentido, Szymanski (2010, p. 20) afirma que “a família é uma das instituições responsáveis pelo processo de socialização realizado mediante práticas exercidas por aqueles que têm o papel de transmissores – os pais – e desenvolvidas junto aos que são os receptores – os filhos”. Contudo, atualmente, assistimos a uma inversão de papéis, nos quais a escola se vê com a função não só de educar, mas também de formar os alunos, e a instituição família, por sua vez, tem deixado cada vez mais a desejar em sua atuação de caráter educativo.

Ariès (1978 apud Szymanski, 2010, p. 21) acrescenta que “no momento histórico (século XVII) em que a unidade escolar assumiu a educação formal, surge a preocupação com o acompanhamento mais próximo dos pais junto a seus filhos”, pois, quando há o  envolvimento parental, no processo educativo, os resultados são satisfatórios em todos os aspectos dentro da escola.

De acordo com Durkheim (1888, p. 12), a estrutura de um tipo familiar pode ser conhecida pela observação das “maneiras de agir consolidadas pelos usos e costumes, o direito, os comportamentos”. Nota-se, então, uma transformação na estrutura familiar em relação aos costumes e valores - reflexo da inserção da mulher no mercado de trabalho. Segundo Szymanski (2010, p. 22), na família nuclear burguesa, “a mulher era incumbida de formar os filhos”, porém o que é possível observar, hoje, dentro dessa instituição, tem sido a redução das horas de convívio com a matriarca, atrelada à ausência de diálogo e limite.

Para Durkheim (1888, p. 17), “a família moderna não é mais nem menos perfeita, ela é mais complexa, porque está inserida em ambientes complexos”. Portanto, nos debates acerca do papel da família, torna-se imprescindível a contribuição de Picanço (2012); Szymanski (2010); Bourdieu (2007); Ariès (1981); Nogueira (1990); quando discutem a relevância da família. Nesse sentido, Durkheim (1973 apud Sierra, 2011, p. 19) “conferia à família um papel primordial na constituição da ordem moral, como grupo social”, tendo em vista que, se essa “ordem moral” não acontecer primeiramente dentro do ambiente familiar, dificilmente, ela acontecerá no ambiente escolar. Assim, é possível chegar à conclusão de que a desordem dentro do ambiente escolar também se volta para a educação familiar desregrada, sem limites, que acaba interferindo no aprendizado do aluno e gerando conflitos entre ambas as instituições.

Desse modo, tem ficado a encargo da instituição escolar o papel que caberia aos pais, enquanto família, a tarefa de educar e transmitir valores básicos. Tal tarefa envolve a imposição de regras e limites, tendo em vista que os alunos disciplinados são mais competentes e organizados, têm consciência de que as regras existem em virtude da necessidade de convívio em sociedade, enquanto os alunos indisciplinados são intransigentes, e essa falta de limite pode estar associada à igualdade de gêneros, que afetou diretamente a educação dos filhos no seio familiar.

A disciplina e os limites impostos no espaço escolar necessitam ser mais severos se comparados à família, tendo em vista que a escola, sendo uma empresa, tem a função de educar, enquanto a preparação para a vida e a construção do ser são de responsabilidade da família. De acordo com Carvalho (2006, p. 87), “no contexto das escolas públicas são corriqueiras as queixas das professoras acerca do desinteresse e falta de cooperação dos pais”.

Sobre esse olhar, Giddens (2000, p. 72) declara:

Nas famílias tradicionais as crianças deviam – e devem – ser vistas e não ouvidas. Muitos pais, talvez derrotados pela rebeldia dos filhos, gostariam muitíssimo de ressuscitar essa regra. Mas não há como retornar a ela, nem deveria haver. Numa democracia das emoções, as crianças podem e devem ser capazes de responder.

Na prática, o que se tem tentado aplicar aos alunos é a dialética de forma democrática, porém essa metodologia, essa abertura, tem sido mal interpretada e, aos olhos de Giddens, “a democracia das emoções não implica falta de disciplina ou ausência de respeito” (p. 72).

Esteve (1999, p. 107) argumenta que diante das mudanças nas relações professor-aluno, é possível observar “que o aluno pode permitir-se, com bastante impunidade, diversas agressões verbais, físicas e psicológicas aos professores ou  aos colegas (...). As relações nas escolas mudaram, (...) e muitos professores não souberam encontrar novos modelos, mais justos e participantes, de convivência e de disciplina”, visto que o professor está sobrecarregado de trabalho, sendo obrigado a realizar uma atividade fragmentária, lutando em frentes distintas, atendendo simultaneamente uma tal quantidade de elementos diferentes que se torna impossível dominar todos os papéis. Esteve (1999, p. 107) argumenta, ainda, que paralelo à “exigência de maiores responsabilidades educativas ao professor, registrou-se, nos últimos vinte anos, um processo de inibição das responsabilidades educativas de outros agentes de socialização”.

A família constitui o caso mais significativo, devido à incorporação da mulher no trabalho e à redução do número dos seus membros e das horas de convívio. Nesse sentido, são cometidas à escola maiores responsabilidades educativas, nomeadamente no que diz respeito a um conjunto de valores básicos que, tradicionalmente, eram transmitidos na esfera familiar (Esteve, 1999, p. 101).

As transformações educacionais que surgem como propostas inovadoras e contemplam aspectos sociais, culturais e afetivos na relação família/escola buscam respostas em Bourdieu (2007), Durkheim (1888), Szymanski (2010), Ariès (1981), Giddens (2000), dentre outros, que vêm trabalhando a família. Nesse sentido, Carvalho (2006, p. 94), destaca que

no Brasil as reformas educacionais descentralizadoras da década de 1990 colocaram a participação da família e da comunidade como uma estratégia de controle social da qualidade do ensino e ainda que pesquisadores brasileiros atrelados à formulação de políticas financiadas pelo Banco Mundial, analisando os resultados dos testes do SAEB/1995, passaram a recomendar a valorização da participação dos pais.

Ainda nesse sentido, estudos realizados por Carvalho (2006, p. 95) trazem informações na Folha de S. Paulo (27/07/2004), divulgando que o “acompanhamento familiar eleva nota dos alunos, como base na análise do INEP dos resultados do cruzamento das notas de língua portuguesa e matemática e/as respostas do questionário socioeconômico do SAEB/2003”. A mesma autora acrescenta que, em 01/08/2004, outro artigo no mesmo jornal – “Escola pública boa deve começar em casa” – reproduzia a mesma retórica empregada nos EUA: “A receita para uma boa escola pública é simples e dá resultados. Seus principais ingredientes, ‘dentre outros’, são a participação dos pais, o interesse da família pela vida escolar do aluno”.

Dessa forma, Nogueira (2005, p. 572) destaca que “emergem novos valores educacionais, (...), o liberalismo nas relações entre pais e filhos, que agora devem se pautar não mais pelo autoritarismo, mas sim pela comunicação e pelo diálogo”. Assim, essa nova roupagem familiar “alarga de forma intensa a responsabilidade parental em relação aos filhos”, apontando o aluno como peça fundamental no processo de ensino-aprendizagem, que deve receber o acompanhamento contínuo da família. Visto que, geralmente, determinadas famílias, infelizmente, confundem educação com formação, envolvimento e participação com compromisso – e, se a lei, na prática, não punisse, cortando benefícios sociais, a situação seria pior.

Segundo Sierra (2011, p. 80), Bourdieu e Singly “enfatizam a importância das famílias na educação, considerando-a o elemento fundamental para a reprodução da ordem social”. É imprescindível a interação entre a família e a escola, tendo em vista que as mesmas são instituições responsabilizadas socialmente pela inserção dos jovens na sociedade mais ampla.

Nesse sentido, Sierra (2011) acrescenta que

a tensão entre o capital cultural das famílias e a educação fornecida pelas escolas incide sobre o processo de individualização e o exercício da cidadania. Por ser a educação algo central na promoção da mobilidade social, o investimento das famílias serve como diferencial e tem valor significativo (idem).

Segundo Szymanski (2010, p. 112), “uma condição importante nas relações entre família e escola é a criação de um clima de respeito mútuo, favorecendo sentimentos de confiança e competência, tendo claramente delimitados os âmbitos de atuação de cada uma”.

Sob esse olhar, Singly (1993 apud Sierra, 2011, p. 81) entende que “as classes sociais possuem perspectivas diferentes com relação à educação dos filhos, enquanto as famílias de classes populares desejam que, pela educação, seus filhos sejam honestos e obedientes; as famílias mais bem situadas preocupam-se com o desenvolvimento de uma personalidade equilibrada”. A contemporaneidade surge com inúmeros desafios em relação ao cotidiano das famílias; dentre eles, está o interesse pela educação dos filhos e a família pós-patriarcal representada pela figura da mulher, que enfrenta, hoje, dupla jornada de trabalho.

Na visão de Bourdieu (2007 apud Sierra, 2011, p. 94), com relação às condições de reprodução do habitus de classe e dos estilos de vida, “a família é mais importante do que a escola”, sendo o capital cultural transmitido não só pela escola, mas também pela família, onde as diferenças sempre estarão presentes. Com base nessa opinião, as investigações realizadas no âmbito de programas de mestrado produziram os seguintes resultados iniciais sobre o envolvimento parental no processo de ensino-aprendizagem: a escola preocupa-se cada vez mais com o desenvolvimento do aluno, e no que se refere à função que a família desempenha no aprendizado desse, deve ser exigida a responsabilidade a todos os que com o aluno convivem – a família passou a ter papel fundamental dentro da instituição escolar.

A partir de outras investigações já realizadas, é possível perceber que muito já tem sido feito acerca da relação família/escola, verificando-se uma vasta literatura internacional no que se refere à relevância do engajamento parental dentro do processo de ensino-aprendizagem do aluno e seu desenvolvimento cognitivo, mas há, ainda, muito esforço a ser feito no contexto da educação, pois, quando há um baixo envolvimento parental na escola, corre-se um sério risco de abandono e fracasso escolar.

A instituição escola

Pensar acerca da instituição escola requer compreender suas mutações (mudanças e problemas de caráter estrutural), sua relação com a família, bem como a crise pela qual a mesma vem passando em virtude dos novos desafios apresentados às escolas de massa, tendo em vista que “ensinar hoje é diferente do que há vinte anos” (Esteve, 1999, p. 96).

Sob esse olhar, reportamo-nos a Alarcão (2001), em abordagem sobre o não acompanhamento da escola em relação às mudanças ocorridas na sociedade. A escola, atualmente, tem sido rotulada de “chata” pelo alunado. Antes, era definida historicamente como um lugar destinado a dar e receber instrução, em que a ação exercida sobre os alunos era realizada à força, e não por livre consentimento. Hoje, funciona como uma fábrica de cidadãos que necessita quebrar paradigmas e se adequar à nova realidade, assim,

para mudar a escola é preciso mudar a sua organização e o modo como ela é pensada e gerida. Urge mudá-la. (...) na organização disciplinar pedagógica, organizacional. Nos valores e nas relações humanas que nela se vivem. É preciso repensá-la, pensando-a em contexto. Mas não basta que fiquemos apenas no pensar. Depois, é preciso agir para transformá-la (Alarcão, 2001, p. 19).

De acordo com Queiroz (1995), a escola representa não apenas “uma invenção histórica”, mas uma invenção recente que corresponde a “uma revolução nos modos de socialização”, ou seja, uma forma diferente de “fabricar o ser social”. Contudo, a escola não tem conseguido ser atrativa o suficiente para envolver e encantar o seu público. Temos uma escola ultrapassada e tradicional que, por vezes, “facilmente discrimina e perde os que não se adaptam a esse paradigma” (Alarcão, 2001, p. 19).

Uma crítica sobre a educação vem através de Sacristán (2001), quando reflete que

se a educação tem a ver com a capacitação para o exercício da liberdade e da autonomia, a escola deve respeitar a singularidade individual e fomentá-la, sem discriminações, para todos. A educação deve preocupar-se em estimular diferenciações que não implicam desigualdades entre os estudantes; (...) a escola igual para todos, com a possibilidade de adquirir identidades singulares, o que significa priorizar a liberdade dos sujeitos na aprendizagem (Sacristán, 2001, p. 77).

Nesses termos, o autor acrescenta que a liberdade fixada na educação é o único caminho para a autonomia do indivíduo, para fugir da heteronomia que supõe a exclusão e a dependência dos não instruídos (Sacristán, 2001, p. 119).

A escola, não tem atendido às expectativas do alunado, os recursos eletrônicos tornaram-se mais interessantes e/ou importantes que o livro didático e paradidático, não há respeito em relação à figura do professor, que, por sua vez, sente-se impotente, desmotivado e desencantado  diante do atual cenário. Segundo Alarcão (2001, p. 18), “a escola não tem conseguido acompanhar as profundas mudanças ocorridas na sociedade. Ela não convence nem atrai. É coisa do passado, sem rasgos de fundo”.

Em corroboração com Alarcão, Sacristán (2001, p. 54) acrescenta que “a escola, os livros-textos e os professores perderam parte de sua capacidade relativa de mostrar e interpretar o mundo e, com isso, certamente, também parte de sua autoridade e poder de atração”.

Diante do exposto, Dionísio (1995), nas suas palavras, declara que é preciso tomar todas as medidas necessárias para que ‘tantos milhões de crianças e adolescentes que, em todo o mundo, consideram o estudo a mais enfadonha das inutilidades’ possam aprender a encontrar neles ‘o seu bem mais pessoal e inviolável’ e voltem a ver a escola como um bem necessário, substituindo “o critério de obrigação pelo de necessidade, o constrangimento pela espontaneidade, a incompatibilidade pelo entendimento, o enfado pelo prazer” (Dionísio, 1995 apud Canário, 2005, p. 72).

Na visão de Popper (1989 apud Canário, 2005, p. 74), “muitos professores estão, de algum modo, prisioneiros da escola e profundamente infelizes por não poderem sair”. A infelicidade está associada a razões internas dos professores em virtude do estresse, bem como da desvalorização profissional por parte do sistema, atrelada à falta e/ou nenhum respeito dos governantes, alunos e pais de alunos. “Os professores enfrentam a sua profissão com uma atitude de desilusão e de renúncia, que foi se desenvolvendo em paralelo com a degradação da sua imagem social” (Esteve 1999, p. 95).

Para Alarcão (2001, p. 23), tanto o professor quanto o aluno têm papel relevante na escola, visto que “todos são atores... todos têm um papel a desempenhar na política educativa”. No entanto, o professor tem desempenhado um papel que é incompatível com o seu domínio cognitivo. Nesse sentido, Esteve (1999, p. 100) acrescenta que,

para além de saber a matéria que leciona, pede-se ao professor que seja facilitador de aprendizagem, pedagogo eficaz, organizador do trabalho de grupo, e que, para além do ensino, cuide do equilíbrio psicológico e afectivo dos alunos, da integração social e da educação sexual, etc.; a tudo isto pode somar-se a atenção aos alunos especiais integrados na turma.

Segundo Esteve (1999), o professor é confrontado com a necessidade de protagonizar papéis contraditórios em virtude da exigência social, pois o mesmo precisa desempenhar papel de amigo, companheiro e ainda de apoio ao desenvolvimento do aluno, habilidades incompatíveis com as funções seletivas e avaliadoras que também lhe pertencem. O professor está sobrecarregado. Em colaboração com Esteve, Canário (2005, p. 87) acrescenta que, do ponto de vista dos professores, são igualmente conhecidas as manifestações e as consequências do “mal-estar docente” traduzido em modalidades de “solidão” e “sofrimento”.

No que se refere ao papel do aluno, “ele tem de aprender a gerir e a relacionar informações para as transformar no seu conhecimento e no seusaber” (Alarcão, 2003, p. 16-17); percebemos nos últimos anos que a preocupação da família, desse, está centrada apenas em fazê-lo frequentar a instituição, sem atentar para a qualidade do seu desempenho. Para o aluno, a escola perdeu a sua legitimidade social, pois, segundo Canário (2005, p. 87), a escola “faz o contrário do que diz (reproduz e acentua desigualdades, fabrica exclusão relativa)”.

Do ponto de vista de Sacristán (2001, p. 95), “estamos diante de um sistema educativo que parece nivelador, ainda que continue mantendo em seu seio importantes desigualdades”. “Só a escola que se interroga sobre si própria se transformará em uma instituição autônoma e responsável, autonomizante e educadora. Somente a escola mudará o seu rosto” (Alarcão, 2001, p. 25). Assim se apresenta um grande desafio para a função social da escola: tornar-se,  além de autônoma, reflexiva, também comprometida com os professores, alunos, pais e a comunidade, com a finalidade de produzir conhecimentos educativos.

Na visão de Alarcão (2003, p. 40), a escola reflexiva não é telecomandada do exterior. É autogerida. Tem o seu projeto próprio, construído com a colaboração dos seus membros. Sabe para onde quer ir e avalia-se permanentemente na sua caminhada. Contextualiza-se na comunidade que serve e com esta interage. Acredita nos seus professores, cuja capacidade de pensamento e de ação sempre fomenta. Envolve os alunos na construção de uma escola cada vez melhor. Não esquece o contributo dos pais e de toda a comunidade. Considera-se uma instituição em desenvolvimento e em aprendizagem. Pensa-se e avalia-se. Constrói conhecimento sobre si própria.

Na perspectiva de Gadotti (1992, p. 48), “pensar numa  escola  autônoma e lutar por ela é dar um sentido novo à função social da escola e do educador, que não se considera um mero cão de guarda de um sistema iníquo e mutável, mas se sente responsável também por um futuro possível com equidade”. No entanto, Gadotti (1992, p. 37) afirma que “existem ainda críticos da autonomia escolar, que temem que iniciativas desse tipo levem à privatização e desobriguem o Estado de sua função de oferecer uma escola pública, gratuita e de qualidade para todos”. Essa transferência indireta de responsabilidade poderá levar a sociedade a questionar o próprio Estado, acerca dos vários recursos destinados à Educação, uma vez que crescem as reivindicações por melhoria salarial, em todo o país, através dos movimentos grevistas.

Nesse sentido, o mesmo autor acrescenta que

a falência do ensino brasileiro está enraizada também no desânimo e falta de perspectiva do magistério. (...) Por outro lado, temos uma camada de burocratas. Incrustada no sistema de ensino que propõe descentralizar as tarefas educacionais, mas concentrando o poder de decisão ou propondo a privatização dos serviços educacionais, jogando toda a responsabilidade exclusivamente nos indivíduos. Na oposição temos ainda um sindicalismo educacional corporativista que se concentra quase que exclusivamente na luta por melhorias salariais e no fortalecimento de um estado burocrático (p. 68).

Assim, entende-se que a educação de qualidade está centrada na figura do professor reflexivo, capaz de produzir o saber; o mesmo acontece com a escola reflexiva, que está em constante construção; porém a educação, para os autores, Alarcão (2003) e Canário (2005), está em crise. Canário (2005) ressalta que no centro desta ‘crise da educação’ estão os professores, que passam por um fenômeno designado por “mal-estar docente”. Diversas são as atitudes de desmotivação do professor, seguida do acréscimo de doenças em virtude do exercício da profissão como forma de sobrevivência, ou seja, ser professor, hoje, virou profissão de risco.

Segundo Nóvoa (1998), a situação profissional dos professores mistura elementos de afirmação profissional com lógicas de desvalorização e de controle autoritário da profissão. A existência deste tipo de tensões conduz a que a própria imagem pública do professor possa ser encarada de formas muito contraditórias, oscilando entre a visão da “mais bela profissão do mundo”, ou a de uma profissão “desgastante, esgotante ou mesmo perigosa”. A ausência de apoio, por parte dos pais, ao sistema de ensino, é visível. Ranjard (1984) e Cole (1985-1989 apud Esteve, 1999, p. 104) afirmam que “enquanto há vinte anos, os pais estavam dispostos a apoiar o sistema de ensino e os professores, perante as dificuldades do processo de aprendizagem e de educação dos filhos, no momento atual, encontramos uma defesa incondicional dos alunos, seja qual for o conflito e seja qual for a razão que assiste ao professor”. Essa conivência apoiada, pelos pais, tem fortalecido o fenômeno da indisciplina e incitado à violência dentro do espaço  escolar. Por vezes, o aluno não aceita ser contrariado e reage de forma agressiva, indo de encontro ao poder hierárquico da instituição escolar.

Sob esse olhar, Sacristán (2001, p. 123) declara que “são necessários professores cultos, dotados de sensibilidade e bom senso pedagógico, adequadamente selecionados, continuamente aperfeiçoados, profissionalmente motivados, que possam viver com dignidade sua profissão e que se sintam apoiados política, familiar e socialmente em sua missão, para poder alcançar sistemas educativos de qualidade”.

A partir dessa perspectiva, Alarcão (2001, p. 17) afirma que

a escola tem de ser a escola do sim e do não, onde a prevenção deve afastar a necessidade de repressão, onde o espírito de colaboração deve evitar as guerras de poder ou competitividade mal-entendida, onde a crítica franca e construtora evita o silêncio roedor ou a apatia empobrecedora e entorpecedora.

Diante dessas discussões, entende-se que a problemática do sistema de ensino apresenta resíduos da transição de escola de elites para escola de massas, deixando essa de ser vista como solução e passando a ser vista como problema, em virtude das mudanças ocorridas na sociedade em relação ao sistema escolar. “É necessária uma escola única, igual para todos, na qual não se permitam condições desiguais que repercutam em graus de qualidade diferentes” (Sacristán, 2001, p. 95). No entanto, temos uma escola de massa, com problemas sociais e, consequentemente, problemas escolares que necessitam de um novo olhar ético e ações mobilizadoras face às suas mutações.

Aprendizagem

Deparamo-nos com uma década repleta de concepções e reformas educacionais para a melhoria do ensino fundamental e da crescente formação profissional na educação, dentro do contexto sociocultural, político, econômico, tecnológico, bem como da informação e da comunicação. Integrando esse panorama, assume grande relevância a relação família/escola, bem como escola/família, cujo comprometimento deve estar centrado não só nas práticas pedagógicas e quebra de paradigmas, mas também no processo de ensino-aprendizagem.

Diante desse panorama, faz-se necessário compreender as concepções sobre a aprendizagem no ensino fundamental. Nessa proposição, temos a contribuição de Rogers (1973), que verifica a necessidade do entendimento acerca da complexidade em relação ao processo de aprendizagem, as qualidades que facilitam essa aprendizagem e as bases de atitudes facilitadoras, o desenvolvimento de métodos de promoção e obtenção da liberdade. Sob esse olhar, Piaget (1949) propõe uma escola sem coerção, onde o aluno é convidado a experimentar ativamente, para reconstruir, por si mesmo, aquilo que tem de aprender. No entanto, o autor ressalta que

não se aprende a experimentar simplesmente vendo o professor experimentar, ou dedicando-se a exercícios já previamente organizados: só se aprende a experimentar, tateando, por si mesmo, trabalhando ativamente, ou seja, em liberdade e dispondo de todo o tempo necessário (Piaget, 1949, p. 39).

Canário (2005, p. 99) aborda o paradigma da inovação e aprendizagem coletiva, enfatizando que “o dilema consiste em saber por onde começar: mudar em primeiro lugar os professores ou as escolas?”. Alarcão (2003) discute acerca das mudanças que estão ocorrendo no mundo em relação à aprendizagem ao nível dos alunos, dos professores, estendendo-se ao nível de organização, que é a escola, destacando as novas competências exigidas pela sociedade, necessárias à vivência na contemporaneidade, visto que, em passado não muito distante, a aprendizagem visava à aquisição dos conhecimentos transmitidos e à imitação dos mestres, como , modelo a seguir. Desse modo, “o aluno deixa-se formar, modelar, de acordo com os ‘moldes’ preestabelecidos” (Tavares; Alarcão, 2001, p. 98).

Nesse sentido, Alarcão (2003) acrescenta que,

se hoje em dia a ênfase é colocada no saber e na sua utilização em situação, é fundamental que os alunos abandonem os papéis de meros receptores e os professores sejam muito mais do que simples transmissores de um saber acumulado. (...) O professor continua a ter o papel de mediador, mas é uma mediação orquestrada e não linear (p. 27).

Na perspectiva de Sacristán (2001, p. 118),

a aprendizagem escolar de qualidade deverá saber aproveitar a diversidade de fontes de cultura existentes e fundamentar a capacidade de selecionar a mais substanciosa, para fazer da escola um espaço motivador aberto à subjetivação de uma cultura cada vez mais disponível fora das escolas. Deve fazê-lo (...) primeiro, porque, ao contrário, a desigualdade de acesso às tecnologias que facilitam a difusão cultural, provocada pelas desiguais condições geográficas, econômicas e culturais prévias às escolas e externas a elas, acentuará mais as desigualdades diante da cultura; segundo, porque, se não acontecer, a escola perde valor de regência numa sociedade em que as mensagens de todo tipo e qualidade crescem em um ritmo exponencial e multiplicam sua possível incidência nos indivíduos escolarizados e não escolarizados.

Na busca teórica sobre a aprendizagem no ensino fundamental, identificou-se em Skinner (1972 apud Smith, 2010, p. 49) a abordagem sobre a etimologia do ensinar, declarando que “ensinar é o ato de facilitar a aprendizagem; quem é ensinado aprende mais rapidamente do que quem não é. O ensino é, naturalmente, muito importante, porque, do contrário, o comportamento não apareceria”.

Em colaboração com Skinner, Rogers (1951 apud Zimring, 2010, p. 13), acrescenta que “não podemos inculcar diretamente em outrem um saber ou uma conduta; o que podemos é facilitar sua aprendizagem”. Segundo Rogers (idem), “o papel do mestre deve ser o de criar uma atmosfera favorável ao processo de ensino, o de tornar os objetivos tão explícitos quanto possível e o de ser sempre um recurso para os alunos”.

Tavares e Alarcão (2001) discorrem que, em relação à aprendizagem, é necessário valorizar a criação de ambientes estimulantes e ainda incentivar o desenvolvimento da criatividade, pois

aprende-se interagindo com os outros (professores, colegas, especialistas presentes ao vivo ou presente virtualmente no documento livro tradicional ou multimídia atual), isto é, escutando, lendo, dialogando: aprende-se interagindo com os conhecimentos, com as ideias, com as tarefas, com os processos, com os contextos (Tavares; Alarcão, 2001, p. 107).

Nesse contexto, Zimring (2010, p. 35) declara que “com frequência fracassamos em reconhecer que parte do material que é apresentado aos alunos na sala de aula têm, para eles, a mesma qualidade desconcertante e sem sentido que a lista de sílabas absurdas tem para nós”. Para o autor, “quando os olhos de um estudante se acendem com uma nova descoberta, um novo conhecimento que lhe enche e ilumina a vida, isto faz valer a pena todo o difícil trabalho, o esforço pessoal de ensinar” (p. 39).

Em contribuição com Zimring, Smith (2010, p. 65) afirma que “os esforços mais amplamente difundidos para melhorar a educação revelam uma extraordinária negligência de método. Não analisam a aprendizagem e o ensino e quase não fazem esforço algum para melhorar o ensino como tal”. Smith (2010) ressalta ainda que “devemos recrutar mais e melhores professores, selecionar os melhores estudantes e assegurar que todos os estudantes competentes possam ir à escola ou à faculdade”.

Sobre esse olhar, Teixeira (2010, p. 57-59) declara que “a escola tradicional está organizada para permitir que se pratiquem certas habilidades mecânicas e certas ideias, sem cogitar da prática de outros traços morais e emocionais desejáveis em uma personalidade”. E enfatiza que “toda a aprendizagem deve ser integrada à vida, isto é, adquirida em uma experiência real de vida, em que o que for aprendido tenha o mesmo lugar e função que tem a vida”.

Nesses termos, o mesmo autor acrescenta que

o aluno, não vendo nenhuma relação de ‘matéria’ com sua vida presente ou qualquer empreendimento em que esteja empenhado, não pode ter motivo para se esforçar; não tendo motivo, não pode ter desejo ou intenção de aprender (...); não tendo a intenção de aprender, não pode assimilar ativamente a matéria, integrando-a à sua própria vida (p. 60).

Do ponto de vista de Zimring (2010, p. 55),

quando um facilitador cria, mesmo em grau modesto, um clima de sala de aula caracterizado por tudo que ele pode conseguir de autenticidade, apreço e empatia, quando confia na tendência construtiva do indivíduo e do grupo, descobre então que não inaugurou uma revolução educacional. Ocorre uma aprendizagem de qualidade diferente, avançando num ritmo diferente, com um grau maior de abrangência. Os sentimentos – positivos, negativos, confusos, - tornam-se parte da experiência de sala de aula. A aprendizagem se transforma em vida (...). O estudante acha-se a caminho, às vezes excitadamente, às vezes relutantemente, de tornar-se um ser em mudança, de aprender.

Nesse sentido, Zimring (2010) ressalta que

a aprendizagem significante combina o lógico e o intuitivo, o intelecto e os sentimentos, o conceito e a experiência, a ideia e o significado. Quando aprendemos dessa maneira, somos integrais, utilizando todas as nossas capacidades masculinas e femininas (p. 38).

Westbrook (2010, p. 21) afirma que “se os educadores desempenharem realmente bem o seu trabalho, apenas se necessitaria de reforma: da classe poderia surgir uma comunidade democrática e cooperativa”. No entanto, a criação de condições favoráveis, na sala de aula, não é fácil em virtude do sistema, e o autor afirma ainda que “o que aborrece é que a maioria das escolas não foi concebida para transformar a sociedade, mas para reproduzi-la”.

Diante do exposto, necessita-se compreender as concepções sobre a aprendizagem no ensino fundamental, sendo necessário o entendimento acerca da complexidade da docência, o desenvolvimento de programas para a preparação e/ou qualificação dos professores e a problemática do ensinar tendo em vista que “só uma situação real da vida, em que se tenha de exercer determinado traço de caráter, pode levar à prática e, portanto, à sua aprendizagem. Daí ser necessário que a escola ofereça um meio social vivo, cujas situações sejam tão reais quanto as de fora da escola” (Teixeira, 2010, p. 57).

Em colaboração com Teixeira, Vygotsky (1988 apud Ivic, 2010, p. 31-32) acrescenta:

a escola não ensina sempre sistemas de conhecimentos, mas, frequentemente, sobrecarrega os alunos com fatos isolados e desprovidos de sentidos; os conteúdos escolares nem comportam instrumentos nem técnicas intelectuais e, muitas vezes, não há, na escola interações sociais capazes de construir saberes etc.

A partir dessa perspectiva, Vygotsky (1984) afirma que “o essencial no desenvolvimento não está no progresso de cada função tomada isoladamente, mas na mudança de relações entre diferentes funções, tais como a memória lógica, o pensamento verbal, etc.; dito de outra maneira, o desenvolvimento consiste em formar funções compostas, sistemas de funções, funções sistêmicas, sistemas funcionais”. O autor propõe que “a educação deve ser orientada mais para a zona proximal, na qual a criança faz experiências de seus encontros com a cultura, apoiada por um adulto – primeiramente, no papel de parceiro nas construções comuns; depois, como organizador de aprendizagem -, a educação escolar poderia ser considerada como um meio poderoso de reforço do desenvolvimento natural, ou como uma fonte relativamente independente” (Vygotsky, 1984 apud Ivic, 2010, p. 33-34).

Nessa discussão, Wallon (2007) defende a ideia de que “o desenvolvimento humano é marcado por avanços, recuos e contradições e, para melhor compreendê-lo, é preciso abandonar concepções lineares de análise e interpretação”. O autor defende ainda que “o desenvolvimento não se encerra no estágio da adolescência, mas permanece em processo ao longo de toda a vida do indivíduo. Afetividade e cognição estarão, dialeticamente, sempre em movimento, alternando-se nas diferentes aprendizagens que o indivíduo incorporará ao longo de sua vida”.

Considerações finais

A relevância do papel da família no acompanhamento da vida escolar dos filhos configura-se um grande desafio, uma vez que esta necessita, também, ser vista como “lócus educacional”, na qual possa existir uma prática educativa dialógica como veículo de facilitação do desenvolvimento cognitivo da criança e do adolescente. Segundo Sierra (2011, p. 7), “a família, para os gregos e os romanos, era uma instituição sagrada, sendo o patriarcalismo não uma consequência da propriedade, mas da religião que a estabeleceu”; porém, no momento atual, a economia, após ter adquirido valor central na organização da vida social, acabou atribuindo uma nova roupagem à família, reduzindo de forma significativa sua autoridade e fazendo prevalecer o individualismo. A mudança pela qual a instituição familiar passa, em virtude do progresso, ameaça os valores sociais e compromete a relação entre a família e a escola, que precisa ser literalmente pensada e analisada cuidadosamente, a fim de se chegar a um entendimento e/ou denominador comum entre ambas as instituições, para que, dessa forma, seja possível evitar o tradicional jogo de empurra-empurra de ambos os lados e, assim, o aluno possa ser o principal beneficiário de toda essa estratégia de jogo.

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Publicado em 13 de outubro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

CALADO, Ana Clécia Alves. O papel da família no acompanhamento da vida escolar dos filhos. Revista Educação Pública, v. 20, nº 39, 13 de outubro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/39/o-papel-da-familia-no-acompanhamento-da-vida-escolar-dos-filhos

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