Baralho de emoções

Claudia Menezes Nunes

Professora, mestra em Educação (UNIRIO). especialista em Tecnologia Educacional, Neurociência Pedagógica e Psicopedagogia (AVM/UCAM)

De novo, pensando em jovens da escola pública. Mais do que qualquer coisa, uma primeira impressão: eles não têm autoconsciência e nem têm onde buscá-la ou aperfeiçoá-la de modo que ganhem autonomia emocional. Sentada no pátio da escola, eu observo comportamentos, a partir das linguagens verbal e não verbal. E é a não verbal que mais me surpreende, pelo descontrole, pela insegurança, pelo disfarce, pelo nervosismo, pela indiferença, das atitudes (formas de fazer valer suas vontades/crenças) emocionais diferentes/difusas.

Em papos diversos, eles reagem com o corpo e com a voz de forma agressiva ou abrupta. A sensação é a seguinte: quando colocados em xeque, eles se desarticulam e atacam. Atacam com deboche, palavrões, gritam, irritação e riso histérico. E eles só estão juntos e conversando. Tudo natural... Mas há temas que os fragilizam, que tocam em suas memórias mais afetivas ou traumáticas, e eles reagem... reagem para acabar com o problema: sua insegurança/seu medo. E, de novo, eu lembro: eles estão apenas conversando.

De repente, penso em Paul Ekman, um psicólogo americano (Washington, 1934) especialista no estudo das emoções e da expressão facial. Para além da cultura, Ekman percebeu, em suas pesquisas, que era preciso aceitar a perspectiva evolutiva, e o pensamento de Darwin foi fundamental. Além da cultura (internalizada pelas interações em espaços de média violência e tensão), então, meus jovens nascem e crescem com emoções conturbadas: exemplos diversos - o que gera comportamentos ‘fora do padrão’ num simples ‘bate-papo’.

Penso em Ekman e em seu livro A linguagem das emoções, que estou lendo com calma. Esses jovens não têm emoções de qualidade; eles chegaram aos 17 ou 18 anos sem emoções de qualidade, principalmente, qualidades positivas para a convivência e aceitação da diversidade em geral. Esses jovens são ‘umbilicais’, aprenderam a ser ‘umbilicais’ por se desenvolverem ou muito sós ou com muitas pessoas em um cômodo só. Ambas as situações são inibidoras ou intensificadoras do sistema nervoso em termos de autonomia de pensamento e/ou estratégias de sobrevivência. É muita energia/vontade represada...

Segundo Ekman (2011), no século XXI, é preciso preparar os jovens com quatro habilidades básicas:

  • tornar-se mais consciente do momento em que se emocionam;
  • escolher como se comportam quando se emocionam;
  • tornar-se mais sensível em relação à maneira como os outros estão se sentindo;
  • usar cuidadosamente as informações que se adquire a respeito dos sentimentos do outro. Afinal “as emoções determinam nossa qualidade de vida”. 

Ou seja, Ekman (2011) refere-se ao ensino da empatia e do equilíbrio às funções executivas!

Aos 17 ou 18 anos, eles nem têm noção dos gatilhos emocionais que insistem em aceitar e que resultam em ações cujas consequências não estão preparadas para assumir; quanto mais reconhecerem quais gatilhos mentais têm para poderem trabalhá-los adequadamente na medida em que surgem. Difícil pedir equilíbrio emocional quando mal se conhecem emocionalmente. Então, aos trancos e barrancos, eles vão agindo sem pensar e liberando energias/vontades em todo e qualquer espaço.

Segundo Tomkins (apud Ekman, 2011, p. 17), “as emoções motivam todas as escolhas importantes que fazemos”, mas, para isso, é preciso que se conheçam emocionalmente e que adquiram ferramentas para lidarem com as emoções quando surgirem. Sentada no pátio, eu penso em Ekman (2011) e nas mudanças que as emoções podem causar a cérebros tão juvenis.

Ao mesmo tempo que reconhecemos a presença de partes do cérebro que regulam as emoções, reconhecemos também que estas são as primeiras atingidas pelos estímulos que deflagram as emoções. Mesmo conversando entre amigos, num intervalo de aula, eles estão com o sistema nervoso autônomo muito alterado. Este “regula o batimento cardíaco, a respiração, a transpiração e muitas alterações corporais” (p. 37). Mas estão desregulados: eles querem, de quaisquer maneiras, aparecer; eles amam a exposição, mesmo que beire ao ridículo ou a um transtorno.

Com as linguagens não verbais, eles expõem todas as experiências de interação que tiveram até a idade de 17 ou 18 anos; quase sempre, ou são impróprias, ou são disfuncionais, ou mesmo desorganizadas; e quase sempre geram situações de desconforto ou chateação por parte da equipe pedagógica.

Ekman (2011, p. 44) afirma que “nascemos preparados com uma sensibilidade em desenvolvimento para os eventos que foram relevantes para a sobrevivência de nossa espécie em seu ambiente ancestral como caçadores e coletores”. Eu acredito que estamos desenvolvendo apenas jovens coletores emocionais, já que as emoções que vão angariando enquanto crescem têm poucas oportunidades de sublimação, de experimentação e/ou extravasamento. Sendo assim, há uma carga neuroquímica sendo alimentada pelas revoluções hormonais e amplificada pelos níveis de negação ou de violência, cujo resultado são:

  • Violências surpreendentes;
  • Ações intempestivas;
  • Desejos de riscos absurdos;
  • Medos insensatos;
  • Silêncios inacessíveis.

Sabemos que as emoções negativas, quando controladas (na medida certa), ajudam a sobrevivência, tanto da espécie quanto dos mais jovens. Por isso, Ekman (2011, p.75) afirma que “tristeza, raiva, surpresa, medo, aversão, desprezo e felicidade são termos emocionais de emoções afins”. O que pode variar são a genética, a intensidade e a freqüência de sua vivência e convivência.

De onde eu observo, a constante vivência dessas emoções trouxe comportamentos que, na escola, são quase aceitáveis, pois observamos este local como local do erro, do resgate, do ajuste, da reabilitação, do controle e do equilíbrio para viver em sociedade; mas, quando eles forem para o mundo, estes comportamentos serão pontos para sua desagregação, desilusão, depressão e ações preconceituosas destes mesmos jovens, quanto da sociedade para com eles.

Meus jovens dialogam como se estivessem em um ringue de luta livre cuja ideia é disputar uma vaga no ranking dos mais descolados, intensos, inteligentes, amorosos, chamativos, intransigentes, participativos, junto às emoções de uma geração que só sabe se fazer presente, no presente, com força, vontade e muitas emoções no corpo. A linguagem não verbal reafirma sua vontade de ser único: a estrela criada em seu imaginário.

Hora da aula. Vamos ao futuro...

Referências

EKMAN, Daniel. A linguagem das emoções: revolucione sua comunicação e seus relacionamentos reconhecendo todas as expressões das pessoas ao redor. São Paulo: Lua de Papel, 2011.

Publicado em 20 de outubro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

NUNES, Claudia Menezes. Baralho de emoções. Revista Educação Pública, v. 20, nº 40, 20 de outubro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/40/baralho-de-emocoes

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