Jogos pedagógicos no ensino de Matemática: Uma experiência com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental

Andressa Franco Vargas

Licenciada em Matemática (IFFar), mestre em Ensino de Ciências e Matemática (UFN), doutoranda em Ensino de Ciências e Matemática (UFN)

Aline Franco Vargas

Licencianda em Química (IFFar)

Ariéli Franco Vargas

Licencianda em Química (IFFar)

Gabriel de Oliveira Soares

Licenciado em Matemática (IFFar), especialista em Matemática (FURG), mestre em Ensino de Ciências e Matemática (UFN), doutorando em Ensino de Ciências e Matemática (UFN)

A prática de ensino no século XXI tem se renovado, trazendo novos horizontes para a atividade docente. Esse fato se deve principalmente às transformações constantes em nossa sociedade, que impactam diretamente na forma com que ensinamos e aprendemos.

A inserção de tecnologias da informação e comunicação, a contextualização e a resolução de problemas são algumas dessas metodologias exploradas atualmente. Outra dessas é o uso de jogos como recurso pedagógico.

Os jogos são recursos educacionais que aparecem em indicações nacionais para o Ensino de Matemática. Desde os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998, p. 36), já se tinha a ideia de que “um aspecto relevante nos jogos é o desafio genuíno que eles provocam no aluno, que gera interesse e prazer”.

Essa ideia foi corroborada em documentos oficiais mais atuais, como na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), promulgada em 2018, ao afirmar que “recursos didáticos como malhas quadriculadas, ábacos, jogos, livros, vídeos, calculadoras, planilhas eletrônicas e softwares de geometria dinâmica têm um papel essencial para a compreensão e utilização das noções matemáticas” (p. 246).

Nesse sentido, a prática do professor de Matemática deve olhar para estes recursos como possibilidades de ensino. Dessa forma, ao levar o apontado em consideração, surge esse trabalho, cujo objetivo é relatar uma experiência de ensino com a utilização de jogos pedagógicos, com alunos do 6º ano do ensino fundamental, na resolução de exercícios que envolvessem as quatro operações fundamentais da Matemática.

Após alguns apontamentos teóricos sobre os jogos, são apresentados os jogos utilizados, a experiência como um todo e as principais contribuições desses no ensino de Matemática.

Jogos no ensino de Matemática

A palavra jogo, do latim joco, significa, etimologicamente, gracejo e zombaria, sendo empregada no lugar de ludus, que representa brinquedo, jogo, divertimento e passatempo (Grando, 1995).

Diversos autores têm definições para o que entendem pelo termo jogo. Entretanto, a definição de Huizinga (1990) é uma das mais aceitas na área do ensino. Para esse autor, os jogos são

uma ação ou atividade voluntária, realizada dentro de certos limites de tempo e lugar, segundo uma regra livremente consentida, mas imperativa, provida de um fim em si, acompanhada de um sentimento de tensão, de alegria e de uma consciência de ser diferente do que se é na vida cotidiana (p. 57-58).

Nesse sentido, esses recursos podem ser explorados em sala de aula para trazer um dinamismo necessário na atuação de professores de todos os níveis de ensino.

Esse dinamismo, aliás, é um dos benefícios apontados pelas diversas experiências da utilização dos jogos em sala de aula. Teixeira e Vaz (2001, p. 6) destacam que os jogos “são eficazes para se conseguir o envolvimento das crianças, para se poder apreciá-las mentalmente ligadas e acesas, completamente envolvidas na atividade que realizam”. Flemming e Mello (2003, p. 85) corroboram essa ideia, evidenciando que os jogos “contribuem para que o processo de ensino-aprendizagem seja produtivo e agradável tanto para o educador quanto para o educando”.

Em se tratando do ensino de Matemática em si, é válido destacar que o uso de jogos implica uma mudança significativa nos processos de ensino e aprendizagem, permitindo alterar o modelo tradicional de ensino, que muitas vezes tem no livro e em exercícios padronizados seu principal recurso didático.

Entretanto, para que o jogo cumpra seu papel efetivamente, é necessário que eles cumpram algumas características, na perspectiva de Smole et al. (2008):

  • O jogo deve ser para dois ou mais jogadores, sendo, portanto, uma atividade que os alunos realizam juntos;
  • O jogo deverá ter um objetivo a ser alcançado pelos participantes, ou seja, ao final, haverá um vencedor;
  • O jogo deverá permitir que os alunos assumam papeis interdependentes, opostos e cooperativos, isto é, os jogadores devem perceber a importância de cada um na realização dos objetivos do jogo, na execução das jogadas, e observar que um jogo não se realiza a menos que cada jogador concorde com as regras estabelecidas e coopere, seguindo-as e aceitando suas consequências;
  • O jogo precisa ter regras preestabelecidas que não podem ser modificadas no decorrer de uma jogada, isto é, cada jogador deve perceber que as regras são um contrato aceito pelo grupo e que sua violação representa uma falta; havendo o desejo de fazer alterações, isso deve ser discutido com todo o grupo e, no caso de concordância geral, podem ser impostas ao jogo daí por diante;
  • No jogo, deve haver a possibilidade de usar estratégias, estabelecer planos, executar jogadas e avaliar a eficácia desses elementos nos resultados obtidos, isto é, o jogo não deve ser mecânico e desprovido de significado para os jogadores (p. 11).

Ao serem cumpridas essas indicações, as experiências com jogos na sala de aula têm mais chances de serem efetivas e com maior significado para os estudantes, proporcionando um melhor aprendizado.

Apresentação dos jogos

Abordar conteúdos matemáticos com alunos do Ensino Fundamental hoje, com o grande enriquecimento das tecnologias e métodos de aprendizagem, consiste em poder agregar alternativas pedagógicas que despertem o interesse destes.

Assim, quando utilizado com fins claros e educacionais, jogos e brincadeiras se tornam atividades prazerosas, não deixando de lado o viés educativo.

Dessa forma, o presente estudo buscou relatar uma experiência de ensino com a utilização de jogos pedagógicos com alunos do 6º ano do ensino fundamental, com a resolução de exercícios que envolviam precisamente as operações de divisão e multiplicação.

Os jogos aplicados com a turma em questão reforçam habilidades como o raciocínio lógico matemático, a multiplicação e divisão de números inteiros, aplicação de regras de sinais, e promovem um ambiente de socialização em sala de aula, uma vez que são jogos utilizados em grupos. 

O primeiro jogo é o Jogo dos Piratas, que aborda as operações básicas matemáticas, sendo um jogo de raciocínio lógico em que os estudantes realizam cálculos mentais. Tem como materiais um tabuleiro, três peões e dois dados. O tabuleiro é organizado em três colunas onde cada aluno escolhe aleatoriamente uma coluna para iniciar o jogo. Após, o participante que ficou na coluna 1 começa a jogar, lançando os dados e observando os números.

A partir disto, deve realizar a adição, a subtração, a multiplicação ou a divisão, ou seja, a operação que for mais apropriada para encontrar um resultado que esteja contido na primeira linha de sua coluna.

Se isso acontecer, o jogador deve mover seu peão para esta casa no tabuleiro. Caso o resultado não esteja presente nessa linha, o jogador passa a vez para seu oponente. E, assim, sucessivamente, até que algum dos jogadores chegue até a ilha, onde está o capitão. Ganha o jogo o primeiro jogador ao chegar a ultima fileira e chegar à ilha.  A Figura 1 abaixo ilustra o tabuleiro utilizado no jogo.


Figura 1: Tabuleiro do Jogo dos Piratas
Fonte: Poluha (2016, p. 17).

O segundo jogo aplicado foi uma adaptação do Jogo do Mico. Esse jogo é composto por vinte e cinco cartas, sendo doze com números inteiros positivos e doze com números inteiros negativos, além de uma carta com a figura do mico, conforme ilustra a Figura 2.


Figura 2: Cartas do Jogo do Mico
Fonte: Bacheladenski (2014, p. 63).

Para a realização deste jogo é necessária a participação de 5 jogadores. As cartas são distribuídas entre eles, sendo que um ficará com uma carta a mais em relação aos outros. A partir disto, pode ser definido o jogador que começa a jogar.

Esse jogador irá escolher uma carta que está na mão do jogador da direita. Se a carta escolhida formar um par com alguma carta que este jogador possui, ele deve abaixar esse par na mesa. Caso isso não ocorra, o jogador deve ficar com a carta.

Assim, o jogo segue até que um dos jogadores fique somente com uma carta, o mico. Ganha o jogo quem conseguir abaixar todas as cartas. Perde o jogo aquele que ficar com uma carta, o mico. Ainda, uma possibilidade é estipular o número de rodadas a serem realizadas, para definir o vencedor.

Desenvolvimento da experiência

As atividades foram realizadas numa turma de 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do estado do Rio Grande do Sul durante o segundo semestre do ano de 2019, contando com a participação de 16 alunos em dois períodos de uma hora cada um.

Primeiramente, realizamos um momento de conversa com os estudantes, de modo a identificar suas percepções e concepções sobre o conteúdo de números inteiros, uma vez que o mesmo já havia sido abordado pela professora regente durante o mesmo ano letivo.

Nesse momento, eles alegaram ter dificuldades no tema, devido ao uso de regras de sinais e as próprias operações fundamentais, em especial a multiplicação e a divisão.

Assim, após esse momento de conversa, os jogos foram apresentados aos alunos participantes. Na primeira metade da atividade, os sujeitos puderam explorar o Jogo dos Piratas, onde foram instigados a realizar cálculos mentais.

Frente a isso, foi possível observar as dificuldades encontradas quando evitamos o uso da calculadora, uma vez que muitos acharam pertinente utilizar o “contar nos dedos” ou o “montar grupos” para conseguir encontrar o resultado das operações e delimitar qual operação era mais apropriada para o avanço em cada rodada - fato este que demandou tempo e evidenciou dificuldades para a realização do cálculo mental.

Lopes e Leivas (2017, p. 166) enfatizam que, a partir do momento em que contamos nos dedos, transcendemos a visualização e a abstração de números, pois tentamos sentir os números por meio do tato, tendo em vista que “coibir a criança de contar nos dedos é podar sua necessidade de tornar o número algo concreto, ao invés de algo puramente abstrato”.

As Figuras 3 e 4 ilustram o envolvimento dos participantes na atividade, onde é possível identificar a autonomia e disposição para participar e aprender durante o processo.


Figuras 3 e 4: Participação dos sujeitos na atividade

Assim, foi percebida a empolgação, principalmente em participar, socializar sua forma de pensar e realizar os cálculos, sendo evidente o maior entusiasmo e a colaboração entre os sujeitos.

Com relação à segunda parte da atividade, que foi voltada para a aplicação do Jogo do Mico, identificamos uma maior resistência, devido à presença de números inteiros negativos. 

Nessa etapa, os sujeitos foram instigados a calcular mentalmente divisões de números inteiros, ficando visível o medo e o bloqueio que os alunos apresentavam sobre o tema, devido à sua complexidade e à mudança das regras para multiplicar e dividir.

Isso é justificável, pois, segundo Neto (2010), os sujeitos não possuem domínio dos procedimentos para efetuar multiplicação e divisão e não têm conhecimento da tabuada, pois acabam somente por reproduzi-la sem maior aprofundamento.

Deste modo, acreditamos que o momento do jogo foi apropriado para a discussão e fortalecimento destes conceitos, visto que ainda existiam lacunas no aprendizado. De maneira geral, as atividades propostas implicaram este fortalecimento de conhecimentos já estudados, uma vez que nos propomos a trabalhar estes de modo mais lúdico e dinâmico, impulsionando o interesse do aluno e o desenvolvimento do raciocínio matemático.

Com isso, finalizamos a intervenção em sala de aula, evidenciando que a aplicação dos jogos contribuiu para uma melhor compreensão dos alunos com relação ao conceito de números inteiros, visto que foram discutidos, durante a aplicação, aspectos relacionados ao conteúdo com o grande grupo.

Logo, acreditamos que esse fator foi essencial para a exposição de dúvidas e, consequentemente, esclarecimentos - o que poderia não ter acontecido, se não tivéssemos utilizado jogos que implicassem essa discussão.

Algumas considerações

Conclui-se com este breve estudo, que cada vez mais novas metodologias de ensino e aprendizagem vêm ganhando espaço no processo educativo, principalmente no nível básico, pois além de propor alternativas diversificadas, tornam o ambiente da sala de aula um espaço que preserva a autonomia, a coletividade, a colaboração e o estímulo à aprendizagem.

Por isso, acreditamos que a utilização de jogos como uma alternativa no ensino de conteúdos matemáticos proporcionou aos sujeitos uma reflexão sobre seus conhecimentos relativos aos números inteiros, uma vez que os conceitos puderam ser retomados de maneira diferente e interativa.

Acreditamos que estes momentos, em que os sujeitos têm oportunidade de expressar suas percepções e concepções sobre determinado assunto, são de extrema importância na construção de significados sobre o conteúdo em questão, uma vez que o mesmo é abordado de forma mais simplificada, e que lacunas no aprendizado podem ser superadas de forma conjunta.

Portanto, a promoção de momentos mais dinâmicos, envolvendo conceitos matemáticos ou de outras áreas, acaba por provocar os estudantes a testar suas habilidades em atividades simples e o faz perderem o medo de resolver questões complexas a seu entendimento, tornando o ambiente da sala de aula um lugar de reflexão, de crítica, de autonomia e de liberdade de questionamento e pensamento.

Referências

BACHELADENSKI, M. R. Jogos como recurso metodológico no ensino das operações com números inteiros. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor. Curitiba: SEED/PR, 2016. v. 2. (Cadernos PDE). Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca /producoes_pde/2014/2014_unicentro_mat_pdp_marislei_regina_bacheladenski.pdf. Acesso em: 10 jul. 2020.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro03.pdf. Acesso em: 08 jul. 2020.

______. Base Nacional Comum Curricular. 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 08 jul. 2020.

FLEMMING, D. M.; COLLAÇO DE MELLO, A. C. Criatividade e jogos didáticos. São José: Saint-Germain, 2003.

GRANDO, R. C. O jogo e suas possibilidades metodológicas no processo de ensino-aprendizagem na Matemática. 1995. 194 f. Dissertação (Mestrado), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995.

HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1990.

LOPES, T. B.; LEIVAS, J. C. P. Contar nos dedos: a conceitualização de número e a operação da adição. Pedagogia em Foco, Iturama, v. 12, nº 7, p. 157-174, jan./jun. 2017.

POLUHA, N. As quatro operações fundamentais na Matemática: jogos e brincadeiras no processo educativo. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor. Curitiba: SEED/PR, 2016. v. 2. (Cadernos PDE). Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2016/2016_pdp_mat_unicentro_neuzapoluha.pdf. Acesso em: 10 jul. 2020.

NETO, F. T. R. Dificuldades na aprendizagem operatória de números inteiros no Ensino Fundamental. 2010. 81 f. Dissertação (Mestrado Profissional) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010.

SMOLE, K. et al. Jogos de Matemática: de 1º e 3º ano. Porto Alegre: Artmed, 2008. (Cadernos do Mathema – Ensino Médio).

TEIXEIRA, S. F. A.; VAZ, M. O. Jogos matemáticos. Goiânia: Gev, 2001.

Publicado em 27 de outubro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

VARGAS, Andressa Franco; VARGAS, Aline Franco; VARGAS, Ariéli Franco; SOARES, Gabriel de Oliveira. Jogos pedagógicos no ensino de Matemática: Uma experiência com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, v. 20, nº 41, 27 de outubro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/41/jogos-pedagogicos-no-ensino-de-matematica-uma-experiencia-com-alunos-do-6-ano-do-ensino-fundamental

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.