O uso dos materiais de dentro nas aulas de Língua Inglesa nas escolas públicas
Juliana Gomes de Souza
Especialista em Ensino de Língua Inglesa (Instituto Pró Saber), graduada em Letras (UNEB), professora da rede de municipal de ensino em Educação Básica (Conceição do Coité)
Apresentação
O ensino de Língua Inglesa nas escolas públicas enfrenta diariamente dificuldades para cumprir seu papel de instrumento de conexão e ponte de aprendizagem com uma nova língua e uma nova cultura. Ano após ano, alunos passam por nossas salas e saem delas com a mesma queixa de que nada foi de fato aprendido, mesmo diante de várias atividades que sugeriam simular conversações reais e estruturas gramáticas preestabelecidas. Naquele momento tudo fazia parte de um contexto e eles se sentiam parte, mas ao findar o estudo de um conteúdo ou de um ano letivo nada para eles apresentava nexo e valor real. Então nos resta questionar, como educadores: o que faltou durante essa caminhada para que o processo de aprendizagem fosse eficaz?
Desde a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e com o avanço dos estudos na área de Linguística, ficou clara a necessidade de (re)construção de identidades na aprendizagem de línguas estrangeiras que enxergue e trabalhe com o agente real e ativo do processo de ensino-aprendizagem, o aluno, bem como utilize materiais didáticos que o englobem, que lhe atribuam significado e não o tornem mero reprodutor de modelo de estruturas. Faz-se necessário que os diversos componentes da subjetividade estejam presentes diariamente nas aulas de Língua Estrangeira, de modo que a aquisição de linguagem e reconhecimento como indivíduo promova o ambiente apropriado para o desenvolvimento da autonomia em sala de aula.
Então a lacuna deixada pelo ensino regular público no que diz respeito à aquisição de uma segunda língua e que também deixa o aluno da rede conhecedor de apenas uma pequena parcela do que deveria ser ensinado durante as aulas de Inglês precisa ser reduzida gradativa e insistentemente.
O uso dos materiais de dentro nas aulas de LE nas escolas públicas
Espera-se que a escola, como instituição, não forneça apenas instrumentos adequados ao contexto dos alunos de Língua Estrangeira, mas meios de instrução que estimulem a consciência crítica, refletindo habilidades que tenham cunho socialmente justificáveis.
Moita Lopes (1996)
O professor de Língua Inglesa deve se pautar na verdadeira finalidade do ensino de língua estrangeira, que é de inserir o educando no estudo não apenas dos aspectos gramaticais e lexicais do idioma, mas de todos os aspectos sócio-histórico-culturais que sustentam aquela estrutura, a fim de orientar todo o processo da aprendizagem de forma eficiente e eficaz. Focados no real objetivo de aprender uma língua, que é a sobrevivência no mundo real, devemos compreender a espinha que sustenta o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira, de modo que os ambientes de concretização e vivência escolar assumam o seu real sentido educativo, que vai muito além do simples capacitar o aluno a usar determinada língua para fins comunicativos ou cumprir exigências legais.
A escola deve possuir material didático que permita ao discente descobrir novos significados para a sua existência como agente social, político e cultural. Barcelos (2004) afirma que, ao iniciarmos o processo de ensino-aprendizagem de línguas, ou até mesmo antes de seu início, podemos perceber que as crenças, ou seja, o que acreditamos ser verdade sobre esse processo e seus diversos aspectos, nos acompanham. Dessa forma, as crenças deverão servir de alicerce para a aprendizagem e para o ensino de uma língua (materna ou estrangeira). Devido à sua importância, os professores de línguas devem estar cientes do papel das crenças e incluí-las em atividades de sala de aula, tornando-as parte de sua prática.
Scheyerl (2012), em seu capítulo sobre o uso dos materiais de dentro, cita Kellner (1995) para destacar que professores e alunos devem procurar desconstruir as ideologias que essas editoras disseminam, reconhecendo não só como as narrativas, imagens e slogans da mídia globalizada, nos diferentes recursos instrucionais, legitimadores de estilos de vida que jamais serão nossos, mas também como a presença dessas falsas experiências têm perversamente substituído as escolas, famílias e instituições religiosas como definidoras de comportamento, identidade e muito mais.
Segundo Scheyerl, nesse sentido, será bem-vinda a utilização de materiais autênticos, variados, nativos, nativizados, não nativos, gravados ou escritos, que oportunizem a função sociointeracionista e simbólica da língua, de acordo com as dinâmicas de relações de poder que detêm prestígio político e hierarquia social. Além disso, na qualidade de “materiais de dentro”, esses recursos didáticos devem trazer consigo a possibilidade de levar o mundo até a sala de aula, problematizando questões culturais, apresentando um cenário multicultural e integrando as diversas culturas em que as diferenças entre os indivíduos são valorizadas e as variedades de vozes e discursos substituam a visão etnocêntrica dos livros didáticos de línguas estrangeiras (LE).
Ao citar Ryoo e McLaren (2010), Scheyerl afirma que, se os professores forem incentivados a buscar ativamente o conhecimento dos alunos em casa, privilegiando o saber doméstico tão valioso na sala de aula, valorizando a história familiar e experiências de vida, eles também serão capazes de trazer para a sala de aula modos de vida democráticos, críticos e pluriculturais. Esse material de dentro pode, assim, ser incorporado à prática em sala de aula como instrumento de mediação importante para o desenvolvimento da consciência crítica e para a aprendizagem da língua alvo. Com Morin (2001), Scheyerl advoga que é preciso, antes de tudo, “estar aqui” e que a nossa presença nos vários contextos em que circulamos tem de ser integral, ou seja, tem de ser consciente, antropológica, ecológica, cívica e espiritual, como requer a nossa condição humana, afirmando que aprender a estar aqui significa aprender a viver, a dividir, a comunicar, a comungar; é o que se aprende somente nas – e por meio de – culturas singulares. Precisamos doravante aprender a ser, viver, dividir e comunicar, como humanos do planeta Terra, não mais somente pertencer a uma cultura, mas também ser terrenos. Devemos nos dedicar não só a dominar, mas a condicionar, melhorar, compreender o nosso objeto de análise.
Na defesa das práticas interculturais nas aulas de LE, Scheyerl busca em Graman (1998) a defesa aos pontos que devem ser discutidos e considerados nas práticas de sala de aula ao concordar que é na sala de aula, como espaço verdadeiro de aprendizagem, e não uma simulação do mundo real, que alunos e professores analisam criticamente problemas reais e agem para resolvê-los. A ideia que está por trás desse recorte é criar uma comunidade de aprendizes na qual o professor possa apresentar novas imagens e novas mentalidades, atendendo às necessidades reais dos alunos, estimular o interesse e respeito pela voz do outro, incentivar a busca de novos significados, acreditar no desenvolvimento de um pensamento crítico, contribuir para a transformação pessoal e social do aprendiz e transformar sua sala de aula em um microcosmo dos discursos interculturais.
Seguindo ainda os posicionamentos de Scheyerl, vamos além ao partilhar sua visão ao citar Larrosa (1994, p. 48-49) que enxerga a língua estrangeira como um lugar no qual se produzem e se interpretam histórias pessoais. Scheyerl afirma que a língua, como veículo do pensamento do homem, é a manifestação de sua identidade. A pessoa praticamente “assina” a sua fala, porque dela podemos extrair a sua origem geográfica e social, o seu nível de escolarização, mais ou menos a idade, o sexo, a ocupação e principalmente os diversos componentes da subjetividade.
Considerações finais
Embora a busca por materiais didáticos autorais e identitários como veículo de oferta a uma aprendizagem eficiente e eficaz seja comprovadamente elemento de destaque na melhoria da qualidade das aulas de LE, sua aplicação ainda é pequena e pontual.
Faz-se necessário que os professores/educadores desenvolvam técnicas e atividades que possibilitem a aprendizagem concreta e não temporária, como é frequentemente observado durante a vida escolar dos alunos, mas que sirvam para diferentes situações no dia a dia. Encerro citando Barcelos (2004) e sua defesa do alinhamento entre pesquisa e adequação de olhar e linguagem dentro das salas de aula.
Sendo assim, sugiro que mais profissionais e estudiosos da linguagem se engajem na pesquisa sobre o tema e que, diante dos resultados de suas investigações, possam influenciar positivamente numa prática mais efetiva de avaliação, preparação e elaboração de materiais didáticos em todos os níveis de ensino, mas principalmente nos cursos de formação de professores.
Ana Maria Ferreira Barcelos (2012)
Referências
BARCELOS, Ana Maria Ferreira. Explorando crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas em materiais didáticos. In: SCHEYERL, Denise; SIQUEIRA, Sávio (Orgs.) Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, 2012. p. 109-138.
GRAMAN, T. Educating for Humanization: applying Paulo Freire’s Pedagogy to learning a second language. Harvard Educational Review, Cambridge, v. 58, nº 4, p. 433-449, Winter 1998.
KELLNER, D. Media culture: cultural studies, identity, and politics between the modern and the postmodern. New York: Routledge, 1995.
LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O sujeito da educação, estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 35-86.
MOITA LOPES, Luiz Paulo da. “Eles não aprendem português, quanto mais inglês”. A ideologia da falta de aptidão para aprender línguas estrangeiras em alunos de escola pública. In: ______. Oficina de Linguística Aplicada. Campinas: Mercado de Letras, 1996. p. 63-79.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2001.
RAJAGOPALAN, Kanavillil. O papel eminentemente político dos materiais didáticos de inglês como língua estrangeira. In: SCHEYERL, Denise; SIQUEIRA, Sávio (Orgs.). Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, 2012. p. 57-82
RYOO, J. J.; MCLAREN, P. Revolucionando a educação multicultural. Revista da Faeeba – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, nº 34, p. 207-225, jul./dez. 2010.
SCHEYERL, Denise. Práticas ideológicas na elaboração de materiais didáticos para a educação linguística. In: SCHEYERL, Denise; SIQUEIRA, Sávio (Orgs.). Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, 2012. p. 37-56.
_____. O novo “eu” sob a perspectiva ecosófica e como ele pode atuar em aula de língua estrangeira. In: MOTA, Katia; SCHEYERL, Denise (Orgs.). Recortes interculturais na sala de aula de línguas estrangeiras. Salvador: EDUFBA/Instituto de Letras, Departamento de Letras Germânicas, 2004. p. 63-72.
Publicado em 27 de outubro de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
SOUZA, Juliana Gomes de. O uso dos materiais de dentro nas aulas de Língua Inglesa nas escolas públicas. Revista Educação Pública, v. 20, nº 41, 27 de outubro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/41/o-uso-dos-materiais-de-dentro-nas-aulas-de-lingua-inglesa-nas-escolas-publicas
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