Reflexões acerca da inclusão escolar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC): avanços e retrocessos

José Affonso Tavares Silva

Mestre em Ensino de Ciências e Matemática (UFS), graduando em Letras - Libras (UFS)

Vanessa Maria Silva Menezes

Mestra em Ensino de Ciências e Matemática (UFS), professora da rede estadual de Educação de Sergipe

A discussão sobre currículo escolar tem grande destaque na área de Educação, pois é através deste que se propõe o que e como ensinar, além de outras questões inerentes à Educação do sujeito. Na atualidade, a construção e implementação da Base Nacional Comum Curricular – BNCC é um dos assuntos mais comentados entre o professorado e demais profissionais da Educação, já que este documento norteará o que será ensinado no país inteiro.

Nesse contexto, fizeram-se presentes na disciplina de Fundamentos do Currículo e Avaliação Escolar, do mestrado em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal de Sergipe – PPGECIMA/UFS, diversas discussões sobre o tratamento dado pela Base Nacional Comum Curricular a respeito da inclusão de pessoas com deficiência no espaço escolar.

Partindo do pressuposto de que o ensino deve ser colocado da mesma maneira e para todos, o que contempla a pessoa com deficiência, definiu-se como problema deste estudo a seguinte questão: Quais discussões são possíveis encontrar na Base Nacional Comum Curricular sobre a inclusão de pessoas com deficiência no espaço escolar? E, como objetivo principal, analisar as discussões sobre a inclusão de pessoas com deficiência no ambiente escolar, fazendo referência à BNCC.

A pesquisa em destaque se configura como bibliográfica que, para Gil (2008, p. 50), “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Assim, parte-se de ideias da própria Base Nacional Comum Curricular e de autores que pesquisam na área de inclusão e currículo, dentre eles, destacam-se Silva e Moreira (1995).

A referente pesquisa está dividida em três seções, na qual, inicialmente, faz um breve apontamento sobre a inclusão de pessoas com deficiência no país; na segunda seção, explana sobre o currículo escolar, estabelecendo um diálogo com pesquisadores da área, e a última seção expõe sobre a Base Nacional Comum Curricular e o que este documento discute sobre a inclusão de pessoas com deficiência na escola.

A inclusão educacional de pessoas com deficiência no Brasil

A política de inclusão de pessoas com deficiência no Brasil teve grande influência de movimentos realizados internacionalmente. De acordo com a Lei nº 13.146/15, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Segundo Frias e Menezes (2017), tais questões aconteceram a partir da década de 1940, com a Declaração Universal de Direitos Humanos e posteriormente, com maior ênfase, na década de 1990, em favor da implantação de reformas neoliberais.

O momento histórico que perpassava as pessoas com deficiência demonstra a conquista por direitos que estavam sendo privados pela sociedade, pois no seu percurso histórico não davam os mesmos direitos postos aos ditos “normais”, revelando situações de discriminação, exclusão e segregação.

Percebe-se que houve grande avanço neste panorama, em especial na Educação, que dispõe de documentos oficiais que garantem a igualdade de direitos entre todos os indivíduos. A Constituição Federal de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96; as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e a Lei Brasileira de Inclusão, Lei nº 13.146/15, são alguns exemplos desses documentos. Assim,

a Educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (Brasil, 2015).

De acordo com o que explana Brasil, infere-se que o sistema educativo inclusivo abrange todos os níveis de ensino, ou seja, da Educação Básica ao Ensino Superior, promovendo o desenvolvimento educacional da pessoa com deficiência, valorizando e respeitando as suas especificidades e necessidades e, principalmente, repudiar todo tipo de preconceito e discriminação.

No tocante ao sistema educacional inclusivo, é importante salientar a necessidade de um currículo na perspectiva inclusiva, isto é, que seja pensado e refletido no sentido de contribuir para uma escola e um ensino nos quais todos e todas, sem distinção de raça, credo ou algum tipo de deficiência, possam participar efetivamente do processo educacional.

Indagações iniciais sobre currículo

Faz-se necessário expor o conceito de currículo tomado como base para escrever este trabalho. Parte-se do pressuposto de que um currículo não se restringe aos conteúdos escolares específicos; vai além disso e envolve todo o interesse disfarçado que permeia essa escolha, as relações de poder intrínsecas à Educação e os objetivos da mesma. Como afirmam Silva e Moreira (1995, p. 200):

O currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, representação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação de subjetividades sociais.

Com base nisso, o currículo pode representar um instrumento muito relevante de transformações sociais partindo da cultura e da diversidade. É no cotidiano das relações que o documento deve se basear e tomar como ponto de partida para propor uma construção humana focada na Educação.

O respeito à diversidade cultural é um ponto curricular fundamental, pois, como afirmam Silva e Moreira (1995, p. 195), “a escola e o currículo têm sido vistos – e têm realmente cumprido – a tarefa de incorporação de grupos e culturas diversas ao suposto núcleo cultural comum de uma nação”. Isso implica aceitação de uma cultura dominante, desvalorização e desrespeito aos valores dos grupos dominados e, consequentemente, a imposição da força e do poder de classes. A luta é para que se rompa esse paradigma e todos se sintam integrantes da sociedade, da escola, e que seus direitos, anseios e necessidades sejam representados.

O que diz a BNCC sobre a inclusão escolar?

A Base Nacional Comum Curricular é um documento oficial cujo objetivo é normatizar a Educação Básica no que diz respeito às aprendizagens que todos os alunos devem alcançar. Em seu texto inicial, lê-se que a BNCC “soma-se aos propósitos que direcionam a Educação brasileira para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva” (Brasil, 2017, p. 7). Dessa forma, esse documento é o determinante do olhar que a escola lança sobre seus alunos e os valores que serão trabalhados para contribuir com a formação pessoal proposta, não se limitando aos conteúdos específicos ou científicos. Esses aspectos aproximam-se do conceito de currículo escolar, segundo Silva (1999, p. 15):

Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade.

Esse destaque inicial sinaliza uma leitura humanizada, inclusiva, que nos leva a refletir sobre o papel educacional na formação cidadã. O documento se coloca como base para a formulação dos currículos escolares em todas as instituições do país.

O texto documental informa que a BNCC é a referência nacional para direcionar diversos aspectos educacionais referentes à “formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da Educação” (Brasil, 2017, p. 8). Há uma aparente preocupação com aspectos estruturadores pedagógicos e físicos da escola, com a qualidade destes e, sobretudo, uma grande responsabilidade por essa plenitude na Educação do aluno e em seu desenvolvimento.

A BNCC apresenta como justificativa e embasamento legal a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2010 e o Plano Nacional de Educação de 2014, destacando que em todos eles há indicação da necessidade de sua confecção, ao tratar da seleção de conteúdos, diretrizes e currículos que proporcionem uma formação comum a todos, respeitando a diversidade escolar e discente.

Dois fundamentos recebem destaque no documento em questão: a equidade e a igualdade. No primeiro caso, considera-se o trabalho em prol de minimizar a exclusão histórica de alguns grupos, dentre os quais, as pessoas com deficiência, para as quais se compromete “ao reconhecer a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas e de diferenciação curricular” (Brasil, 2017, p. 11). No segundo, há necessidade de oportunizar a todos o direito ao ingresso, a permanência, o aprendizado e o desenvolvimento; portanto, “decorre disso a necessidade de definir, mediante pactuação interfederativa, direitos e objetivos de aprendizagem essenciais a ser alcançados por todos os alunos da Educação Básica” (Brasil, 2017, p. 11).

São determinadas dez competências a serem alcançadas por todos os estudantes durante a Educação Básica. Isso já exclui e desconsidera os casos dos alunos com deficiência, pois padroniza o que deve ser alcançado em todas as disciplinas. Dentre elas, duas chamam a atenção por tratar de diversidade. A sexta determina:

Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao seu projeto de vida pessoal, profissional e social, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade (Brasil, 2017, p. 18).

A competência mencionada destaca a valorização da diversidade no âmbito na sala de aula, compreendendo os sujeitos como seres diferenciados. A nona determina:

Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer (Brasil, 2017, p. 19).

As competências destacadas contemplam o respeito à diversidade existente no espaço da sala de aula, no qual cada discente aprende, de forma diferente, ver o mundo de formas diferenciadas. Assim, é errôneo dizer que a sala de aula é um espaço homogêneo em que reina somente uma forma de pensar, por exemplo. Porém, ambas contradizem com as propostas seguintes para os conteúdos, onde se desconsideram os pontos colocados acima. Os conhecimentos sociais e diversos não são considerados nem colocados dentro das unidades temáticas e objetos do conhecimento propostos, e não são propostas habilidades em que se destaquem essas competências.

Considerações finais

O estudo acerca da reflexão da inclusão escolar na Base Nacional Comum Curricular teve grande relevância para a área da Educação, em especial o currículo, que encadeia todo o processo educativo. As discussões mencionadas foram fruto de inquietações levantadas sobre como seria o tratamento dado à inclusão de pessoas com deficiência na escola, em um documento que pode permear o ensino no país inteiro.

Diante do que foi percebido, há pouca discussão na BNCC sobre a inclusão de alunos com deficiência. Pelo fato de este documento representar o fundamento curricular de todas as escolas do país, o mesmo não apresenta a inclusão escolar como obrigatória, indispensável e fundamental, nem especifica como a mesma se dará nas instituições ou como se trabalha isso em meio aos conhecimentos específicos.

É importante salientar ainda que, apesar de ressaltar a diversidade, o documento não propõe reflexões no ensino em uma perspectiva inclusiva, onde leve em consideração a possibilidade de existir alunos e alunas com algum tipo de deficiência em sala de aula, necessitando de um currículo adaptado e inclusivo, mediante a necessidade e especificidade do discente.

Nesse contexto, o estudo em questão impulsiona a abertura para novas discussões frente à inclusão escolar, currículo e a própria BNCC, onde possibilite reflexão de um ensino democrático e da garantia de uma Educação de qualidade para todos e todas.

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da Educação, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 14 abr. 2020.

______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal/Centro Gráfico, 1988.

______. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2011. Disponível em: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf. Acesso em: 01 jun. 2017.

______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Brasília: MEC/SEF, 2013.

_______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96. Rio de Janeiro: Pargos, 1997.

FRIAS, E. M. A.; MENEZES, M. C. B. Inclusão escolar do aluno com necessidades educacionais especiais: contribuições ao professor do ensino regular. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1462-8.pdf. Acesso em: 18 abr. 2020.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

______; MOREIRA, A. F. (Orgs.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995.

Publicado em 27 de outubro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, José Affonso Tavares; MENEZES, Vanessa Maria Silva. Reflexões acerca da inclusão escolar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC): avanços e retrocessos. Revista Educação Pública , v. 20, nº 41, 27 de outubro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/41/reflexoes-acerca-da-inclusao-escolar-na-base-nacional-comum-curricular-bncc-avancos-e-retrocessos

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